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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Jun21

A improbidade sanitária em tempos de Covid-19

Talis Andrade

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Por Nésio Fernandes, Edson Pistori e Thiago Campos /ConJur

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A probidade é a qualidade do que é íntegro, reto ou honesto; é a virtude de quem tem comportamento moralmente irrepreensível.

O seu oposto, a improbidade, não é apenas a ausência de probidade, mas a existência de maldade, perversidade ou falseamento proposital da verdade com intuito de enganar ou ludibriar.

A improbidade está diretamente relacionada à ideia da má-fé, que se caracteriza pela atitude contra a lei praticada de plena consciência, com deslealdade e sem justa causa.

A probidade, assim como a boa-fé, são valores intrínsecos à Administração Pública, cujo fundamento está na base da confiança entre os cidadãos e o Estado.

Constitui-se, portanto, em improbidade sanitária os atos ou omissões intencionais que atentem contra o dever do Estado de "garantir a saúde" e de reduzir os "riscos de doenças e de outros agravos" (artigo 196 da Constituição Federal).

Mais grave do que a improbidade administrativa, que se refere à lesão ao patrimônio público e ao enriquecimento ilícito às custas do erário, a improbidade sanitária atenta contra o bem-estar físico, mental, social das pessoas e da coletividade, quando não solapa a própria vida.

A situação sanitária do Brasil é uma tragédia superlativa.

A perda de meio milhão de vidas, em pouco mais de um ano, é a consequência da alta capacidade de transmissão do vírus e da sua natureza letal, mas, sem dúvida alguma, isso foi agravado exponencialmente pela desigualdade social no país, e pela irresponsabilidade do presidente da República e de seus auxiliares.

Não se trataram de meros erros de avaliação quanto às alternativas de políticas governamentais disponíveis, e, sim, de um descaso deliberado, um desprezo absoluto pela vida, pela dor e pelo sofrimento alheios.

Alertas críticos foram dados insistentemente, porém a gravidade da crise sanitária sempre foi minimizada, com um desdém cínico e insofismável.

Diante do número colossal de óbitos e da doença fora de controle, é improbidade sanitária pregar o não uso de máscaras ou deixar de usá-las.

É improbidade sanitária colocar em dúvida a efetividade de vacinas, relativizar a necessidade de tomá-las.

Improbidade maior é causar obstáculos à aquisição de imunizantes ou retardar o início e a velocidade da imunização, sob o falso pretexto de obstáculos legais ou falta de vantajosidade econômica.

Essa improbidade sanitária tem o preço impagável de 500 mil sepulturas até agora, e o fim disso ainda está longe do horizonte.

Para se mostrar ativo, porém com notório propósito divisionista, para levar vantagens diante das divergências ou dissensões, incentivou-se o uso indiscriminado pela população de medicamentos sem nenhuma eficácia contra a doença, o que também é um ato de improbidade sanitária.

A Lei nº 1079, de 1950, estabeleceu que os atos do presidente da República e dos ministros que atentarem contra a probidade da Administração são considerados crimes de responsabilidade.

Temos um crime continuado acontecendo, caracterizado pela unidade de propósito em minimizar a tragédia, falsear intencionalmente a verdade e a gravidade da situação, pela sabotagem as soluções e a prevenção necessária, por se esquivarem das responsabilidades legais que lhes foram conferidas e por ludibriar a boa-fé de algumas pessoas ao custo da vida de milhares de outras.

Tudo isso asfixia a democracia e atenta contra o caráter civilizatório da República, enunciado pela Constituição de 1988.

Há mais de 500 mil consequências graves da improbidade sanitária praticada no Brasil, outras ainda estão por vir. Quantas vidas perderemos a mais até colocarmos um fim nessa loucura?

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21
Jun21

Qual é o real tamanho da tragédia no Brasil?

Talis Andrade

 

Marca de meio milhão de mortos por covid-19, na verdade, já teria sido atingida há meses. Falta de clareza sobre o quadro real é obstáculo para políticas públicas e sustenta a falsa sensação de controle da doença

 

por Malu Delgado, na DW

O Brasil tem sido um caso mundial raro de acúmulo de erros no combate à doença desde o registro oficial do primeiro caso confirmado de covid-19, em 26 de fevereiro de 2020. Quase 16 meses depois do paciente 1 (nas estatísticas oficiais), o país supera a trágica marca de meio milhão de mortos e quase 18 milhões de infectados confirmados, como constava no painel mundial da Johns Hopkins University na tarde de 18 de junho de 2021. O pior é que o cenário, alertam cientistas, é certamente mais sombrio, e o tamanho da tragédia, maior e mais alarmante.

Estudos estatísticos conduzidos por cientistas brasileiros indicam que, tanto de óbitos quanto de número de infectados pelo coronavírus, a subnotificação atinge altos patamares. A falta de clareza sobre o quadro real é obstáculo para implementação mais racional de políticas públicas e muitas vezes sustenta a falsa sensação de controle da doença.

