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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

02
Jul23

A impropriedade de uma homenagem

Talis Andrade
Erasmo Dias (à esq.) e Tarcísio de Freitas
Erasmo Dias (à esq.) e Tarcísio de Freitas (Foto: Divulgação | ABR)

 

Gesto desprezível de afronta

Integrantes da comissão afirmaram que Erasmo Dias foi "adepto do uso da truculência contra a população civil"

Por Celso de Mello

A sanção pelo Governo do Estado de São Paulo ao projeto de lei que homenageia o falecido coronel do Exército Erasmo Dias , atribuindo seu nome a um viaduto sobre a rodovia "Manílio Gobbi",  que fica em Paraguaçu Paulista, sua terra natal, representou gesto desprezível de afronta à comunidade acadêmica e administrativa da PUC/SP, cujo "campus" (o "campus" Monte Alegre, em Perdizes) foi vilipendiado, em 22/09/1977, por abusiva invasão perpetrada por ordem de Erasmo Dias, então Secretário de Segurança Pública paulista, a que se seguiram atos de violência arbitrária, como a prisão de muitas centenas de pessoas que ali se reuniam, pacificamente, com o objetivo de discutir a recriação da UNE e de reivindicar a redemocratização do Brasil , então sob tutela de governos militares despojados de legitimidade política pela ausência de consentimento dos governados!!! 

Tais atos foram cometidos com truculência por forças da repressão em um período  sombrio (e ominoso) da ditadura militar (1964-1985), em que se registrou o declínio ostensivo das liberdades públicas e no qual os direitos básicos da cidadania foram acintosamente transgredidos pelos curadores do regime ditatorial que brutalmente sufocou aqueles que se opunham , com justo motivo, à supressão das liberdades e à vulneração da dignidade humanas pelo aparato de poder que, naquele período, controlava e dirigia o aparelho de Estado e seus mecanismos de coerção!!!! 

As  memoráveis jornadas da luta histórica contra a ditadura castrense , nas quais a PUC/SP ocupa posição de relevo, e a restauração da ordem democrática em nosso País, com o florescimento das liberdades fundamentais e a consequente dissolução do "reino das sombras" e de seus temíveis instrumentos de repressão, mostram-se essencialmente incompatíveis com a homenagem legislativa (Lei estadual nº 17.700, de 27 de junho de 2023) que o governo de  Tarcísio de Freitas agora presta a quem serviu a um regime autocrático que menosprezou os princípios nucleares que informam, dão consistência e conferem suporte legitimador ao modelo político-jurídico estruturante  do Estado democrático de Direito!!! 

De novo, e como cidadão de uma República fundada em bases democráticas e edificada com apoio nos princípios ético-jurídicos  da liberdade e da dignidade humanas, ponho-me solidário, uma vez mais, com a justa indignação manifestada pela Reitoria da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

Comissão Arns pede a Tarcísio de Freitas anulação de lei que homenageia coronel Erasmo Dias, expoente da ditadura militar

 

247 - Representantes Comissão Arns, organização da sociedade civil pela defesa dos direitos humanos, enviaram nesta quinta-feira (29) uma carta ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e pediram a anulação da promulgação da Lei 17.700, porque a proposta faz uma homenagem ao Coronel Erasmo Dias, responsável por operações como que resultou na prisão de mais de mil jovens durante um congresso da União Nacional dos Estudantes, em 1968. Também trabalhou durante a invasão à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1977. Integrantes da comissão afirmaram que o militar foi "adepto do uso da truculência contra a população civil".

A carta foi assinada por Claudia Costin, ex-ministra da Administração e ex-secretária da Cultura do estado de São Paulo, José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade, José Luiz Del Roio, ex-senador da República italiana, Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos, e Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e ex-presidente da Comissão Nacional da Verdade.

Criada em fevereiro de 2019, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns busca dar visibilidade e acolhimento institucional a graves violações da integridade física, da liberdade e da dignidade humana, especialmente as cometidas por agentes do Estado contra pessoas e populações discriminadas – como negros, indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, mulheres, jovens, comunidades urbanas ou rurais em situação de extrema pobreza.

