Na noite do dia 17/08/23, a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), foi executada a tiros dentro do terreiro onde vivia. Mais um crime cometido em consequência de disputas fundiárias em torno de terras das comunidades tradicionais.
A pressão e as ameaças feitas por grupos ligados à especulação imobiliária não são algo novo na realidade daquela região. Em 2017, Flavio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, filho biológico de Mãe Bernadete, foi executado com dez tiros. Ao longo desses seis anos que se passaram, a Yalorixá seguiu firma na luta por justiça pelo assassinato do filho e pelos direitos dos quilombolas, e por isso se tornou alvo de ameaças.
Ainda em 2017, ela foi incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), mas não foi suficiente. Em junho de 2023, já quase sem proteção, Mãe Bernadete denunciou sua situação para a presidenta do Superior Tribunal Federal (STF), a ministra Carmem Lúcia. A partir daí, as ameaças se intensificaram.
Agora, pouco mais de dois meses depois da denúncia, essa mulher que dava corpo a tantas lutas, como pela demarcação das terras quilombolas e contra o racismo religioso, entre outras, foi assassinada.
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Bahia é o terceiro estado do país onde, nos últimos anos, foram registrados os maiores índices de conflitos por terra no campo, ficando atrás apenas de Maranhão e Pará. Com relação a ameaças de morte e agressões, os números mostram que, entre 2021 e 2022, houve um aumento de 175% no número de pessoas agredidas e 170% nas ameaças de morte no estado.
Há anos a comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares luta pela regularização fundiária de suas terras. Apesar de terem tido o direito reconhecido em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, o processo tramita lentamente e ainda não foi concluído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O resultado disso é que as 289 famílias que ali vivem, aproximadamente, seguem vulneráveis e expostas à pressão da especulação imobiliária, direta ou indiretamente, e correm riscos não apenas de serem expulsas do território, mas também risco de vida.
Diante de um crime tão brutal, diversas entidades e lutadores se manifestaram em repúdio ao crime. Que possamos nos unir para, de maneira coletiva, fortalecer a luta pelos direitos humanos, pelos direitos das comunidades e povos tradicionais e contra o machismo, racismo e intolerância religiosa.
Jullyene Lins, vítima de estupro em 2006. Nove anos depois, Lira é inocentado
por Alice Maciel
- - -
(Continuação) Quando Arthur Lira foi denunciado pela primeira vez por Jullyene, em novembro de 2006, ele ainda era deputado estadual em Alagoas. O julgamento, no entanto, ocorreu nove anos depois, em setembro de 2015, quando o político já influente em Brasília, estava em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados.
Nesse período, a esposa do advogado de defesa de Jullyene foi nomeada no gabinete de Arthur Lira – onde está até hoje – e Jullyene, sua mãe, irmão e a babá voltaram atrás em seus depoimentos, negando as agressões do parlamentar. Como já relatado pela denunciante, Jullyene alega que mudou o depoimento sob ameaça. Segundo ela, Lira teria lhe dito após o ocorrido: “Onde não há corpo, não há crime”.
“Ele foi até a minha casa. Tinha uma mesa grande na varanda, pediu para falar comigo e disse batendo na mesa – porque ele tem mania de falar batendo na mesa – ‘Você vai tirar essa denúncia, você vai para a audiência e vai desmentir tudo porque eu vou tirar os meninos de você. Ou você faz isso, ou eu tomo os meninos de você’. Os meninos eram todos pequenos. Eu já tinha medo, eu estava sem dinheiro, o meu advogado sumiu”, acrescentou.
Segundo ela, durante a audiência, o segurança e o motorista de Lira a buscaram em casa. “Para eu desmentir tudo. Não fui com meu advogado, fui com advogado dele. E ele ainda me cutucando por debaixo da mesa. O juiz olhando para mim como quem diz assim: ‘Fale’”, afirmou.
De acordo com os autos, o advogado que a acompanhou na audiência às 12h30 de 15 de outubro de 2013 – que teria ligação com Lira, segundo Jullyene – é Luiz de Albuquerque Medeiros Neto. Seu nome apareceu recentemente no noticiário por ser o proprietário de uma sala em Maceió que foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) na Operação Hefesto, como revelou o site Metrópoles.
No local está registrada a sede da empresa do ex-assessor de Lira, Luciano Cavalcante, investigado no suposto esquema de fraude na compra de kits de robótica para municípios alagoanos; e também abrigou o diretório do União Brasil em Alagoas – presidido por Cavalcante. Medeiros Neto aparece também em registros da Câmara dos Deputados como secretário parlamentar em 2012 e 2014.
A audiência foi requerida pela defesa de Lira em agosto de 2012, após os advogados terem juntado aos autos um “termo de renúncia à representação criminal”, assinado por Jullyene, onde ela justifica que teria denunciado o ex-marido por estarem na época envolvidos em um conturbado processo de separação judicial.
“Passados quase 06 anos de tal representação, iniciar-se eventual processo criminal contra Arthur por aqueles fatos que foram objeto de minha representação se torna prejudicial à minha própria pessoa e à estabilidade psicológica de nossos filhos eis que os problemas então existentes foram resolvidos, e tal procedimento apenas traria à tona uma desavença pretérita que o tempo se encarregou de resolver”, escreveu, acrescentando: “Venho, através da presente, retratar-me de tal ato, requerendo, portanto, seja devidamente arquivado todo e qualquer procedimento existente contra Arthur Cesar Pereira de Lira que tenha se originado”.
Além de negarem a agressão à sua ex-companheira, os advogados de Lira questionaram o laudo de exame de corpo de delito, as declarações da vítima e das testemunhas. “Ora, as cinco lesões descritas no laudo pericial, todas na região da coxa e braço, não são compatíveis com 40 minutos seguidos de agressões como tapas, chutes, pancadas e puxão de cabelos. Da mesma forma, o depoimento da testemunha Luciana* [a babá] não é compatível com o referido laudo médico”, destacou a defesa do deputado.
Com base nesses argumentos e na suposta retratação de Jullyene, os advogados de Lira, além da audiência, solicitaram a extinção da ação.
A então procuradora-geral da República Helenita Caiado de Acioli, no entanto, contra-argumentou: “Qualquer manifestação da vítima que represente uma retratação, seja por escrita, seja em audiência, mostra-se vazia e inapta a produzir efeitos no tocante à ação penal, uma vez que o interesse público na apuração do crime de lesão no ambiente doméstico, por zelar por valores que transcendem o plano individual, como a integridade da família e da mulher, sobrepõe-se, em muito, os interesses das partes envolvidas”, manifestou-se em 20 de agosto de 2013.
“Inicialmente, cumpre notar que o citado laudo pericial foi produzido no dia seguinte às agressões sofridas, tempo suficiente para o desaparecimento de eventuais eritemas [hematomas], mas insuficiente para a constatação de equimoses, motivo pelo qual os peritos puderam responder positivamente ao quesito sobre a existência de ofensa à integridade corporal da vítima, apontando como meio produtor da ofensa ‘instrumento contundente’, o que é compatível com as declarações prestadas pela ex-companheira do denunciado e as testemunhas inquiridas na fase extrajudícial”, escreveu Helenita Acioli, posicionando-se a favor do recebimento da denúncia pelo STF.
Razões da absolvição pelo STF
A Procuradoria-Geral de República (PGR) havia apresentado a denúncia contra o parlamentar em 9 de março de 2012, seis anos após o suposto crime, a qual só foi recebida pelo STF em 5 de dezembro daquele ano, com cinco votos favoráveis e três contrários – a ministra Cármen Lúcia se ausentou e o então ministro Joaquim Barbosa não votou porque presidia a sessão.
Apesar de não ter descartado a suposta agressão, no dia 10 de março de 2015 o então procurador-geral Rodrigo Janot mudou o posicionamento anterior do órgão e manifestou-se pela absolvição de Arthur Lira: “Com efeito, as lesões descritas no laudo e reveladas nas fotografias não tendem a ter sido produzidas em entrevero descrito como tendo sido a tal ponto violento. É provável, com efeito, que tenha havido alguma agressão pelo réu a Jullyene Lins: o modo como ela e outras testemunhas acudiram à autoridade policial, inclusive com sujeição a exame pericial e fornecimento de fotografias, sugere que assim tenha sido. Mas não se trata da probabilidade elevadíssima que, no juízo de prova, além de dúvida razoável, autoriza a condenação penal”, destacou.
E concluiu: “Impende, portanto, como forma de resguardar a respeitabilidade do sistema de justiça criminal, não só absolver o réu, mas possibilitar à instância ordinária a promoção da responsabilidade de Jullyene Lins pelo crime de denunciação caluniosa”.
Quatro meses depois, em setembro de 2015, a Segunda Turma do STF absolveu Arthur Lira por ausência de provas. Os ministros também entenderam que o crime prescreveu, por demora na apresentação da denúncia.
As mudanças nos depoimentos e os argumentos da defesa de Lira sobre o laudo médico também motivaram a absolvição. “Apesar do laudo de exame de corpo de delito comprovar que a vítima apresentava lesões leves no momento da realização do exame, não há, nos autos, outras provas que corroborem um juízo condenatório. Ademais, vale dizer, os tipos de lesões atestadas no laudo pericial não indicam agressões conforme declarações iniciais da vítima, o que, agregado à mudança de versão nos depoimentos, acarreta dúvida sobre a veracidade dos fatos narrados na denúncia”, disse o falecido relator do caso, ministro Teori Zavascki, que foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, já aposentado, e Cármen Lúcia, à época integrantes da Segunda Turma do STF. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes se ausentaram, e o ministro Celso de Mello presidiu a sessão.