 

Vítimas seriam até 700 mil

 

O número mais realista de óbitos no Brasil hoje deve estar na casa de 700 mil, não estando afastada a possibilidade de o país chegar a 1 milhão de mortos até o final do ano, segundo afirmou à DW Brasila médica infectologista Ana Luiza Bierrenbach, autora de estudo sobre a subnotificação no país. A pesquisa conduzida por ela, que é conselheira técnica sênior da Vital Strategies, aponta que o Brasil tem pelo menos 30% mais óbitos e 60% mais infectados do que os números oficiais. “Na verdade, já chegamos a 500 mil mortos por volta de meados de abril”, assegura.

Divulgar apenas os casos confirmados, afirma a pesquisadora, é “muito mais confortável para governos”, no Brasil e no resto do mundo. “Existe a tendência de passar a reportar os casos confirmados e suspeitos, os prováveis, porque o dado obviamente é menor.”

Porém, para os infectologistas e epidemiologistas, acrescenta, precisam enxergar o quadro mais realista. “O que preconizamos é passar a falar não só dos confirmados, mas incluir em nossas notificações diárias o número de casos prováveis e suspeitos. Eles precisam se tornar conhecidos.”

O estudo estatístico, que é dinâmico e atualizado diariamente, tem como base de dados o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), do SUS. Esse banco, cujo acesso é público, registra casos e óbitos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

“Pegamos todos esses casos de SRAS, os que eram covid-19 e os que não tinham nenhuma etiologia, nenhum agente etiológico [causador da doença] determinado. Em 2018, 2019, os números eram bem baixinhos. Acontece um boom obviamente a partir de março de 2020, e neste boom tem muitos casos e óbitos não confirmados como covid. Dado que não encontramos a etiologia, a única explicação possível é que seja covid, ou então no Brasil estamos tendo uma pandemia de outro agente respiratório que desconhecemos. Só pode ser covid”, atesta a infectologista.

 

“Em nenhum momento o país controlou número de óbitos”          

 

Além do número estarrecedor de casos letais, o imunologista Alessandro dos Santos Farias, coordenador de diagnóstico da Força-Tarefa contra a Covid-19 da Unicamp, aponta que o principal temor da classe científica é que o Brasil produza uma variante agressiva que leve o país à estaca zero. “A produção de variantes está relacionada ao número de pessoas infectadas. E nós somos o portfólio perfeito de novas variantes, de vírus replicando: temos vacinação lenta com contaminação alta”, explicou Farias, em entrevista à DW Brasil.

Para o pesquisador do Instituto de Biologia da Unicamp, que coordena um programa inovador de testagens, o número de infectados, hoje, deve ser de aproximadamente 50 milhões de pessoas, ou seja, quase três vezes maior do que as estatísticas oficiais registram. Não se pode dizer, segundo ele, que o Brasil estaria entrando numa terceira onda agora. “O Brasil é uma onda só. São picos dentro de uma mesma onda. O país, em nenhum momento, controlou o número de óbitos.”

A possibilidade de surgir uma nova variante para a qual não há cobertura vacinal, diz o pesquisador, é grande justamente pelo gigantesco número de infectados. Farias e os especialistas da Unicamp iniciam, neste mês, uma pesquisa inédita, por amostragem, que vai detectar as variantes em todas as 11 regiões do estado de São Paulo pelo PCR, de forma mais célere e mais barata, sem a necessidade de sequenciamento do vírus.

 

Sem perspectiva de testagem em massa

 

O Brasil, sustenta Alessandro Farias, não tem nenhuma perspectiva nacional para que sejam feitas testagens em massa. “A testagem de sintomáticos tem valor de diagnóstico, mas não tem valor epidemiológico. Não temos uma noção muito boa do que está acontecendo, e não temos perspectiva de testar em massa, de jeito nenhum”, diz. A Unicamp, na força-tarefa coordenada por Farias, já conseguiu testar 200 mil pessoas, o equivalente a 20% da população de Campinas. No Brasil inteiro, pontua o pesquisador, o governo federal testou apenas 135 mil pessoas. As pesquisas e aplicação de testes pela Unicamp foram financiados pelo Ministério Público do Trabalho.

Programas nacionais de testagem em massa, como fez a Alemanha, destaca o imunologista, são cruciais para manejar a abertura e fechamento de serviços e escolas, por exemplo. “A Alemanha chegou a testar 500 mil pessoas em um único dia”, exemplifica, acrescentando que o país europeu, assim como o Brasil, tem problemas com a velocidade da vacinação. No entanto, investe em testagem.

Quando a vacinação é rápida, explica Farias, o monitoramento de variantes é mais eficaz porque o índice de transmissão fica mais lento, o que não é o caso do Brasil:

Ficamos na torcida para a gente não gerar nada que nos leve a começar do zero de novo. Mas pode acontecer. Podemos ter uma variante em que os vacinados e recuperados não tenham nenhuma proteção. Começamos, aí, uma epidemia brasileira do zero. Isso é o que mais me assusta para o futuro. O presente já é sombrio: 2.700 mortes por dia é  um World Trade Center por dia.”