Em seu nome, a Comissão destaca a figura do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), Arcebispo Emérito de São Paulo. Em 1972, Dom Paulo criou a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, porta aberta no acolhimento das vítimas da repressão política e policial no País. Ao homenageá-lo, a Comissão reconhece esse exemplo de resistência, resiliência e, sobretudo, de esperança para os brasileiros em tempos difíceis.

01
Jul23

Pesquisa aponta para adoecimento psicológico dos servidores do MP-SP

Talis Andrade

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Em menos de um ano, o Ministério Publico de São Paulo foi palco de três suicídios - VI

por Isadora Costa

- - -

(Continuação) Uma pesquisa encomendada pela própria Comissão de Saúde do Ministério Público identificou, há mais de dois anos, riscos psicossociais na instituição. 

As respostas relacionadas à violência psicológica e ao assédio no ambiente de trabalho acenderam um alerta ao revelarem hostilidades de parte dos superiores hierárquicos.

Segundo o levantamento, 77,2% afirmavam ter sofrido algum tipo de constrangimento emocional, 50,1% se declararam vítimas de assédio moral, e 6,7% afirmaram já terem pensado em se matar.

A pesquisa também apontou que 85% apresentaram um risco aumentado de adoecimento psicológico, sendo que 42,4% adotaram tratamento de saúde mental desde que ingressaram no MP.

 

A posição do MP-SP

 

Em 2022, depois dos casos de suicídio, denúncias de assédio dentro do MP-SP foram divulgadas anonimamente. O corregedor-geral do MP-SP, Motauri Ciochetti de Souza, criticou as denúncias durante uma reunião do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça.

Na reunião, ele diz que as denúncias são “despropositados e irresponsáveis, carentes de credibilidade”.

De acordo com o MP-SP, a instituição possui algumas iniciativas que visam promover o bem estar dos funcionários, dentre elas a implementação de um canal direto com a Procuradoria-Geral para envio de reclamações e sugestões.

Outras medidas são, por exemplo, a reconfiguração de um programa para vítimas de violência doméstica, que contará com um comitê formado por membros e servidores de forma paritária e a criação de um mecanismo de resolução de conflitos entre integrantes da instituição. In Jornal GGN

Os nomes usados na matéria são fictícios e foram alterados a pedido.

Esse vídeo pode ter gatilhos, então já quero deixar o aviso aqui.!!! A Folha de São Paulo, no dia 14 de junho noticiou sobre casos de suicídio e tentativa que ocorreram no último ano no Ministério Público de São Paulo, 3 deles em menos de 24 horas aconteceram nesse ano. Todos têm algo em comum, possível assédio no trabalho. Os colegas afirmaram que a deterioração na rotina de trabalho causou adoecimento, juntamente com a sobrecarga de atividades, pressão psicológica, prazos curtos e assédios.

O problema é que já existia uma pesquisa feita pela Comissão de Saúde do MP que havia identificado riscos psicossociais na instituição e até então nada tinha sido feito. Eu digo e repito aqui que falar sobre assédio é urgente, pois viemos de uma sociedade que achava estar tudo bem gritar e humilhar pessoas, pois passaria a imagem de poder, porém além de, hoje, sabermos o quanto isso é prejudicial, passamos por uma pandemia que abalou com o psicológico de toda e qualquer pessoa. Hoje o assunto é delicado e vamos falar sobre a possível existência de assédio moral no Ministério Público de São Paulo e os seus resultados.

21
Dez21

Protesto cobra demissão de professor que se fantasiou com roupas da Ku Klux Klan em escola

Talis Andrade

 

Coletivos e estudantes convocaram ato em frente à escola pública na região do ABC nesta quarta-feira (22)

 
por Paulo Motoryn /Brasil de Fato 
 
- - -

Uma manifestação convocada para quarta-feira (22) cobra a demissão de um professor que foi à uma escola pública em Santo André (SP) fantasiado com roupas que fazem referência à Ku Klux Klan, organização racista, antissemita, anticatólica e anticomunista fundada no século 19 no Sul dos Estados Unidos.