Ainda de acordo com Zavascki, o crime de lesão corporal no âmbito de violência doméstica não restou suficientemente comprovado. “A bem da verdade, não há prova a indicar que a vítima tivesse, de fato, sido agredida ou que o réu fosse o autor das lesões leves que a vítima apresentava no momento do exame perícia, porquanto, como se verifica das declarações da própria vítima, ela teria “inventado” as agressões narradas na denúncia por motivo de vingança”, acrescentou o relator em seu voto.
Histórias que se repetem Brasil afora
No julgamento que absolveu Arthur Lira, os ministros da Segunda Turma do STF não consideraram que nos casos de violência doméstica é comum as supostas vítimas voltarem atrás em seus depoimentos, conforme destacou o ex-Ministro Marco Aurélio Mello em seu voto para acatar a denúncia da PGR, em 5 de dezembro de 2012.
“É uma constante. A agressão ocorre, no meio doméstico, e, posteriormente, tendo em conta até mesmo a paixão, a agredida se arrepende e dá o dito pela não dito, para haver, a seguir, quase sempre, como revelam as estatísticas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, agressão em dose maior. Isso aconteceu com aquela que deu origem à Lei que teve o próprio nome — Maria da Penha. E foi preciso um pronunciamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para o Brasil marchar na campanha normativa e promulgar a Lei no 11.340/2006”, destacou o membro da Corte na ocasião.
A Lei Maria da Penha tinha recém-nascido quando Jullyene Lins denunciou Arthur Lira por agressão e ameaça. Ela foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006, ou seja, apenas três meses antes.
De lá pra cá, muito se avançou. Mais recentemente, por exemplo, em julho de 2021, foi sancionado pelo governo federal o projeto que incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher.
Mas, apesar de o Brasil ter uma das melhores leis contra violência doméstica no mundo, os números de agressão contra mulheres são alarmantes.
Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública encomendada junto ao Instituto Datafolha, divulgada em março deste ano, revelou que uma a cada três mulheres brasileiras com mais de 16 anos já sofreu violência física e/ou sexual de seus parceiros ou ex-parceiros.
Isso significa, conforme os dados, que 33,4% da população feminina do país já foi vítima de violência física e/ou sexual por parte de seus parceiros íntimos ou ex-companheiros.
Ainda de acordo com o estudo denominado “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, se forem considerados casos de violência psicológica, 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas do parceiro íntimo. Dentre as principais vítimas, estão as divorciadas, além das negras, de baixa escolaridade e com filhos.
O estudo, que está em sua quarta edição, apontou a primeira vez o ex-companheiro como o principal autor da violência (31,3%), seguido pelo atual parceiro íntimo (26,7%). O autor da violência é conhecido da vítima na maior parte dos casos (73,7%).
De acordo com a pesquisa, 45% das mulheres vítimas de violência relataram não terem tomado atitudes diante da agressão mais grave que sofreram, e 38% afirmaram que “resolveram a situação sozinhas”.
*Os nomes foram alterados para preservar a identidade das testemunhas no processo.
Primeira Parte. Em entrevista à Agência Pública, divulgada nesta quarta-feira (21), Jullyene Lins, ex-esposa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), denunciou ter sido vítima também de violência sexual. Ao ICL Notícias, Jullyene já havia reportado agressões físicas reforçadas por testemunhas e um laudo médico feito à época. A jornalista Cristina Serra comenta o caso e cobra reabertura das investigações. "A impunidade desse sujeito será a suprema humilhação a essa mulher".
Segunta Parte. Apuraçao exclusiva revela detalhes das agressoes cometidas por Artur Lira
Dizem que estou comemorando a cassação de Deltan Dallagnol! Gente! Que é isso?
É claro que é verdade.Sempre fui critico da Lei da Ficha Limpa! Há aberrações lá. Tomei porrada do lavajatismo. Mas, se existe a lei, cumpra-se. Dallagnol esperneia por ser cassado por uma lei q ele defende. Aplaudo sua cassação por uma lei q ñ defendo. Sou, em suma, um legalista. E ele, um ilegalista
O registro de Deltan Dallagnol como deputado federal foi cassado ontem, por unanimidade, pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral. O relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que Dallagnol cometeu uma "fraude" contra a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do Ministério Público Federal onze meses antes das eleições. Ele enfrentava processos internos no MPF que poderiam levar à sua demissão e, em consequência, à sua inelegibilidade.
Leia uma síntese das 37 páginas do voto que cassou o mandato de Dallagnol
Deltan Dallagnol sabe que seu mandato já era. É provável que recorra ao Supremo. Só não é perda de tempo porque aproveitará a oportunidade para produzir um tantinho mais de proselitismo contra os tribunais, alimentando o bramido da extrema-direita e das milícias digitais. O voto do ministro Benedito Gonçalves, corregedor do TSE, que cassou o registro de sua candidatura, é uma peça devastadora.
A ação originária que pedia o indeferimento da candidatura é de autoria da Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV) e do PMN. As duas alegações:
- o então candidato feriu a Lei da Ficha Limpa ao renunciar ao cargo de procurador da República quando estavam em curso diversos procedimentos contra ele, que poderiam resultar na sua inelegibilidade;
- as contas da Lava Jato haviam sido consideradas irregulares pelo Tribunal de Contas União.
O Ministério Público Eleitoral defendeu o arquivamento do procedimento, com o que concordou o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Mas os autores da petição recorreram ao TSE. E o registro da candidatura do ex-procurador foi cassado por sete a zero — e, pois, o seu mandato. Votaram com Gonçalves os ministros Raul Araújo, Sérgio Banhos, Carlos Horbach, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Como se nota, não dá para acusar a existência de uma panelinha ideológica...
LEI DA FICHA LIMPA
Bem, para entender a decisão, e vou transcrever trechos do contundente voto do relator, seguido pelos demais, é preciso estampar o que define a alínea "q" do Inciso I do Artigo 1º da Lei Complementar 64:
"Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos"
A Lei Complementar 64, que é das inelegibilidades, é de 1990. Mas ela sofreu uma alteração importante em 2010, com a Lei Complementar 135, que é conhecida como "Lei da Ficha Limpa". O que vai acima é parte da dita-cuja. Em suma: é inútil renunciar para evitar a inelegibilidade se houver pendente um processo administrativo ou disciplinar.
O TRE do Paraná entendeu, em linha com o Ministério Público Eleitoral, que o então coordenador da Lava Jato ainda não respondia a processo administrativo "stricto sensu" e que as apurações contra ele estavam ainda em fase preliminar. E é justamente essa tese que Gonçalves demole de maneira implacável e, parece-me, irrespondível.
PILARES DO VOTO
O voto do relator tem em dois artigos do Código Civil os pilares da argumentação que conquistou a unanimidade no TSE. Prestem atenção:
"Na legislação vigente, verifica-se no art. 166, VI, do CC/2002 a previsão expressa de que é nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa."
E o ministro segue:
"A fraude à lei, de igual forma, guarda estreito liame com o disposto no art. 187 do CC/2002, segundo o qual 'também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Em suma, meus caros, não há direito no abuso de direito. Quando isso acontece, lembra Gonçalves, estamos diante do da "fraude à lei", com precisa definição de Pontes de Miranda, que o relator transcreve, a saber:
"Fraude à lei consiste, portanto, em ser aplicada outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada. Aquela não incidiu porque incidiu esta; a fraude à lei põe diante do juiz o suporte fáctico, de modo tal que pode o juiz errar. A fraude à lei é infração da lei, confiando o infrator em que o juiz erre."
Pois é. Mas se os processos não haviam ainda sido formalmente abertos, o que se passou? A síntese no voto do relator deixa poucas esperanças ao cassado — ou nenhuma — de que reverta o resultado no Supremo, livrando-se também da inelegibilidade oito anos. Vamos ver como, dados os pilares, foi construído o edifício argumentativo.
A SEQUÊNCIA
Gonçalves lembra o passado de procurador buliçoso:
"Em primeiro lugar, a partir de informações fornecidas pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não refutadas, verifica-se que o recorrido, ao tempo em que exercia o cargo de procurador da República, sofreu duas penalidades em 2019 no âmbito de dois processos administrativos disciplinares (PADs 1.00898/2018-99 e 1.00982/2019-48; IDs 158.592.466 e 158.592.465)"
E o ministro destaca que ele foi punido com advertência e censura. Eventuais outras punições seriam certamente mais gravosas. Na sequência, segundo a lei, vêm suspensão, demissão e cassação de aposentadoria ou de disponibilidade.
E aí o ministro ressalta que estavam em curso, contra Dallagnol, nada menos de 15 procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público:
Escreve:
"Em segundo lugar, observa-se que, ao tempo do pedido de exoneração do cargo de procurador da República, em novembro de 2021, tramitavam contra o recorrido 15 procedimentos administrativos de natureza diversa no CNMP, sendo nove Reclamações Disciplinares, uma Sindicância, um Pedido de Providências, três Recursos Internos em Reclamações Disciplinares e, ainda, uma Revisão de Decisão Monocrática de Arquivamento em Reclamação Disciplinar."
Como o cara pediu pra sair, tudo, obviamente, se extinguiu.
Sem formar juízo de culpabilidade, aponta que alguns dos procedimentos versavam sobre coisas muito graves:
- três apurações de compartilhamento indevido de dados sigilosos decorrentes de sua função, inclusive com agências de investigação estrangeiras;
- improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos naquela tentativa burlesca de criar uma fundação com recursos oriundos de multa paga pela Petrobras;
- reclamações disciplinares por não se comportar de acordo com a exigência do cargo, inclusive no que respeita à sua relação com o Supremo.
