Como empresa de espionagem israelense alvo da PF se espalhou pelo poder público no Brasil
Por Caio de Freitas Paes, Laura Scofield, Rubens Valente
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Sergio Moro espionou para os Estados Unidos, comandando uma quadrilha de procuradores da liga da justiça da Lava Jato. Vide tags
PRF, militares e governos de 9 estados contrataram serviços de empresa de espionagem Cognyte, agora sob investigação. E Lava Jato plantou escutas, espionou até para os Estados Unidos. A boceta de Pandora
por Luis Felipe Miguel /A Terra é Redonda
A impunidade de Pazuello é um indicador poderoso da posição dos militares e da complexidade da conjuntura política no Brasil para quem sonha com a restauração do caminho democrático.
Dissipa-se de vez a ilusão de que os generais podem servir de freio a Bolsonaro. Para não brigar com ele, assumiram um vexame homérico: aceitar a desculpa esfarrapada de um general embusteiro, num caso que atraiu os olhares de toda a nação, avacalhando de vez a hierarquia (que, segundo o discurso oficial, seria a marca distintiva dos militares) e escancarando a partidarização dos quartéis. Para Bolsonaro, que cultiva hoje, como cultivou no passado, a agitação política do baixo oficialato, é uma vitória e tanto. Seus adeptos mais aguerridos ganharam carta branca para fazer o que bem entenderem. Para o generalato covarde, é a absoluta desmoralização.
Desde o começo do governo, Bolsonaro tem se estranhado com alguns chefes militares. Há os que são seus caudatários fiéis, como Augusto Heleno ou Eduardo Villas Bôas. Com outros, a relação é sujeita a atritos, permanecendo em estado de constante tensão (caso do vice-presidente Hamilton Mourão) ou chegando ao rompimento (caso dos ex-ministros Carlos Alberto dos Santos Cruz e Fernando Azevedo e Silva). São divergências quanto a políticas pontuais e lutas por espaço no governo, não incompatibilidades de fundo. Por vezes, analistas da imprensa vestem estes desafetos com as fantasias do “apreço à democracia”, do “legalismo” ou do “medo da politização das Forças Armadas”, mas há pouca base para isso. Todos eles, afinal, foram avalistas do golpe de 2016, agentes da fraude institucional que levou à vitória de Bolsonaro em 2018, entusiastas de primeira hora de um governo com nítido fedor fascista e que entregou a gestão do Estado brasileiro a oficiais militares. Diante disto, como sustentar a imagem de generais democratas e profissionais?
Não há um setor legalista expressivo na cúpula do Exército desde o expurgo ocorrido logo após o golpe de 1964. Os governos da Nova República ficaram encantados com a relativa paz que reinou nos quartéis depois da devolução do poder dos civis. Houve resmungos por parte de generais de pijama, manifestações desabridas de comandantes da ativa em ocasiões específicas (como a promulgação da Constituição e durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade) e turbulências eventuais entre oficiais de baixa patente, destacando-se o plano para atentado terrorista preparado no Rio de Janeiro por um jovem tenente de limitadas luzes, descoberto em 1987. Pouco, em comparação com os frequentes tumultos militares do período democrático anterior a 1964. A relativa calmaria permitiu que os governos posteriores a 1985 se desinteressassem da questão e quase nada fizessem para adequar as Forças Armadas ao controle civil e à convivência democrática. Elas jamais foram instadas a produzir uma autocrítica da ditadura. Pelo contrário, aferraram-se a um universo paralelo em que a “Revolução” de “31 de março” tinha livrado o Brasil da ameaça comunista e a tortura e a corrupção não tinham existido.
Não se trata de uma corporação militar apenas antidemocrática. Ela o é, profundamente, mas no cerne de sua rejeição à democracia está sua crença fervorosa no valor das hierarquias sociais, seu repúdio categórico ao valor da igualdade. Trata-se de um sentimento antipovo. Por isso, além de seu caráter antidemocrático, esta corporação não se percebe como parte do povo ao qual deveria servir – e este é o outro elemento importante para compreender sua posição diante da conjuntura. O sofrimento dos trabalhadores, a privação dos miseráveis, a desesperança dos jovens, nosso meio milhão de mortos na pandemia, nada disto a comove porque ela se vê como pertencendo a outro lugar. Neste sentido, a elite militar é bem parecida com as outras elites brasileiras, incapaz de qualquer solidariedade com a massa dos que estão abaixo e, portanto, incapaz de alcançar um verdadeiro sentimento nacional.
Quanto a isto, é possível dizer que até regredimos, da ditadura empresarial-militar de 1964 para cá. Os generais que empalmaram o poder há quase 60 anos eram, muitos deles, guiados pela fantasia do “Brasil potência”. Tinham, lá, o seu nacionalismo antipovo. A frase antológica de Garrastazu Médici indica um pouco seu programa: “O país vai bem, mas o povo vai mal”. Depois que largaram o governo, no entanto, eles foram abandonando o desenvolvimentismo. Aderiram ao credo neoliberal: “livre mercado”, “vantagens comparativas”, o pacote completo. Abandonaram também a noção de soberania nacional. Ficam satisfeitos com uma posição de subordinação canina diante dos Estados Unidos e estão, alguns deles, chegando perto de Paulo Guedes no campeonato de entreguismo.