O ato reunirá estudantes e professores da Escola Estadual Amaral Vagner, no ABC, às 15 horas, além de coletivos e movimentos negros que atuam na região. "Não podemos permitir que a apologia à violência e ao racismo seja naturalizada e banalizada", dizem os organizadores.

Uma das pautas do protesto é a demissão do professor, que não foi identificado pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Em nota, a pasta afirmou "que iniciou os trâmites para afastamento imediato do professor envolvido, que é efetivo, até o término da apuração".

A Diretoria de Ensino de Santo André formou uma comissão interracial para averiguar os fatos. O caso ganhou repercussão nas redes sociais nos últimos dias. Um vídeo mostra o professor caminhando pela escola, chamando a atenção dos alunos, que aparentemente estão em período de intervalo entre aulas.

::: Em Porto Alegre, manifestante se veste como Ku Klux Klan e é denunciado na polícia

O governo estadual afirmou ainda que "não admite qualquer forma de discriminação e injúria racial" e que "trabalha veemente na formação de toda a rede com a Trilha Antirracista, bem como atua na promoção de um ambiente solidário, colaborativo, acolhedor e seguro nas escolas".

Em reação, o deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL-SP) acionou a Secretaria de Educação para cobrar providências contra o que definiu como uma "cena racista e deplorável de um professor fantasiado com a roupa da Ku Klux Klan, dentro da EE Amaral Vagner".

A deputada estadual Professora Bebel (PT-SP), presidenta da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), e outros congressistas também se manifestaram nas redes sociais para cobrar providências contra o episódio.

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::: Artigo | Ku Klux Klan, Brilhante Ustra e Adolf Hitler: referências do bolsonarismo :::

 

Coletivos e movimentos ligados à pauta racial também se posicionaram sobre o caso. O Quilombo Dandara, coletivo que atua na região do Grande ABC, é um dos grupos que estão mobilizando apoio à manifestação desta quarta-feira.

Em abril deste ano, em Porto Alegre (RS), um manifestante também se vestiu como os integrantes da Ku Klux Klan em um ato de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na campanha eleitoral de 2018,  o historiador norte-americano David Duke, tido como porta-voz oficioso da Ku Klux Klan, manifestou sua simpatia pela candidatura de Bolsonaro, dizendo que “ele soa como nós”. 

A fala aconteceu no programa de rádio que Duke comanda e foi reproduzida pelo site da BBC. O então candidato do PSL, porém, rejeitou o apoio, argumentando curiosamente que Duke deveria apoiar “a esquerda” que “segrega”.

19
Nov20

O que explica a ascensão do PSOL com Boulos em São Paulo

Talis Andrade

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Foto Nelson Antoine

 

por Leandro Machado /BBC News

- - -

Desde que completou 18 anos, a vendedora Danielle Oliveira, agora com 37, anulou o voto ou simplesmente não compareceu às urnas, preferindo pagar uma multa pela falta. Fazia isso porque não se sentia representada por ninguém, diz.

"Não me considero de direita, nem de esquerda nem de centro. Sei que na direita nunca votaria porque sou pobre, e aprendi que a direita trabalha para os empresários e ricos."

Na última semana, no entanto, ela decidiu finalmente escolher dois candidatos.

"Quando a gente fica mais madura, percebe que é importante votar, pois isso interfere diretamente na nossa vida".

Para vereador, votou em um nome do Cidadania que não se elegeu; para prefeito de São Paulo, foi de Guilherme Boulos, do PSOL, que chegou ao segundo turno contra o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB).

Foi a primeira vez que a vendedora votou em um partido de esquerda .

Eleitores como Danielle deram ao PSOL seu melhor resultado em São Paulo, metrópole cuja prefeitura nas últimas duas décadas foi ocupada por tucanos ou petistas — a exceção foi Gilberto Kassab (PSD), prefeito entre 2006 e 2012.

