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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Ago23

O mundo ferve

Talis Andrade

 

 

por Gustavo Krause

A COP 27 – CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS (UNFCCC, sigla em inglês), realizada no Egito, em novembro de 2022, para enfrentar impactos e estabelecer estratégias sobre a questão climática, foi ratificada por 198 países e territórios.

Naquela ocasião, Antônio Guterres, Secretário-Geral da ONU, advertiu: “Estamos no caminho para o inferno climático. O tema do encontro “perdas e danos” não pode ser varrido para debaixo do tapete. É imperativo moral. É uma questão fundamental de solidariedade internacional e de justiça climática – e acrescentou – os que menos contribuem para a crise estão colhendo a desordem semeada por outros”.

Recentemente, 27 de julho do ano corrente, Guterres foi mais enfático: “O ar é irrespirável. Uma onda de calor avassaladora. A surpresa é a velocidade da mudança. O mundo passou do aquecimento para a era de ebulição”. E concluiu, cobrando “ações radicais e imediatas”.

Não faltaram vozes negacionistas, acusando os que assim pensam de “ecoterroristas”. Este alinhamento ideológico tem uma espessa venda nos olhos e uma couraça resistente dos adeptos ao fenômeno que mata a varejo, os mais vulneráveis, e pode assassinar por atacado os habitantes do planeta.

Esta conjuntura me traz à memória um fato doloroso. Em 1975, o Recife sofreu a maior e mais letal enchente dos rios Capibaribe e Beberibe. Mais de uma centena de vítimas fatais e uma devastação urbana na periferia, áreas ribeirinha e em bairros de todos os segmentos sociais.

Incontinenti (na época era Secretário da Fazenda), o Governador organizou um gabinete de crise para enfrentar as questões emergentes e iniciou gestões com o Governo Federal para adotar medidas estruturais a exemplo de barragens de contenção e obras que protegeram a cidade de recorrentes tragédias.

Diante do panorama desolador, me veio à lembrança a frase de duvidosa autoria e alvo certeiro: “Deus perdoa sempre, o homem, às vezes, a natureza, jamais”. Cidade anfíbia, Recife é “Metade roubada ao mar/ Metade à imaginação/ Pois é do sonho dos homens/que uma cidade se inventa” (Carlos Pena Filho). A Natureza perdoa a cidade poética, mas cobra um preço alto pelo valor da água.

Em dimensão planetária, “A terra dá, a terra quer” é o título de um precioso livro de autoria de Antonio Bispo dos Santos (Ubu Editora, 2023) ou, simplesmente, Nego Bispo, um semeador de palavras com a força e a longevidade do Jequitibá-Rosa, a beleza das orquídeas e a sabedoria da terra fértil onde brotam ideias que atravessam o tempo.

O Nego Bispo, nascido em 1959 no vale do rio Berlenga, formou-se na autêntica Universidade dos saberes de mestres e mestras do Quilombo Saco Cortume, município de São João do Piauí. Escritor, ensaísta, poeta da escrita e da sagrada oralidade que defende ideias com a força do ativismo da cosmofobia revolucionária, que cria e recria um mundo com a arma das palavras e dos “conceitos”, uma “guerra de denominações” que contraria o colonialismo acadêmico.

Mas, Bispo é de Paz. Se o “inimigo” adora dizer desenvolvimento, ele contrapõe a palavra boa envolvimento; se agrega sustentável, ele oferece biointeração; para o saber sintético, saber orgânico; transporte chama transfluência; transforma mentes porque nela joga uma cuia de sementes; e o dinheiro e a troca? Nego Bispo não hesita em responder compartilhamento.

Com 18 anos, foi para a cidade. É o contrário da mata. É um território artificializado, humanizado: onde as pessoas têm medo de gente. Voltou para o mundo que foi seu berço para pensar e viver um modo de vida no seu “cosmos”, o quilombo e assim se define: “Eu não sou humano, sou quilombola. Sou lavrador, pescador, sou um ente do cosmos [...] somos povos de trajetória, não somos povos da teoria. Somos da circularidade: começo, meio e começo. As nossas vidas não têm fim. A geração avó é o começo, a geração mãe é o meio e a geração neta é o começo de novo”. 

30
Jan21

As imagens históricas do Recife

Talis Andrade

dic. urariano.jpg

Dicionário Amoroso do Recife.jpg

 

por Urariano Mota

Histórico é tudo que tenha valor político, humano, artístico, literário, ainda que tenha acontecido hoje. Mas o que é que vai determinar a qualidade, a importância social para o Recife, da senhora que passa a caminhar na rua? Então vocês já veem que desejando simplificar, meti-me de novo em uma nuvem.

Nesta semana, li que em São Paulo existe o projeto Fotografia Paulistana, que reúne registros históricos da cidade a partir de 1920. No momento, já dispõem de mais de 400 fotos.

Li, parei, e fiquei a me perguntar: quantas imagens históricas existiriam do Recife? E nessa pergunta, quantitativa, notei logo que seria o mesmo que penetrar numa nuvem pensando que nuvem é algodão e se pega. É impossível determinar um número de fotos históricas da “noiva da revolução”, como a chamava o poeta Carlos Pena Filho. Depois, mais sério que a quantidade, me perguntei: o que seriam mesmo as tais imagens históricas? O critério de antiguidade seria a qualidade histórica? 

Então, primeiro acordei para o fato de que a história não é um resumo do que ficou no passado. Histórico é tudo que tenha valor político, humano, artístico, literário, ainda que tenha acontecido hoje. Mas o que é que vai determinar a qualidade, a importância social para o Recife, da senhora que passa a caminhar na rua? Isso é histórico, isso tem valor para cravar num álbum da história do Recife? Então vocês já veem que desejando simplificar, meti-me de novo em uma nuvem. 