Gonçalves aduz que Dallagnol tinha clareza de que era o alto o risco de novas punições, que implicariam a inelegibilidade. E evoca um terceiro fato, que se deu justamente com um subordinado seu na Lava Jato: o procurador Diogo Castor foi demitido em decorrência do tal outdoor exaltando a "República de Curitiba". Naquela imagem, adivinhem quem era a figura central... Dallagnol, no quarto item relacionado pelo relator, pede exoneração 16 dias depois.
Finalmente, nota que o agora deputado cassado poderia ter deixado o Ministério Público para se candidatar seis meses antes da eleição. Mas o fez 11 meses, de maneira aparentemente injustificada — a não ser em razão do risco de que uma punição levasse à inelegibilidade, o que, pois, o devolve para a alínea "q" do Inciso I do Artigo 1º da Lei Complementar 64.
Dado o conjunto da obra, o ministro transcreve o que dispõe o Artigo 23 da Lei:
"Acerca de todos esses cinco elementos, impende salientar que, nos termos do art. 23 da LC 64/90, "o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral"
E então conclui o relator:
"Constata-se, assim, que o recorrido agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar processos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir a inelegibilidade. Dito de outro modo, o candidato, para impedir a aplicação da inelegibilidade do art. 1º, I, q, da LC 64/90, antecipou sua exoneração em fraude à lei".
E mais adiante:
"Na verdade, o óbice incide porque o recorrido, em fraude à lei, utilizou-se de subterfúgio na tentativa de se esquivar dos termos da alínea q, vindo a se exonerar do cargo de procurador da República antes do início de processos administrativos envolvendo condutas na Operação Lava Jato."
Gonçalves ilustra seu voto com trecho de um outro, do ministro Luiz Fux:
"Ambas as previsões [alíneas k e q] configuram hipóteses em que se furta o acusado ao crivo de procedimento de controle de responsabilidade política ou disciplinar, por ato eminentemente voluntário. (...) Não poderia se beneficiar eternamente da presunção de inocência o cidadão que renuncia, já que fica prejudicado o procedimento de apuração de responsabilidade tendente à sua expulsão do quadro de agentes políticos. Mormente porque uma das consequências da procedência de sua exclusão seria a inelegibilidade prevista constitucionalmente".
TCU
Os partidos pediram também a cassação do registro da candidatura porque Dallagnol com base no Artig. 1º, I, g, da LC 64/90 porque, como coordenador da Lava Jato, teve contas públicas rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União em tomada de contas especial, diante de irregularidades no pagamento de diárias e passagens a membros do Ministério Público Federal que atuaram na força-tarefa, o que teria ocasionado dano ao erário.
Nesse caso, o ministro afastou a causa de inelegibilidade porque "os efeitos desse pronunciamento foram suspensos mediante tutela de urgência concedida em 18/9/2022 nos autos de demanda proposta perante a 6ª Vara Federal de Curitiba".
CONCLUO
Voltemos aos pilares do voto:
- Art. 166, VI, do CC/2002: "é nulo o negócio jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa."
- Art. 187 do CC/2002: "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
Vale dizer: - não existe direito no abuso de direito;
- como queria Pontes de Miranda: "Fraude à lei consiste, portanto, em ser aplicada outra regra jurídica e deixar de ser aplicada a regra jurídica fraudada.
Agente da Polícia Federal ferida durante ataque de Roberto Jefferson: pontos no rosto e na coxa
Por Arthur Stabile e Eliane Santos, g1
No depoimento prestado à Polícia Federal, o ex-deputado Roberto Jefferson afirmou que não teve em nenhum momento intenção de matar os policiais federais. Mas os laudos e os depoimentos dos agentes feridos por ele mostram outro cenário. Uma agente ficou com estilhaço de granada no quadril, e um delegado disse ter ficado com dois fragmentos, possivelmente de estilhaço, no crânio.
A agente Karina Oliveira e o delegado Marcelo Villela foram feridos e precisaram de atendimento médico.
Policial desmaiou em meio aos tiros
Karina foi ferida primeiro.Teve ferimentos no rosto e na coxa, onde levou pontos, e tem estilhaços de granada no quadril,como mostra o laudo a que og1teve acesso. Por causa dos ferimentos, a policial precisará ficar cinco dias afastada do trabalho.
Em seu depoimento, ela contou que chegou a perder os sentidos. No entanto, antes ela havia passado sua pistola para o policial Daniel, já que a dele deu pane durante o confronto com o ex-deputado.
No momento em que se abrigava e tentava socorrer a policial, o delegado Marcelo Villela foi ferido na cabeça.
Estilhaços na cabeça
Em seu depoimento, ele contou que Roberto Jefferson dizia que “não iria se entregar de jeito nenhum” ou que só “sairia de sua casa morto”, e que na“sequência sentiu o sangue descer de sua cabeça; que em determinado momento a quantidade de sangue era muito grande, atrapalhando a visão do olho direito”.
Marcelo disse ainda que após raio-X,teve dois fragmentos, possivelmente de estilhaços, constatados em seu crânio.
Cunhado socorreu
O delegado destacou, ainda, em seu depoimento que Jefferson aguardava a Polícia Federal e agiu de forma premeditada.
Os policiais contaram também que foram socorridos por alguém que apareceu se apresentando como cunhado de Roberto Jefferson.
'Vai dar m...'
O policial federal Heron Peixoto, que pulou o muro da casa do ex-deputado, para tentar abrir o portão para os outros agentes, contou ainda que tocou a campainha da casa de Jefferson, e que foi advertido por uma mulher que era para ir embora: “vai embora”, “vai embora que vai dar merda”.
O policial que intermediou as negociações com Roberto Jefferson contou que o ex-deputado federal oscilava muito de humor. Que em um primeiro momento dizia que só sairia do local morto, que era para“preparar o cemitério, pois ele iria para lá”,e em outros se acalmava e topava conversar.
Prisão de Ivan Rejane Fonte Boa Pinto foi decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes
A polícia mineira prendeu, nesta sexta-feira (22), o bolsonarista Ivan Rejane Fonte Boa Pinto por ameaçar de morte o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros políticos de esquerda, como Marcelo Freixo. As ameaças foram divulgadas em um vídeo nas redes sociais. A prisão do bolsonarista foi decretada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes na quarta-feira (20).
O material circula nas redes sociais desde a última quarta-feira. Ivan Rejane diz no vídeo, intitulado de “7 de Setembro de 2022”, que Lula deve andar “armado até o talo porque ele e a direita vão caçar ele e Gleisi Hofmann”. Na gravação, o homem disse também para os ministros da Corte saírem do Brasil, porque eles seriam pendurados "de cabeça para baixo".
Ataques antidemocráticos
No despacho, Alexandre de Moraes mandou ainda comunicar a Procuradoria-Geral da República (PGR) para que, caso queira, possa acompanhar o caso. Na decisão, o ministro ressaltou que o homematentou contra o Estado democrático.
“Como se vê, as manifestações, discursos de ódio e incitação à violência não se dirigiram somente a diversos Ministros da CORTE, chamados pelos mais absurdos nomes, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas também se destinaram a corroer as estruturas do regime democrático e a estrutura do Estado de Direito, contendo, inclusive, ameaças a pessoas politicamente expostas em razão de seu posicionamento político contrário no espectro ideológico”, escreveu.
Moraes também destacou os limites da liberdade de expressão.
"A Constituição Federal não permite aos pré-candidatos, candidatos e seus apoiadores, inclusive em período de propaganda eleitoral, a propagação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV, e art. 34, III e IV), tampouco a realização de manifestações nas redes sociais ou através de entrevistas públicas visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio", diz trecho da decisão.
“Principalmente, esses vagabundos do STF. Se eu fosse você, Barroso, Fachin, Fux, Moraes, Lewandoswski, Mendes. Eu ficava nos Estados Unidos, na Europa, em Portugal, na puta que pariu. Até Cármen Lúcia, Rosa Weber… Sumam do Brasil, nós vamos pendurar vocês de cabeça para baixo. Vocês são mendigos. Essa agenda mundial, gay, escrota, ideologia de gênero, não vai ser aplicada no Brasil. Nós, brasileiros, cidadãos de bens [sic], não toleramos gente escrota como vocês”, disse.
"Eu vou dar um recado para a esquerda brasileira, principalmente para o Lula: Ô desgraçado, bota o pé na rua que nós vamos te mostrar o que nós vamos fazer com você. Anda com segurança armada até o talo, que nós da direita vamos começar a caçar você, essa Gleisi Hoffmann, esse Freixo frouxo do caralho, todos esses que te cercam, vagabundo”, diz o bolsonarista no vídeo que foi derrubado pelo Instagram e Facebook.
O delegado Fábio Alvares Shor, da Polícia Federal, encaminhou o material para o STF adotar as diligências necessárias. A PF entendeu que a conduta "possui risco de gerar ações violentas, diretamente por Ivan Rejane ou por adesão de voluntários", solicitou sua prisão temporária, a busca e apreensão e o bloqueio das redes sociais.
“Publicações de ameaças contra pessoas politicamente expostas tem um grande potencial de propagação entre os seguidores do perfil, principalmente considerando o ingrediente político que envolve tais declarações, instigando uma parcela da população que, com afinidade ideológica, é constantemente utilizada para impulsionar o extremismo do discurso de polarização e antagonismo, por meios ilegais, podendo culminar em atos extremos contra a integridade física de pessoas politicamente expostas, como visto na história recente do país", argumentou a PF.