No último domingo, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) elegeu seis vereadores na cidade, o triplo do última eleição, alcançando a terceira maior bancada da Câmara Municipal — perde apenas para PT e PSDB, ambos com oito cadeiras cada.

Já nas eleições para prefeito, Boulos teve 20% dos votos — pouco mais de um milhão de eleitores. O resultado foi comemorado diante da campanha com menos recurso financeiro e com apenas 17 segundos no horário eleitoral gratuito, enquanto concorrentes mais fortes tinham mais de dois minutos.

Para analistas políticos, o feito do PSOL não representou apenas um crescimento do partido na região, mas também a decadência do PT como a sigla hegemônica da esquerda paulistana. O candidato Jilmar Tatto recebeu apenas 8% dos votos, o pior desempenho dos petistas desde 1988.

"Esse resultado do PSOL não é algo momentâneo nem surpreendente. O partido vem em uma trajetória ascendente no campo da esquerda já há alguns anos. É um processo estratégico e consistente", explica a cientista política Camila Rocha, pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Mas como isso aconteceu? Qual foi a estratégia que alçou o PSOL, até então um partido pequeno, ao patamar de uma das principais forças políticas na maior cidade do país?

'Decadência do PT'

A queda de votação do PT em São Paulo não é uma novidade deste ano. Em 2016, o então prefeito Fernando Haddad recebeu apenas 16% dos votos na cidade que comandava, perdendo a prefeitura para o tucano João Doria no primeiro turno, um resultado tido como decepcionante, à época.

Por outro lado, os vereadores eleitos pelo partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva são experientes e com vários anos de Casa. Eduardo Suplicy, por exemplo, o mais votado do Brasil, vai para seu terceiro mandato. Senival Moura, tradicional político da zona leste, chega à quarta legislatura.

"As pesquisas que fizemos com eleitores apontam que muita gente vê o PT como um partido que não se renovou e que apresenta os mesmos nomes de sempre, embora isso não seja totalmente verdade. Mesmo Jilmar Tatto, que se candidatou pela primeira vez a prefeito, era visto como uma pessoa que falava muito do passado", diz Camila Rocha, do Cebrap, que estuda mudanças eleitorais na periferia de São Paulo.

Para Cláudio Couto, professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas, o PT não apenas não conseguiu renovar seus quadros, mas também seu discurso.

"O PT ficou muito enfraquecido depois dos escândalos de corrupção, do impeachment da Dilma e da prisão do Lula. Mas não foi só isso: o partido não reciclou suas posições, não demonstrou que corrigiu seus erros e seguiu em frente. E está pagando o preço por isso", diz.

Para exemplificar o momento político da cidade, Couto cita a fala de Jilmar Tatto após os resultados de domingo: ao declarar apoio ao PSOL, o petista chamou Boulos de "irmão mais novo".

"Essa frase é curiosa por dois motivos. Primeiro porque Tatto se coloca em uma posição de superioridade, mais sabido, mais maduro e mais experiente. O segundo é um reconhecimento de que está envelhecido e que o 'irmão mais novo' chega com mais vitalidade", diz o cientista político.

Candidaturas

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Uma das candidaturas coletivas eleitas pelo PSOL, o Quilombo Periférico, promete priorizar políticas públicas para a periferia e para população negra e de mulheres


Já a maioria dos eleitos pelo PSOL é estreante e com perfil diferente.

Além de Toninho Vespoli e Carlos Gianazzi, mais experientes, foram eleitas uma mulher trans, Erika Hilton; uma mulher negra, Luana Alves; e duas candidaturas coletivas, a Bancada Feminista e o Quilombo Periférico, esse último formado por homens e mulheres negros de bairros dos extremos da cidade.

Um dos novos nomes do partido é Débora Alves, de 22 anos, estudante de ciências sociais pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Moradora de Sapopemba, zona leste da capital, ela se filiou ao PSOL no início do ano e foi eleita junto aos colegas do Quilombo Periférico.

