
Cartazes com apologia a 'orgulho branco' colados em Blumenau
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MÁRCIA VAICOMEM VEI-TCHÁ TEIÊ COM A FILHA SOFHYA KOZIKLA PRIPRA, EM FRENTE À RÉPLICA DA CASA SUBTERRÂNEA USADA ANTIGAMENTE PELOS XOKLENG PARA SUPORTAR O FRIO NA ALDEIA BUGIO, EM JOSÉ BOITEUX. FOTO: DANIEL CONZI/SUMAÚMA
Diário de Guerra
POR ÂNGELA BASTOS /SUMAÚMA
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(Continuação) A tensão que antecede o julgamento do marco temporal no Supremo atinge até a comunidade escolar. A preocupação cresceu depois que circulou um vídeo protagonizado por lideranças políticas e agricultores da região que falam em “banho de sangue” e “guerra civil” caso os “capas pretas” (os ministros do Supremo) só olhem para os interesses dos indígenas. Narrado pelo deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC), o vídeo ressalta a importância da “propriedade privada” e das escrituras emitidas a quem comprou a terra, dizendo ser “muito ruim quando a história da gente é jogada na lata de lixo”. O deputado em nenhum momento menciona o que foi feito com o passado ancestral dos Xokleng e a relação deles com a terra, alguns milênios antes da vinda dos imigrantes europeus. Ele encerra afirmando que, se o STF cometer essa “injustiça” (contra o marco temporal), isso será corrigido com “sangue derramado”.
Terrorismo golpista e racista, Pezenti ameaça derramar sangue indígena
Para não espalhar o pânico, as lideranças pediram aos indígenas que não compartilhassem o conteúdo. Mesmo assim, muitos tiveram acesso a ele. Os professores temem represálias e cogitam a antecipação para 5 de julho das férias marcadas para o dia 15 de julho.
Preocupa especialmente a situação dos alunos da educação infantil, que precisam sair dos limites da terra indígena. Todos os dias, a partir das 6 horas, o ônibus com os alunos percorre a estrada que passa por área de agricultores em conflito. Com a invasão de uma creche em Blumenau, em 5 de abril, e o assassinato de quatro crianças, a segurança foi reforçada nas escolas da rede pública estadual. Esse é o caso da Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ, na aldeia Plipatõl, onde vigias se revezam e cones foram colocados no acesso principal. Ninguém entra sem ser identificado.
Mesmo assim, os educadores indígenas estão com medo. “A nossa briga não é contra os agricultores, que também são vítimas do Estado, que vendeu terras que não eram dele, mas a gente sabe que em situações assim as crianças ficam sempre mais vulneráveis”, diz a vice-cacica Jussara Reis dos Santos, 37 anos, filha de mãe Xokleng e de pai descendente de imigrante europeu.
Entre as mulheres, especialmente, a preocupação é maior. Assustadas, algumas pedem para não ser identificadas. “No campo, todo mundo tem arma em casa. A gente sempre enfrentou preconceito pela nossa condição de vida, mas a relação com os vizinhos era normal”, conta uma Xokleng. “Com o marco temporal ficou pior, e nós, as mães, temos medo porque tem muito registro [de armas] de caçadores [Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores, os CACs].” A fala reflete o temor das mulheres às consequências da política do governo Bolsonaro de incentivo ao porte de armas em todo o Brasil.
Pelos menos 150 Xokleng devem acompanhar a votação nesta quarta-feira em Brasília. Um quarto ônibus parte de Florianópolis com estudantes indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina. Nas aldeias, a vontade de participar desse momento histórico é grande. Tanto que cada um dos nove caciques teve que indicar quem faria parte da comitiva. De acordo com Tucum Gakran, cacique-presidente, a incerteza sobre o que vai acontecer em 7 de junho foi considerada. “Não se pode deixar a comunidade desguarnecida, e isso pode acontecer caso a votação se prolongue por alguns dias. Nós encaminhamos ofício ao Ministério Público Federal e ao Ministério dos Povos Indígenas pedindo o envio de policiais federais”, explica ele, que é morador da aldeia Coqueiro. Com relação à antecipação das férias escolares, o cacique disse que a ideia não deve avançar, pois seria necessário encaminhar um pedido formal à Secretaria de Estado da Educação. “O governo de Santa Catarina não está do nosso lado. Além da ação que deu origem ao marco temporal, o atual governador, Jorginho Mello [PL], tem feito forte pressão em Brasília contra a causa Xokleng. Temos professores concursados e tememos que também sofram alguma perseguição”, prevê Tucum.
Município de Dona Emma abrigou células nazistas no passado e está em região com histórico de extremismo
por Matheus Santino /Agência Pública
* Imagens mostram bandeiras com a suástica e simpatizantes de Hitler
* Lei brasileira criminaliza veiculação de símbolos nazistas
Quem visita o prédio da secretaria de Educação de Dona Emma, município com pouco mais de quatro mil habitantes em Santa Catarina, se depara com uma parede repleta de quadros com fotos históricas de famílias da cidade, logo no hall de entrada. Entre elas há imagens de bandeiras com a suástica nazista.
Uma das fotos mostra crianças e um homem em frente a uma escola. Ao fundo, estão hasteadas uma bandeira do Brasil e uma da Alemanha nazista. A imagem está acompanhada da legenda “A escola particular Alemã era mantida pelos pais dos alunos com recursos vindos da Alemanha”.
Em outra foto, sete homens aparecem posando enquanto um deles segura uma bandeira nazista. Na legenda, eles são descritos como “simpatizantes de Hitler em Nova Esperança”, um bairro de Dona Emma. As fotos que ostentam símbolos nazistas se misturam com imagens das famílias que fundaram a região, mas, nas que a suástica aparece não há indicação dos nomes das pessoas.