Ivan Rejane Fonte Boa Pinto foi candidato a vereador em Belo Horizonte em 2020 e teve 189 votos. Na campanha de vereador usou o nome Ivan Papo Reto.
Alexandre de Moraes também determinou a realização de busca e apreensão, medida nesta sexta-feira. A decisão foi dada no âmbito do "inquérito das fake news", que tem o magistrado como relator e apura processos ao STF e seus integrantes.
O extremista repete o discurso de ódio de políticos criminosos da extrema direita. E ameaçar de morte é crime. O exemplo vem de cima. De serial killers. De deputado militares, policiais. De parlamentares que praticam o abuso de exercer fardados os mandatos de vereador, de deputado. E que ousam propagar que são homicidas. Quando, quem pratica mais de três mortes, é serial killer. Psicopata que devia ser cassado. Pelo perigo que representa. E sempre ameaça políticos adversários.
Não esquecer os deputados que ameaçaram Lula de morte. Não são menos perigosos do que o correligionário Ivan Rejane Fonte Boa Pinto que pousa de galo de briga na rinha política.
Ameaçaram Lula: general Eliezer Girão Monteiro, coronéis Telhada, Lee, André Azevedo, sargento Anderson Simões, cabo Junio, até Carla Zambelli casada com um coronel. Idem o santo do pau oco pastor Otoni de Paula.
A jornalista Miriam Leitão publicou em seu blog em O Globo uma série de relatos em que juízes e advogados falam abertamente sobre torturas cometidas pela ditadura militar brasileira (1964-1985), inclusive cometidas contra mulheres grávidas.
Durante 10 anos as sessões do Superior Tribunal Militar (STM) foram gravadas, inclusive as secretas, as quais o historiador titular de História do Brasil da UFRJ, Carlos Fico, teve acesso.
São 10 mil horas de gravações.
“O Superior Tribunal Militar passou a gravar as sessões a partir de 1975, mesmo as secretas. Até 1985 são 10 mil horas. Em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes pediu acesso. Não conseguiu. Foi ao Supremo, que mandou liberar. O STM não obedeceu. Em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos. O plenário acompanhou a ministra. Em 2015, as centenas de fitas de rolo foram digitalizadas. Fernandes analisou apenas 54 sessões. Em 2017 consegui copiar a totalidade das sessões. Aprimorei o áudio e passei a ouvir”, explica o professor.
O general Rodrigo Octávio continua, no mesmo dia, a falar de torturas em grávidas.
“Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”.
Ouça aquitrechos das sessões que ocorreram entre 1975 e 1985.
Leia abaixo as transcrições publicadas por Miriam Leitão:
Transcrições
1) Voz do general Rodrigo Octávio, em 24/6/77. Apelação 41.048 (tempo do áudio: 3:48)
Tenham pacientes, isto me deu muito trabalho. Fato mais grave talvez suscita exame da presente apelação, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes à tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-Doi. Em síntese, os relatos são esses: José Roberto Monteiro, folha 419, que tem uma única declaração a fazer, com pesar, no sentido de deixar claro perante esse conselho que aqui negou muitas das suas afirmativas feitas durante a fase iniciária porque naquela ocasião fora torturado, o mesmo ocorrendo com a sua mulher, o qual inclusive sofreu um aborto no próprio Codi-Doi em virtude de choques elétricos em seu aparelho genital, fato ocorrido no dia 8 de abril de 1974.
De Nádia Lúcia do Nascimento, verso, folha 445: na verdade não participou de qualquer ação delituosa, nem mesmo estava ligada ao MR8, e que se por acaso for considerada responsável por aquilo que disse, pede que seja tomada em consideração o fato, como salientou, não aguentava mais a pressão à qual fora submetida e até mesmo coação. Deseja ainda esclarecer suas atitudes, pois estava grávida de três meses ao ser presa, tinha receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril nas dependências da Oban. Licia Lucia Duarte da Silveira folhas 442 verso que desejava ainda acrescentar que quando esteve presa na Oban foi torturada apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo inclusive que presenciar as torturas inflingidas a seu marido, razão porque se viu obrigada a assinar todo o interrogatório, sem reagir. Norma Sá Pereira, diz que foi seviciada no Doi durante um mês, tendo recebido ameaça de morte por parte de policiais. Flora Neide Pavanelli, testemunha, que sofreu maus-tratos físicos, testemunha, hein, tomando choques e ouvindo palavrões que ocorrem no Doi, que Nádia Lucia do Nascimento também recebeu maus-tratos quando esteve presa, que foi constatada pela depoente porque ambas estavam presas na mesma cela e que, segundo a depoente, na ocasião Nádia estava grávida.
Segundo a depoente, Nádia terminou perdendo o filho, abortando. Na defesa das salvaguardas dos direitos e garantias individuais, expresso no artigo 153, parágrafo 14 da emenda constitucional 69, como consequência não só de nossa evolução política, lastreada em secular vocação democrática e formação humanística, espírito cristão, com o compromisso assumido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovado pela Assembleia das Nações Unidas, tais acusações, a meu ver, devem ser devidamente apuradas através de competente inquérito, determinado com base no inciso 21 do artigo 40, da lei judiciária militar, Decreto Lei 1003 de 69.
É preciso que se evidencia de maneira clara e insofismável que o governo, as Forças Armadas e os órgãos de segurança não podem responder pelo abuso e a ignorância e a maldade de irresponsáveis que usam torturas e sevícias para obtenção de pretensas provas comprometedoras na fase investigatória, pensando, em sua limitação cerebral, que estão bem servindo a estrutura política e jurídica, quando na realidade concorrem apenas na prática desumana, ilegal em denegrir a revolução retratando a sua configuração jurídica do Estado de Direito e abalando a confiança nacional pelo crime de terror e insegurança criados na consecução dos objetivos revolucionários.
2) Voz do advogado Sobral Pinto, em 20/6/1977. Apelação 41.301 feita por Marco Antonio Tavares Coelho, que havia sido condenado a cinco anos
Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha para ver como essa tortura se realiza permanentemente. E nesse processo senhores juízes há prova documental da tortura que sofreu Marco Antonio. Há um laudo firmado por médicos militares atestando essa tortura. O ilustre eminente advogado de Marco Antonio, doutor Mario Simas vai mostrar aos senhores ministros esse documento.
3) Voz do general Augusto Fragoso, em 9/6/1978. Apelação 41.593 (Tempo de áudio: 1:53)
Eu queria fazer uma ponderação, uma referência, que já tinha escrito aqui no início da sessão quando estava ausente o ministro Reinaldo e os primeiros advogados começaram a falar no Doi- Codi, Doi-Codi, Doi-Codi. De maneira que, eu como único representante do Exército na hora aqui presente, eu experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações do Exército tão acusadas, e como mostrou o relator, elas não foram apuradas devidamente. De maneira que como foi um pronunciamento público, não vou ler agora pelo adiantar da hora, mas vou inserir na ata publicamente esta ponderação sobre as acusações ao Doi-Codi que vêm se repetindo. E eu, nesses 50 e tantos anos de serviço, vivendo crises militares de 30, 32 e 35, nunca vi, nunca ouvi, acusações desse jaez feitas a órgãos do Exército. Acho que nosso Exército, seguindo exemplo das forças irmãs, devia rapidamente ser recolher aos afazeres profissionais, como então recomendou no discurso de 31 de março o presidente da República. Não posso deixar assim passar em brancas nuvens essas acusações que foram feitas na tribuna contra esses órgãos do Exército. E sabemos que muitas delas são destituídas completamente de fundamento, mas algumas delas têm aparência de veracidade. Pelo menos aparência de veracidade. Vou fazer constar na ata relativamente a esse processo essa declaração. Depois o farei por escrito.
4) Voz do ministro togado Waldemar Torres da Costa, em 13/10/1976. Apelação 41.229. (Tempo de áudio: 3:50)
Eu não ponho em dúvidas, senhores ministros, e aqui eu começo a pedir a atenção dos meus eminentes pares para as apurações que estão realizadas por oficiais das Forças Armadas. Quando as torturas são alegadas e as vezes impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente. Mas eu fico nessa preocupação de atribuir o que constituiria uma desmoralização a prática de tortura por oficiais do Exército que estão apurando crimes contra a segurança nacional. Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas exijo que essa torturas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que também é difícil o indivíduo provar as torturas pela maneira como é feita. Ele próprio não conhece, não tem elementos para a individualizar e ele sofre, presume-se que sofre, as torturas.
Mas como juiz a proferir um voto no tribunal e com responsabilidade de afirmar através de um acórdão que houve torturas, criando-se a obrigação de propor aos meus pares apurar essas violências. Porque como juiz eu não posso reconhecer torturas individualizadas e comprovadas sem que consequentemente eu determine, eu vote, no sentido de ser apurado, porque isso é crime também. Então, nesse inquérito que ensejam que eu examine em primeira mão a acusação do Dalton Godinho, cuja as declarações são longas, me parece que com 14 folhas relatando com pormenores. E é por causa desses pormenores essas particulares é que me custa a acreditar que tenha sido um trabalho, uma farsa, da autoridade investigante. Porque dentro da lógica, todos nós lemos uma determinada confissão no inquérito, e encontramos dentro da lógica a aceitação ou não de tais declarações.