A produção nacional de vacinas, pelo Instituto Butantan e Fiocruz, observa o pesquisador, é a medida mais inteligente e importante tomada no país até agora. “Acreditamos que não vamos nos livrar deste vírus nunca mais. Não sei se teremos que vacinar a população todo ano, mas vamos conviver com o vírus e precisamos monitorar. É muito importante o Brasil ter a capacidade de ele mesmo produzir vacina.”

 

Estimativa de subnotificação é conservadora

 

A médica Ana Luiza Bierrenbach explica que como o banco de dados que foi base para o estudo de subnotificação registra apenas casos graves de síndrome de angústia respiratória ou de pessoas que morreram em ambiente hospitalar ou fora, ou foram internados, certamente as estatísticas são conservadoras. Significa dizer que a subnotificação de óbitos por covid-19, explica, é superior a 30%. “Em muitos casos leves as pessoas nem sequer procuraram fazer os testes. Essa subnotificação que conseguimos calcular é para casos graves e óbitos.”

Segundo a pesquisadora, a subnotificação certamente era maior em 2020, no início da pandemia, quando não havia testes e muitos assintomáticos nem sequer suspeitavam estar com doença. “Mais recentemente a proporção de subnotificação está diminuindo, o que é um mérito de estarmos fazendo mais diagnósticos. E mais diagnósticos oportunos. O que acontece é que pela progressão natural da doença, o vírus tem uma fase de se replicar na nasofaringe e, portanto, com um exame simples, o Swab, a gente consegue detectar. Mas depois o vírus vai para os tecidos, e a detecção do agente viral fica mais difícil”, diz, ressaltando que exame PCR, por exemplo, registra os resultados positivos se feito entre o quinto e oitavo dias da doença.

“Sempre contar casos e óbitos é importante para desenvolver e planejar políticas de saúde. Se a gente não sabe o numero de casos graves, não podemos alocar leitos hospitalares, [definir] quantos são necessários dependendo da fase da doença, quantos leitos de UTI precisamos, [qual a] quantidade de oxigênio que precisaremos para não passar como crise de Manaus. Remédios, recursos humanos e hospitalares são calculados a partir de números”, enfatiza Ana Luiza Bierrenbach.

A divulgação realista e “limpa” dos números acrescenta ela, é crucial também para sensibilizar e alertar a população. “Estamos realmente diante de uma crise muito grave. Ainda precisa ficar em casa. Morrem de 2.500 a 3.000 pessoas por dia no Brasil, e já fazem bons meses que temos mantido esse números.” O Chile, cita a pesquisadora, serve de alerta para o Brasil de que a vacinação, se alta, pode não aplacar a tragédia.

19
Jun21

Povo nas ruas: Vacina no braço! Comida no prato! Fora Bolsonaro!

Talis Andrade

Dia de protesto. Dia de luto.

Brasil ultrapassa 500 mil mortes por covid-19

 

Sem nunca ter tido a pandemia sob controle, país atinge trágica marca com mortes novamente em alta, imerso em caos sanitário e com brasileiros tendo que lutar com negacionismo científico e desinformação. Escreve Bruno Lupion no DW. Leia reportagem

 

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Os recifenses lembraram os dois homens do povo que perderam a visão nos protestos de #19J

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Porto AlegreProtesto contra governo do presidente Jair Bolsonaro neste sábado (19) em Goiânia — Foto: REUTERS/Diego Vara

GoiâniaProtesto contra governo do presidente Jair Bolsonaro neste sábado (19) em Brasília — Foto: G1 DF
 Brasília
 
 
 
Guilherme Boulos
A gente não vai esperar sentado até 2022! Fora Bolsonaro! #19JForaBolsonaro
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O Brasil está morrendo nas mãos de Bolsonaro. É preciso arrancá-lo, urgentemente! Fora genocida!
21
Abr21

Bolsonaro e a paixão pelo golpismo: por que não dá o golpe, então?

Talis Andrade

Blog de Geografia: Charge de J. Bosco: golpe de 1964

 

Por Lenio Luiz Streck

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Em 31 de março de 1964 eu tinha 8 anos. Não sabia do que se tratava.

Todavia, senti o golpe na carne. Aprendi na concretude, quando meu pai foi preso em pleno trabalho na lavoura. Lembro a trilhadeira marca Continente — meu pai colocava a palha manualmente, sempre com o perigo de perder as mãos — cercada por mais de uma dezena de soldados, armados até os dentes, levarem meu pai e o atirarem dentro de um caminhão.

Era um novo método de aprender a história. O método de ver o que resta de famílias atingidas pelo rio da história, que arrasta a tudo. O resto é do capítulo de "histórias privadas".

Despiciendo falar dos males causados pela "noite que durou 21 anos'. E tem gente, como o presidente Bolsonaro, que nega que tenha sido golpe. Elogiam. "Salvaram o Brasil".

Pois é. O Brasil foi tão salvo que precisamos de mais de 30 anos de democracia constitucional para tentar curar as feridas.

