Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento
Passadas as celebrações do novembro negro e do mês que, em nome de Zumbi e Dandara dos Palmares, rememora, denuncia e exige reparações históricas à população negra brasileira, parece vigorar certo silêncio após a efeméride, no que diz respeito à (in)consciência negra nacional. Reinam, todavia, as imagens associadas à violência, ao genocídio, ao caos e aos casos nunca isolados de racismo que, de norte a sul, cortam o território amefricano. Casos que dilaceram famílias e comunidades, aniquilam sujeitos e arrasam possibilidades de vida plena e digna, tal como garantido na Carta Constitucional brasileira.
Imagens de controle, como enunciadas por Patricia Hill Collins, que reforçam práticas de dominação, criminalização e violência, física e simbólica, voltadas à estigmatização e à legitimação de suas próprias operações de morte. Se a morte ocupa um lugar fundamental nessa produção imagética é na medida em que se constitui como ponto de partida, sob a perspectiva do supremacismo branco, do que seja o destino natural e original do corpo negro, que da morte-em-vida à morte factual passaria de um estado de não-ser ao desaparecer, como o desvanecer da imagem de um fantasma – entre mundos, medos e modos de ser pautados pelo negativo.
Em vida, porém, a consciência retinta de ser, de viver e a teimosia tomam forma, rosto, nome e figura do que, sendo, insiste em desarticular os mundos de morte da branquitude e seus mecanismos de sufocamento, acionados por vias diversas. Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento; em vias privadas, pelas mãos de algozes e feitores que chamam de amor (?) a doença que extirpa, subjuga e liquida as vidas de mulheres, sobretudo negras, encontradas em sacos pretos, rios, azulejos frios, imobilizadas em fotos que estampam, cotidianamente, pequenos retângulos de jornais sanguinolentos (até quando?).
Ceifadas, entre promessas de amor eterno e o eterno pedido de desculpas das forças policiais e chefes de Estado, desaparecem, em preto e branco, histórias, narrativas e memórias daquelas que, chacinadas, são condenadas sem inquérito, enquantoco-mandantes são condecorados em cerimônias oficias e oficiosas.
Penso nesses rostos enquanto escrevo e vejo o sorriso, os sulcos da pele, as marcas e linhas longas da vida – interrompidas. Penso nas vidas negras que importam, dizem, e, todavia, seguem conscientemente exterminadas por mãos apocalípticas enquanto, nas escolas, tentamos fazer valer a lei da vida, a lei da justiça e do ensino de história e cultura daquelas que, antes de nós, em diáspora, fizeram valer com seu suor a contra-lei do mundo dos homens injustos.
Passados 20 anos de promulgação da Lei 10.639/03, silentes ou complacentes, a conveniência segue esbranquiçando itinerários formativos. Mas o poder do brado negro desafia o silêncio reinante. Peleja, retumba, sacoleja e desarranja os ritos (fúnebres) de histórias lineares, pomposas e heroicas que não mencionam Dandara, Aqualtune, Marielle, Lélia e Sueli, porque, ali, o pacto sa(n)grado é branco, no masculino.
A consciência nossa é ciência, suor e roda. É repente, desafio e capoeira, ginga com os arranjos, institucionais ou não, há séculos organizados para transportar os corpos em tumbeiros, caveirões e rabecões, para quem a morte passa a ser pena capital e não parte da existência e do mundo compartilhado com a ancestralidade. Até a morte foi saqueada. E soterrada em covas rasas, sem nome, placa ou documento de identificação, para que a indigência devorasse, com o bico afiado, a carne putrefata de quem sonhava com casa própria, formatura e família grande, como Kethlen Romeu e seu filho, assassinado no ventre.
Vingar ainda é desafio na diáspora. Vingar até a última gota de vida, o desafio nas 52 semanas e 1 dia de consciência negra, que perfazem um ano. Nele, todos os dias são voltados ao desfazimento do pacto funesto. Todos os dias são voltados à lembrança do que, recalcado, não pode contentar-se com um único dia ou mês do ano. Emerge, dia a dia, porque nascido em zona de emergência. Contra a virulência, insurgente, gesta resistência na negra consciência da luta pelo que é, foi e será. Todos os dias do ano.
A Lei da Ficha Limpa estabelece uma quantidade excessiva de hipóteses de inelegibilidade, algumas totalmente desvinculadas de critérios judiciais. Assim, não surpreende que sua aplicação rigorosa tenha servido para levar à cassação até mesmo de um deputado federal que passou a carreira no Ministério Público Federal buscando formas de defendê-la, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônicaConsultor Jurídico.
Segundo os eleitoralistas, é questionável a linha argumentativa segundo a qual Deltan Dallagnol (Podemos-PR) foi alvo de uma grande inovação do Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento quecassou seu mandatona última terça-feira (18/5). De fato, não há na jurisprudência da corte outro caso de aplicação da regra que derrubou o ex-chefe da "lava jato", criada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).
Até então, o TSE só discutiu o artigo 1º, inciso I, alínea "q" daLei Complementar 64/1990uma vez, justamente no caso de um companheiro de Curitiba: Sergio Moro. E em dezembro, o tribunal entendeu que o ex-juiz federalnão feriu a regrasegundo a qual está inelegível quem deixa a magistratura na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD).
Para cassar Deltan, por outro lado, a corte usou a vasta tradição brasileira de combate àfraude à lei: o uso de um ato lícito para atingir uma finalidade proibida. Se não tivesse deixado o MPF antecipadamente, os 15 procedimentos dos quais era alvo no Conselho Nacional do Ministério Público, muitos de gravidade, poderiam evoluir para PADs e torna-lo inelegível.
Deltan foi alvo da Lei Ficha Limpa em sua faceta mais criticada desde que foi aprovada em 2010, a toque de caixa e a partir de grande mobilização popular: aquela que cria a possibilidade restringir de um direito fundamental — de votar e ser votado — em hipóteses que não dependem de sentença definitiva, em tese a mais criteriosa das opções.
Como as alterações promovidas na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) tiveram aconstitucionalidade confirmada por maioria de votospelo Supremo Tribunal Federal em 2012, elas vêm sendo aplicadas em todo seu rigor — muitas vezes, inclusive, com o apoio do próprio Dallagnol, que ao deixar de ser pedra rapidamente se descobriu vidraça.
É assim mesmo
"Não houve excepcionalidade alguma", explica o advogadoRodrigo Valgas, quepublicou artigonaConJursobre o tema. "É a reiteração de uma jurisprudência que tem aplicado duramente a Lei da Ficha Limpa. Não tem novidade para o Deltan. Isso que foi feito com ele acontece com prefeitos pelo Brasil inteiro. A jurisprudência é muito dura porque a lei também é muito dura", afirmou.
Para ele, a Lei da Ficha Limpa é uma das piores já editadas no país não apenas por fragilizar direitos fundamentais, mas também por ofender aConvenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário e que, segundo a Súmula Vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal, tem status supralegal — ou seja, acima das leis brasileiras.
O problema é que, pelo texto da convenção, a única condenação que pode restringir o direito de votar e ser eleito é a do processo penal, quando feita por juiz competente. Essa previsão está no artigo 23, item 2. Logo, a Lei da Ficha Limpa é inconvencional. "E o que o Brasil faz? Nada. Ele ignora olimpicamente", critica.
Voto do ministro Benedito Gonçalves puniu Dallagnol pela prática de fraude à lei Antonio Augusto/Secom/TSE
Valgas elogia a fundamentação do voto do relator no TSE, ministro Benedito Gonçalves, mas diverge da conclusão. Para ele, a artimanha usada por Dallagnol só poderia servir para torna-lo inelegível se estivesse prevista na alínea "q". Com isso, não caberia elastecer o conceito de fraude à lei para restringir um direito político fundamental.