5) Voz do Almirante Julio de Sá Bierrenbach, em 19/10/1976. Apelação 41.264. (Tempo do áudio 4:34)
Como ministro do STM, entretanto, nessa elevada instância, onde não temos contato com os indiciados, antes de julgar os homens, devemos julgar os papéis, isto é, a procedência dos autos do processo. E é esta é a nossa maior dificuldade. Muito se tem falado em direitos humanos. Com profunda tristeza tenho tomado conhecimento da repercussão no exterior de fatos que se passam no Brasil. Fatos esses que também ocorrem em todos os demais países civilizados do mundo. Quando aqui vem à baila um caso de sevícias, esse se constitui um verdadeiro prato para os inimigos do regime e para a oposição ao governo. Imediatamente as agências telegráficas e os correspondentes os jornais estrangeiros, com a liberdade que aqui lhes é assegurada, disseminam a notícia e a imprensa internacional em poucas horas publicam os atos de crueldade e desumanidade que se passam no Brasil, generalizando e dando a entender que constituímos uma nação de selvagens. Evidentemente essa não é a realidade, o brasileiro de um modo geral não admite a violência. Por isso mesmo há tremenda exploração quando surge um desses lamentáveis casos. É possível que isso venha a ocorrer em torno da presente apelação em que sou revisor. Paciência. É o preço que pagaremos no esforço de por cobro aquilo que todos nós repudiamos. Devo lembrar, entretanto, para livrar qualquer mal-entendido que continuo intransigente no combate à subversão e a corrupção. Rendo minhas homenagens a todos os que participaram da Operação Bandeirantes em São Paulo ao fim da década de 60. Naquela oportunidade, tombaram em ação membros das Forças Armadas, da Polícia Civil e da Polícia Militar, mas a guerrilha urbana foi extinta. Morreram também subversivos, defendendo seus pontos de vista, mas também tombaram em ação. O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado. Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram e tudo isso é realizado por policiais sádicos, a fim de manterem elevadas as suas estatísticas de eficiência no esclarecimento de crimes. Longe de contribuírem para a elucidação dos delitos invalidam processos, trazendo para os tribunais a incerteza sobre o crime e a certeza sobre a violência. A ação nefasta de uns tantos policiais estende a toda a classe, sem dúvida, na grande maioria, honesta, útil e laboriosa, um manto de suspeita no modo de proceder. Essa ação sinistra de poucos é que extravasa além das nossas fronteiras repercutindo no exterior, como se todos nós fôssemos uns infratores dos direitos humanos, sei o que pensa o nosso preclaro presidente da República sobre o assunto. Tenho contatos com os oficiais generais das três forças Armadas que em sua totalidade deploram tais fatos. Diariamente vejo o cuidado com que vossas excelências examinam os processos em julgamento. É quase sistemática a pergunta: essas declarações foram prestadas em juízo ou na polícia? Também já se tornou um hábito as defesas apelarem, generalizando, que as declarações prestadas na polícia foram feitas sob maus tratos, dando a entender que nos organismos policiais não se salva mais ninguém. Se o Executivo e o Legislativo não se conformam com essas ocorrências, é claro que o Judiciário não as admite e nós, autoridades da organização judiciária militar, temos o dever de propugnar pela extinção desses cancros, as sevícias.
6) Voz do brigadeiro Deoclécio Lima de Siqueira. Sessão de 19/10/1977. (Tempo do áudio: 1:03)
Senhor presidente, senhores ministros, nós estamos discutindo o voto da turma. E eu desejava dar a minha opinião sobre esse voto e uma dúvida que eu tenho. Me impressionou muito os fundamentos do voto do relator, sobretudo na parte em que ele se refere ao fato de que nós não podemos receber aqui indiscriminadamente toda e qualquer suspeita de sevícia, sob pena de nós podermos comprometer aqueles que, de boa fé, com idealismo e patriotismo, se contrapõem à subversão e com isso matarmos e até esmorecer o entusiasmo com que essas forças anti subversivas têm agido no Brasil, no anonimato, no sacrifício, nas perdas de vida e em outras contribuições extraordinárias que não se reconhecem em determinadas horas.
7) Voz do ministro togado Amarílio Lopes Salgado, em 15/6/1976, Apelação:41.027 (Tempo do áudio: 2:33)
(Assaltos a bancos também eram julgados pelo STM mesmo quando eram crimes comuns, não políticos.)
Senhor presidente, recapitulando rapidamente, Documento de Folha 192, é um ofício firmado pelo diretor do presídio, e de Folha 203 é assinado pelo diretor da divisão jurídica. Abri inquérito contra esses dois, acho uma barbaridade. Apenas no meu acórdão se vossas excelências tiverem de acordo e revisor também. É o seguinte é que ele alega que para fazer essa confissão na polícia – ele assaltou dois bancos – mas eu esse ele não podia porque estava preso. “Eu tô preso, estava preso na Ilha Grande”. Faz uma diligência e vem isso aí. Vou dar uma cópia para o procurador geral porque esse moço apanhou um bocado, baixou hospital, e citou o nome das duas pessoas que martelaram ele. Estou inteiramente com o ministro Rodrigo Octávio, às vezes discordo de sua excelência, quando é difícil apurar. Eles podem negar, mas que os nomes dos dois estão aí estão. É fulano e beltrano. Martelaram esse moço, daí a confissão dele. Em juízo, ele confessa que não podia “eu estava lá na Ilha Grande” no dia 26. No dia 30 eu fugi e assaltei o banco tal no dia 31 e no dia 4 assaltei outro banco, mas no dia 26 não. As declarações dele são longas, acho que no acórdão devia ser feito menção a isso.
8) Voz do Brigadeiro Faber Cintra, em 15/2/1978. Apelação: 41.648 (tempo do áudio: 5:47)
As lesões sofridas, caso acontecessem, seriam facilmente constatadas através do exame de corpo e delito ou mesmo laudo médico particular, posto que nenhum dos acusados foi mantido preso por prazo superior ao previsto em lei. As alegações dos acusados em juízo, no sentido de que sofreram coações morais e físicas, não podem ser consideradas, pois desprovidas de qualquer elemento probatório por mais simplório que fosse um laudo médico particular que à época constatasse qualquer lesão, mesmo superficial do acusado.
Reforça o nosso argumento o fato de que os acusados, na ânsia de elidir as confissões feitas, prestam depoimentos os mais dispares possíveis senão vejamos: Orlando Magalhães e Francisco Carcará afirmam que foram bem tratados na Vila Militar, local de suas prisões posteriores. Ana Maria Mandim afirma que sofreu coações na Vila Militar, ao tempo que acrescenta que pôde ver seu pai após dez dias de presa. Francisco Carcará que não pode fazer exame de corpo de delito, diz ele, porque esteve preso incomunicável. Esse acusado ficou preso 40 dias. Sergio (…) Simões prestou depoimento na Vila Militar, sofrera muitas sevícias e coações. Newton Medeiros que estava preso em local ignorado e posteriormente na Vila Militar prestou declarações que esteve preso em local ignorado. Antonio Alberto Souza ficou preso 55 dias. Não concide muito com as datas de prisão e soltura. Antonio Viana Sad que saiu da prisão vertendo sangue pelo nariz, problema que perdura até hoje. Há três ou quatro anos está botando sangue pelo nariz. Antonio Forges que esteve preso que esteve preso em 40 dias em local ignorado. Romeiro Passos que ficou oito dias sem comer na Vila Militar ratificou suas declarações. Antonio Botelho que prestou declarações sob coação e que seu advogado vai provar as suas afirmativas.
Isso tudo porque todos confessaram minuciosamente no inquérito e em juízo negaram tudo aquilo que disse (sic) e até negaram que se conheciam entre si. Inicialmente, manifesto a minha discordância com um dos argumentos contidos na sentença, que passo a transcrever, aspas, tais declarações na fase inquisitória foram prestados dos próprios acusados em seus interrogatórios em juízo sob violenta coação, após haverem permanecido preso cada qual cerca de 30 dias em unidades militares, locais que não puderem identificar pelo fato de terem sido aquinhoados entre aspas com um capuz na cabeça e assim levados para prestar depoimento. Entendo que opiniões dessa espécie inseridos na sentença aviltam de modo geral o interesse da justiça em termos de credibilidade da prova colhida no inquérito, ao tempo que ocasiona efeitos perniciosos na repressão policial exigida e efetuada tão somente no interesse do estado e da sociedade. Essa egrégia corte, recentemente, através de pronunciamento ministro Almirante Bierrenbach já expressou seu repúdio aos maus tratos ocasionados às pessoas que se encontram sob custódia de órgãos policiais, na oportunidade, entretanto as provas da coação física eram inequívocas.
Tais exemplos, mercê de sua autonomia e excepcionalidade, não podem ser erigidos em respaldo generalizado para que a autoridade judicante, sem o menor resquício de elemento probatório, confiando pura e simplesmente na palavra dos acusados, invista contra a dignidade das funções policiais, exercidas por oficial superior do nosso Exército, no caso o coronel Iris Lustosa, agravado pelo fato do uso de expressões pejorativas, como entre aspas aquinhoadas, inaceitáveis frente à seriedade como deve ser encarada a prestação jurisdicional. Compreende-se que por parte dos réus, na falta de outras alegações, seja usado esse meio indireto de defesa, cuja finalidade sabemos é elidir a prova consignada na fase inquisitorial, inquisitória, principalmente a autoria. No entanto, o agasalho indireto de tais afirmativas por parte de autoridades judicantes, tem servido de incentivo a que todos os indiciados em juízo, através de voz uníssona, deixam de se defender, oferecendo apenas alegações de maus tratos, como se tais afirmativas, sem qualquer elemento de convicção, se prestassem a anular autos de apreensão, laudos de avaliação, e todos os outros atos processuais que, na forma da lei, são efetuados obrigatoriamente na instrução provisória e algumas vezes com total independência em relação ao depoimento dos indiciados.