E quando as feridas começam a descascar, anunciado apenas algumas marcas, vem de novo o medo. A ameaça. Pasmem: em 2021. Sim, em 2021, no meio de uma pandemia que mata mais do que duas bombas atômicas.

Paradoxalmente, a ameaça é a contrario sensu. "— Não se preocupem: está tudo bem". "— Os militares são legalistas". E o Brasil "respira" aliviado: ufa. A Constituição será cumprida, diz o novo ministro da defesa e o general-vice-presidente.

Como deixei anunciado no título, se eu fosse senador ou deputado federal teria ocupado a tribuna, no dia da crise (30 de março de 2021) para fazer um repto ao Presidente e a quem estivesse embriagado pela saudade da ditadura e o AI-5:

"Por que não dá, logo, o golpe? Assuma que odeia a Constituição. Pare com essa ronha de 'o STF me impede de governar', 'os governadores estão implantando o estado de sítio', 'os governadores tiram a liberdade' etc. etc., etc."

Assuma, Presidente. Faça o golpe.

Mas tenha em conta que terá de fechar no mínimo a metade dos jornais, TVs, rádios, prender metade do Congresso, fechar o STF e aguentar o isolamento mundial. O Brasil não é uma ilha, mesmo que Vossa Excelência se esforce para tal. Rasgar a Constituição tem custos.

Pergunto: Na hipótese de, como seria a chegada do Capitão-Presidente-autor-de-um-autogolpe na Alemanha? O Brasil viraria uma distopia? Um Conto de Aia?

Algum país da União Europeia receberia o mandatário brasileiro? Hungria, talvez. Se hoje já está difícil depois do desastre do combate à pandemia e das patacoadas de Ernesto Araújo, que dirá se o Brasil passar por um regime de exceção.

O Brasil tem de se curar dessa ferida causada pelo golpe — sim, foi golpe e não movimento, General Braga Neto — de 1964.

Vamos admitir que podemos ser adultos politicamente e ter uma democracia. Demo-cracia: a força do povo e não demo-parabellum.

De uma vez por todas. Estamos em meio do maior desastre humanitário da história. O mundo já nos considera um país-pária. Já somos um perigo sanitário. Brasileiros são barrados no mundo todo.

E o Presidente da República, eleito por mais de 57 milhões de votos, está preocupado em aumentar seus poderes e/ou fazer manobras que insinuam golpe-estado-de-exceção, inclusive com o medíocre deputado Major Vitor Hugo querendo dar o drible da vaca com um projeto que permite ao presidente fazer intervenções nas liberdades, inclusive com a convocação de policiais militares estaduais.

O Brasil quer vacinas. Quer paz. Quer comida. O Brasil não quer golpe, Senhor Presidente.

Mas, se quiser fazer um putsch, faça logo. Mas assuma o custo. Vai ter de prender milhões de pessoas. Milhões.

Com certeza, se fizer o "atalho constitucional" (sic), será uma vitória de Pirro. Sim, o neo-pirrismo à brasileira: mais um golpe, mais uma vitória do autoritarismo...

Porém, já nem se poderá dizer, como Pirro, "mais uma vitória dessas e estarei lascado". Por quê? Porque já não haverá nem vencidos e nem vencedores.

Veja-se o paroxismo. Até o deputado bem direitista Kim Kataguiri detectou o ar de golpismo que estava no ar no dia 30. E, cá para nós, neste ponto Kim é insuspeito. Algo como "se até Kim falou isso..."

E da tribuna do Senado ou da Câmara, eu pediria: "— Presidente: ainda dá tempo de Vossa Excelência ajudar na campanha contra a Covid. Imagine, com o seu prestígio, fazendo uma campanha dizendo 'use máscara, faça distanciamento social e deixe de lado essa coisa de tratamento precoce — eu estava enganado'. Já pensou no sucesso?"

Ao terminar, vem-me à mente de novo a cena de meu pai sendo cercado pelos soldados em meio à colheita de arroz daquela minúscula lavoura no interior do interior do mundo.

E me vem à mente o meu dia seguinte. Do bullying de meus coleguinhas na escola... Que me cercavam e diziam: o teu pai foi presoooo...

E eu não sabia o que responder!

Presidente, eu, uma criança, cercado pelos outros moleques, sem saber dizer por que meu pai fora preso.

Não vamos reviver isso, Presidente. Nem em pensamento. Nem em (seu) sonho.

Viva, pois, a demo-cracia! "Demo" significa "povo". E não... bem, Vossa Excelência sabe, não é Presidente?

Charge: Brasil-avestruz não vê clima pra golpe. Por Aroeira

20
Abr21

Governadores devem acionar STF e CNMP contra Lindôra Araújo

Talis Andrade

 

Segundo informações da jornalista Natuza Nery, os gestores estaduais planejam uma resposta conjunta contra a subprocuradora

 

Por Lucas Rocha /Revista Forum

 

Os governadores estaduais pretendem reagir contra a intimação feita pela subprocuradora-geral Lindôra Araújo, braço direito do chefe da PGR, Augusto Aras. Em ofício enviado aos estados, Araújo pediu explicações sobre a utilização das verbas federais no combate à Covid-19. O pedido foi enviado na sexta-feira (16), um dia depois da instalação da CPI do Genocídio, e parece ter como objetivo dar munição ao Governo Bolsonaro contra os entes federativos.