Segundo a Lei 7716/1989 é crime “veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, tendo pena de dois a cinco anos de reclusão e multa”.
Carlos Bartel é professor de História do Instituto Federal Catarinense (IFC), no campus de Ibirama, município vizinho à Dona Emma. Ele também é autor de um artigo sobre nazismo em Ibirama, chamado "O nazismo está nas ruas: nazismo e Estado Novo no município de Hamônia/Ibirama (1933-1945)", que conta um pouco sobre o passado de alguns municípios da região do Alto Vale do Itajaí. Ele explica que a região tem um forte histórico da presença de núcleos nazistas.
Segundo o professor, Dona Emma fazia parte do município de Hamônia, que tinha esse nome em homenagem à cidade de Hamburgo. A região foi ocupada por uma colonização privada liderada pela Sociedade Colonizadora Hanseática, do norte da Alemanha, que tinha sede na cidade de Hamburgo.
"No município de Hamônia haviam várias células do partido nazista. O personagem mais importante da região era o médico Friedrich Kröner, que eu cito no meu artigo. Ele era um médico que foi trazido para cá pela Sociedade Colonizadora Hanseática e era membro do partido nazista – tinha carteirinha e tudo. Ele conseguiu financiamento com o partido nazista para construir o hospital da Colônia Hamônia e depois da cidade de Hamônia, da qual Dona Emma fazia parte", conta.
Bartel explica que muitos grupos nazistas foram desmanchados durante Estado Novo, na década de 30, e algumas pessoas foram presas, incluindo o médico Friedrich.
Santa Catarina é o segundo estado com o maior número de células nazistas do país, atrás de São Paulo, segundo pesquisa feita pela historiadora Adriana Dias, que foi uma das maiores referências em pesquisa sobre neonazismo no Brasil. Considerando a população dos dois estados, SC ficaria em primeiro lugar em termos proporcionais.
Mesmo que sejam um registro histórico de famílias do local, as fotos não poderiam estar expostas em um prédio público, na avaliação do professor Carlos Bartel. Para ele, as fotos deveriam, pelo menos, estar acompanhadas de um contexto ou explicação. "Poderiam colocar alguma legenda crítica, falando que infelizmente no passado do município isso existiu. Até um tempo atrás, tentava-se apagar essa história aqui da região e agora se faz questão de exibi-la de modo orgulhoso", diz o professor.
A Agência Pública entrou em contato com a prefeitura de Dona Emma pedindo explicações sobre as fotos, mas não obteve retorno até o momento da publicação.
O professor Carlos Bartel conta que os discursos extremistas estão ganhando cada vez mais força na região de Dona Emma, e que casos de racismo e neonazismo são frequentes, mas muitas vezes relativizados ou minimizados pelos gestores, o que pode ser considerado como racismo recreativo.
"Em Ibirama, houve um caso emblemático em que um aluno desenhou uma suástica no quadro e escreveu que o nazismo tinha que ter matado muito mais. Levei à direção do campus e a direção disse que era ‘coisa de adolescente’, que a gente estava exagerando", conta. A reportagem procurou o campus Ibirama, que respondeu: "Em nossos registros não consta denúncia formalizada. Ressaltamos que IFC Campus Ibirama tem como princípio a formação humanística e cidadã, prezamos pelo respeito e pela responsabilização dos atos de ilegalidade e crime. Além de promover ações de sensibilização e conscientização no âmbito do Ensino com o amparo dos Núcleos de Diversidade e Inclusão (NEABI, NEGES e NAPNE)".
O extremismo fez com que a sala de aula se tornasse um lugar de tensão, de acordo com o professor, com docentes sofrendo perseguições e pedindo afastamento de suas funções.
No ano passado, a Pública mostrou como uma rede de políticos da região articulou ataques virtuais contra professores. Na época, um funcionário da prefeitura de Dona Emma, o advogado Pablo Ideker, que ainda ocupa a função de assessor jurídico, participou da campanha de difamação e perseguição contra os docentes, entre eles Carlos Bartel, ajudando a impulsionar mensagens de ódio nas redes sociais.
No ano passado, a Pública mostrou como uma rede de políticos da região articulou ataques virtuais contra professores. Na época, um funcionário da prefeitura de Dona Emma, o advogado Pablo Ideker, que ainda ocupa a função de assessor jurídico, participou da campanha de difamação e perseguição contra os docentes, entre eles Carlos Bartel, ajudando a impulsionar mensagens de ódio nas redes sociais.
Os ataques aconteceram depois que professores do Instituto Federal Catarinense (IFC), no campus de Ibirama, protestaram contra o bloqueio de 14,5% do orçamento de universidades e institutos federais de ensino, determinado pelo governo Bolsonaro. Ideker moveu um processo contra Bartel alegando infrações ou irregularidades no exercício da função pública.
Segundo o professor Bartel, a Comissão de Ética da reitoria do campus de Ibirama acatou a denúncia, mesmo com orientação contrária do Ministério Público em Santa Catarina. O processo foi arquivado em dezembro de 2022, após uma pressão de instituições e professores, mas Bartel não foi comunicado e só soube do arquivamento em abril deste ano. Ideker foi procurado, mas disse que só responderia após a publicação da reportagem.
“Ficamos com essa sombra nos ameaçando. É uma situação bastante difícil do ponto de vista psicológico, porque estamos ali pra dar aula e não para se preocupar com questões de ordem criminal. Daqui a pouco temos que ganhar adicional por risco de vida”, desabafa.
Na época dos protestos, os professores de Ibirama e região também foram atacados pelo Deputado Estadual Jessé Lopes (PL-SC), que fez postagens ofendendo o professor Bartel no dia 10 de abril deste ano. Na publicação, Jessé chama Carlos de “canalha” e “militante esquerdista disfarçado de professor”. As redes sociais do deputado são repletas de ataques a instituições de ensino e professores de Santa Catarina.