Marcelo Aith, que tambémescreveu naConJursobre o tema, é outro a criticar a conclusão do TSE. Destaca que os processos de Deltan no CNMP estavam em fase preparatória, sob contraditório mitigado, mas foram tomados pelo TSE como se prestes a gerar PAD. "É inequívoco que há uma ofensa ao principio do estado de inocência", avalia.
A advogadaPaula Bernardelli, do Neisser e Bernardelli Advocacia, cita as críticas originais sobre o tema, especialmente em relação aos muitos casos em que há a possibilidade de afastar um candidato ou cassar um mandato sem decisão judicial definitiva sobre uma acusação.
"Apesar dessas críticas, no entanto, as hipóteses de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa foram implementadas e julgadas constitucionais há muitos anos. Assim, devem ser aplicadas igualmente à todas as candidaturas, exatamente como fez o TSE nesse caso", conclui.
SegundoRenato Ribeiro de Almeida, o rigor dos julgamentos envolvendo a Lei da Ficha Limpa é uma realidade que se impõe por obra do legislador. "A lei, tal como colocada, é rigorosa", avalia. E contesta os efeitos práticos. "Não vejo que a política tenha melhorado tirando tanta gente de tantos cargos. A realidade foi essa. A gente teve um monte de gente cassada."
Não é só o Deltan
Para além da específica hipótese da alínea "q", que trata de magistrados e membros do MP que tenham deixado o cargo na pendência de processos administrativos disciplinares, a Lei da Ficha Limpa introduziu outras inelegibilidades que não demandam um processo judicial.
Assim como quem cometeu crime ou fraude eleitoral, ficam inelegíveis por oito anos os excluídos do exercício da profissão por decisão de órgão profissional, os demitidos do serviço público e os que, no passado recente, administraram instituições financeiras que tenham se tornado alvo de liquidação judicial ou extrajudicial.
Segundo os advogados, a alínea campeã em derrubar candidaturas é a de letra "g", que pune aqueles que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.
Isso deu aos Tribunais de Contas brasileiros — órgãos independentes que auxiliam o Poder Legislativo a fiscalizar o Executivo — o formidável poder de, ao julgar contas, decidir também a ocorrência de improbidade administrativa sem precisar passar pelo trâmite de ação civil pública.
As conclusões tomadas nos acórdãos assinados por seus membros — que não são juízes togados, mas escolhidos pelo chefe do Executivo e pelo Legislativo — influenciam diretamente os julgamentos da Justiça Eleitoral. E quando não o fazem, ajurisprudência permiteque os tribunais analisem o caso eidentifiquem ou não a existência de ato doloso de improbidade.
"Não é só o Deltan", afirma Rodrigo Valgas. "Quem paga conta é o prefeito, o vereador, o deputado. Não precisa chegar em alguém famoso. É uma situação bem delicada", acrescenta.
"Em relação ao Deltan, há quem possa dizer que é injusto, que ele poderia ter feito um grande mandato", cita Renato Ribeiro de Almeida. "Assim como teriam feito muitos das centenas de ex-prefeitos, vereadores e deputados que tiveram a lei aplicada contra si desde 2010 e seus registros de candidatura negados."
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Nota deste correspondente: Apesar do rigor da Lei da Ficha Limpa, jamais foram cassados os mandatos de assassinos feminicidas, de prticipantes de chacinas (genocídio de jovens negros, genocídio de povos indígenas).
Parlamentares (notadamente oficiais militares e delegados de polícia - a chamada bancada da bala), para conquistar votos, confessam que são homicidas.
Pacíficos pastores, sem nenhum pudor, ou amor cristão, convivem com deputados serial killers. Existem deputados que contam, que cantam mais de cem mortes. É uma selvageria.
FOTO ANTIGA DE UMA MULHER ANÔNIMA, PARTE DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS E AMEAÇADA POR FACÇÃO CRIMINOSA, RETRATADA NA SUA CASA NO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
Casas que alagam, insegurança alimentar, falta de atendimento à saúde e nenhuma perspectiva de futuro – essa é a rotina das pessoas que protegem a Amazônia de inimigos poderosos. Ameaçadas de morte e sem a cobertura efetiva dos programas oficiais de proteção, elas vivem em situação de absoluta indignidade
Até a conclusão desta reportagem, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Pará, que coordena o programa no estado, não havia respondido aos nossos questionamentos. A SOMECDH, ONG que desde 2019 gerencia o programa, por meio de um contrato com o estado, afirmou em um e-mail assinado por seu presidente, Joacy Brito, que “o programa [no Pará] teve início dentro de um governo federal que infelizmente desarticulou, desmontou e desestabilizou todas as políticas já implementadas”, em referência ao mandato de Jair Bolsonaro (PL), mas que mesmo diante disso o programa estadual continuou. “Nosso maior poder é de articulação junto aos órgãos do governo para que os defensores tenham suas necessidades atendidas o mais brevemente possível”, diz Brito. “Quanto à melhoria da segurança especificamente na casa do defensor, essa é uma luta que estamos discutindo quase diariamente. Em breve teremos respostas bem sólidas”, garante. Ele ressalta ainda que o programa subsidia o aluguel das casas provisórias de acordo com uma regra federal e que, se preciso, ajuda com remédios e atendimentos privados de saúde.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou a SUMAÚMA, em e-mail assinado pela nova coordenadora-geral do PPDDH, Luciana Cristina Furquim Pivato, que possui “ações estruturais em curso” para enfrentar os desafios do programa. Entre elas, a criação de um grupo de trabalho técnico para elaborar uma proposta de plano nacional para os protetores e um anteprojeto (uma versão preliminar) de lei para o programa. Isso será feito por meio de um decreto, mas se “garantirá a participação de órgãos e sociedade civil, com paridade e escuta pública”, assegura. Luciana também ressaltou que o órgão está revisando uma portaria de 2018, com parâmetros do programa, para adequar as regras, o valor do subsídio e a assistência às pessoas em acolhimento provisório.
“Alguns casos de defensores dos direitos humanos atendidos pelo PPDDH do Pará chegaram ao conhecimento desta coordenação. Em cada situação temos buscado articular medidas que assegurem o atendimento ou a superação de problemas relatados”, afirmou a coordenadora. “Iremos solicitar, nos próximos dias, reunião com as secretarias de Estado do Pará com o objetivo de dialogar sobre um plano de enfrentamento dos problemas que chegaram ao nosso conhecimento.”
Entidades ouvidas por SUMAÚMA, entretanto, são unânimes em dizer que a vida dos defensores só será, de fato, protegida quando houver celeridade nos processos de demarcação de terra, que se arrastam por anos, acirrando os conflitos, e quando as pessoas que a ameaçam forem, finalmente, responsabilizadas. “Há uma impunidade estrutural das violações contra defensores de direitos humanos. E isso é também uma forma de reforçar a violência e de interromper a luta”, diz Alane Luzia da Silva, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, quefez um relatório sobre as falhasdo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) no ano passado.
Nenhuma das pessoas ouvidas para esta reportagem viu seus algozes na cadeia. “O certo deveria ser abrir uma investigação e punir os culpados”, diz Osvalinda, que calcula já ter registrado mais de 30 boletins de ocorrência sobre situações que envolvem ameaças de morte, subornos e atentados contra a vida dela e de Daniel. “Nossos inimigos são fazendeiros, madeireiros, grileiros, a polícia, vereadores e o prefeito”, elenca.