Segundo a jornalista Natuza Nery, colunista do Estúdio i da GloboNews, governadores enxergaram a ação da subprocuradora como política e pretendem acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra ela, pedindo a suspeição alegando abuso de autoridade

No pedido, Lindôra levanta acusações contra os governadores pedindo justificativas sobre “a desativação de diversos hospitais de campanha no ano passado, considerando que a pandemia prossegue e que a falta de leitos pode deixar pessoas sem a assistência adequada, além de representar possível prejuízo ao erário ou mau uso da verba pública”

Lindôra, que recentemente minimizou a pandemia dizendo que “estão politizando o covid”, tem sido usada por Aras e Jair Bolsonaro em uma espécie de contra-ataque à investigação que terá início no senado com a instalação da CPI do Genocídio.

A subprocuradora requisita informações completas sobre as verbas federais e estaduais utilizadas na construção dos hospitais de campanha, incluindo especificação de valores repassados pela União aos estados e a quantia redistribuída aos municípios. Também pede a relação completa dos insumos e equipamentos das estruturas desativadas, com a comprovação da destinação de bens e valores. Além disso, solicita dados sobre o uso das verbas federais destinadas ao combate à pandemia, perguntando, por exemplo, se algum valor foi realocado para outros fins.

Nota deste corresponde: A inquisição de Lindôra acontece prontamente quando  instalada a CPI da Covid-19 no Senado Federal, quando Bolsonaro é acusado de crime contra a humanidade e os governadores reclamam a falta dos medidamentos do kit intubação. 

 

 

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A morte de Marat

 
20
Abr21

Covid-19: A desumanidade da intubação sem kit

Talis Andrade

 

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Por Renata Lo Prete /G1

Depois do esgotamento de leitos e do desabastecimento de oxigênio, a mais recente manifestação de colapso do sistema de saúde é a escassez de medicamentos para doentes graves de Covid-19. Cinco Estados zeraram seus estoques no fim de semana, e outros se aproximam desse ponto - São Paulo tem o suficiente para mais quatro dias. Neste episódio, a médica intensivista Lara Kretzer, que coordena uma força-tarefa para alocar recursos escassos, descreve a mecânica da intubação e o papel de cada um dos remédios usados no procedimento. Sem eles, “a gente não consegue ventilar o paciente de maneira apropriada”, o que compromete suas chances. E do ponto de vista ético e humanitário? “É pior ainda”, afirma. A importação desses medicamentos por empresas privadas, para destinar ao SUS, é mais do que bem-vinda. Mas a atitude do governo federal não ajuda e, no estágio da pandemia em que está o Brasil, qualquer medida de alívio para quem está hospitalizado só se sustenta se houver esforço para reduzir o contágio - e com ele as internações. É o que explica Walter Cintra, professor da pós-graduação em administração hospitalar da FGV. “Chegamos aonde chegamos porque não tomamos as medidas preventivas, que são as melhores medidas”, diz.

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18
Abr21

Basta! Por Miguel Nicolelis

Talis Andrade

 

por Miguel Nicolelis /O Globo

Como um gigantesco navio sem capitão, singrando desgovernado por um oceano viral que rotineira e impiedosamente ceifa, num intervalo de 24 horas, perto de 4 mil vidas brasileiras — número equivalente ao total acumulado de mortes reportadas pela China em toda a pandemia —, a combalida nau chamada Brasil sofreu nos últimos dias mais uma série de golpes devastadores. Como se não bastasse ter de combater uma pandemia fora de controle, em meio a um colapso sem precedentes de todo seu sistema hospitalar e, no processo, ter se tornado um verdadeiro pária internacional, o Brasil assistiu atônito à escalada vertiginosa do pandemônio político que o assola. Rotulado de forma quase unânime pela imprensa internacional como inimigo público número 1 do combate à pandemia de Covid-19 em todo o mundo, o atual ocupante do Palácio do Planalto deu claras demonstrações públicas e notórias de estar perdendo qualquer tipo de controle — se algum dia o teve — do caos semeado por ele mesmo desde a ascensão ao maior cargo da República.

Acuado pela decisão do STF de obrigar o presidente do Senado Federal a instalar uma CPI para investigar a conduta do governo federal no combate ao coronavírus, isolado e demonizado pela comunidade internacional, e tendo sua tentativa de interferência nas Forças Armadas repudiada simultaneamente pelos comandantes das três Armas, o presidente da República parece ter achado um novo moinho de vento para chamar de seu inimigo preferido: os cientistas. Numa declaração proferida aos berros numa de suas aparições públicas em Brasília, o gestor e principal responsável pela maior catástrofe humanitária da história da República brasileira vociferou contra toda a comunidade científica brasileira (e mundial, presume-se) nos seguintes termos: “Cientistas canalhas, se não têm nenhum remédio para indicar, cale a boca e deixe (sic) o médico trabalhar”.