“Professor de história do IFC de IBIRAMA/SC culpa BOLSONARISTAS por ASSASSINATOS nas escolas. CANALHA!”, diz um trecho da postagem no Facebook do parlamentar.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
“Fiz toda uma fala sobre esses grupos extremistas dizendo que o bolsonarismo, a incitação ao ódio e a violência são parte do problema e não parte da solução. Uma estudante gravou a minha fala, que eu não vejo nenhum problema, é uma fala pública. O problema é gravar e entregar para grupos extremistas montarem uma peça de fake news e promoverem mais um linchamento nas redes sociais”, diz.
“Como explodiram esses casos de violência fica muito difícil separar o que é grave do que não é, mas se o aluno está com uma arma e consumindo material extremista, isso tem que ser resolvido em outro departamento”, diz Bartel, confessando receio por sua segurança. No momento que um deputado, que um vereador ou que um presidente te xinga publicamente, estão autorizando discurso de ódio e servindo de exemplo pra outras pessoas fazerem como ele”, completa. O deputado Jessé Lopes foi procurado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
“Fiz toda uma fala sobre esses grupos extremistas dizendo que o bolsonarismo, a incitação ao ódio e a violência são parte do problema e não parte da solução. Uma estudante gravou a minha fala, que eu não vejo nenhum problema, é uma fala pública. O problema é gravar e entregar para grupos extremistas montarem uma peça de fake news e promoverem mais um linchamento nas redes sociais”, diz.
“Como explodiram esses casos de violência fica muito difícil separar o que é grave do que não é, mas se o aluno está com uma arma e consumindo material extremista, isso tem que ser resolvido em outro departamento”, diz Bartel, confessando receio por sua segurança. No momento que um deputado, que um vereador ou que um presidente te xinga publicamente, estão autorizando discurso de ódio e servindo de exemplo pra outras pessoas fazerem como ele”, completa. O deputado Jessé Lopes foi procurado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
O presidente da Sérvia prometeu "desarmar" o país reduzindo o número de licenças de porte de armas e enfrentando o problema das armas ilegais, que tem sido desenfreado desde as guerras da década de 1990. "Menos armas significará menos perigo para nossas crianças"
A chegada da primavera geralmente é sinônimo de terraços lotados em Belgrado, a capital da Sérvia. No entanto, neste sábado (6), a populaçéao demonstrou choque e raiva depois que dois tiroteios mataram 17 pessoas em 48 horas, causando comoção no pequeno país dos Bálcãs.
As pessoas estão se perguntando: "Por quê? Na quarta-feira, um estudante de 13 anos em uma área nobre do centro de Belgrado abriu fogo em uma escola, matando oito colegas, sete meninas e um menino, além de um zelador.
Menos de dois dias depois, enquanto a Sérvia ainda estava se recuperando do choque de outro massacre, um homem de 21 anos assassinou oito pessoas com um rifle automático e feriu outras 13 em dois vilarejos a cerca de 60 quilômetros de Belgrado. Ele foi preso após várias horas de fuga.
Neste sábado (6), o segundo dia de luto nacional declarado pelas autoridades, o trauma era palpável nas ruas de Belgrado.
As pessoas continuavam a se reunir do lado de fora da escola Vladislav Ribnikar, a maioria com lírios de calla nas mãos, e faziam fila para assinar um livro de condolências em uma mesa em frente à entrada da escola, guardada pela polícia.
As calçadas ao redor da escola foram transformadas em santuários improvisados, com montes de flores, brinquedos, cartas e poemas, em meio às manchas de cera que pingavam das velas.
"Meu filho queria prestar sua última homenagem aos amigos", disse à AFP Zoran Radojicic, um farmacêutico de 51 anos, depois de assinar o livro de condolências, dizendo que estava "triste, mas acima de tudo com raiva".
O bairro, normalmente movimentado, mergulhou no silêncio, quebrado apenas por soluços abafados e o crepitar das chamas de velas.
"Todos nós somos culpados: os pais, o governo e o sistema educacional", disse Todor Dragicevic, um médico de 28 anos. "Não conseguimos resolver os problemas", concluiu.
Na Sérvia, cerca de 39 em cada 100 pessoas possuem uma arma, a taxa mais alta da Europa para a posse de armas por civis, de acordo com o instituto de pesquisa Small Arms Survey (SAS).
As armas são uma parte importante da cultura do país, após séculos de ocupação, rebelião e guerra.
Apesar disso, os tiroteios são raros e os assassinatos em escolas são inexistentes na história recente da Sérvia. O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, prometeu "desarmar" o país reduzindo o número de licenças de porte de armas e enfrentando o problema das armas ilegais, que tem sido desenfreado desde as guerras da década de 1990. "Menos armas significará menos perigo para nossas crianças", disse ele.
Mas alguns questionam outras possíveis causas dos assassinatos. "Há muito mais agressividade na sociedade", disse Tamara Dzamonja Ignjatovic, presidente da Associação de Psicólogos da Sérvia.
A mídia pró-governo glorifica o estilo de vida dos criminosos. Gângsteres condenados são as estrelas de programas de TV populares.
O próprio presidente Vucic mostrou imagens de corpos desmembrados de supostos criminosos em uma entrevista ao vivo em 2021, dizendo que era importante que os cidadãos "vissem com que tipo de monstros estamos lidando".
"Infelizmente, o comportamento ultrajante de um ser humano em relação a outro é incentivado, seja em reality shows ou no parlamento", disse Dzamonja Ignjatovic.
Mas a tragédia também mostrou um lado mais pacífico da Sérvia. Após os tiroteios, as pessoas atenderam aos pedidos de doação de sangue e milhares saíram às ruas para prestar suas homenagens.