É também por isso, por virar as costas a um povo com o qual faz questão de não se identificar, que a cúpula militar pode se mostrar tão insensível ao sofrimento, tão cúmplice do descalabro, tão bolsonarista. Tem seus cargos, suas verbas, suas mordomias, suas muitas vantagens – e o que importa o resto?
A decisão sobre Pazuello, pela alta visibilidade que teve, vale por uma declaração do Alto Comando do Exército. Mesmo que motivada não por genuíno apreço, mas por conveniência, é uma declaração de fidelidade a Bolsonaro e a seus métodos – o desrespeito às regras estabelecidas, o desprezo pelas aparências, o vale-tudo. E uma declaração de compromisso. Eles estão indicando, sem margem para dúvida, de que lado estão hoje e de que lado permanecerão em 2022.
Vão dar um golpe? Acho difícil pensar numa quartelada clássica. Falta liderança, falta coragem e falta coesão – a impressão é de que existe uma disputa interna muito grande, grupos se digladiando para saber qual pode auferir maiores vantagens. O mais provável é a continuidade do comportamento adotado desde a preparação do golpe de 2016: ações e declarações para manter a temperatura política elevada, demonstrações localizadas de truculência, pressão indisfarçada sobre as “instituições” (que já mostraram o quão acovardadas estão).
“Pressão” é a palavra-chave também para o nosso lado. O que a decisão sobre Pazuello enterra é a ilusão de que teríamos, no ano que vem, um processo eleitoral razoavelmente “normal” – e, com ela, a ilusão paralela de que basta ganhar as eleições (com Lula?) para pôr o país nos trilhos da retomada democrática. Ganhar as eleições é o mais fácil, ainda que não o seja. Antes disso, temos que garantir que a esquerda possa escolher livremente suas candidaturas. Depois, temos que garantir a posse dos eleitos e sua capacidade de efetivamente governar. Para tudo isso, precisamos de capacidade de pressão. Isto é, de organização e de mobilização.
As circunstâncias são desafiadoras; a pandemia, cúmplice do governo, é nossa inimiga. Mas as manifestações do domingo passado mostraram que há, na sociedade, energias esperando ser canalizadas para esta tarefa. O reforço do trabalho político permanente, de resistência hoje e acúmulo de forças para o futuro, é imprescindível e urgente.
Mesmo que surjam novos atritos, generais estão de cabeça na missão. Conheça 4 cenários para o futuro – nenhum é bom para a democracia
A DEMISSÃO DO MINISTRO DA DEFESA, general Fernando Azevedo e Silva, e dos dos três comandantes das Forças Armadas brasileiras a dois dias do aniversário do golpe militar de 1964 acendeu a luz vermelha na relação dos militares com o governo federal. Com diversos motivos sendo colocados pela imprensa, incluindo uma suposta tentativa de implementação de um Estado de Defesa, a declaração do presidente de que os bastidores não serão divulgados à sociedade é algo de extrema gravidade. A demissão dos mais altos oficiais, no entanto, não inocenta ou sela um compromisso irrevogável das Forças Armadas com a democracia, como bem já explorou o próprio Intercept Brasil. Mas o que esperar agora?
Se Jair Bolsonaro de fato fez algum grave pedido inconstitucional aos militares, não há outra forma de interpretar o fato: o presidente da República tentou um golpe de estado em seu sentido mais clássico, colocando os militares na rua para alterar dinâmicas políticas domésticas. Bolsonaro jamais escondeu seu apreço pelo período da ditadura militar – que ele, inclusive, considerava que tinha sido branda demais.
Também jamais escondeu seus desejos de implantar um regime autoritário dinástico, com a participação ativa dos filhos nas mais importantes decisões políticas do país. Sob sua presidência, o país colocou os militares de volta na política, em número que supera até mesmo a própria ditadura – o que fez Vladimir Safatle considerar que vivemos um regime militar sem golpe. Mas isso pode estar prestes a mudar.
Trabalhemos com quatro possíveis cenários.
No primeiro, Bolsonaro faz como fez até agora no Ministério da Saúde, substituindo o ministro e os comandantes militares até que fiquem meros fantoches, dispostos a aceitar o comando de colocar as Forças Armadas nas ruas em um regime excepcional. Nesse cenário, concretiza-se o anseio do presidente de se firmar como liderança autoritária, com o comando absoluto dos militares e usando-os instrumentalmente para governar de acordo com sua única vontade. Seria o fim do regime democrático pelo golpe de estado de Bolsonaro, e a subjugação total da caserna ao ex-capitão.