As acusações de sevícias praticadas por autoridades militares, desde que procedentes, devem ser apuradas. Simples alegações além de não merecerem qualquer crédito, visam denegrir a prova colhida e afrontar autoridade constituída, pois em última análise trata-se de palavra contra palavra e nesse aspecto endosso do digno procurador Oswaldo Lima Rodrigues que disse “sinto-me em melhor companhia confiando na palavra do encarregado do inquérito”.
9) Vozes do ministro general Rodrigo Octávio e do ministro general Augusto Fragoso no julgamento de Marcio Moreira Alves no STM na sessão 98ª Secreta, em 15/12/1976 (Tempo de áudio 11:14)
Ministro general Rodrigo Octávio
Acredito que devíamos ter feito juridicamente era ter feito de acordo com o artigo 5º da Lei de Segurança Nacional, feito um novo processo desse moço, tendo em vista as publicações que ele fez no estrangeiro. Um desserviço que ele está prestando à Pátria.
Agora condená-lo em bases jurídicas é completamente inexequível. Agora nós vamos tomar e eu vou tomar também uma decisão revolucionária. Porque em 1968, solicitei ao ministro do Exército de então que se tomasse uma providência drástica contra ele, inclusive a cassação. (…) De maneira, eu vou tomar uma decisão revolucionária que vou deixar de lado a lei, porque pela lei não se pode condená-lo de maneira nenhuma. Ele é inviolável. E só se pode condenar algum deputado, pela Constituição de 1967, se a Câmara tivesse dado licença. E ela não deu e desencadeou esse processo. Desde 1968, eu era comandante militar na Amazonas. De maneira que hoje estamos preservando o regime revolucionário, e a irreversibilidade dos objetivos revolucionários, não podemos deixar de maneira nenhuma deixar de fazer isso. Não estamos julgando aqui como verdadeiro Tribunal da Justiça, estamos julgando como tribunal de segurança. Essa é a realidade dos fatos.
Tudo que a procuradora disse é uma inverdade dentro dos fatos e realidades jurídicas apontada pelos mestres de Pontes de Miranda e outros e no interessante parecer do doutor Djalma Marinho, que explicita isso muito bem. Tanto que pediu imediatamente a demissão da Comissão de Constituição e Justiça, que foi toda substituída para poder conseguir a licença.
Agora a licença é um ato técnico, jurídico, da Comissão de Constituição e Justiça. Não tendo aprovado, eu, representando, o Amazonas e todos os meus comandados, passei um rádio para o ministro do exército pedindo uma providência enérgica dos fatos, que não era possível proceder dessa forma. Compete às Forças Armadas a preservação da política nacional, da organização nacional, da sobrevivência do país. Por isso proclamou o AI-5.
Agora querer julgar no Tribunal de Justiça baseado em lei e fatos, na minha opinião, é um completo absurdo. Vamos condená-lo nas mesmas penas. Mas ainda: proponho que se faça outro processo tendo em vista estes sucessivos livros que ele mandou publicar no estrangeiro.
Ministro general Augusto Fragoso
Também queria acrescentar um comentário, sobretudo depois das declarações do ministro Rodrigo Octavio. Os relatórios que se ouviram aqui foram minuciosos demais. E ficou uma certa difusão sobre o que estamos julgando. Estamos julgando, segundo os estudos feitos à margem desse processo, a incitação talvez contida em muitos pronunciamentos do acusado, visando despertar animosidade entre as Forças Armadas, como diz o 33 paragrafo 3º, mas no exercício do mandato de deputado.
Negada a licença para o processo, ele foi imediatamente cassado e saiu do Brasil. A denúncia diz respeito apenas aos pronunciamentos dele como deputado. E a constituição de 67, repetindo ipsis litteris o texto da constituição de 46, não deixava dúvidas: os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato por suas opiniões, palavras e votos.
Ouviu-se aqui também certas invocações do processo do deputado Francisco Pinto. Mas é um processo completamente diferente. Porque a Emenda Constitucional 69 alterou esse dispositivo da Constituição de 67. Manteve aquela redação e acrescentou “salvo nos casos de injúria, difamação ou calúnia ou previstos na Lei de Segurança”. Então, a primeira conclusão que se tira, nós estamos analisando a atitude deste deputado nos pronunciamentos que ele fez no exercício do mandato. A Constituição não diz no recinto da Câmara e sim no exercício do mandato, ou seja, onde quer que seja. E figuras insuspeitas da revolução como Cordeiro de Farias e Daniel Krieger mostraram que havia nesta representação do ministro da Justiça injuridicidade. Isso é claro. Mas é como diz o eminente ministro Rodrigo Octávio, nós temos que encaminhar para um outro sentido. Mas daí eu discordo do eminente companheiro em considerar que o tribunal, nessa votação, iria funcionar como tribunal de segurança e não como Tribunal de Justiça.
Eu não acho. Se ele for condenado, estaremos agindo como um Tribunal de Justiça. Porque a questão é controversa. Basta ler a mensagem que o presidente Costa e Silva respondendo a carta do Daniel Krieger e que cita os argumentos dele, baseado no parecer do ministro de então, o veemente, o radical Gama e Silva. Não vou ler porque estamos cansados, mas para mostrar que podemos agir como um tribunal de Justiça, basta dizer o seguinte, houve controvérsia na questão. A própria Câmara dos Deputados através do parecer da Comissão de Justiça, toda ela reformulada, mas afinal de contas funcionou como comissão de justiça. A comissão de justiça diz que poderia ser processado pelos discursos que fez. E no plenário, embora a maioria de 216 votos negasse a licença, 141 congressistas, ou seja, 34% dos que votaram, acharam que ele podia ser processado. Eu não quero discutir o mérito desses homens. Então acho que pelo que ele fez, ele pode ser processado. E podendo ser processado pode ser condenado.
Tudo que ele fez, ele fez como deputado. Agora a lei não pode retroagir. Que se processe, como lembrou muito bem o ministro Rodrigo Octávio, o cidadão Márcio Moreira Alves, inclusive pelos livros, como esse outro que o general Reinaldo me cedeu por empréstimo, “O despertar da revolução brasileira”, em que ele é veemente. A gente analisando o caso, vê que a própria representação que deu origem a isso, assinada pelo general Lira Tavares apenas dizia que o Exército estava sentido com aquilo e pedia ao presidente as providências que ele julgasse necessárias.
Sabemos que o Congresso ofereceu suspender o mandato do deputado. E o governo, naturalmente alimentado pelos radicais do tempo, não aceitou, dizendo que era tarde. E há um depoimento do general Cordeiro de Farias, que era ministro do Castelo, mostrando que o governo não se conduziu ali com, a juízo dele, com o equilíbrio e habilidade que eram necessários.
Estamos julgando o acusado pelo discurso que ele pronunciou como deputado. Como diz a sentença ‘amparada pelas imunidades parlamentares agasalhadas no artigo 34’.
Não há dúvida. Agora é uma questão controvertida e ele pode ser processado ou não? Uns acham que pode. Outros acham que não pode. Nós podemos achar que pode e condená-lo. Acho que deve ficar bem claro isso porque houve muita difusão, muita coisa que nem precisamos ouvir. Todos somos alfabetizados, lemos, os pareceres forçam um pouco. Ele foi absolvido por prescrição, passou em julgado nas acusações do artigo 14. Estamos o 33, parágrafo 3º e, como sabemos, o decreto de lei 314 dizia “incitar publicamente”. O item terceiro diz “a animosidade entre Forças Armadas ou contra estas e as classes sociais”. O decreto de lei 510 alterou esse artigo, ficou só incitando a administração, detenção de um a três anos.
Isso que estamos julgando. A sentença absolveu por maioria contra o voto de um capitão, que condenava a um ano, absolveu por maioria o acusado por entender que os fatos foram praticados no exercício de mandato de deputado federal e amparado pelas imunidades parlamentares. Eram essas observações que eu gostaria de fazer até mesmo por desencargo de consciência. Estamos julgando pelo pronunciamento dele como deputado. Agora, podemos agir não com o Tribunal de Segurança, longe disso, um tribunal de justiça.
10) Voz não confirmada. O historiador avalia que pode ser o Almirante Sampaio Ferraz que faz um aparte no voto do ministro togado Amarílio Lopes Salgado. Apelação 41.027. Data: 16/6/1976. Logo após o ministro dar o voto há um aparte. Tempo do aúdio: 1:22
Eu sou revisor de um processo que aparece…que eram quatro indiciados no inquérito, todos eles confessaram direitinho na Polícia, que tinham tomado parte, uns acusaram os outros, mas na ocasião do sumário ficou provado que um deles não tinha nada a ver com a história. Esse trabalhava direitinho. Por que razão ele havia confessado e ele disse: “ou a gente confessa ou entra no pau”. E é o que está acontecendo. Entrou dessa vez e muita gente tem entrado, por isso que muitas vezes a gente acha que o inquérito na Polícia não tem valor por causa desses casos, desses casos. Eles apanham mesmo. Por isso, quando vejo um inquérito na polícia eu fico logo com um pé atrás. Como revisor, eu tomo muito cuidado, examinando isso, porque o que se sente é que na polícia, no Dops, eles entram no pau. Ou confessam ou então apanham. Então não tem valor quase esse inquérito policial, a não ser um inquérito policial militar. Então estou de pleno acordo que é preciso acabar com isso.