"Muitas pessoas demonstraram solidariedade e empatia, o que é o mais importante hoje (...) Não podemos voltar no tempo, mas podemos amenizar o golpe", disse Dzamonja Ignjatovic.
(Com AFP)
por Gustavo Krause
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Na quarta-feira, 05 do mês corrente, o Brasil amanheceu sob o impacto de mais uma tragédia devastadora: homem, estranho à creche, mata quatro crianças na cidade de Blumenau, em Santa Catarina. Petrificado, fui, aos poucos, despertando do que julgava um pesadelo até tomar conhecimento completo dos fatos.
A fuga do real, um frágil escudo da minha fraqueza interior, me fez mergulhar no silêncio absoluto e pensar sobre a perversidade sem limite. Mudo e triste, ia levando os dias na esperança da cura pelo remédio do tempo.
Recebi conselhos ajuizados: amigo, todo dia as tragédias se repetem; enfrente ou adoeça gravemente; reflita e tente compreender para se colocar ao lado dos que, solidários, não desfalecem diante das patologias individuais e sociais; contraponha a fé que ilumina e a força que transforma, abraçando o engajamento nas causas que se antepõem a todo tipo de violência.
Nada, porém, que aliviasse uma profunda inquietação: o que leva um ser humano a cometer crime tão hediondo? Cético em relação às certezas definitivas, restou-me assumir a consciência do mundo real em que habitam, dentro de cada um de nós, anjos e demônios em permanente conflito.
O primeiro impacto para retomada da consciência veio com a manchete do Estadão “Barbárie vai à escola”. Uma triste coincidência: a escola é (ou deveria ser) o berçário da civilização; espaço de acolhimento, cuidados em que são plantadas sementes civilizatórias de modo a separar o humano do não-humano. Ali, prevaleceram, no gesto destruidor, extrema crueldade e a negação dos afetos naturais que levam até os animais a protegerem seus semelhantes.
A história está repleta de exemplos em que civilizações, para além da guerra cometeram, com requintes inacreditáveis, crimes de genocídio.
Não faltaram notáveis pensadores que identificaram na violência traços sádicos culturalmente reprimidos e, na raiz, as pulsões de vida e de morte.
Neste sentido, as autoras do livro O mal que nos habita (Gwen Adsead, psiquiatra forense do Reino Unido e a escritora e dramaturga Eileen Horn – Companhia das Letras, SP, 2022), cujo título tomei emprestado para o artigo, após vasta experiência de psiquiatra e psicoterapeuta com criminosos violentos, escreveram: “Um fio condutor importante foi meu estudo de afeições na infância em relacionamentos e sua associação com a violência posterior”.
É o ponto de partida das monstruosidades que se alimentam de fatores culturais. socioeconômicos, relacionais e as mensagens políticas que, ostensiva ou sutilmente, fomentam impulsos de medo, ódio e vingança. A propósito, a famosa frase do então primeiro-ministro do Reino Unido, John Major, “A sociedade precisa condenar um pouco mais e compreender um pouco menos”, resultou em graves consequências, acirrando o apetite público por punição.
A violência é uma doença contagiosa e fatal para os sentimentos de solidariedade e esperança. E mais: nos retira a sensibilidade de olhar para as pessoas, sabendo que nós somos mais parecidos do que diferentes. No entanto, o mal que nos habita acende a capacidade de luta pela paz interior e a mobilização inspiradora para continuar abrindo portas e criando espaços que ofereçam um bem que transforma e não nos pode ser tirado: a educação.
A creche Cantinho Bom Pastor vive e viverá, cuidando um dos outros, educando a todos e oferecendo ao próximo o amor universal da comunhão.
A mídia tradicional não avaliou que atrás dele viria a horda que pulou da panela dos horrores, com tiro, porrada e bomba
por Denise Assis /Brasil 247
Quatro crianças mortas a golpes de machadinha. Não me apontem o dedo dizendo que estou sendo rude. Rude é o fato em si. Rude é a situação em que nos metemos. Desta vez, com arma branca. Não importa. A arma mais letal é o ódio. “Um fato isolado”, como se apressou em concluir, imediatamente após o crime horrendo, o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, responsável pelo crime, acontecido em Blumenau.
Às vésperas da Páscoa, quando esperavam ansiosas a visita do coelhinho, as crianças: Bernardo Cunha Machado (de 5 anos); Bernardo Pabst da Cunha (4 anos); Larissa Maia Toldo (7 anos) e Enzo Marchesin (4 anos), não mais estarão aqui, para receber os tradicionais ovos de chocolate. Alguém pulou o muro da creche onde elas estavam, - pensavam os pais, em segurança -, e com golpes violentos interrompeu as suas vidas.
Quando disse acima, “alguém”, estou falando de Luiz Lima, 25 anos, sim, um bolsonarista, que coincidentemente escolheu o dia do depoimento de Bolsonaro, seu “mito”, à Polícia Federal, sobre as joias de 16,5 milhões, das quais tentou se apossar. Tal como naquele 6 de setembro de 2018, quando a pauta da eleição no noticiário foi substituída pelo “atentado” em Juiz de Fora (MG), nessa quarta-feira passou a ser a tragédia de Blumenau.
Nos últimos quatro anos, o que se observou foi o destampar da panela do ódio e da violência, onde fervilhavam todos os sentimentos reprimidos, os egos doloridos, os recalques e preconceitos. Esses demônios, libertos pelas mãos e o discurso do ex-presidente, levaram a que praticamente todos os episódios de violência tivessem como responsáveis os seus seguidores. Era noticiar um crime, e lá estava o autor, de camisa amarela, fazendo arminha com as mãos, nas redes sociais.