Depois de permanecerem por quase dois anos e meio na casa provisória alugada pelo programa, Osvalinda e Daniel não aguentaram mais ficar longe da roça onde seus inimigos haviam medido suas covas. “Sou contra tirar o defensor da sua terra. Quando você tira, está dizendo que o crime é superior à lei”, diz ela. Agora, no entanto, eles tiveram que voltar para o “acolhimento provisório”. Osvalinda precisa fazer sua terceira cirurgia do coração. Mas, com a demora na fila do Sistema Único de Saúde (SUS), teve de entrar na Justiça contra o Estado. Mais uma batalha de um coração que sempre lutou muito para seguir batendo.
Revisão ortográfica (português):Elvira Gago Tradução para o espanhol:Meritxell Almarza Tradução para o inglês:Diane Whitty Edição de fotografia:Marcelo Aguilar, Mariana Greif e Pablo Albarenga Montagem da página:Érica Saboya
ERASMO THEOFILO, LIDERANÇA AMEAÇADA DE MORTE EM ANAPU, OBSERVA OS DESENHOS DE SEUS FILHOS NA PAREDE DA CASA ONDE A FAMÍLIA VIVE O EXÍLIO. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
Eldorado do Carajás, Pará. Vinte e um trabalhadores foram mortos naquele 17 de abril. Um massacre tão brutal que o mês de abril passaria a ser chamado de "abril vermelho". Mas, afinal, o que aconteceu em 1996 para que essa continue sendo uma data tão importante para a luta pela terra? É impossível entender a luta pela terra no Brasil sem conhecer a história do massacre de Eldorado do Carajás. De um lado, gente que quer plantar e produzir alimento, mas não tem terra. De outro, quem tem muita terra e muitas vezes nem produz nada, mas tem muito dinheiro e poder.
Pau d'Arco, Pará. Depoimentos de testemunhas indicam que polícia agia em associação com fazendeiros. Em maio, 10 trabalhadores rurais foram mortos. Em julho, uma liderança foi assassinada na mesma região.
* Imagens mostram bandeiras com a suástica e simpatizantes de Hitler * Lei brasileira criminaliza veiculação de símbolos nazistas
Quem visita o prédio da secretaria de Educação de Dona Emma, município com pouco mais de quatro mil habitantes em Santa Catarina, se depara com uma parede repleta de quadros com fotos históricas de famílias da cidade, logo no hall de entrada. Entre elas há imagens de bandeiras com a suástica nazista.
Uma das fotos mostra crianças e um homem em frente a uma escola. Ao fundo, estão hasteadas uma bandeira do Brasil e uma da Alemanha nazista. A imagem está acompanhada da legenda “A escola particular Alemã era mantida pelos pais dos alunos com recursos vindos da Alemanha”.
Em outra foto, sete homens aparecem posando enquanto um deles segura uma bandeira nazista. Na legenda, eles são descritos como “simpatizantes de Hitler em Nova Esperança”, um bairro de Dona Emma. As fotos que ostentam símbolos nazistas se misturam com imagens das famílias que fundaram a região, mas, nas que a suástica aparece não há indicação dos nomes das pessoas.
Segundo a Lei 7716/1989 é crime “veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, tendo pena de dois a cinco anos de reclusão e multa”.
Imagens expostas na Secretaria de Educação de Dona Emma mostram bandeiras com a suástica e simpatizantes de Hitler (foto: Giuliano Bianco)
Carlos Bartel é professor de História do Instituto Federal Catarinense (IFC), no campus de Ibirama, município vizinho à Dona Emma. Ele também é autor de um artigo sobre nazismo em Ibirama, chamado "O nazismo está nas ruas: nazismo e Estado Novo no município de Hamônia/Ibirama (1933-1945)", que conta um pouco sobre o passado de alguns municípios da região do Alto Vale do Itajaí. Ele explica que a região tem um forte histórico da presença de núcleos nazistas.
Segundo o professor, Dona Emma fazia parte do município de Hamônia, que tinha esse nome em homenagem à cidade de Hamburgo. A região foi ocupada por uma colonização privada liderada pela Sociedade Colonizadora Hanseática, do norte da Alemanha, que tinha sede na cidade de Hamburgo.
"No município de Hamônia haviam várias células do partido nazista. O personagem mais importante da região era o médico Friedrich Kröner, que eu cito no meu artigo. Ele era um médico que foi trazido para cá pela Sociedade Colonizadora Hanseática e era membro do partido nazista – tinha carteirinha e tudo. Ele conseguiu financiamento com o partido nazista para construir o hospital da Colônia Hamônia e depois da cidade de Hamônia, da qual Dona Emma fazia parte", conta.
Bartel explica que muitos grupos nazistas foram desmanchados durante Estado Novo, na década de 30, e algumas pessoas foram presas, incluindo o médico Friedrich.
Mesmo que sejam um registro histórico de famílias do local, as fotos não poderiam estar expostas em um prédio público, na avaliação do professor Carlos Bartel. Para ele, as fotos deveriam, pelo menos, estar acompanhadas de um contexto ou explicação. "Poderiam colocar alguma legenda crítica, falando que infelizmente no passado do município isso existiu. Até um tempo atrás, tentava-se apagar essa história aqui da região e agora se faz questão de exibi-la de modo orgulhoso", diz o professor.
AAgência Públicaentrou em contato com a prefeitura de Dona Emma pedindo explicações sobre as fotos, mas não obteve retorno até o momento da publicação.
Discursos extremistas ganharam força na região
O professor Carlos Bartel conta que os discursos extremistas estão ganhando cada vez mais força na região de Dona Emma, e que casos de racismo e neonazismo são frequentes, mas muitas vezes relativizados ou minimizados pelos gestores, o que pode ser considerado comoracismo recreativo.
"Em Ibirama, houve um caso emblemático em que um aluno desenhou uma suástica no quadro e escreveu que o nazismo tinha que ter matado muito mais. Levei à direção do campus e a direção disse que era ‘coisa de adolescente’, que a gente estava exagerando", conta. A reportagem procurou o campus Ibirama, que respondeu: "Em nossos registros não consta denúncia formalizada. Ressaltamos que IFCCampusIbirama tem como princípio a formação humanística e cidadã, prezamos pelo respeito e pela responsabilização dos atos de ilegalidade e crime. Além de promover ações de sensibilização e conscientização no âmbito do Ensino com o amparo dos Núcleos de Diversidade e Inclusão (NEABI, NEGES e NAPNE)".
O extremismo fez com que a sala de aula se tornasse um lugar de tensão, de acordo com o professor, com docentes sofrendo perseguições e pedindo afastamento de suas funções.
Município de Dona Emma abrigou células nazistas no passado e está em região com histórico de extremismo(foto: Giuliano Bianco)
No ano passado,aPúblicamostroucomo uma rede de políticos da região articulou ataques virtuais contra professores. Na época, um funcionário da prefeitura de Dona Emma, o advogado Pablo Ideker, que ainda ocupa a função de assessor jurídico, participou da campanha de difamação e perseguição contra os docentes, entre eles Carlos Bartel, ajudando a impulsionar mensagens de ódio nas redes sociais.
No ano passado, a Pública mostrou como uma rede de políticos da região articulou ataques virtuais contra professores. Na época, um funcionário da prefeitura de Dona Emma, o advogado Pablo Ideker, que ainda ocupa a função de assessor jurídico, participou da campanha de difamação e perseguição contra os docentes, entre eles Carlos Bartel, ajudando a impulsionar mensagens de ódio nas redes sociais.