Ao indivíduo que transformou imagens de infindáveis fileiras de covas rasas, sendo abertas às pressas por todo o país, no mais visualizado “cartão-postal” do Brasil atual em todo o mundo, ao mandatário que selou o destino de centenas de milhares de brasileiros cujas mortes poderiam ter sido evitadas, levando o Brasil ao ponto em que as mortes em um mês podem superar os nascimentos pela primeira vez, ao gestor que impediu a compra de dezenas de milhões de vacinas quando elas ainda estavam disponíveis no mercado internacional, ao propagandista que estimulou a população a usar medicamentos sem nenhuma eficácia comprovada contra o coronavírus, ao presidente que nunca ofereceu uma palavra de consolo ou solidariedade a uma nação ferida e golpeada mortalmente como nunca antes na sua história, e que negou qualquer ajuda digna a milhões de brasileiros que diariamente convivem com a perda irreparável de seus entes amados, enquanto tendo de tomar a monstruosa decisão entre morrer de fome ou de Covid-19, a Ciência e os cientistas brasileiros só têm uma reposta a oferecer: Basta!

No momento em que todos nós, brasileiros, testemunhamos a manifestação de uma bifurcação trágica e decisiva, é preciso dar um “Basta!” definitivo, decisivo e inequívoco aos inúmeros crimes perpetrados contra os brasileiros de hoje e os que ainda hão de nascer, antes que seja tarde demais. Tarde demais para salvar centenas de milhares de vidas que ainda podem ser salvas; tarde demais para salvar o que resta das instituições e da democracia brasileira; tarde demais para evitar que o país cruze o limiar de um ponto de onde serão precisos anos ou décadas para que dele se possa retornar.

Em nome dos 362.180 brasileiros que pagaram com a própria vida pelo maior ato de incompetência e inépcia da nossa história, em nome de todas as famílias das vítimas desta que já é a maior tragédia nacional, em nome da preservação do Brasil como nação e, finalmente, em nome da garantia de um futuro digno para futuras gerações de brasileiros, chegou a hora de remover do posto o carcereiro inominável que nos transformou a todos em prisioneiros, potencialmente condenados à morte, seja de fome ou de asfixia; isolados de todo o mundo e vivendo diariamente à mercê dos delírios e desmandos de alguém que, por atos e palavras, renunciou voluntariamente a suas responsabilidades constitucionais de proteger, a qualquer custo, o povo brasileiro de uma guerra de extermínio contra um inimigo letal.

Flávio Bolsonaro sofre acidente de quadriciclo no Ceará

Flavio Bolsonaro sofre acidente no Ceará e o papai mandou um avião da FAB  buscar o filhinho - YouTube

15
Abr21

Bolsonaro é 'grande responsável' por 'desastre' de covid, diz vice-presidente de delegação do Parlamento Europeu para o Brasil

Talis Andrade

Anna Cavazzini

Alemã Anna Cavazzini, eurodeputada pelo Partido Verde, participa nesta quinta-feira de reunião tendo como pano de fundo a abertura da CPI para investigar a crise do coronavírus no país e os recordes de mortes por covid-19

 

  • por Luis Barrucho /BBC News

     

    Na visão da alemã Anna Cavazzini, eurodeputada pelo Partido Verde e vice-presidente da delegação do Parlamento Europeu para assuntos relacionados ao Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem "grande parcela de responsabilidade" pela crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19 no país, que ela descreve como "um verdadeiro desastre".

    Cavazzini participa de uma reunião de duas horas sobre o Brasil nesta quinta-feira (15/4) marcada no Parlamento Europeu, tendo como pano de fundo a abertura da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a crise do coronavírus no país e os recordes de mortes por covid-19.

    O chefe da Missão do Brasil junto à União Europeia, embaixador Marcos Galvão, foi chamado para participar.

    Aludindo a uma expressão em sua língua materna, Cavazzini diz que a situação atual do Brasil é como se o país "caminhasse rumo ao precipício de olhos bem abertos".

    "Devo dizer que nenhum país é perfeito. Muitos governos estão lutando pelas melhores práticas. Por exemplo, em meu país, a Alemanha, também temos uma discussão muito crítica sobre se o governo está fazendo a coisa certa. Mas acho que a situação no Brasil realmente se destaca", diz ela, em entrevista à BBC News Brasil por telefone.

    "É um nível completamente diferente de desastre, má gestão governamental, negação política, basicamente é como se o Brasil estivesse "caminhando rumo ao precipício de olhos bem abertos", acrescenta.

    Segundo Cavazzini, Bolsonaro "tem grande parcela de responsabilidade pelo número de doentes e mortos porque não levou a doença a sério, incentivou as pessoas a se reunirem em grandes aglomerações, manteve-se cético no início em relação à vacinação e obstruiu os serviços de imunização em cidades e Estados do Brasil".