"Sempre fiz parte do movimento negro, de coletivos de cultura e educação popular na periferia. Minha filiação ao PSOL veio depois do entendimento de que o espaço político-partidário e institucional também é um espaço a ser ocupado por nós. É preciso levar a experiência desses movimentos para dentro da construção partidária", diz.

Ela explica que a proximidade do PSOL com coletivos de jovens e com o movimento negro ajudou na escolha da sigla a se filiar.

"Como eleitora e membro de coletivo, sempre vi que o partido esteve presente em nossa luta e de outros grupos diversos da cidade. E nossa militância também esteve dentro do partido", conta.

Para a deputada estadual Erica Malunguinho, primeira mulher transexual a ser eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo, o PSOL se mostrou aberto a discussões insurgentes, como raça e gênero.

"Essas discussões não são identitárias, mas temas importantes da sociedade brasileira e que precisam ser debatidos na esfera pública. Falar de questões LGBT, de racismo, de pautas indígenas, não é apenas falar sobre esses grupos, mas sobre o Brasil, sobre desigualdade, pobreza, violência", afirma.

Para ela, esses temas não devem ser apenas do PSOL.

"É importante que essas questões sejam vistas não como pauta de um único partido, mas de toda a sociedade brasileira", diz.

Já a deputada estadual Isa Penna, uma das dirigentes do PSOL em São Paulo, conta que aposta em candidaturas de mulheres e homens negros, LGBTs e pessoas oriundas das periferias é uma estratégia do partido, e não uma coincidência.

"A partir dos protestos de 2013, houve uma mobilização para entender o momento histórico e como ele poderia refletir em nossa agenda. Há um entendimento de que essas opressões são estruturais na sociedade. Outros partidos de esquerda também tiveram candidaturas assim, como PCdoB e o próprio PT, mas vejo que, pelo menos no caso do PT, as discussões da raça e gênero sempre foram acessórias, e não a pauta principal", diz.

Para Camila Rocha, do Cebrap, o PSOL criou uma imagem de identificação com a juventude mais escolarizada, que participa de movimentos sociais, coletivos de cultura e feministas.
"Na verdade, essa estratégia não é muito diferente do que o PT fez no passado, embora o PT fosse mais ligado ao sindicalismo", compara.

"Nos últimos anos, o PSOL esteve presente em movimentos de jovens, como a Marcha das Vadias, em 2011, os protestos de 2013 e ocupações das escolas", destaca a cientista política.
Para Cláudio Couto, da FGV-SP, a aposta em pautas identitárias pode ter dois lados.

"O PSOL conseguiu incorporar pautas do século 21, para o bem e para o mal. O discurso identitário também pode produzir isolamento, em uma lógica de gueto, de seita, de cultura do cancelamento. Uma pessoa que não tem lugar de fala dentro daquele grupo pode se sentir intrusa. Mas, se esse discurso vier com uma proposta de empatia, de agregar pessoas de diversos segmentos, pode dar certo e o PSOL tende a crescer mais", diz.

Juventude e cursinhos populares

Em São Paulo, o PSOL tem sido descrito como um partido ligado à juventude.

Para especialistas e membros da sigla, essa proximidade se deve, também, à maneira como ela se posicionou durante momentos de efervescência política na cidade, como os protestos de 2013, as ocupações das escolas em 2015, e manifestações feministas e contra o presidente Jair Bolsonaro.

Um dos coletivos de jovens presente nesses momentos é o Juntos, que congrega milhares de pessoas em 25 Estados do país. Embora seja independente, o grupo tem muitos de seus membros filiados ao PSOL. Alguns deles se elegeram para cargos legislativos, como as deputadas federais Fernanda Melchionna e Sâmia Bomfim.

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O coletivo Juntos, que reúne jovens de 25 Estados, tem entre seus membros dirigentes e políticos do PSOL


O coletivo surgiu em 2011, inspirado em movimentos como Occupy Wall Street e a Primavera Árabe. Mas ganhou força mesmo em 2013, com os protestos protagonizados pela juventude, participando ativamente de grandes manifestações pelo país.