Fonte: O Globo
Foto: Reprodução
Precisamos falar com você. O Brasil Independente nasceu com o compromisso histórico de defender o Brasil e suas instituições de toda e qualquer tirania. Nosso jornalismo, portanto, tem como principais pilares as defesas da soberania nacional e da democracia. Defender um jornalismo que coloca o Brasil na frente, contudo, tem o seu preço. Por isso, precisamos da sua colaboração. Colabore com o BRI e nos ajude a ser uma voz cada vez mais forte. Faça uma doação. Tags: Política
Por nove votos a dois, o Supremo Tribunal Federal decidiu nesta sexta-feira (24) tornar o ex-deputado Roberto Jefferson, chefão do moribundo e fascistoide PTB, réu sob a acusação de calúnia, incitação ao crime e homofobia. Após a decisão do STF, feita por meio da plataforma virtual, o caso será enviado para tramitação na Justiça Federal do Distrito Federal.
Os ministros decidiram abrir a ação a pedido da própria Procuradoria-Geral da República (PGR), devido a uma série de entrevistas nas quais o jagunço bolsonarista atacou o TSE e o STF, os senadores da CPI da Covid e a comunidade LGBTQIA+. Para Alexandre de Morares, relator da ação, as suas “equivocadas convicções” envenenaram o “ambiente virtual” no país.
Ainda segundo a sentença, “o alcance das palavras de Jefferson permaneceu gravada e disponível na plataforma do YouTube, sendo amplamente divulgada pela mídia e de fácil acesso aos usuários do site, tudo a potencializar eventuais medidas enérgicas de pessoas em cumprimento à incitação promovida pelo denunciado”.
O voto de Alexandre de Mores foi apoiado pelos ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux. Apenas os dois ministros “terrivelmente bolsonaristas”, o patético Kassio Nunes Marques e o covarde André Mendonça, votaram contra.
O velhaco bolsonarista sobreviverá?
A decisão deve complicar ainda mais a vida de Bob Jefferson, como é conhecido o velhaco. Em janeiro passado, Alexandre de Moraes determinou que ele fosse transferido à prisão domiciliar, com a obrigação do uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de qualquer comunicação exterior, inclusive pela internet. O bravateiro ainda foi proibido de dar entrevistas.
Antes, o jagunço do PTB havia sido preso preventivamente em agosto de 2021 a pedido da própria Polícia Federal. Todas as punições ocorreram dentro do inquérito no STF que investiga a organização criminosa digital responsável por ataques às instituições democráticas. Agora, o decadente bolsonarista volta ao cadafalso do Judiciário. Sobreviverá? A conferir!
A ministra Maria Elizabeth Rocha, do Superior Tribunal Militar (STM), disse ao blog nesta segunda-feira (18) que a divulgação dos áudios que detalham tortura na ditadura militaré importante para que “erros que foram cometidos não se repitam” na História do Brasil.
Importante serem revelados esses áudios porque tudo faz parte da história do país, memória do país -- e para que erros não se repitam”.
As gravações, reveladas pela jornalista Miriam Leitão, no jornal O Globo, são de sessões do STM de julgamentos durante a ditadura. Desde 2018, esses áudios estão sendo analisados pelo historiador Carlos Fico.
Em entrevista ao jornal "O Globo", Carlos Fico explicou que, em 2006, o advogado Fernando Fernandes pediu ao STM acesso às gravações, mas não conseguiu e, então, acionou o Supremo Tribunal Federal, que determinou a liberação do conteúdo. O STM, porém, não obedeceu a decisão e, em 2011, a ministra Cármen Lúcia determinou o acesso irrestrito aos autos, decisão posteriormente referendada pelo plenário.
Hoje, o vice-presidente, Hamilton Mourão,ironizou a possível investigação dos áudios, após a revelação feita pela coluna de Miriam Leitão. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, afirmou Mourão, que é general da reserva do Exército.
Questionada pelo blog sobre uma investigação das gravações, a ministra Maria Elizabeth disse que qualquer apuração depende, primeiro, da ação da Polícia Judiciária e do Ministério Público Militar --o que nunca ocorreu.
Elizabeth faz, então, o que ela chama de “defesa institucional” do Superior Tribunal Militar.
Para a ministra, “do jeito que está sendo colocado”, “parece que o STM não sabia das torturas” e não se “insurgiu contra as sevícias (barbaridades)”. “As torturas aconteceram e o STM reconheceu isso, inclusive, em documento, num acórdão unânime de um caso em 1977”. “Agora, não julgou pois nunca houve --pelo menos eu não tenho conhecimento-- de uma ação do Ministério Público Militar. O STM não podia julgar sem ação penal. E todo mundo sabe que Judiciário só pode se pronunciar sob provocação”, afirma.
Na avaliação da ministra, o Judiciário falhou na ditadura militar: “Instituições erram”. Mas, para Maria Elizabeth, a ditadura provocou desgastes para as Forças Armadas como um todo, assim como fez para a imagem do STM, o que ela chama de “injusto”.
Dá gosto e uma certa tristeza geracional ler Janio de Freitas.
Gosto, porque a verdade escrita – e bem escrita, não no tatibitatituiteiro – é um bálsamo para quem tem que, por dever de ofício, ler tretas e tretas sem fim e, com desgosto, até tratar delas.
Defender as instituições democráticas não é apenas uma sessão de lubrifica-las, são engrenagens que só funcionam porque empurram uma às outras.
E se o óleo é necessário, isso não elide o fato de que elas são metálicas, não podem se deformar, sob pena de desandarem a máquina.
Na coluna de domingo, adiantada pela Folha, Janio traça o impiedoso retrato do que já chamei aqui de pusilanimidade dos chefes de poderes, entregues a um jogo cínico de “dialoguês” que deixa de lado o dever de funcionarem com a independência que lhes prescreve a Constituição , que nunca confunde harmonia com sabujismo.
Que deixa Jair Bolsonaro reger a cacofonia da destruição da democracia.
Pena que este país, a começar de suas elites intelectuais, esteja entregue a um jogo subalterno, no qual a covardia vira virtude e o diálogo é só submissão.
O descompromisso com a franqueza das atitudes é próprio do político profissional, e uma das suas diferenças essenciais para o militante de ideias que está na política. Mas a aplicação de vícios do profissional a circunstâncias de alta gravidade, como é o atual ataque à ação legítima do Judiciário, alia-se ao intuito antidemocrático e até o estimula. É o que estão mostrando os presidentes do Senado e da Câmara, com o presidente do Supremo como coadjuvante.
A lenga-lenga da construção de harmonia entre os Três Poderes, fantasiada pelos três e por um profissional da politicagem, não é mais do que farsa. Movida a palavrório de lugares-comuns e reuniões para mais entrevistas, resulta em serviço à crescente agitação de Bolsonaro contra as defesas da democracia.
O senador Rodrigo Pacheco, o deputado Arthur Lira, o ministro Luiz Fux e o camaleônico Ciro Nogueira sabem como poucos, de seus postos privilegiados, que Bolsonaro busca a desarmonia, precisa dela como plano de ação e de salvação. Sabem que suas propostas de encontros pacificadores serão respondidas por Bolsonaro, como foram todas até aqui, por imediata saraivada de ameaças aos tribunais superiores e a magistrados.
A insistência na harmonia impossível proporciona a Bolsonaro repetidas oportunidades de mais incitar o bolsonarismo. O estúpido pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, foi feito por Bolsonaro em seguida a Luiz Fux dispor-se a “reavaliar” o cancelamento de um “encontro pacificador dos presidentes”. Quem cancelou, de fato, foi Bolsonaro horas depois de um “diálogo e acordo” com Fux.
Rodrigo Pacheco, eleito com ajuda de Bolsonaro e que age como bolsonarista enrustido, aproveitou depressa o mais recente pretexto de reunião dos Três Poderes e, como interessava a Bolsonaro, abriu caminho no Senado à sabatina de recondução de Augusto Aras como procurador-geral da República. Imoralidade puxa imoralidade. O personagem patético Augusto Aras e quem apoie sua permanência são indignidades iguais.
Em outro plano da mesma área, a formação exibida por Bolsonaro, Pazuello e tantos outros deveria evitar novos espantos com a espécie. É impossível. Portador de constelações nos ombros, mais condecorações que os heróis de várias guerras americanas, o general Braga Netto diz que não houve ditadura no Brasil. Só se pode concluir que o ministro da Defesa não sabe o que é ditadura.
Então o espanto redobra. Quem não sabe o que é ditadura, não sabe o que é democracia. Logo, pende para o mais conveniente à sua formação. E muito se explica ou se confirma aos nossos olhos cansados das constelações e ouvidos ofendidos pelos canhonaços verbais.
Espantos não precisam ser grandes. Fernando Henrique o provou sempre. Houve agora quem tivesse um certo espanto com sua informação: não só apoia João Doria para a Presidência, acha mesmo que “ele representa o futuro”.
Esse espanto é de má vontade. A visão que Fernando Henrique tem da Presidência está exposta em atos e palavras. Estava até renovada no lançamento, que fez, de um animador de auditório para presidente da República. O moço foi mais sensato, preferiu suceder Faustão na Globo a ser sucedâneo de Fernando Henrique no Planalto.
A descrença em resultados ronda a CPI da Covid, por presumida perda de eficácia nas investigações. Há outra maneira de entender seus dias atuais.