    Reuniões como essa não têm implicação prática e são marcadas com antecedência para discutir temas de interesse bilaterais.

    Mas Cavazzini diz que, embora o Parlamento Europeu não possa ditar a política externa, "pode participar nas conversas e influenciar a agenda" dos Estados membros do bloco.

    "Queremos mostrar a solidariedade europeia para com as pessoas que estão lá (Brasil) e gravemente afetadas (pela covid). Claro que também queremos lançar luz também sobre a difícil situação dos direitos humanos no Brasil e principalmente das pessoas que defendem as florestas, que defendem suas terras, que estão ameaçadas e algumas delas infelizmente mortas", diz.

    Cavazzini, que também é membro do comitê parlamentar responsável por assuntos relacionados ao meio ambiente, é uma das principais vozes críticas à política ambiental do governo Bolsonaro, especialmente no tocante ao desmatamento da Amazônia. Ela também se opõe ao acordo entre a União Europeia e o Mercosul (ainda em fase de revisão jurídica).

    "Em geral, é claro que sempre é difícil influenciar realmente a política de saúde de outro país porque é realmente uma questão nacional. Mas acho que uma mistura de pressão diplomática, conversar com o governo, dialogar, tentar identificar os agentes que pensam e agem de forma diferente, apoiá-los é sempre muito importante", diz.

    "Há a questão do financiamento de cooperação… no momento eu não daria nenhum dinheiro ao governo de Bolsonaro, talvez identifique corporações que possam ajudar algumas pessoas no Brasil. Essas são opções de política externa. O Parlamento Europeu basicamente não tem voz na política externa, mas pode participar nas conversas e pode influenciar a agenda", completa.

    Em aviso sobre a audiência, Cavazzini citou a ordem emitida na quinta (8) pelo ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), intalasse uma CPI da pandemia da covid-19. Pacheco tomou a decisão nesta terça-feira.

     

    A CPI investigará a atuação do governo de Jair Bolsonaro no enfrentamento da pandemia de coronavírus, assim como o uso de recursos federais por Estados e municípios na contenção da crise sanitária.

    Cavazzini também menciona que "mais de 340 mil brasileiros já morreram com o vírus" e que "nos últimos dias, a média diária de mortes ultrapassou 4 mil".

    Além de abordar a "situação econômica e sanitária no Brasil", a audiência vai incluir "troca de opiniões sobre a cooperação científica e tecnológica entre a UE e o Brasil" e "troca de pontos de vista sobre a situação dos defensores dos direitos humanos no Brasil, incluindo o caso Fernando dos Santos Araújo".

    Sobrevivente da chacina de Pau D'Arco, em 2017, que resultou na morte de dez trabalhadores rurais e atribuída a policiais, Araújo chegou a entrar no programa de proteção a testemunhas, mas voltou à fazenda neste ano e também foi assassinado.

Recentemente, Cavazzini fez parte do grupo de 68 deputados do Parlamento Europeu que enviou uma carta ao vice-presidente Hamilton Mourão e ao Conselho Nacional da Amazônia Legal, que ele coordena, reclamando de planos para restringir as atividades de ONGs na região.

A eurodeputada foi a primeira signatária do texto, que considera "muito preocupantes" notícias sobre o estabelecimento de limites e regras mais duras para a atuação de entidades da sociedade civil.

"O processo de autorização para funcionamento das ONGs já está bem regulamentado pela lei brasileira. Por muitas décadas, várias ONGs no Brasil têm implementado programas e ações para combater crimes ambientais, proteger a floresta amazônica e a sobrevivência de suas populações, enquanto promovem o desenvolvimento sustentável na região", afirma a carta, de novembro do ano passado.

08
Abr21

"O sistema de saúde já colapsou, e vai continuar no colapso"

Talis Andrade

Hospital de Campanha em Santo André no início de marçoHospital de Campanha em Santo André no início de março

 

Em meio ao pior momento da pandemia de covid-19 no Brasil, com o sistema de saúde sobrecarregado e a vacinação caminhando a passos lentos, o país registrou nesta terça-feira (06/04) mais um recorde de mortes ligadas à doença: foram 4.195 em 24 horas .

O Brasil é atualmente líder mundial disparado em novas mortes diárias, e responde por cerca de 28% dos novos óbitos por covid-19 no mundo, segundo dados do site Our World in Data, vinculado à Universidade de Oxford. Em números absolutos, o Brasil é o segundo país com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos.

Nesta terça, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou um boletim extraordinário do Observatório Covid-19  em que prevê que a pandemia permanecerá em níveis críticos ao longo do mês de abril. Segundo uma análise do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, após viver, em março, o mês mais mortal da pandemia, com 66 mil óbitos ligados à covid-19, o Brasil pode vir a registrar 100 mil mortes neste mês.

O infectologista David Sufiate trabalha na linha de frente em vários hospitais da capital fluminense. Em entrevista à DW, ele relata um quadro dramático. "Eu, como médico, infectologista, intensivista na linha de frente, fico muito desanimado. A gente fica muito triste de perceber que a prioridade do governo não é coletiva, a prioridade do governo é individual", afirma.