Os ataques aconteceram depois que professores do Instituto Federal Catarinense (IFC), no campus de Ibirama, protestaram contra o bloqueio de 14,5% do orçamento de universidades e institutos federais de ensino, determinado pelo governo Bolsonaro. Ideker moveu um processo contra Bartel alegando infrações ou irregularidades no exercício da função pública.
Segundo o professor Bartel, a Comissão de Ética da reitoria do campus de Ibirama acatou a denúncia, mesmo com orientação contrária do Ministério Público em Santa Catarina. O processo foi arquivado em dezembro de 2022, após uma pressão de instituições e professores, mas Bartel não foi comunicado e só soube do arquivamento em abril deste ano. Ideker foi procurado, mas disse que só responderia após a publicação da reportagem.
“Ficamos com essa sombra nos ameaçando. É uma situação bastante difícil do ponto de vista psicológico, porque estamos ali pra dar aula e não para se preocupar com questões de ordem criminal. Daqui a pouco temos que ganhar adicional por risco de vida”, desabafa.
Na época dos protestos, os professores de Ibirama e região também foram atacados pelo Deputado Estadual Jessé Lopes (PL-SC), que fez postagens ofendendo o professor Bartel no dia 10 de abril deste ano. Na publicação, Jessé chama Carlos de “canalha” e “militante esquerdista disfarçado de professor”. As redes sociais do deputado são repletas de ataques a instituições de ensino e professores de Santa Catarina.
Deputado Jessé Lopes
10 de abr
“Professor de história do IFC de IBIRAMA/SC culpa BOLSONARISTAS por ASSASSINATOS nas escolas. CANALHA!”
-Um militante esquerdista disfarçado de professor culpou os bolsonaristas pelo ataque à creche de Blumenau, dizendo que o possível motivo do crime foi a crítica que se faz contra a doutrinação de esquerda nas escolas de Santa Catarina.
=No áudio, é possível ouvir ele afirmar "o bolsonarista entrou ali e mayou covardemente quatro crianças".
Depois, esse cana;ha fala do adolescente que matou uma professora em SO e liga os casos de maneira forçada e teatral para defender a sua tese esdrúxula de que o araque em Blumenau foi motivado por política, insinuando que os bolsonaristas sejam assassinos de crianças inocentes.
-A canalhice deste sem-vergonha é tão grande e baixa, que me spanta ver que um safado esquerdista pode chegar a um nível tão cretino. A situação não vai ficar assim. Este mentiroso safado vai responder pela grave acusação que fez.
Publicação de deputado Jessé Lopes com ofensas contra o professor Bartel. O deputado apagou a postagem no Twitter
Deputado Jessé Lopes fazendo arminha com as mãos
“Professor de história do IFC de IBIRAMA/SC culpa BOLSONARISTAS por ASSASSINATOS nas escolas. CANALHA!”, diz um trecho da postagem no Facebook do parlamentar.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
“Fiz toda uma fala sobre esses grupos extremistas dizendo que o bolsonarismo, a incitação ao ódio e a violência são parte do problema e não parte da solução. Uma estudante gravou a minha fala, que eu não vejo nenhum problema, é uma fala pública. O problema é gravar e entregar para grupos extremistas montarem uma peça de fake news e promoverem mais um linchamento nas redes sociais”, diz.
“Como explodiram esses casos de violência fica muito difícil separar o que é grave do que não é, mas se o aluno está com uma arma e consumindo material extremista, isso tem que ser resolvido em outro departamento”, diz Bartel, confessando receio por sua segurança. No momento que um deputado, que um vereador ou que um presidente te xinga publicamente, estão autorizando discurso de ódio e servindo de exemplo pra outras pessoas fazerem como ele”, completa. O deputado Jessé Lopes foi procurado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
O professor explica que busca trabalhar a questão de discursos de ódio e violência nas escolas com os estudantes durante as aulas. O ataque do parlamentar teria sido motivado por uma declaração dele em sala de aula, gravada por um aluno e compartilhada em grupos extremistas que compartilham conteúdos armamentistas nas redes. Ele conta que, ao desejar feliz Páscoa, disse que a região do Vale do Itajaí não tinha muito o que comemorar, em função do ataque praticado à creche de Blumenau que deixou quatro crianças mortas em abril.
Carlos Bartel conta que o caso foi levado até a direção do campus de Ibirama, que fez uma nota dizendo que a estudante compartilhou a gravação de modo impensado. “Esse deputado incita a população a nos violentar e agredir. Nós estamos em um município de origem nazista e integralista, isso aí é como tu botar fogo num barril de pólvora. Isso não é impensado, se ela me grava de manhã e durante à tarde já viralizou nas redes sociais, isso é uma articulação muito bem planejada e muito bem coordenada”, completa.
“Fiz toda uma fala sobre esses grupos extremistas dizendo que o bolsonarismo, a incitação ao ódio e a violência são parte do problema e não parte da solução. Uma estudante gravou a minha fala, que eu não vejo nenhum problema, é uma fala pública. O problema é gravar e entregar para grupos extremistas montarem uma peça de fake news e promoverem mais um linchamento nas redes sociais”, diz.
“Como explodiram esses casos de violência fica muito difícil separar o que é grave do que não é, mas se o aluno está com uma arma e consumindo material extremista, isso tem que ser resolvido em outro departamento”, diz Bartel, confessando receio por sua segurança. No momento que um deputado, que um vereador ou que um presidente te xinga publicamente, estão autorizando discurso de ódio e servindo de exemplo pra outras pessoas fazerem como ele”, completa. O deputado Jessé Lopes foi procurado, mas não respondeu os questionamentos da reportagem.
[Teve quem rasgou a arte verdadeira de Latuff na Câmara dos Deputados. Numa exposição do Congresso Nacional. A verdadeira arte, pela beleza dos traços e cores. Verdadeira por retratar a realidade brasileira de uma polícia racista, nazista, que vem praticando, impunemente, o genocído de jovens negros.
E vem o arruaceiro e covarde deputado para publicar sua versão: "Arrumando a charge agora assim está".
Covarde, sim. Republicou a charge apagando o rosto do ministro do STF]
Uma menina deposita flores para as vítimas em frente à escola Vladimir Ribnikar, dois dias depois que um garoto de 13 anos usou as armas do pai para matar oito colegas e um guarda, em Belgrado, Sérvia, na sexta-feira, 5 de maio de 2023.AP - Darko Vojinovic
O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, anunciou nesta sexta-feira (5) um grande plano de desarmamento após duas chacinas em menos de 48 horas neste pequeno país dos Bálcãs. De acordo com a ONG suíça Small Arms Survey, a Sérvia foi, em 2018, o terceiro país do mundo em termos de circulação de armas de fogo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Iêmen, com 39 armas por 100 habitantes. Como isso pode ser explicado?
Os dois tiroteios, nos quais um total de 17 pessoas morreram, horrorizaram os sérvios. Seu presidente prometeu reduzir drasticamente o número de armas legais e enfrentar o problema das armas ilegais com o objetivo de alcançar o "desarmamento quase completo daSérvia".
O governo disse em um comunicado que queria "reduzir em 90% o número de armas pequenas em poder de indivíduos e empresas". O Ministério do Interior da Sérvia também "lançará um apelo público aos detentores de armas ilegais e dispositivos explosivos para que os entreguem [às autoridades] dentro de um mês, sem risco de processo".
A promessa de Vucic foi feita após a prisão, nesta sexta-feira (5), de um homem suspeito de matar oito pessoas e ferir pelo menos 14 outras.