Então penso em sair da dificuldade elegendo o que vem antes, depois o recente, mas que nos remeta a uma meditação sobre as nossas vidas no Recife. E que a foto mais nova, agora tão frágil e fugaz, ganhará o seu valor se não lhe escrevemos uma legenda, uma breve moldura da sua importância social? E nesse caso, a pesquisa histórica é uma pesquisa de sensibilidade, daquilo que está além do filme mais sensível, ou da última foto saída de um celular. É uma pesquisa que vai aos lugares e pessoas mais comuns, tidas como desimportantes. Sabem aquela prática de colecionar fichinha, tampa de garrafa, ou juntar flâmulas, guia de exposição, convites de casamento, para um dia quem sabe talvez por hipótese ter alguma utilidade? É parecido, ainda que esse termine por ser um caminho meio às cegas, à beira da mania. 

Então eu penso que as fotos históricas do Recife vêm de tudo que toque o nosso coração. Do antes, depois, agora e adiante. Quero dizer, para ser mais claro, além da foto do zepelin sobre a cidade em 1930

foto

era bom agregar os versos à beira do cômico de Ascenso Ferreira: 

“– Parece uma baleia se movendo no mar!
– Parece um navio avoando nos ares!
– Credo, isso é invento do cão!
– Ó coisa bonita danada!
– Viva seu Zé Pelin!
– Vivôôô!
Deutschland über alles!
Chopp!
Chopp!
Chopp!
– Atracou!”  

Ou da Ponte Duarte Coelho em 1950

foto1

E mais Gregório Bezerra ferido, preso e altivo no quartel do exército em 1964 

foto 3

Ou a volta de Miguel Arraes no grande comício com a anistia em 1979 

foto 4

Afeto e memória do frevo histórico

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Até chegar mais perto da cidadania com o cinema Império em Água Fria, nos anos 50, 1958 

foto 6

Mas quero e devo dizer, sem interrupção: as fotos, por mais sentimentais, amadas e queridas, não revelam o raio X da alma. Elas são momentos objetivos, físicos de um instante, ainda que nelas a pessoa faça uma pose. Quero dizer, elas não trazem gravadas, impressas o coração do fotografado ou de quem vê a fotografia. Nas fotos chamadas por convenção de históricas, pela distância do tempo o seu valor é político ou documental. Mas nós, como ficamos? Onde estamos perdidos nesse mar de datas e rostos antigos? Em que lugar da foto está o momento de carinho ou tremor da nossa voz? 

Então o que é objetivo vira subjetivo, como na foto do cinema Império em Água Fria. Nela vejo a imagem de costas da minha mãe, falecida naquele ano de 1958. E para cada um de nós a foto objetiva recebe uma certa subjetividade, uma tradução da sua imagem. No zepelim no alto, podemos ser um dos meninos parados, em pleno encanto do objeto pesado cruzando o céu. E nos perguntamos, “por que não lembro desse dia do zepelim?” , e para nosso espanto somos informados de que a sua aparição no Recife foi antes do nosso nascimento. Já na fotografia da Ponte Duarte Coelho retomamos o Recife da infância, quando em pé no banco do ônibus víamos o rio Capibaribe. Hoje aberto, ao sol da manhã, ele é um rio que nos dá bom dia. Da ponte Duarte Coelho à Princesa Isabel, e desta a se estender até a ponte do Limoeiro, há uma vista de esperança. 

Já na imagem do frevo da mulher, é tudo revelação da primeira vez do desejo na multidão. É mais que uma foto, é um flagrante da carne sob o frevo. Então vem a foto de Gregório Bezerra, os anos de terror da ditadura, um Recife rebelde no momento do golpe militar. Ele, na imagem, é o comunista que gostaríamos de ser, se a felicidade e a sorte fossem nossas companheiras. E na volta de Arraes, no comício do bairro de Santo Amaro, eu estou na multidão, como um dos rostos contentes que no anonimato é protagonista. Todos ali somos protonotários, diria Manuel Bandeira. Mas assim é para todos? Não e sim. Não, porque as histórias pessoais e sentimentos não são idênticos - podemos até dizer, ninguém atravessa o mesmo rio Capibaribe. Sim, porque todos refletimos o que vemos, como indivíduos que somos da humanidade. Cada um na sua tradução faz o subjetivo da objetividade.

Então eu penso que as fotos históricas ideais deveriam ser um grande álbum onde as legendas fossem os comentários dos moradores da cidade. Elas se tornariam então fotos traduzidas em palavras para o sentimento. E não só, as falas das pessoas seriam informação histórica que daria movimento e corpo à imagem. As fotos históricas seriam mais que um cinema falado. Uma democracia plena do coração de toda a gente. Nesse grande álbum caberia a foto de um princesinha do carnaval 

com este comentário de um recifense:

princesa menina.jpg

“Uma negra princesinha ficou na memória porque não era uma imagem. É uma pessoa. Uma linda menina, passado e futuro do carnaval. A princesinha na memória era a filha da cozinheira de um boxe do Mercado da Boa Vista. Ela, a menina, tão feliz estava, que nem comeu todo o seu almoço no prato. Talvez a mãe, generosa como todas, tenha posto mais comida do que a menina queria. Mas não, penso mais é que a princesinha estava tão feliz, que perdeu a vontade de comer”. 

Entre as fotos históricas, enfim, caberia com louvor esta de José Marques de Santana, em 27 de janeiro de 2021. Aos 86 anos de idade, ele assim  expressou a emoção por receber a vacina: 

foto 8

Das mais antigas à mais recente, imagens para as fotos históricas do Recife. 

 

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