Um outro desdobramento possível é uma cisão dentro das Forças Armadas, entre uma ala bolsonarista e uma ala não bolsonarista. Se o alto comando se insubordinar ao comandante-em-chefe (como demonstrou o gesto de Azevedo e Silva e dos três comandantes das Forças), recusando-se a aceitar as ordens do presidente, e talvez promovendo uma retirada em massa dos militares dos cargos políticos que hoje ocupam, teremos, igualmente, um golpe militar. Nesse caso, a retirada do apoio dos militares, um dos sustentáculos fundamentais do governo, promoveria um aprofundamento da crise política, e talvez precipitasse um processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Quem assumiria a presidência então seria o general Hamilton Mourão, que, muito provavelmente, traria de volta a elite insubordinada ao centro do jogo político. Seria um cenário perfeito para a manutenção dos militares na política – desta vez, como salvadores da democracia (algo semelhante com 1964?), retirando uma liderança inapta e autoritária.
Um terceiro desdobramento seria, pela demora na liderança do Congresso, os próprios militares desencadearem um golpe de estado, afastando eles mesmos o presidente do Planalto. Os resultados seriam semelhantes ao do cenário anterior, onde Bolsonaro é afastado por impeachment, com um retorno “salvador” dos militares ao comando do país. Nesse cenário, teriam o argumento que era preciso afastar imediatamente o presidente da República, que estaria tentando um autogolpe e forçando as Forças Armadas a segui-lo incontestavelmente. Atropelariam o devido processo legal – e democrático – de afastamento de um presidente via impeachment, mas em “defesa da ordem democrática” (sic). Esse cenário seria baseado na visão distorcida de democracia que ainda permeia a caserna brasileira, na qual teriam um “poder moderador” (sic) e o direito a tutelar a condução política do país.
A nomeação do general Walter Souza Braga Netto para o Ministério da Defesa indicou que o caminho desejado pelo presidente era o do primeiro cenário, ao colocar um nome que aderiu ao bolsonarismo em seus primeiros momentos, e que ajudou a trazer o movimento para dentro dos quartéis.
No entanto, as nomeações dos comandantes militares indicaram que este primeiro cenário se torna mais improvável, uma vez que ao menos uma queda de braço foi ganha pela caserna. A lógica profissional e institucional de senioridade para a nomeação dos comandantes foi respeitada pelo governo nas três nomeações. Tanto o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira para o Exército, o almirante Almir Garnier para a Marinha e o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior para a Força Aérea estão entre a turma de mais antigos altos-oficiais em seus respectivos comandos. Ganhou o aspecto de profissionalização militar, na qual promoções e nomeações não são definidas pelo governo da ocasião, mas seguem um padrão institucional definido pelas próprias Forças Armadas, algo que sociólogos Samuel Huntington e Morris Janowitz desenvolveram nos trabalhos seminais do campo das relações civis-militares.
O presidente perdeu a “queda de braço”, os militares não aceitaram uma ordem inconstitucional e a democracia foi preservada graças às insubordinações salvadoras do alto comando militar, certo? Não. Pelo contrário, a foto ensaiada do general Nogueira de Oliveira com seus antecessores, típica da guerra híbrida e da comunicação social que o Exército vem gerindo há anos, pela hipótese de Piero Leirner, é um exemplo que tudo mudou para nada mudar – algo típico das “revoluções” brasileiras.
A maior crise militar do último meio século tem nos dois prévios comandantes do Exército grande responsabilidade. Villas Bôas foi o comandante do Exército que, pelo Twitter, em texto gerido por todo o alto-comando da Força, deu voz à ameaça ao STF às vésperas do julgamento de Lula em 2018 – algo já bastante explorado pela mídia, e que escancarou as portas dos quartéis para a política. Foi, segundo o próprio Bolsonaro, em mais uma declaração que esconde o conteúdo da conversa, o grande responsável por ele estar onde está.
Seu sucessor no cargo, já no governo do ex-capitão, Edson Leal Pujol foi o comandante do Exército que, dentre outras coisas, foi um dos responsáveis por permitir que generais da ativa ocupassem cargos no primeiro escalão do governo, isto sem falar nos cerca de 1,6 mil militares na ativa do Exército em cargos de indicação política na administração pública federal. Foi sob sua gestão que um militar da ativa, general Eduardo Pazuello, aceitou como “missão” a obediência cega ao comandante-em-chefe à frente do Ministério da Saúde. Após 10 meses no cargo, saiu com um déficit oficial de mortes por covid-19 de cerca de 265 mil óbitos.
Luiz Eduardo Ramos, ex da Secretaria de Governo e atual ministro-chefe da Casa Civil (sim, um militar é o chefe da Casa Civil), é outro que iniciou seu período de governo ainda na ativa, sob o comando de Pujol. Por mais que o então comandante do Exército declarasse que os militares não queriam fazer parte da política, foi sob sua gestão que isso aconteceu de forma acelerada, consolidando os militares como o grupo político que, mesmo sem afiliação partidária, ocupam uma fatia maior do que a de qualquer partido político na gestão Bolsonaro.