Na década de 1990, como resultado das guerras que levaram ao fim da Iugoslávia e dos conflitos subsequentes nas diferentes áreas da região, um grande número de armas de fogo circulava nos Bálcãs. Já em 1989, sob o regime de Tito, 6,1 milhões de armas leves foram registradas, de acordo com um relatório do Ministério da Defesa e do Instituto de Relações Institucionais e Estratégicas da França (Iris), em 2017.
O fim dos combates levou a uma diminuição da demanda, mas não levou a uma diminuição do número de armas em circulação. A manutenção da indústria de armas local é um dos motivos, de acordo com o Iris. "Seja na Sérvia, na Croácia ou em Montenegro, armas pequenas e leves continuam a ser produzidas", explica o relatório. O relatório também destaca o "desvio dos estoques do exército" e a "corrupção", ligados em particular aos "baixos salários dos trabalhadores e à baixa remuneração dos soldados".
De acordo com a Small Arms Survey, havia, em 2018, 2,7 milhões de armas de fogo de propriedade de civis na Sérvia, para 7 milhões de habitantes. Dessas, 1,18 milhão estavam oficialmente registradas e 1,53 milhão não registradas.
Alguns dos fuzis de assalto usados nos ataques terroristas de 13 de novembro de 2015 em Paris foram produzidos pela antiga fábrica de armas da Iugoslávia. Em janeiro do mesmo ano,os assassinos do Charlie Hebdousaram um lançador de foguetes dos Bálcãs, informou a agência AFP em 2021.
O presidente da Sérvia prometeu "desarmar" o país reduzindo o número de licenças de porte de armas e enfrentando o problema das armas ilegais, que tem sido desenfreado desde as guerras da década de 1990. "Menos armas significará menos perigo para nossas crianças"
Texto por RFI
A chegada da primavera geralmente é sinônimo de terraços lotados em Belgrado, a capital da Sérvia. No entanto, neste sábado (6), a populaçéao demonstrou choque e raiva depois que dois tiroteios mataram 17 pessoas em 48 horas, causando comoção no pequeno país dos Bálcãs.
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As pessoas estão se perguntando: "Por quê? Na quarta-feira, um estudante de 13 anos em uma área nobre do centro de Belgrado abriu fogo em uma escola, matando oito colegas, sete meninas e um menino, além de um zelador.
Menos de dois dias depois, enquanto aSérviaainda estava se recuperando do choque de outro massacre, um homem de 21 anos assassinou oito pessoas com um rifle automático e feriu outras 13 em dois vilarejos a cerca de 60 quilômetros de Belgrado. Ele foi preso após várias horas de fuga.
Neste sábado (6), o segundo dia delutonacional declarado pelas autoridades, o trauma era palpável nas ruas de Belgrado.
As pessoas continuavam a se reunir do lado de fora da escola Vladislav Ribnikar, a maioria com lírios de calla nas mãos, e faziam fila para assinar um livro de condolências em uma mesa em frente à entrada da escola, guardada pela polícia.
As calçadas ao redor da escola foram transformadas em santuários improvisados, com montes de flores, brinquedos, cartas e poemas, em meio às manchas de cera que pingavam das velas.
Última homenagem
"Meu filho queria prestar sua última homenagem aos amigos", disse à AFP Zoran Radojicic, um farmacêutico de 51 anos, depois de assinar o livro de condolências, dizendo que estava "triste, mas acima de tudo com raiva".
O bairro, normalmente movimentado, mergulhou no silêncio, quebrado apenas por soluços abafados e o crepitar das chamas de velas.
"Todos nós somos culpados: os pais, o governo e o sistema educacional", disse Todor Dragicevic, um médico de 28 anos. "Não conseguimos resolver os problemas", concluiu.
NaSérvia, cerca de 39 em cada 100 pessoas possuem uma arma, a taxa mais alta da Europa para a posse de armas por civis, de acordo com o instituto de pesquisa Small Arms Survey (SAS).
As armas são uma parte importante da cultura do país, após séculos de ocupação, rebelião e guerra.
Apesar disso, os tiroteios são raros e os assassinatos em escolas são inexistentes na história recente daSérvia. O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, prometeu "desarmar" o país reduzindo o número de licenças de porte de armas e enfrentando o problema das armas ilegais, que tem sido desenfreado desde as guerras da década de 1990. "Menos armas significará menos perigo para nossas crianças", disse ele.
Mas alguns questionam outras possíveis causas dos assassinatos. "Há muito mais agressividade na sociedade", disse Tamara Dzamonja Ignjatovic, presidente da Associação de Psicólogos daSérvia.
Suavizando o golpe
A mídia pró-governo glorifica o estilo de vida dos criminosos. Gângsteres condenados são as estrelas de programas de TV populares.
O próprio presidente Vucic mostrou imagens de corpos desmembrados de supostos criminosos em uma entrevista ao vivo em 2021, dizendo que era importante que os cidadãos "vissem com que tipo de monstros estamos lidando".
"Infelizmente, o comportamento ultrajante de um ser humano em relação a outro é incentivado, seja em reality shows ou no parlamento", disse Dzamonja Ignjatovic.
Mas a tragédia também mostrou um lado mais pacífico daSérvia. Após os tiroteios, as pessoas atenderam aos pedidos de doação de sangue e milhares saíram às ruas para prestar suas homenagens.
"Muitas pessoas demonstraram solidariedade e empatia, o que é o mais importante hoje (...) Não podemos voltar no tempo, mas podemos amenizar o golpe", disse Dzamonja Ignjatovic.
Uma tática de guerra muito eficiente usada no passado consistia em mandar os soldados para o front e, em seguida, destruir os meios que poderiam ser usados numa possível retirada, sem um plano B. Ou seja, ou os soldados ganhavam a guerra, ou morriam por lá tentando. E o que isso tem a ver com a sociedade brasileira?
O país encontra-se em meio às desavenças ideológicas e, como consequência disso, intensificam-se cada vez mais as supostas separações com classificação obrigatória entre raças superior e inferior, num completo desconhecimento da realidade. Observa-se que um dos elementos usados nesse contexto de injustiças sociais é o destaque pejorativo dado aos diferentes tons de pele que compõem o nosso povo.
Com o implemento dessa guerra, o Brasil perde e sangra enquanto nação, pois seus filhos, hoje divididos e ofuscados pela discórdia usada como cortina de fumaça, assistem paralisados aos seus bens escoarem continente afora. Então, como parte da enganação, fomenta-se uma constante tensão e divisão social que extrapolam os limites do pensamento e se traduzem em perseguições culturais.
Com base nessa argumentação forçada, alguns maus brasileiros exibem com soberba a sua descendência de origem europeia e assemelhados. Em ato contínuo, eles menosprezam a origem econômica frágil da outra parte da população, chegando ao ápice dos insultos racistas, com um convite cínico para que ela retorne para a África. Esquecem, contudo, que este mesmo grupo foi desprovido de acesso direto à sua história, cultura e aos seus bens desde a retirada violenta e forçada da terra natal.
Salientando que o rapto coletivo desse povo teve o vil propósito de atender às demandas econômicas da época e, no caso em tela, com o fim de construir um país do nada — na visão colonial. E foi esse mesmo país que lhes negou até o direito de recuperarem a própria dignidade. Como se não bastassem os insultos ao longo dessa jornada, ainda atribuem às chamadas minorias, de forma cruel, o peso do subdesenvolvimento nacional. Ignoram, no entanto, e de forma deliberada, as inúmeras contribuições entregues pelas populações subalternizadas de forma voluntária e involuntária para o engrandecimento da nossa nação.