A investida de Bolsonaro contra o Supremo, as ações de ministros do Judiciário sobre atitudes de Bolsonaro e mesmo o desastre americano no Afeganistão invadiram áreas do noticiário que a CPI ocupava. Além disso, à medida em que vão completando investigações e descobertas, as CPIs esmorecem a atração e a repercussão.
O serviço já prestado pela CPI é irredutível, inclusive por seu pioneirismo institucional no enfrentamento ao autoritarismo genocida e corrupto. Resultados judiciais e institucionais cabem a outras instâncias. Foi pela CPI que se soube haver intenção na causa da morte prematura e sofrida de centenas de milhares dos pais e filhos, avós e irmãos, amigos e gente em geral deste país. Esse feito da CPI, e dos que a empurraram, já bastaria para justificá-la. A CPI que o presidente do Senado precisou ser arrastado pela ministra Cármen Lúcia, em nome do Supremo, para instalá-la.
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (Karl Marx)
O Ministério Público foi um “conquistador” no Texto Constitucional de 1988. Essa não é uma afirmação de “ouvir dizer”, um discurso simplesmente teórico, mas de quem participou dos debates em torno de suas atribuições a partir do arquétipo construído pelo novo Pacto Constituinte.
Desse modo, a crítica não é mera figura de retórica, mas sim a análise consciente de um perfil institucional que ainda não se afinou com o conteúdo que lhe desenhou o art. 127, quando descreve que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Essa perspectiva dialógica entre o Ministério Público e a sociedade, reescreveu o papel da Instituição historicamente subalternizada e “sem lugar definido” no universo dos poderes, firmando uma parceria rumo à consolidação do Estado Democrático de Direito.
A ilusão que tomava conta da categoria era de fortalecimento desses laços compostos na Constituição, em especial no modo como se dava a escolha do dirigente, feita agora por eleição entre os membros da classe, nos Estados e pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), no âmbito do Ministério Público Federal.
Antônio Augusto Brandão de Aras não disputou o processo eleitoral, não integrava a lista tríplice para a Procuradoria Geral da República, sacramentada pela ANPR, que considerou “um retrocesso institucional e democrático” a escolha do “cristão conservador”, segundo ele próprio.
Houve manifestações de insatisfação da classe, pelo modo invasivo e antagônico à metodologia assumida desde o governo Luiz Inácio Lula da Silva, de nomear quem obtivesse maioria de votos, estratégia rompida por Temer, com Raquel Dodge e no atual governo, que impôs o nome de Augusto Aras para ocupar a PGR, exercendo ali a desastrosa gestão cúmplice do funesto governo de Jair Messias Bolsonaro. E certamente será reconduzido.
Em discurso de “falso democrata”, em 2020, entrevistado por Lenio Streck, Augusto Aras sugeria “não permitir” um “aparelhamento” da Instituição, que “importa em segregação de muitos membros que não concordam com esse modo de fazer política institucional que privilegia poucos, somente aqueles que fazem parte de um determinado grupo, e ignora direitos e garantias fundamentais fora e dentro da casa.”
E ainda mais, defendendo que dados obtidos por membros do MP não podem servir a “propósitos antirrepublicanos” e que “não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos”. É induvidoso que esqueceu (mas exercita) de pronto o significado de “aparelhamento”.
O “não fazer” o que deve ser feito, o “fazer” o que não deveria fazer de Augusto Aras tem revelado um descompasso de consequências graves que fatalizam sua biografia de pertencimento ao universo acadêmico, de homem público e de cidadão “em tese”, conectado com as questões sociais de seu país.
Uma leitura singela deixa no limbo essa que parece uma versão caricata da existência real do PGR, na medida em que se identifica a atitude encurvada, descomprometida com a autonomia funcional, pactuada com o exercício pleno da truculência, do canibalismo, da ritualística de afronta às garantias constitucionais.
Inspirada no medo e na lesão à integridade física e psicológica que tem levado à dor, à doença, à morte e ao luto milhões de pessoas, a “desgovernança” conturbada de Jair Messias Bolsonaro sobrevive a todos os conceitos de ruptura com a estrada democrática, mobilizando a produção inédita de mais de cem pedidos de impeachment enfileirados no “cerco protetor” de instâncias a quem cabe recepcionar e tocar as medidas.
Desse modo, Jair Bolsonaro desliza o projeto de demolição do Estado brasileiro, imune e protegido pelo PGR, detentor da legitimidade de constranger penalmente o autor das práticas criminosas que a cada dia violam mais preceitos e princípios instituídos em nossa ordem jurídico/constitucional.
É verdade que insurgências significativas da categoria, embora ilhadas e de pouca visibilidade social, aparecem na insatisfação com o modo de ser do PGR. Mas não é menos verdadeiro que à evidencia das críticas midiatizadas rigorosas e reiteradas a Augusto Aras, ressaltam não só a ausência de confiança social e política em sua atuação à frente da PGR, como ainda mais gravoso, o descrédito na própria Instituição Ministério Público, que em dimensão de maior grandeza silencia, fraquejante, empalidecida e desacreditada na legitimidade de seu desenho na Carta de 1988, tornando inerte, sem função e sem dignidade o texto que as lutas da classe junto ao legislador constituinte conseguiram construir e garantir.
Por não darem crédito ao PGR, parlamentares buscam trilhas paralelas que sigam diretamente para o STF, e, com isso, constrangem Augusto Aras a sair do silencio/cúmplice e apresentar denúncia. A ministra Rosa Weber, diante do argumento de expectativa de finalização da CPI para ativar a Instituição, além de clamar que o chefe do Ministério Público “desincumbiu-se de seu papel constitucional”, elevou o tom da crítica para afirmar que “não se vislumbra [para o MP] o papel de espectador das ações dos Poderes da República“.
A ministra Carmem Lucia concedeu a Augusto Aras o prazo de 24 horas para se pronunciar sobre notícia-crime contra Jair Bolsonaro por acusações à segurança do sistema de urnas eletrônica. Segundo a ministra, “os fatos narrados nos autos são graves, de interesse exponencial da República”. A notícia é de que o PGR informou ao STF sobre a abertura de uma “apuração preliminar”.
Cabe ainda registrar o pedido assinado por ex-procuradores, para que Augusto Aras apresente denúncia contra Jair Bolsonaro ao STF, em razão de sua conduta no enfrentamento da crise sanitária que vitimou milhares de pessoas, permitindo a disseminação da pandemia.
De fato, a sociedade, que parece “adormecida e anestesiada” diante da tragédia que o governo promove, ouve o cotidiano da mídia repetidamente noticiar as falas e as atitudes de Jair Bolsonaro, debochando da pandemia, negando o vírus, ameaçando e intimidando pessoas, poderes e instituições, sabotando informações, compra de vacinas, desqualificando municípios, estados, prescrevendo medicamento de improvada eficácia, e mais grave, diligenciando na remessa de oxigênio, fatalizando dezenas de pessoas em razão dessa comportamento omisso.
Seria cômico sugerir que o chefe do Ministério Público Federal “esqueceu” as lições elementares em qualquer vestíbulo dos cursos de Direito, quanto aos requisitos “singelos” que amparam uma denúncia, nos termos do art. 41 do velho Código de Processo Penal, em síntese, “exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias” e “qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo”.
Causa espanto é o PGR parecer distanciado da honradez, da auto estima e da “ética da vergonha” quando ainda argumenta que “segmentos políticos clamam por medidas criminais contra autoridades federais, estaduais e municipais” e que “no âmbito de suas atribuições e observando as decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da repartição de competências entre União, Estados e municípios, já vem adotando todas as providências cabíveis desde o início da pandemia.
A conduta institucional de Augusto Aras não é só constrangedora. É simbólico de uma postura subalternizada, infiel à dignidade do cargo, infectada de omissão e de infeliz e desonrosa cumplicidade com as práticas criminosas atribuídas a Jair Bolsonaro.
O Ministério Público, historicamente, foi sempre um aliado do poder e súdito do rei, um instrumento de que se utiliza o Estado opressor para fazer a limpeza social, removendo dos espaços de dominação branca e rica, os corpos “indesejáveis”, os “desviantes”, os “invisíveis” que só aparecem nas páginas policiais, nos noticiários de TV na mídia ávida por dar cor ao espetáculo de sangue escorrendo da violência que o próprio Estado agencia contra esses sujeitos.
Augusto Aras será lembrado na Instituição que se apartou da indigesta condição de “funcionário” demissível “ad nutum”(revogação por uma só parte) quando se opusesse minimamente à vontade do “rei”.
Mas essa memória histórica será tingida de vergonha pelo recuo à vassalagem ao Executivo, pelo silencio quando a dignidade das funções exigia brados de fidelidade ao preceito constitucional de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, violados às escâncaras por Jair Bolsonaro e os sujeitos “fardados ou não” que compõem sua gestão medíocre, submissa e aparvalhada.
Inegável afirmar que em dois anos, o Procurador Geral da República conseguiu não só acabrunhar, como desconstruir as funções sociais, políticas e jurídicas atribuídas ao Ministério Público pelo legislador constituinte de 1988.
Resta lembrar a Augusto Aras que o Ministério Público até poderá sobreviver em qualquer regime político, por mais autoritário ou “popular”, entretanto, “só será verdadeiramente independente num regime essencialmente democrático” (Hugo Mazzili).
A ministra Carmem Lucia concedeu a Augusto Aras o prazo de 24 horas para se pronunciar sobre notícia-crime contra Jair Bolsonaro por acusações à segurança do sistema de urnas eletrônica – Sérgio Lima