De igual maneira, Marinha e Aeronáutica seguem com militares em postos de primeiro escalão, como o almirante Flávio Augusto Viana Rocha, na ativa pela Marinha, nomeado sob o comando do demitido almirante Ilques Barbosa Junior para a Secretaria de Assuntos Estratégicos ainda em 2020, e que, desde o mês passado, passou também a acumular a função de Secretário Especial de Comunicação Social do Ministério das Comunicações. Marcos Pontes, ainda que na reserva da Força Aérea, ocupa desde o início da gestão Bolsonaro o cargo de ministro da Ciência e Tecnologia. Segundo o levantamento do Tribunal de Contas da União de quase um ano atrás, eram ali mais de 6 mil militares em postos da administração pública federal.
Estamos fadados a conviver com a militarização da política ao menos até o fim do atual mandato
Com salários que chegam à casa das centenas de milhares de reais, como o que o general Joaquim Silva e Luna (primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa, sob indicação de Michel Temer, mostrando que a politização da caserna é prévia ao governo Bolsonaro), que receberá R$ 226 mil por mês no comando da Petrobras, até os “módicos” 30% de bônus que os cargos de indicação política dão aos fardados, o desembarque dos militares do governo parece igualmente um cenário pouco provável. Sem falar nos ganhos institucionais, como a manutenção do orçamento do Ministério da Defesa em meio a cortes gerais em toda a Esplanada, e nos ganhos coletivos, como os privilégios mantidos pela classe durante a reforma da previdência, que veio aliada a uma reestruturação do plano de carreiras para lá de benéfica ao alto-oficialato.
A demissão dos quatro mais alto-oficiais militares nos dá uma direção que tampouco parece provável o terceiro cenário, da própria caserna derrubar Bolsonaro. A elite da tropa parece ter chegado a um limite ético que, até mesmo para os militares brasileiros, não pode ser ultrapassado. Limite que, diga-se, não inclui distanciamento da política, a conivência com uma gestão criminosa da pandemia que ceifa diariamente a vida de milhares de brasileiros ou até mesmo, segundo relato do ex-deputado Eduardo Cunha, o monitoramento detalhado das atividades e do dia-a-dia da presidenta Dilma Rousseff sem o seu devido conhecimento.
DÊ UMA FORÇA! Precisamos de você para continuar produzindo
Isso nos leva a um quarto e mais possível cenário, no qual os militares tampouco abandonam o governo, mas também não embarcam nos mais severos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro – o que não os torna necessariamente democratas ou amantes da Constituição de 1988. As leituras que os militares são os responsáveis por colocar freios no presidente da República não devem se esquecer jamais que seguem corresponsáveis por um governo calamitoso e irresponsável, e que nada disso provavelmente teria acontecido se não tivessem sido um dos primeiros a apoiar a candidatura do ex-capitão.
Vozes demitidas que hoje tentam soar como moderadas dentro das Forças, e até críticas a Bolsonaro, como o ex-ministro general Carlos Alberto dos Santos Cruz e o ex-porta voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, se esquecem que são igualmente responsáveis pela existência do atual governo e pelo próprio engajamento militar na tutela política no país.
A não ser que os demitidos esclareçam o que de fato aconteceu, jamais saberemos o limite que a elite militar do país estabeleceu para seu grau de engajamento político doméstico. O polêmico projeto de Lei da Mobilização Nacional que o major Vitor Hugo, líder do governo na Câmara, apresentou no mesmo dia da demissão da elite militar do país nos dá uma indicativa do que seria. Não conseguindo o apoio das Forças Armadas, tudo indica que o presidente tentou elaborar uma medida que lhe garantiria o controle das Polícias Militares, de responsabilidade dos governos estaduais. A pergunta que esse cenário nos deixa é: afinal, para quê Bolsonaro quer tanto uma força armada sob seu irrestrito comando?
E, mais uma vez, apresentam-se à nação para salvá-la de um problema que eles mesmos ajudaram a criar
O quarto cenário talvez seja o mais desastroso para o país, uma vez que, não conseguindo o endosso cego dos militares ou o controle das polícias, empurra o presidente a conclamar os “cidadãos de bem”, devidamente armados pelos decretos de flexibilização do acesso a armas e munições emitidos pelo governo, e parte das milícias que controlam setores importantes das grandes cidades do país para o apoio à sua tentativa de autogolpe e a instalação de um governo de caráter autoritário no Brasil. E o recente vídeo do presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson, apoiador e entusiasta do atual governo, parece caminhar neste sentido. Nele, Jefferson incita a população a reagir contra as autoridades públicas (ou, em suas palavras, o “satã” ou os “comunistas”) que tentarem fechar templos e igrejas para controle da pandemia do coronavírus.