Direto ao ponto, então. Alguns líderes não pensam no Brasil como nação, mas como um buraco a ser explorado, usando o povo como instrumento manipulável. O que se vê em comum entre esses governantes é que agem como se estivessem aqui de passagem, sempre com segundos interesses, notadamente fora das nossas fronteiras.
Acontece que as retiradas de forma clandestina das nossas riquezas, com a transferência sorrateira e covarde para paraísos fiscais, é um dos verdadeiros motivos do nosso atraso econômico e cultural. Certamente, o grupo de maioria minorizada, a população negra e outras minorias são inocentes nesse quesito.
O fato é que por aqui temos um grupo de privilegiados pela herança recebida ao longo de séculos de desequilíbrio social. E, infelizmente, uma parcela considerável dessa mesma casta abusa do poder de simplesmente desaparecer para outro país. Alguns fazem isso usando a prerrogativa da dupla cidadania, que nada mais é que uma eficiente ferramenta para continuarem coletando riquezas aqui e levando para fora.
São invisíveis e intocáveis aos olhos de seus iguais. E, com a impunidade reiterada, deixam para trás irmãos de pátria minguando de fome e desespero. No retorno seguro para o seio dos seus distantes ancestrais no exterior, são recebidos por estranhos ávidos por desfrutarem de suas bagagens milionárias.
Então, se algum radical se sentir incomodado com a abertura social reclamada pelos grupos minorizados, ou por minorias em espaços de poder, é urgente que se respeite as manifestações culturais demonstradas por elas. Entendam seu passado e a sua luta de resistência a toda dominação e alienação imposta ao longo desses anos. O mínimo que se pede é tolerância e igualdade. Sobretudo, que não os mandem voltar para a África.
A maioria dos imigrantes contratados e pagos vieram para o Brasil e mantiveram suas expressões culturais, patrimônios e descendências preservadas. Isso é louvável e o correto de acontecer. Os escravizados, por sua vez, foram arrastados e mantiveram apenas parte de suas almas intactas. Para eles, não existiam nem existem meios para o retorno, uma vez que muito foi destruído há séculos na origem, ao menos como as conheceram seus ancestrais. A vontade de vencer é muito grande. E, especialmente para os afrodescendentes brasileiros, não existe plano B salvador. Ou aqui eles ganham a guerra contra a injustiça, ou morrerão tentando.
Ex-assessor do senador Zequinha Marinho (PL-PA), o pecuarista Luciano Guedes foi presença constante em Brasília e no acampamento em frente ao quartel-general do Exército (Reprodução/Redes Sociais)
Pecuaristas, garimpeiros e políticos aparecem nas redes sociais pedindo intervenção e convocando seguidores de Bolsonaro para protestos golpistas em Marabá (PA) e Brasília (DF); reduto de grupo, Sul do Pará é marcado por desmatamento e garimpo ilegal
por Gisele Lobato, Hélen Freitas e Diego Junqueira /Repórter Brasil
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Um pastor garimpeiro, um acusado de assassinato de sem-terra, umpecuaristacom multa milionária por desmatamento e até o ex-assessor de um senador. Esses são alguns representantes da elite rural do Sul do Pará que não apenas estão inconformados com a derrota de Jair Bolsonaro (PL), como fazem campanha aberta por um golpe militar desde a eleição presidencial.
Vídeos e fotografias obtidos com exclusividade pelaRepórter Brasilmostram fazendeiros, comerciantes egarimpeirosda região participando de atos golpistas, tanto em seus redutos como em Brasília. Com cartazes ou palavras de ordem, convocam as Forças Armadas, espalham notícias falsas e instigam mais brasileiros a se rebelarem contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Todos são apoiadores de Bolsonaro – alguns, inclusive, fizeram doação de campanha – e vivem em uma região marcada por altos níveis de desmatamento, grilagem de terras públicas, pecuária predatória e garimpo ilegal, inclusive dentro de terras indígenas.
Pecuaristas dessa região utilizaram o Pix de uma loja de informática de Xinguara (PA) para financiar acampamentos em Marabá (PA) e Brasília (DF),conforme revelou aRepórter Brasil. Entre os fazendeiros que compartilharam a campanha de arrecadação em grupos de WhatsApp estãoEnric Lauriano, candidato a 1º suplente de senador na chapa de Flexa Ribeiro (PP/PA) no ano passado, e seu pai,Onício Lauriano, que possui fazendas espalhadas por pelo menos três municípios do Pará. Em maio do ano passado, Enric participou de um almoço com Bolsonaro representando o sindicato rural de Xinguara.
Mas a família não é a única no Sul do Pará que clama por intervenção militar. Levantamento daRepórter Brasilmostra como os ataques à democracia tiveram amplo respaldo entre grandes empresários de uma região beneficiada pelapolítica antiambientalde Bolsonaro, e cuja elite se sente ameaçada com apromessa do governo Lula de fechar o cercoaos destruidores da Amazônia.
Foi com destino a Marabá (PA) que o comercianteWellington Francisco Rosasaiu de casa após a vitória de Lula, ainda em novembro. De mala pronta, chapéu e camiseta da campanha de Bolsonaro, gravou um vídeo em que se dizia “mais um brasileiro indignado”. “Vou lutar bravamente para que as autoridades brasileiras possam ser claras e objetivas quanto ao resultado das urnas no dia da eleição.”
Em Marabá está o 52º Batalhão de Infantaria de Selva, um dospontos de encontro dos atos antidemocráticos no Pará. Mas os protestos dos fazendeiros não ficaram restritos ao estado: no acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército em Brasília, havia uma barracabancadapor empresários bolsonaristas do Sul do Pará.
Em dezembro, Rosa esteve no acampamento golpista da capital e convocou “todos os brasileiros de bem” a se juntarem aos manifestantes nos dias 10, 11 e 12 daquele mês, quando seria estabelecido “o dia da vitória, o dia D”. “Nesses 3 dias, se você puder vir para cá, nós vamos estabelecer a vitória. O Exército brasileiro vai agir a nosso favor”, profetizou.
Mais conhecido comoT.A, Rosa é dono da Casa da Roça, rede com 12 lojas de produtos agropecuários espalhadas por nove cidades do Pará e capital social que ultrapassa R$ 4 milhões.
Assim como a família Lauriano, o empresário também milita no grupo Direita Xinguara, organização conhecida na região por fazer campanhas de apoio a Bolsonaro e por divulgar ataques a Lula e à esquerda.
No vídeo em que convoca os bolsonaristas para o “dia D”, Rosa tem a seu lado outros dois pecuaristas do Sul do Pará. À sua esquerda, de boné, estáLázaro de Deus Vieira Neto, conhecido como “Lazinho”, um dos acusados do assassinato de duas lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Parauapebas (PA), em abril de 1998. O caso segue na Justiça e deve ir a júri popular. O fazendeiroafirma ser inocentee que não estava no local do crime quando os sem-terra foram assassinados.
Fornecedor de gado para frigoríficos de grandes multinacionais, Netodoou R$ 100 mil na pré-campanhapara o diretório nacional do PL em 2022, e mais R$ 1.000 para a campanha à reeleição de Bolsonaro.
O outro homem que aparece nas imagens éJoão Franco da Silveira Bueno, pecuarista que recebeu mais de R$ 9 milhões em multas ambientais de 2009 a 2019, por vender gado proveniente de áreas embargadas em São Félix do Xingu, segundo o Ibama. No último dia 12, o produtor foi alvo dedenúncia do MPF na Justiçapor descumprir o embargo e “impedir e dificultar a regeneração natural de florestas mediante o manejo de gado”.
O pecuarista foi um dos principais financiadores da campanha de Flexa Ribeiro ao cargo de senador pelo Pará em 2022, com R$ 120 mil. Doou outros R$ 5.000 para Bolsonaro.