Nesta semana, quando tivemos ações coordenadas na mídia, com o jornal Folha de São Paulo declarando em editorial que com menos fel no coração, até que Bolsonaro poderia ser reciclado, e outros veículos dando destaque à pesquisa que o colocam ainda “bem na fita”, apesar de todas as notícias ruins em torno dele, essa “coincidência” não foi bem digerida. Mais um assassino confesso, seguidor de Bolsonaro.
Diante do aumento dos ataques a escolas (o último foi há menos de um mês depois que um adolescente de 13 anos matou uma professora a facadas em uma escola estadual em São Paulo, no dia 27 de março), a professora Luciene Tognetta, do Departamento de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), líder de um grupo de estudos de convivência nas escolas, disse ao Globo:
“Quando acontece algo assim, chama a atenção. Isso também explica, em parte, porque os ataques têm aumentado em intensidade e frequência”. O que a professora apontou ecoa a teoria do pensador francês, Guy Debord, que nos falou do fenômeno em “A Sociedade do Espetáculo”, em 1967. “O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência”, escreveu.
De posse da convicção e do conceito emitido pela professora Tognetta, O Globo e a grande mídia de modo geral decidiu que não vai mais mostrar fotos ou tampouco maiores informações em torno dos assassinos desse tipo de ataques. Não vai permitir, como definiu Debord, que o espetáculo concentre todo o olhar e toda a consciência. Uma atitude com alguns anos de atraso e um quê de ingenuidade.
Esses monstros, que até então habitavam a deep web e eram alimentados apenas por seus pares, na ânsia de projeção, agora afloraram nas redes, que se incumbem de difundir vídeos, imagens e os recados dessa gente. Não há como impedi-los de ganhar espaço. Tivessem pensado antes de incensar uma candidatura fascista, como foi a de Bolsonaro e não teríamos hoje o discurso de ódio escancarado.
Dados da ONG Anti-Defamation League (ADL) exibidos pela pesquisadora Adriana Dias, Doutora em Antropologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) – falecida recentemente -, em entrevista à jornalista Janaína Figueiredo, em 27 de fevereiro de 2022, mostram que hoje o Brasil é o país no mundo onde mais cresce o número de grupos de extrema direita. O estudo mostrava que eles estão concentrados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A pesquisadora dava conta de que havia em todo o país, naquele ano, mais de 530 células extremistas, que Adriana dividiu em categorias, de acordo com as ideologias do grupo, como Hitlerista/Nazista, Negação do Holocausto, Ultranacionalista Branco, Radical Catolicismo, Fascismo, Supremacista, Criatividade Brasil, Masculinismo Supremacia Misógina e Neo-Paganismo racista. Em 2019, a especialista detectou 334 células. A mesma conclusão a que está chegando o ministro Flávio Dino, que mandou mapear com urgência os núcleos nazistas existentes no Brasil.
Quanto ao procedimento da mídia em tentar agora não dar palco para os seguidores do “mito” que perpetram crimes monstruosos País afora, melhor repensar a inutilidade da iniciativa, ante a sociedade do espetáculo das redes. Ao empurrar Bolsonaro rumo à ribalta, em 2019, ela não avaliou que atrás dele viria essa horda que pulou da panela dos horrores, disposta a ganhar espaço à base do tiro, porrada e bomba. Agora, eles são notícia em suas páginas, telas, ou na web. Inevitavelmente.
Ataques violentos em escolas não são casos isolados: vivemos num Brasil que destila ódio – e ele tem um longo lastro, não começou em 2018. Precisamos de múltiplas ações para desmontar esse sentimento identitário.
O Brasil ficou chocado com o assassinato da professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, por um de seus alunos na cidade de São Paulo, e com o atentado contra a creche Cantinho do Bom Pastor, que deixou quatro crianças mortas e outras feridas em Blumenau.
E não era para menos: devemos ficar absolutamente consternados e arrasados, pois estamos diante de uma epidemia de ódio.
O desespero aumenta quando vemos que tais violências tiveram como palco um dos lugares de maior importância na construção de sociedades democráticas: a escola. O espaço que, em tese, deveria ser de segurança para professores, estudantes e funcionários, virou alvo preferido de ações extremistas que se alimentam de ódio, desenvolvendo uma competição doentia e criminosa que vem arregimentando muitos jovens brasileiros a serem mártires de uma seita difícil de ser adjetivada.
As autoridades já estão agindo, e desde o dia 3 de abril vimos uma mudança salutar na postura do jornalismo brasileiro em como tratar esse fenômeno de escalada do ódio, a partir da escuta atenta de especialistas. No mundo que celebra os "15 minutos de fama" – ou os atuais 20 segundos do TikTok –, a epidemia do ódio se constrói em rede, por meio do reconhecimento desses doentes-criminosos, que passam a ser tratados como mártires nessas seitas abjetas. Por isso é fundamental não alimentar essa perspectiva pérfida de sucesso.
Ódio não é novidade no Brasil
Mas, como sabemos, esses casos não são isolados. Nos últimos anos, a escalada do ódio ganhou proporções assustadoras, pautando inúmeras políticas públicas brasileiras, como a tragédia yanomami, ou o desdém de muitas autoridades políticas em relação aos 700 mil mortos na pandemia de coronavírus. Não nos esqueçamos das chacinas que continuam a ditar a vida de muitas pessoas (sobretudo pretas) que vivem nas periferias Brasil afora, no crescimento do feminicídio, nos assassinatos promovidos por brigas banais ou discordância política – como a morte recente do cinegrafista Thiago Leonel Fernandes da Motta, no Rio de Janeiro.