O vídeo de Jefferson é um guia de incitação à ordem pública, inclusive com a indicação de um adereço militar, a balaclava, usada nos combates militar e policial para preservar a identidade e anonimizar os soldados. Estamos em um cenário em que, incitados por um governo de militares, que conta com amplo apoio de policiais, cidadãos armados podem causar uma convulsão social e precipitar um conflito civil doméstico para garantir as medidas excepcionais desejadas pelo presidente. E tudo isso com o apoio e a conivência dos cidadãos-em-armas que deveriam representar o monopólio legítimo da força dentro do país.
Todos esses cenários são igualmente desastrosos para a democracia brasileira. Nenhum deles teria acontecido se a política não tivesse entrado pela porta da frente dentro dos quartéis. Uma vez que entrou, não há saída que não seja danosa. No primeiro e no último cenários, Bolsonaro radicaliza seu governo. No segundo e no terceiro cenários, ele é substituído, e o general Hamilton Mourão assume a presidência até 2022. Ou seja: estamos fadados a conviver com a militarização da política ao menos até o fim do atual mandato. A visão que os militares salvariam o país da crise causada por Bolsonaro é absurda e falsa, uma vez que são eles também parte do problema. E, mais uma vez, apresentam-se à nação para salvá-la de um problema que eles mesmos ajudaram a criar.
Difícil é prever os custos em danos, em vidas, econômicos, institucionais e políticos que nos meteram os militares, a Lava Jato e o centrão político, que dá sobrevida à gestão de Bolsonaro mesmo com dezenas de crimes de responsabilidade praticados em plena luz do dia.
Um dia depois da demissão do general Fernando Azevedo da chefia do Ministério da Defesa, os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) entregaram os cargos. A saída em conjunto foi confirmada pelo Ministério da Defesa, que em nota afirmou apenas que a decisão foi comunicada em uma reunião na manhã desta terça. Os motivos da debandada não foram informados. Os três já haviam tomado a decisão na própria segunda-feira após a queda de Azevedo, mas a pedido de seu sucessor, o também general Walter Braga Netto, concordaram em protelar a saída até uma nova rodada de diálogo. A demissão simultânea dos chefes das três forças é um fato inédito. Caso a tradição seja mantida, Braga Netto agora apresentará para a escolha do presidente três nomes para cada um dos cargos vagos, seguindo um critério de tempo de caserna.
A relação de Bolsonaro com Pujol já havia dado sinais de desgaste logo após o início da pandemia, em 2020. O militar sempre se preocupou em tratar o combate à covid-19 como uma das “maiores missões do Exército”, em flagrante desacordo ante o negacionismo do presidente. Em um evento ocorrido em abril do ano passado, Pujol ofereceu o cotovelo para cumprimentar Bolsonaro, que lhe estendeu a mão em cerimônia no Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, traduzindo em gestos o desacordo entre ambos.
À época o presidente chegou a cogitar retirá-lo do cargo, mas voltou atrás. Em novembro uma reunião entre o vice presidente, Hamilton Mourão, Pujol e os ministros militares Luiz Eduardo Ramos e Netto também provocou a irá de Bolsonaro, conforme relatou o repórter Afonso Benites.
A reunião de novembro foi apenas um sintoma de um quadro geral de cisão entre o Planalto e setores das Forças Armadas, que culminou com o afastamento de Azevedo mas que tem relação com um desgaste pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à Amazônia —que também estavam a cargo de militares. Nos bastidores comenta-se que o mandatário estaria exigindo maior apoio dos comandantes das Forças Armadas às suas medidas mais radicais, como usar o Exército para combater o lockdown nos Estados, por exemplo. Em 19 de março, Bolsonaro afirmou que “meu Exército não vai cumprir lockdown. Nem por ordem do papa”, quando indagado sobre a possibilidade da tropa auxiliar prefeitos e governadores a reforçarem medidas de restrição. O mandatário chegou a fazer uma ofensiva jurídica contra tais práticas no Supremo Tribunal Federal, sem sucesso.
Em sua carta de renúncia Azevedo afirmou na segunda-feira que sob sua gestão as Forças Armadas agiram “como instituições de Estado”, em oposição às tentativas de instrumentalização política feitas pelo Governo. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, um dos primeiros ministros fardados a ser demitido por Bolsonaro após entrar em conflito com os filhos do presidente, em junho de 2019, usou o Twitter na noite de segunda para cobrar explicações: “Forças Armadas não entrarão em aventura! Governo tem de dar explicações à população sobre a mudança no Ministério da Defesa”, escreveu.
Após o anúncio da saída dos três comandantes, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, a pedido de Aécio Neves, afirmou que irá protocolar um convite a Braga Netto para que preste explicações sobre as trocas realizadas nas Forças Armadas, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo.
O Governo Bolsonaro sempre se apoiou em quadros militares, colocando integrantes da caserna em ministérios e outros cargos-chave. Durante seu mandato a categoria escapou de uma reforma da Previdência dura no final de 2019, obtendo vantagens com relação aos servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Os membros das FA, por exemplo, terão salário integral ao se aposentar, e estão isentos de qualquer idade mínima obrigatória. Além disso, em março foi aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, que liberou um aumento de remuneração para a categoria, que agora passa a ser a única que poderá receber reajuste este ano em um contexto no qual as demais tiveram o salário congelado até dezembro. Por fim, a verba destinada para investimentos nas Forças Armadas prevista na LOA subiu de 8,17 bilhões de reais para 8,32 bilhões de reais.