"O objetivo do Juntos é organizar a juventude, unir diferentes tipos de jovens no Brasil dentro de uma causa própria", explica Felipe Simoni, de 25 anos, da coordenação do grupo em São Paulo e também filiado ao PSOL.

"O PSOL é nosso principal aliado institucional. Muitos dos nossos membros participam da construção do partido", explica.

Nascido na periferia de Osasco, na Grande São Paulo, Simoni é estudante de geografia pela USP. Ele conta que, quando adolescente, já se sentia de esquerda, mas não via o PT como alternativa.

"Na periferia, só tinha o PT como representação da esquerda, mas eu divergia deles em muitos pontos", diz.

Ele conheceu o PSOL em um cursinho pré-vestibular.

"Acho que ele está mais próximo dos jovens da periferia. Você vê gente do partido nas batalhas de rimas, nos slams (batalhas de poesia), nos saraus, nos cursinhos populares… É uma construção orgânica entre os coletivos e o partido", diz.

Os cursinhos populares de preparação para o vestibular, muitos deles em bairros periféricos, também se transformaram em um espaço construído e ocupado por membros do PSOL.

Normalmente, as aulas são dadas por estudantes de universidades públicas a alunos da rede pública de ensino.

Simoni, por exemplo, foi professor na Rede Emancipa, criada em 2007 e presente em sete Estados. Por ano, a rede dá aulas a 5 mil alunos, com 600 professores.

"Os cursinhos populares não são apenas pré-vestibulares, mas movimentos sociais de educação", diz.

A cientista política Camila Rocha conta que, quando fez graduação no final dos anos 2000, já havia cursinhos ligados ao PSOL.

"Claramente houve um esforço do partido de se aproximar dessa juventude, e isso tem se refletido nas urnas", explica.

A figura de Boulos

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Dados do primeiro turno e de pesquisas de intenção de voto indicam que Boulos deverá ter dificuldade em arregimentar vários setores da sociedade paulistana


Líder dos sem-teto, Guilherme Boulos se filiou ao PSOL em 2018, quando se candidatou à Presidência da República. Na época, ele foi criticado internamente por ter sido alçado à condição de principal nome do partido antes de membros com mais história no grupo político.

Também houve reclamações por causa de sua proximidade afetiva com Lula — o PSOL surgiu em 2004 como uma divergência do PT.

Nessas eleições, porém, críticas como essas não ganharam força. Um dos desafios do candidato para o segundo turno será vencer em bairros periféricos onde o PT sempre se saiu bem. No pleito do último domingo, Bruno Covas venceu em todas as zonas eleitorais da cidade, embora a distância para Boulos em regiões de periferia tenha sido menor, percentualmente.

Pesquisa Ibope divulgada nesta quarta-feira, o candidato do PSOL apareceu com 42% das intenções de voto enquanto o tucano chegou a 58%, o que demonstra dificuldade do psolista em arregimentar vários setores da sociedade paulistana.

"Boulos se transformou em uma figura de visibilidade nacional por causa de sua candidatura à Presidência, sua presença constante na mídia e sua proximidade com Lula. Em grande parte, isso explica porque ele surpreendeu, chegando ao segundo turno", diz Cláudio Couto.

"Mas ainda existe muita desconfiança sobre ele, inclusive na periferia, onde o movimento sem-teto é mais presente. Ele ainda é muito visto como uma pessoa que invade a propriedade dos outros, mesmo que sua campanha tenha investido em explicar essa questão. O tema da moradia é muito importante para a população mais pobre e de periferia", afirma.

Para a vendedora Danielle Oliveira, que vive em Cidade Dutra, periferia da zona sul, a discussão sobre moradia foi o ponto que fez ela escolher Boulos.

"Eu não gostava de sem-teto, achava que eles invadiam a casa das pessoas. Mas um dia fui em uma invasão do Boulos aqui perto de casa, e eles me explicaram como funciona. Eu penso assim: o maior sonho do pobre é ter um carro e uma casa própria", diz.

 

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