Vieira Neto e Bueno aparecem em um segundo vídeo gravado no acampamento do QG de Brasília, ao lado de outros bolsonaristas do Pará, convocando manifestantes a se juntarem ao grupo.
ARepórter Brasiltentou contato com Rosa, Neto e Bueno por meio de seus advogados, mas não obteve retorno. A reportagem também procurou o ex-senador Flexa Ribeiro por e-mail, telefone e redes sociais, mas não recebeu resposta.
Empresários estão ligados ao grupo Direita Xinguara, conhecido por defender Bolsonaro e atacar Lula em outdoors e redes sociais. Outdoor do deputado Caveira (delegado Lenildo Mendes Santos Sertão) condenado por propaganda caluniosa. Leia aqui
Delegado Lenildo Mendes Santos Sertão, o Caveira
Desde que começaram as prisões dos golpistas em Brasília, o médico veterinário e produtor ruralLuciano Guedesusa suas redes sociais para questionar a legalidade das detenções, espalhar fake news e acusar o Exército brasileiro de ser “traidor do povo”. “As Forças Armadas entregaram os patriotas aos comunistas para serem torturados”, protestou ele, que também é apoiador de grupos direitistas do Sul do Pará.
De agosto de 2019 a julho do ano passado, Guedes ocupou cargo comissionado no gabinete do senador Zequinha Marinho (PL-PA), quechegou a receber em Brasília uma cooperativa de garimpeiros suspeita de exploração ilegal de ourona Amazônia. Em 2012, quando não conseguiu se reeleger prefeito de Pau D’Arco (PA), Guedes declarou patrimônio de R$ 12,4 milhões, distribuído entre fazendas, veículos e cabeças de gado, dentre outros bens. Mesmo milionário, recebia salário bruto de R$ 5.735,93 como auxiliar parlamentar júnior de Marinho.
O produtor rural atuou ativamente na campanha fracassada de Marinho a governador do Pará em 2022, e esteve em Brasília no dia 7 de setembro para manifestar seu apoio a Bolsonaro. “Faça o que for necessário”, pediu ao então presidente, de cartaz na mão. Com a derrota do candidato, passou a frequentar protestos em quartéis, segundo imagens publicadas em suas redes sociais.
Em Brasília, no dia 9 de dezembro, testemunhou as primeiras declarações de Bolsonaro a seus apoiadores após semanas de reclusão, em frente ao Palácio da Alvorada. “O presidente transmitiu a mensagem de esperança e sabedoria, que nós podemos acreditar que vamos ter um país justo, um país construído por homens que não são covardes, e vamos confiar nas Forças Armadas”, declarou.
Em outro vídeo, aparece à frente de um protesto no batalhão de Marabá carregando um cartaz escrito “SOS Forças Armadas”. O grito era repetido pelos presentes, que empunhavam uma faixa pedindo explicitamente uma intervenção militar para impedir “o socialismo de se instalar”. Veja vídeos aqui
Guedes sempre atuou entre o campo e a política. Além de ter sido prefeito de Pau D’Arco entre 2009 e 2012, já foi diretor geral da Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará), presidente do Sindicato Rural de Redenção e vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa).
É conhecido como defensor do agronegócio e ferrenho antagonista dos movimentos sociais. Em 2017, quando Pau D’Arco foi palco domaior massacre no campo dos últimos 25 anos, ele divulgou vídeo no qual insinuava que os dez sem-terra assassinados na chacina eram bandidos.
Guedes não respondeu aos contatos da reportagem. Procurado, o gabinete de Zequinha Marinho disse, em nota, que “não se manifesta a respeito de atos e/ou posicionamentos de seus ex-assessores”.
Bueno, Rosa e Vieira Neto (da esq. para dir.) gravam vídeo em Brasília para convocar bolsonaristas para acampamento em frente ao QG do Exército (Reprodução)
Quem também passou pela porta do 52º batalhão de Marabá foi o pecuaristaVitório Guimarães da Silva. Em novembro, ele aparece em vídeo, de chapéu e camisa da seleção brasileira, ao lado deFranklin Lauriano, puxando o coro “SOS Forças Armadas”.
Em outra gravação do mesmo dia, Guimarães evoca o golpe de 1964, que instalou a ditadura militar no Brasil. “Quero lembrar vocês que, em 64, quem fez a diferença foi a Marcha da Família, liderada pelas mulheres. As mulheres fizeram a diferença. Peço a vocês, em nome dos seus filhos, que façam novamente a diferença.”
Como outros apoiadores de ações golpistas na região, o fazendeiro também tem um pé na política. Em 2008, foi candidato a vice-prefeito do município de Redenção-PA, declarando um patrimônio de R$ 1,9 milhão à época.
Procurado pelaRepórter Brasil, o advogado de Guimarães, Carlos Eduardo Teixeira, atribuiu o apoio do pecuarista a Bolsonaro ao fato de uma de suas fazendas ter sido alvo deocupaçãode trabalhadores rurais sem terra. “Certamente o seu posicionamento político de direita tem ligação com o natural receio de passar por tudo novamente”, declarou.
‘Garimpeiro não é bandido’
Pastor e garimpeiro, J. Sousa gravou vários vídeos diretamente do acampamento em Brasília incitando um golpe militar (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Em dezembro, o pastor, pecuarista e garimpeiroJoão José de Sousa, conhecido comoPr. J Sousa, também esteve em uma plateia que acolheu Bolsonaro em frente ao Palácio do Alvorada. “Presidente Bolsonaro, acione as Forças Armadas!”, gritavam os presentes, no vídeo postado em sua conta no TikTok.
Desde a derrota do líder da extrema direita, Sousa utiliza suas redes sociais para atacar o presidente Lula e o ministro do STF Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Ele também questiona o resultado das urnas, declara guerra contra o comunismo e evoca a intervenção militar em suas gravações. Alguns de seus vídeos foram gravados no acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília, onde Sousa esteve de 14 de novembro até o final de dezembro, pelo menos.
Em 16 de dezembro, o pastor da Assembleia de Deus declarou que, “quando as instituições não dão conta de cuidar do país”, a sociedade deve “agir e convocar o seu Exército, e o Exército tem que entrar em cena”.
ARepórter Brasilconversou com Sousa por telefone, que pediu para lhe enviar as perguntas por mensagem, mas ele não as respondeu.
Morador de Ourilândia do Norte (PA), o pastor foi candidato a deputado estadual no Pará em 2022 pelo PL, mas não conseguiu se eleger. Seus bens declarados do TSE ultrapassam R$ 9 milhões.
Além de pecuarista, o pastorse identifica como garimpeiroe faz lobby a favor da atividade. Em janeiro de 2020, quando era secretário de Finanças de sua cidade,esteve em Brasíliae foi recebido na diretoria colegiada da Agência Nacional de Mineração (ANM). Na pauta da reunião estava a defesa dos garimpeiros.
Incentivado por Bolsonaro, o garimpo registrou em 2021 seu maior crescimento em 36 anos, alcançando 196 mil hectares, dos quais mais de 90% estão na Amazônia. Boa parte desse avanço ocorreu em terras indígenas, onde a atividade é ilegal.
Logo no início do governo Lula, Sousa protestou nas redes sociais contra arevogação de decretode Bolsonaro que estimulava o chamado “garimpo artesanal” – medida que, na prática, abria brecha para a exploração ilegal. “Meu Deus do céu! Por que tanta perseguição contra o trabalhador brasileiro? Garimpeiro não é bandido”, declarou em vídeo.