Diante das frequentes ameaças de Bolsonaro de recorrer ao Art. 142 da Constituição, interpretando-o de forma inconstitucional, o Brasil se mexe mesmo em meio à quarentena. Congresso Nacional, STF, governadores, sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, entidades e organizações se mobilizam.
Em menos de um ano e meio de mandato, Weintraub é o décimo membro do alto-escalão a deixar o campo. Entre os que o antecederam estava Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, que havia sido coordenador da campanha presidencial. Homem-forte do governo, saiu brigado com Bolsonaro e seus filhos. Em março de 2019, morreu repentinamente. Outro peso-pesado era Carlos Alberto dos Santos Cruz, da Secretaria de Governo. Ficou seis meses na função até chocar-se com Olavo de Carvalho. Houve uma segunda troca na Secretaria-Geral da Presidência, com a saída de Floriano Peixoto, que havia substituído Bebianno. Igualmente foram demitidos Gustavo Canuto, do Ministério do Desenvolvimento Regional, e Osmar Terra, do Ministério da Cidadania.
Em abril de 2020, poucas horas depois de Bolsonaro exonerar o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Mauricio Valeixo, tratando de interferir nas funções dessa instituição, Sergio Moro pediu as contas do Ministério da Justiça. Sabe-se que o chefe da Operação Lava Jato, bem treinado nos Estados Unidos, havia grampeado e divulgado ligação telefônica entre a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, prendido o principal líder político do país e alterado totalmente o resultado das eleições de 2018. Como prêmio, em um episódio vergonhoso, abandonou uma carreira de mais de vinte anos como juiz federal para comandar o Ministério e talvez, depois, seguir para o coroamento no STF. Mas este é assunto para outros escritos.
Também em abril, pouco antes, foi a vez de Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, ser demitido por defender o isolamento social e seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), considerada uma instituição “comunista” pela cúpula bolsonarista. Enquanto isso, o presidente afirmava que “o meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho…”. No lugar de Mandetta, apareceu Nelson Teich, que ficou menos de um mês na função. Entrou por baixo, muito mal na foto, mas saiu por cima ao negar-se a autorizar o uso da cloroquina, como exigia o presidente.
O terceiro escolhido foi Eduardo Pazuello, há um mês “interino”. Agora o Brasil não tem comando, não tem política pública, não tem ministro de Saúde e não tem sequer dados confiáveis sobre a Covid-19. Mas, pelo menos, a cloroquina foi liberada. De acordo com a página oficial do Ministério da Saúde, o interino recebeu “diversas condecorações pelo desempenho do seu trabalho, como a de Pacificador, Mérito Tamandaré, Ordem do Mérito Aeronáutico Cavaleiro e Distintivo de Comando Dourado”. Na área da saúde, no entanto, nada consta. Deméritos que sugerem descompromisso e falta de seriedade. E que geram crescente rechaço da sociedade, mesmo com todo mundo (que pode) escondido dentro de casa.
A gota d’água para a saída de Weintraub foram os atritos com o STF. No entanto, foi a imensa mobilização social, nas ruas ou não, que o derrubou. Foram as pessoas protestando, a onda anti-fascista, as tiazinhas da merenda, os choferes das escolas, as senhoras terceirizadas que limpam o chão, as inspetoras bravas, os guardas-escolares. Foram os brasileiros, de Norte a Sul (dos dois hemisférios…), das grandes metrópoles às cidadezinhas do interior. Foram os sindicatos, as entidades, as rádios, os jornaizinhos que derrotaram a campanha da “balbúrdia”. Foi o Brasil que derrotou o “Escola Sem Partido”, o “Future-se” e a escolha arbitrária de reitores pelo MEC. O Brasil, mesmo em quarentena, venceu Weintraub. Há espaço para a luta. E vamos seguir adiante. Apareceu o Queiroz! Vamos por mais vitórias.
por Eliane Brum
El País
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Os 100 dias do Governo Bolsonaro fizeram do Brasil o principal laboratório de uma experiência cujas consequências podem ser mais destruidoras do que mesmo os mais críticos previam. Não há precedentes históricos para a operação de poder de Jair Bolsonaro (PSL). Ao inventar a antipresidência, Bolsonaro forjou também um governo que simula a sua própria oposição. Ao fazer a sua própria oposição, neutraliza a oposição de fato. Ao lançar declarações polêmicas para o público, o governo também domina a pauta do debate nacional, bloqueando qualquer possibilidade de debate real. O bolsonarismo ocupa todos os papéis, inclusive o de simular oposição e crítica, destruindo a política e interditando a democracia. Ao ditar o ritmo e o conteúdo dos dias, converteu um país inteiro em refém.