No entanto, é importante dizer isso – sobretudo em plena Sexta-feira da Paixão: o ódio como forma de fazer política e de atuar socialmente não é uma novidade no Brasil. Ainda que tenhamos vivido recentemente a era do "gabinete do ódio", é preciso reconhecer que tal gabinete encontrou ressonância em parcela da sociedade brasileira, alimentando e sendo alimentado pela besta-fera. Isso parece muito estranho em um país que foi forjado na ideia de ser uma nação pacífica, harmoniosa e multirracial – uma espécie de cadinho do mundo. E talvez parte do problema esteja exatamente nisso: a maneira como entendemos o Brasil e nos reconhecemos como brasileiros, nos impede (propositadamente) de uma percepção mais acurada do que também é o Brasil.
Vivemos num Brasil que destila ódio. E esse ódio tem um longo lastro.
Pode parecer um tanto apocalíptico dizer isso, mas a produção histórica está aí, para não nos deixar mentir.
Crise de identidade
Se recuperamos em parte os antecedentes dos dois últimos casos de ódio, veremos que o pressuposto da supremacia branca está presente em ambos. Há quem possa me chamar de identitarista. Embora ache que esse termo reduz o debate, não fugirei dessa alcunha, porque acredito que o que vivemos é também (ou acima de tudo) uma crise de identidade. Há uma espécie de silêncio tácito nessa cultura de ódio, que defende que todos os não brancos sejam entendidos como seres inferiores, e que justamente por isso são receptáculos do ódio e, portanto, passíveis de serem eliminados, independentemente da idade que tenham.
Digo e repito: nossa cultura do ódio não começou em 2018. Ali ela só passou a mostrar sua cara mais feia. Precisamos de múltiplas e combinadas ações para desmontar essa rede e esse sentimento identitário. Porque o ódio cria laços, constrói relações. Infelizmente as pessoas se reconhecem no ódio, e chegam a defender pertenças pátrias a partir desse sentimento. E esse reconhecimento que acompanha nossa história, agora é alimentada por redes que escapam aos órgãos de controle, aos olhares dos pais, e à própria ideia de civilidade.
Já sabemos que as democracias morrem... de morte morrida e de morte matada. Já estivemos por um fio em muitos momentos. E o que sempre nos salvou foi o exercício amplo e crítico da cidadania.
É profundamente sintomático que os últimos dois episódios de violência e ódio tenham ocorrido em escolas. Esse sintoma também é um sinal, um indicativo de que, mais do que nunca, precisamos olhar com mais cuidado e atenção para esses espaços. E aqui, o sujeito da frase é a primeira pessoa do plural: nós, sociedade, precisamos cuidar e ressignificar nossas escolas. Que possamos construir espaços escolares que sejam, efetivamente, lugares de celebração da diversidade, do respeito, do debate, da busca de conhecimento, da alegria, da saúde e da vida.
A morte nesta quarta-feira (5) de quatro crianças que brincavam num parque infantil na creche Cantinho do Bom Pastor, em Blumenau, no Vale do Itajaí, Santa Catarina, chocou o Brasil. O Ministério Público de Santa Catarina pediu em nota que não sejam divulgados dados do criminoso nem imagens do local, mas que cobertura da mídia foque nas vítimas. O caso, que suscitou reações da classe política, acontece menos de dez dias após uma professora ser morta durante ataque em escola paulista.
No fim de março, uma professora de 71 anos foi morta a facadas por um aluno em colégio público da zona oeste de São Paulo. Somente este ano houve apreensão de vários estudantes com armas em escolas do país, entre eles um no Paraná, outro no Distrito Federal e um no interior do São Paulo, que divulgavam ameaças de massacre nas redes sociais.
“Um país, um mundo que mata crianças é tudo menos democracia. É tudo menos um mundo descente. Estamos falhando miseravelmente com as pessoas mais precisam de nós neste país. E nós temos que admitir para dar um passo à frente. Eu queria, em nome do Estado brasileiro, pedir desculpa para você”, afirmou em tom de desabafo o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Sílvio Almeida, enquanto olhava para uma menina durante um discurso.
O presidente Lula disse que não dá para entender tamanha violência. “Para qualquer ser humano que tenha o sentimento cristão, uma tragédia como essa é inaceitável, um comportamento, um ato absurdo de ódio e covardia”, afirmou. “Não há dor maior que a de uma família que perde seus filhos ou netos, ainda mais em um ato de violência contra crianças inocentes e indefesas”, completou o chefe de Estado.
Outras autoridades lamentaram a tragédia pelas redes sociais. “Precisamos acabar com esse ambiente de violência no país”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, comentando as mortes na creche catarinense. O presidente da Câmara, Arthur Lira, também falou sobre o ataque em Santa Catarina, cometido por um homem de 25 anos que pulou o muro da creche com uma machadinha na mão. Lira sugeriu medidas jurídicas mais duras para criminosos nesse caso. “Repugnante, deplorável e injustificável o ataque a creche de SC. Não podemos aplicar atenuantes jurídicos para crimes hediondos. No que for preciso, a sociedade terá o meu apoio para endurecer as medidas punitivas aos que atentam contra a vida”, postou.
Um relatório da equipe de transição do atual governo realizado no fim do ano passado apontou ao menos 35 vítimas de ataques a escolas no Brasil desde o ano 2000. Os dados não incluem as mortes deste ano. O documento aponta como possíveis causas a exposição a bullying e exposição prolongada de processos violentos, como autoritarismo parental, negligência familiar e conteúdo que enaltece a cultura da violência disseminado em redes sociais e aplicativos de mensagens.
“Triste a cultura da violência que se espalhou pelo Brasil. Desta vez, atinge a creche Bom Pastor, em Blumenau”, disse o ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo, Paulo Pimenta. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, também lamentou a morte das crianças. “Que tragédia! Não consigo sequer imaginar a dor dessa terrível e trágica perda. Cada vez mais se fazem necessárias medidas de segurança em escolas e creches do Brasil para prevenir que tragédias como estas não ocorram mais. Punição severa ao assassino!”