Na sexta-feira (20), a Polícia Federal deflagrou aOperação Lesa Pátria, que tem como alvos bolsonaristas envolvidos nas invasões e depredações ocorridas nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Eles vão responder sob acusação dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, incitação ao crime, destruição e deterioração ou inutilização de bem especialmente protegido. As investigações seguem em curso. Nenhum empresário mencionado nesta reportagem é alvo dos inquéritos até agora divulgados.
Deputado deveria ser cassado por defender professora em 'paredão' de fuzilamento
O deputado federal bolsonarista Éder Mauro (PL-PA) defendeu ontem na Comissão de Direitos Humanos e Minoria, da Câmara dos Deputados, que uma professora fosse colocada em um "paredão" de fuzilamento por usar a imagem de Jesus Cristo em uma prova escolar. No UOL News, o colunista de política Josias de Souza fala sobre o tema
Família de ambientalistas é assassinada por pistoleiros no Pará
Em São Félix do Xingu, segunda cidade que mais desmata a Amazônia, uma família de ambientalistas foi assassinada. O Brasil é o quarto país mais perigoso para os defensores da floresta, dos povos indígenas, dos direitos humanos
Não vote em assassino. É bestial votar em serial killer. Quantos serial killers estão espalhados pelo Congresso e Assembléias Legislativas?
Ruan Marques era um jovem de 19 anos, pai de três crianças, que entrou pelo caminho errado, tornando-se assaltante de residências. Tentou assaltar uma casa nos jardins, armado de uma chave de fenda apenas. Não conseguiu.
Quando a Rota chegou ele, mais dois amigos, se esconderam em um carro, provavelmente roubado por um deles. Teve tempo de enviar três mensagens para a esposa, de puro pavor, medo de ser preso. Pede para mandar mensagem para a mãe. Diz que está no carro e que a Rota cercou.
Deveria ser preso, condenado, cumprir uma pena e voltar recuperado, depois do susto. Ou não.
Foi executado a sangue frio, sob aplausos de alguns moradores da região. E toda a mídia comprou a versão de que estavam com armas, que invadiram a casa, mantiveram os proprietários como reféns.
Tal e qual nos tempos da ditadura, quando a Rota e os porões semeavam versões que eram compradas pela mídia.
Pouco antes, na Caminhada do Silêncio, uma mãe exibiu a foto do filho, adolescente, morto na chacina de Paraisópolis cinco anos atrás. Até hoje os assassinos continuam à solta, no diligente trabalho de implementar a pena de morte.
Ataques violentos em escolas não são casos isolados: vivemos num Brasil que destila ódio – e ele tem um longo lastro, não começou em 2018. Precisamos de múltiplas ações para desmontar esse sentimento identitário
Nas últimas semanas, testemunhamos níveis insuportáveis de violência.
O Brasil ficou chocado com o assassinato da professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, por um de seus alunos na cidade de São Paulo, e com o atentado contra a creche Cantinho do Bom Pastor, que deixou quatro crianças mortas e outras feridas em Blumenau.
E não era para menos: devemos ficar absolutamente consternados e arrasados, pois estamos diante de uma epidemia de ódio.
O desespero aumenta quando vemos que tais violências tiveram como palco um dos lugares de maior importância na construção de sociedades democráticas: a escola. O espaço que, em tese, deveria ser de segurança para professores, estudantes e funcionários, virou alvo preferido de ações extremistas que se alimentam de ódio, desenvolvendo uma competição doentia e criminosa que vem arregimentando muitos jovens brasileiros a serem mártires de uma seita difícil de ser adjetivada.
As autoridades já estão agindo, e desde o dia 3 de abril vimos uma mudança salutar na postura do jornalismo brasileiro em como tratar esse fenômeno de escalada do ódio, a partir da escuta atenta de especialistas. No mundo que celebra os "15 minutos de fama" – ou os atuais 20 segundos do TikTok –, a epidemia do ódio se constrói em rede, por meio do reconhecimento desses doentes-criminosos, que passam a ser tratados como mártires nessas seitas abjetas. Por isso é fundamental não alimentar essa perspectiva pérfida de sucesso.
Ódio não é novidade no Brasil
Mas, como sabemos, esses casos não são isolados. Nos últimos anos, a escalada do ódio ganhou proporções assustadoras, pautando inúmeras políticas públicas brasileiras, como a tragédia yanomami, ou o desdém de muitas autoridades políticas em relação aos 700 mil mortos na pandemia de coronavírus. Não nos esqueçamos das chacinas que continuam a ditar a vida de muitas pessoas (sobretudo pretas) que vivem nas periferias Brasil afora, no crescimento do feminicídio, nos assassinatos promovidos por brigas banais ou discordância política – como a morte recente do cinegrafista Thiago Leonel Fernandes da Motta, no Rio de Janeiro.
No entanto, é importante dizer isso – sobretudo em plena Sexta-feira da Paixão: o ódio como forma de fazer política e de atuar socialmente não é uma novidade no Brasil. Ainda que tenhamos vivido recentemente a era do "gabinete do ódio", é preciso reconhecer que tal gabinete encontrou ressonância em parcela da sociedade brasileira, alimentando e sendo alimentado pela besta-fera. Isso parece muito estranho em um país que foi forjado na ideia de ser uma nação pacífica, harmoniosa e multirracial – uma espécie de cadinho do mundo. E talvez parte do problema esteja exatamente nisso: a maneira como entendemos o Brasil e nos reconhecemos como brasileiros, nos impede (propositadamente) de uma percepção mais acurada do que também é o Brasil.
Vivemos num Brasil que destila ódio. E esse ódio tem um longo lastro.
Pode parecer um tanto apocalíptico dizer isso, mas a produção histórica está aí, para não nos deixar mentir.
Crise de identidade
Se recuperamos em parte os antecedentes dos dois últimos casos de ódio, veremos que o pressuposto da supremacia branca está presente em ambos. Há quem possa me chamar de identitarista. Embora ache que esse termo reduz o debate, não fugirei dessa alcunha, porque acredito que o que vivemos é também (ou acima de tudo) uma crise de identidade. Há uma espécie de silêncio tácito nessa cultura de ódio, que defende que todos os não brancos sejam entendidos como seres inferiores, e que justamente por isso são receptáculos do ódio e, portanto, passíveis de serem eliminados, independentemente da idade que tenham.
Digo e repito: nossa cultura do ódio não começou em 2018. Ali ela só passou a mostrar sua cara mais feia. Precisamos de múltiplas e combinadas ações para desmontar essa rede e esse sentimento identitário. Porque o ódio cria laços, constrói relações. Infelizmente as pessoas se reconhecem no ódio, e chegam a defender pertenças pátrias a partir desse sentimento. E esse reconhecimento que acompanha nossa história, agora é alimentada por redes que escapam aos órgãos de controle, aos olhares dos pais, e à própria ideia de civilidade.
Já sabemos que as democracias morrem... de morte morrida e de morte matada. Já estivemos por um fio em muitos momentos. E o que sempre nos salvou foi o exercício amplo e crítico da cidadania.
É profundamente sintomático que os últimos dois episódios de violência e ódio tenham ocorrido em escolas. Esse sintoma também é um sinal, um indicativo de que, mais do que nunca, precisamos olhar com mais cuidado e atenção para esses espaços. E aqui, o sujeito da frase é a primeira pessoa do plural: nós, sociedade, precisamos cuidar e ressignificar nossas escolas. Que possamos construir espaços escolares que sejam, efetivamente, lugares de celebração da diversidade, do respeito, do debate, da busca de conhecimento, da alegria, da saúde e da vida.