A violência de agentes das forças de segurança do Estado nos primeiros 100 dias do ano, como a execução de 11 suspeitos em Guararema (SP), pela polícia militar, e os 80 tiros disparados contra o carro de uma família por militares no Rio de Janeiro, pode apontar a ampliação do que já era evidente no Brasil: a licença para matar. Mais frágeis entre os frágeis, os ataques a moradores de rua podem demonstrar uma sociedade adoecida pelo ódio: em apenas três meses e 10 dias, pelo menos oito mendigos foram queimados vivos no Brasil. Bolsonaro não puxou o gatilho nem ateou fogo, mas é legítimo afirmar que um Governo que estimula a guerra entre brasileiros, elogia policiais que matam suspeitos e promove o armamento da população tem responsabilidade sobre a violência.
Este artigo é dividido em três partes: perversão, barbárie e resistência. Transcrevo trechos. Leia na íntegra aqui
Estamos sob o jugo de perversos, que corrompem o poder que receberam pelo voto para impedir o exercício da democracia.
Como tem a máquina do Estado nas mãos, podem controlar a pauta. Não só a do país, mas também o tema das conversas cotidianas dos brasileiros, no horário do almoço ou junto à máquina do café ou mesmo na mesa do bar. O que Bolsonaro aprontará hoje? O que os bolsojuniores dirão nas redes sociais? Qual será o novo delírio do bolsochanceler? Quem o bolsoguru vai detonar dessa vez? Qual será a bolsopolêmica do dia? Essa tem sido a agenda do país.
Mas essa é apenas parte da operação. Para ela, Bolsonaro teve como mentor seu ídolo Donald Trump. O bolsonarismo, porém, vai muito mais longe. Ele simula também a oposição. Assim, a sociedade compra a falsa premissa de que há uma disputa. A disputa, porém, não é real. Toda a disputa está sendo neutralizada. Quando chamo Bolsonaro de “antipresidente”, não estou fazendo uma graça. Ser antipresidente é conceito.
Quem é o principal opositor da reforma da Previdência do ultraliberal Paulo Guedes, ministro da Economia? Não é o PT ou o PSOL ou a CUT ou associações de aposentados. O principal crítico da reforma do “superministro” é aquele que nomeou o superministro exatamente para fazer a reforma da Previdência. O principal crítico é Bolsonaro, o antipresidente.
Como quando diz que, “no fundo, eu não gostaria de fazer a reforma da Previdência”. Ou quando diz que a proposta de capitalização da Previdência “não é essencial” nesse momento. Ou quando afirmou que poderia diminuir a idade mínima para mulheres se aposentarem. É Bolsonaro o maior boicotador da reforma do seu próprio Governo.
Enquanto ele é ao mesmo tempo situação e oposição, não sabemos qual é a reforma que a oposição real propõe para o lugar desta que foi levada ao Congresso. Não há crítica real nem projeto alternativo com ressonância no debate público. E, se não há, é preciso perceber que, então, não há oposição de fato. Quem ouve falar da oposição? Alguém conhece as ideias da oposição, caso elas existam? Quais são os debates do país que não sejam os colocados pelo próprio Bolsonaro e sua corte em doses diárias calculadas?
É pelo mesmo mecanismo que o bolsonarismo controla as oposições internas do Governo. Os exemplos são constantes e numerosos. Mas o uso mais impressionante foi a recente ofensiva contra a memória da ditadura militar. Bolsonaro mandou seu porta-voz, justamente um general, dizer que ele havia ordenado que o golpe de 1964, que completou 55 anos em 31 de março, recebesse as “comemorações devidas” pelas Forças Armadas. Era ordem de Bolsonaro, mas quem estava dizendo era um general da ativa, o que potencializa a imagem que interessa a Bolsonaro infiltrar na cabeça dos brasileiros.
Bolsonaro promoveu a memória dos crimes da ditadura pelo avesso, negando-os e elogiando-os. Poucas vezes a violência do regime autoritário foi tão lembrada e descrita quanto neste 31 de março. Foi Bolsonaro quem menos deixou esquecer os mais de 400 opositores mortos e 8 mil indígenas assassinados, assim como as dezenas de milhares de civis torturados. Para manter os generais no cabresto, Bolsonaro os jogou na fogueira da opinião pública fingindo que os defendia.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro lembrou aos generais que são ele e sua corte aparentemente tresloucada quem faz o serviço sujo de enaltecer torturadores e impedir que pleitos como o da revisão da lei de anistia, que até hoje impediu os agentes do Estado de serem julgados pelos crimes cometidos durante a ditadura, vão adiante. Como berrou o guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho, em um de seus ataques recentes contra o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo da presidência: “Sem mim, Santos Cruz, você estaria levando cusparadas na porta do Clube Militar e baixando a cabeça como tantos de seus colegas de farda”.