A forma como o assassino se portou após o ataque, ao se apresentar à polícia e se entregar, também chamou atenção. Autoridades que investigam o caso não descartam a possibilidade de o caso de São Paulo ter motivado o crime no Sul do país. O Ministério Público de Santa Catarina orientou em nota que profissionais da imprensa evitem identificar o assassino ou divulgar sua biografia, tampouco divulgar imagens da tragédia. “Já há estudos e extensa literatura que indicam que exposição do agressor e de imagens do ocorrido são um estímulo para novos ataques”, afirmou Fernando da Silva Comin, procurador-geral de Justiça do Estado.
O ministro da Secretaria de Direitos Humanos afirmou que a situação da infância como um todo precisa ser revista pelo governo e pela sociedade. “É culpa da sociedade brasileira, do Estado brasileiro, da maneira como temos tratado crianças e adolescentes neste país. Há muito tempo. A maneira como a sociedade em geral, os governos, eu diria que as entidades todas, as empresariais, todo mundo, do jeito como temos tratado as crianças neste país”, disse Sílvio Almeida. “Mas há outro jeito de matar crianças também. Temos cultivado isso e normalizado isso há muito tempo. Temos permitido que as crianças passem fome. Crianças morrem de fome. Temos permitido que crianças fiquem sem escola. Temos permitido, isso há muito tempo, que as crianças morem, não é moradia na verdade, que as crianças fiquem nas ruas”, completou.
Crianças na rua sobrevivendo em meio ao caos do Rio de Janeiro. Trabalho infantil escancarado entre ruas e avenidas. Matéria veiculada na Record RJ.
Infância roubada pela ditadura militar brasileira
O ataque a uma creche na cidade de Blumenau, em Santa Catarina, que matou quatro crianças com idades entre 3 e 7 anos, é o décimo a uma instituição educacional no Brasil nos últimos oito meses, acendendo o alerta sobre a recorrência destes casos no país. Para especialista, a crueldade do crime caracteriza a violência na sociedade atual.
Em países como os Estados Unidos, há tempos os estabelecimentos escolares se tornaram alvos de ataques armados. Desde os anos 1970, os norte-americanos registraram mais de 2000 tiroteios em escolas, muitas vezes executados pelos próprios alunos ou ex-alunos.
Ainda que menos comuns, as escolas europeias também foram palco de agressões. O último caso na França foi a de uma professora de espanhol, apunhalada diante da classe por um de seus alunos, de 16 anos, em uma escola em Saint-Jean-de-Luz, no sul do país.
Os estabelecimentos escolares são símbolos fortes e importantes para os agressores, pois simbolizam o Estado e suas instituições. O ambiente escolar também pode ser sinônimo de maus-tratos para vítimas de bullying.
O Brasil, que parecia até agora poupado deste tipo de violência, começa a temer a “importação” deste modelo de violência. O drama de Santa Catarina aconteceu apenas algumas semanas após uma professora ser assassinada a facadas por um aluno de 13 anos dentro de uma escola, em São Paulo.
Segundo o sociólogo César Barreira, fundador do Observatório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará, o problema ainda não pode ser considerado como fenômeno comum, mas começa a gerar preocupações.
Para ele, o caso da creche do Bom Pastor, em Blumenau, traz dois aspectos que chamam a atenção e caracterizam a violência na sociedade atual: a crueldade e o fato de ser uma violência difusa, podendo atingir a todos.
“O primeiro é a questão da crueldade, que não é uma categoria sociológica, mas que é uma característica muito forte nessas ações de violência”, diz. “É como se a gente tivesse uma exacerbação da violência. Ela é exacerbada e passa a haver ações de crueldade ou crimes de crueldade que fogem praticamente de uma explicação social. A gente quase não consegue entender porque é que determinadas ações ocorrem”, analisa.
Ele cita como exemplo assassinatos durante assaltos, em que a vítima já entregou os bens. “Esse ataque agora é muito carregado disso, de crueldade. São ações que não têm muita explicação social”, diz.
Para Barreira, a arma usada no ataque, a machadinha, ainda que menos letal que uma arma de fogo como as utilizadas em matanças nos Estados Unidos, é um símbolo desta crueldade.
“A gente observa a sociedade como se fosse uma sequência – ainda que ela não seja assim tão lógica. Você tem conflitos sociais, estes conflitos sociais se exacerbam e tornam-se violência. A violência agora se exacerba e se torna crueldade”, explica. Além disso, ele lembra que essa violência contra crianças é “moralmente negada”, já que os menores pertencem a uma categoria “que deve ser protegida”.
Outra característica apontada pelo sociólogo no caso é a “violência difusa” que existe na sociedade contemporânea. Ela se manifesta através da sensação de que todas as pessoas são passíveis de serem vítimas. “Você não tem mais aqueles ‘lugares sagrados’. Nós tínhamos a casa, a escola – que é um bom exemplo disso –, a igreja. Esses lugares deixaram de ser ‘sagrados’, de serem seguros”, diz.
Mas, apesar da existência deste tipo de violência, ele lembra que as pessoas que mais sofrem agressões e crimes no Brasil continuam sendo negros, jovens e pobres. Além disso, as mortes em massacres e chacinas são comuns no país.
“Os massacres, que são caracterizados quando há assassinato de mais de três pessoas, às vezes da mesma família, são cometidos contra pessoas normalmente pobres e moradores de favela e colocados nessa vala comum do tráfico de drogas. Aí já não se busca entender porque houve mortes”, salienta. “As pessoas só vão se preocupar, e isso é outra característica da violência, quando a violência lhes atinge”, diz.