A exaltação do golpe militar de 1964 serviu também como balão de ensaio para testar a capacidade das instituições de fazer a lei valer. Mais uma vez, Bolsonaro pôde constatar o quanto as instituições brasileiras são fracas. E alguns de seus personagens, particularmente no judiciário, tremendamente covardes. Não fosse a Defensoria Pública da União, que entrou com uma ação na justiça para impedir as comemorações de crimes contra a humanidade, nada além de “recomendações” para que o Governo não celebrasse o sequestro, a tortura e o assassinato de brasileiros. Patético.
Outro exemplo é a demissão do ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez para colocar em seu lugar outro que pode ser ainda pior. Bolsonaro fritou o ministro que ele mesmo nomeou e o demitiu pelo Twitter. Ao fazê-lo, agiu como se outra pessoa o tivesse nomeado – e não ele mesmo. Chamou-o de “pessoa simpática, amável e competente”, mas sem capacidade de “gestão” e sem “expertise”. Mas quem foi o gestor que nomeou alguém sem capacidade de gestão e expertise para um ministério estratégico para o país? E como classificar um gestor que faz isso? Mais uma vez, Bolsonaro age como se estivesse fora e dentro ao mesmo tempo, fosse governo e opositor do governo simultaneamente.
A estratégia bem sucedida, neste caso, é a falsa disputa da “nova política” contra a “velha política”. O bate-boca entre Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), é só rebaixamento da política, de qualquer política. Se a oposição ao Governo é Maia, parlamentar de um partido fisiológico de direita, qual é a oposição? Bolsonaro e Maia estão no mesmo campo ideológico. Não há nenhuma disputa de fundo estrutural entre os dois, seja sobre a Previdência ou sobre qualquer outro assunto de interesse do país.
Mesmo a parcela mais organizada das minorias que tanto Bolsonaro atacou na eleição parece estar em transe, sem saber como agir diante dessa operação perversa do poder. Ao reagir, tem adotado o mesmo discurso daqueles que as oprimem, o que amplia a vitória do bolsonarismo.
Um exemplo. O vídeo divulgado por Bolsonaro no Carnaval, mostrando uma cena de “golden shower”, foi definido como “pornográfico” por muitos dos que se opõem a Bolsonaro. Mas este é o conceito de pornografia da turma do antipresidente. (...) O ato pornográfico é o de Bolsonaro, oficialmente presidente da República, divulgar o vídeo nas redes sociais. É dele a obscenidade. A pornografia não está na cena, mas no ato de divulgar a cena pelas redes sociais. Diferenciar uma coisa da outra é fundamental.
Outro exemplo. Quando a oposição tenta desqualificar o deputado federal Alexandre Frota (PSL) porque ele é ator pornô está apenas se igualando ao adversário. Qual é o problema de ser ator pornô? Só os moralistas do pseudoevangelismo desqualificam pessoas por terem trabalhos ligados ao sexo. Alexandre Frota deve ser criticado pelas suas péssimas ideias e projetos para o país, não porque fazia sexo em filmes para ganhar a vida. (...) Cada vez mais parte da esquerda tem se deixado contaminar, como se fosse possível deslegitimar o adversário usando o mesmo discurso de ódio.
Na mesma linha, o problema do ministro da Justiça, Sergio Moro, não é o fato de ele falar “conge” em vez de “cônjuge”, como fez por duas vezes durante audiência pública no Senado. Ridicularizar os erros das pessoas na forma de falar é prática das piores elites, aquelas que se mantêm como elite também porque detêm o monopólio da linguagem.
O problema de Moro é ter, como juiz, interferido no resultado da eleição. E, em seguida, ser ministro daquele que suas ações como funcionário público ajudaram a eleger. O problema de Moro é criar um pacote anticrime que, na prática, pode autorizar os policiais a cometerem crimes. Pela proposta do ministro da Justiça, os policiais podem invocar “legítima defesa” ao matar um suspeito, alegando “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Neste caso, a pena pode ser reduzida pela metade ou mesmo anulada.
O Brasil já vive sob o horror da exceção. A falsificação da realidade, a corrupção das palavras e a perversão dos conceitos são parte da violência que se instalou no Brasil. São parte do método. Essa violência subjetiva tem resultados bem objetivos – e multiplica, como os números já começam a apontar, a violência contra os corpos. Não quaisquer corpos, mas os corpos dos mais frágeis.
O desafio – urgente, porque já não há mais tempo – é resgatar o que resta de democracia no Brasil. É pela pressão popular que as instituições podem se fortalecer ao serem lembradas que não servem aos donos do poder nem aos interesses de seus membros, mas à sociedade e à Constituição. É pela pressão por outros diálogos e outras ideias e outras realidades que ainda respiram no país que a imprensa pode abrir espaço para o pluralismo real. É pela pressão por justiça e pelo levante contra a barbárie que podemos salvar nossa própria alma adoecida pelos dias.
Precisamos encontrar caminhos para romper o controle, sair do jugo dos perversos, tirar a pauta dos dias de suas mãos.
Como?
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