O especialista também não descarta o “bolsonarismo” como um elemento “impulsionador”. “Essa questão do ódio e de que todo mundo deve andar armado, todo mundo sabe que circulação de arma, principalmente a arma de fogo, propicia mais violência”, diz.
“O ódio é uma palavra muito forte. Na sociologia a gente não gosta muito de usar. Primeiro porque é quase indefinível, mas nós, estudiosos dessa temática de violência, nos deparamos com essa questão do ódio”, reconhece.
No caso específico do que aconteceu em Santa Catarina, ele aponta também para o aspecto do uso das redes sociais, que criam a possibilidade deste tipo de fenômeno existir. “As redes sociais, nós sabemos, propiciam essa discussão do ódio, da vingança”, diz.
Em seus trabalhos ele comprovou, além do ódio, a circulação de discursos de crueldade nas plataformas. “A pessoa tem que ser presa, mas depois de ser presa, essa pessoa tem que ser torturada. Aí essa pessoa tem que ser morta, em uma sequência de violência”, analisa.
Barreira diz que concorda com a decisão de alguns veículos de comunicação de não publicar o nome, fotos, vídeos do autor do ataque, que poderia influenciar novos atos de violência. “Eu acho que essa discussão é muito interessante, porque às vezes existe uma certa irresponsabilidade na divulgação de como ocorreu, com muitos detalhes. Nós sabemos que alguns casos as pessoas terminam imitando, isso é fato”, afirma.
Alguns países, como o Canadá, não informam a identidade de suspeitos e detalhes de atos de terrorismo. A ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, também anunciou, em 2019, que não diria o nome do atirador que matou 50 pessoas em duas mesquitas em Christchurch para não fazer publicidade da ação do terrorista.
ANAUÊ! O INTEGRALISMO E O NAZISMO NA REGIÃO DE BLUMENAU
Com depoimentos de acadêmicos e descendentes de alemães da região de Blumenau, o documentário revisita o que aconteceu no período da Segunda Guerra Mundial àquela sociedade: o envolvimento ideológico com o nazismo e integralismo; as informações que tinham sobre o holocausto; como foi tratada esta sociedade pela “nacionalização” e a relação que havia entre alemães e brasileiros natos. Direção e roteiro de Zeca Pires
Brasil encontrou em Jair Bolsonaro um sintetizador do ódio, divulgador em larga escala do sentimento que esteve presente no âmago de uma parte da população
por Aquiles Lins
O massacre realizado em Blumenau nessa quarta-feira (5), onde um homem de 25 anos invadiu uma creche e assassinou quatro crianças entre quatro e sete anos, e deixou outras quatro feridas, é um reflexo da estimulação do ódio promovida durante os últimos quatro anos, sob o governo de Jair Bolsonaro.
O Brasil é hoje o país no mundo onde mais cresce o número de grupos identificados com ideologias de extrema direita como fascismo e nazismo. O número de células neonazistas se multiplicou no país: passou de 72 em 2015 para 1.117 em 2022. A maioria está concentrada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, segundo monitoramento feito pela antropóloga Adriana Dias, doutora pela Unicamp e uma das maiores pesquisadoras sobre o tema no Brasil.
Na primeira metade do século XX, o Brasil foi sede da maior filial do partido nazista fora da Alemanha, com 3.000 membros. Isso explica em parte o aumento das manifestações de ódio no Brasil, um país miscigenado por excelência onde pequenos grupos que espalham tentam emular uma superioridade racial e muitas de gênero. O nazismo é punido no país com base na Lei de Crimes Raciais, e a pena pode chegar a cinco anos de prisão.
Obviamente não podemos descartar o crescimento das manifestações de ódio com o cenário internacional. Em vários países do mundo, como Estados Unidos, Alemanha, Hungria, Polônia, Ucrânia e vários outros países da União Europeia registram grupos de extrema-direita. No Brasil, que, desde sua constituição enquanto território pela Europa, é palco de exploração baseada na raça, encontrou em Jair Bolsonaro um sintetizador do ódio, um divulgador em larga escala de um sentimento que esteve presente no âmago de uma parte da população.
O crescimento da extrema-direita não é passageiro. Apesar de necessário, o reforço no patrulhamento escolar anunciado pelo governo Lula é uma medida paliativa, que não surte efeitos estruturais no combate à disseminação do ódio e do neonazismo bolsonarista.
O combate deve envolver diversos setores do governo federal, de estados, municípios, plataformas de redes digitais e organizações da sociedade civil. Inclusive o capital financeiro. Enquanto este segmento, inclusive, seguir flertando com fascismo, a luta no Brasil será cada vez mais árdua, com muitas mortes a mais.
Cartazes com apologia a 'orgulho branco' colados em Blumenau
Reportagem jornal O Globo in 24/10/2017, e tudo piorou com a ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, e com o nazismo de Bolsonaro (vide tags)
A Polícia Civil investiga a colocação de cartazes com mensagens supremacistas em Blumenau, no Vale do Itajaí. São pelo menos 10 cartazes em postes e pontos de ônibus de duas ruas no Centro da cidade. Uma suástica também foi pichada no bairro Ponte Aguda.
O caso está sendo investigado no mesmo inquérito instaurado para apurar ataques ao ativista e advogado negro Marco Antônio André, que teve cartazes racistas colocados em frente de casa em Blumenau.
“Tem a possibilidade de ser o mesmo grupo, por isso estamos investigando no mesmo inquérito. Os dois casos seriam o mesmo tipo penal, mas no caso do Marco foi mais racismo. Essa situação agora é apologia ao nazismo, com a suástica, com essa questão de hegemonia branca. Além de associação criminosa, se for o mesmo grupo”, detalha o delegado Lucas Gomes de Almeida, da 2ª Delegacia de Polícia de Blumenau.
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