Sufiate prevê mais dois ou três meses com mortalidade elevada no país, com até 5 mil ou 6 mil mortes por covid-19 por dia. Sobre um colapso no sistema de saúde, ele é categórico: "Vai colapsar não – vai continuar no colapso. Pois o colapso já chegou. Estamos nele."

Thomas Milz entrevista infectologista David Sufiate 

 

DW: A pandemia está fora de controle, no Brasil?

David Sufiate: É difícil até definir controle dentro de um contexto de pandemia. O que é controle? Mas, de fato, há uma sobrecarga no sistema de saúde como um todo. Desde a rede privada até a rede pública – ambos os cenários são bem difíceis.

Na Fiocruz, estamos há um mês com carga máxima, ou, melhor, acima da carga máxima em alguns momentos. Atualmente, só entra [paciente novo após] o que a gente consegue dar alta ou, infelizmente, os óbitos. Nem dá nem para dizer que está pior, porque já está sobrecarregado há pelo menos três semanas.

 

Você percebe que o perfil dos pacientes está mudando, já que os mais idosos foram vacinados?

Sim, isso é bem notório em todas as esferas de cuidado. Na UTI que eu coordeno, na Fiocruz, a gente já, desde ontem, não tem mais pacientes com mais de 80 anos internados. Isso reflete claramente o papel da vacina na pandemia. Agora temos um cenário em que os mais jovens estão expostos, pois as políticas governamentais estimulam às pessoas a sair de casa, a se expor mais. Assim, ficam mais doentes.

 

Que faixa de idade é mais afetada atualmente?

Entre 40 e 60 anos talvez sejam as pessoas mais afetadas e mais internadas.

 

O perfil do vírus também mudou?

O que parece mais claro para a gente é que o vírus está mais transmissível. Na Fiocruz, a gente consegue fazer uma análise filogenética, e 90% dos atuais pacientes internados já tem a mutação P.1. Então, o vírus mudou e está mais transmissível. Se ele faz uma forma mais grave [da doença], honestamente isso é difícil de dizer. Tem alguns trabalhos pequenos que mostram que o vírus parece ser mais virulento, mas o que me parece olhando de dentro é que tem mais pessoas doentes. Então, estatisticamente vai ter mais pessoas em estado grave. Isso não necessariamente decorre de um vírus estar mais virulento. Isso é difícil de afirmar. 

 

Mas as pessoas agora permanecem por mais tempo na UTI, certo?

É porque são pessoas mais novas. E pacientes mais jovens tem mais reserva funcional. Esse pessoal demora mais para entrar em falência orgânica múltipla, por exemplo. Essas pessoas duram mais, entre aspas. A internação acaba sendo mais prolongada, porque são pessoas mais jovens, que resistem mais.

 

No seu dia a dia na UTI, o que falta para os profissionais de saúde?

Onde eu trabalho, o que mais falta é pessoal especializado em terapia intensiva. Em termos de suprimento, em termos de aparelhagem, não falta, em termos cotidianos. Mas tem muito médico que não está acostumado a trabalhar em UTI, e isso faz uma diferença absurda. E isso se estende a outras áreas também, como fisioterapeuta, enfermeiro e tudo mais. Mão de obra especializada me parece ser uma carência ainda, um ano após o começo da pandemia.

 

E muitos trabalhadores de saúde estão cansados depois de todo esse tempo?

Muitos colegas largaram a medicina, muitos pararam de trabalhar em UTI por causa disso, não querem ver covid de jeito nenhum. Realmente, é bem dramático.

 

O que o governo federal poderia fazer por vocês?

Vacinar as pessoas, priorizar todas as verbas, todas as vontades políticas, e canalizar os esforços na vacinação em massa. É o que vai mudar a história desses 4.100 óbitos em um dia. 

 

E o lockdown? O governo federal disse que não haverá. Mas um lockdown seria positivo?

Não há dúvida. Temos um exemplo aqui no Brasil, a cidade de Araraquara, que fez lockdown e está no segundo lockdown. E que agora está registrando zero mortes. A gente não quer que não internem pacientes com covid. A gente precisa que haja recursos suficientes. Porque a gente não pode ter 700 pessoas esperando uma vaga na UTI para internar. Porque tudo fica engarrafado, tudo fica acumulado, e nosso trabalho é afetado em cascata.

A vacinação não vai impedir que as pessoas peguem a doença. Mas a vacinação vai impedir que tantas pessoas ao mesmo tempo peguem a doença. E o lockdown faz com que as pessoas circulem menos. E isso já foi amplamente divulgado e amplamente difundido, e eu me recuso, em abril de 2021, já 14 meses depois do começo de tudo, a ter que ensinar que lockdown funciona. Não há discussão de que ele funciona, é uma ferramenta muito útil.

Mas a gente vai entrar em outra discussão: como é que o governo vai fomentar as pessoas para não passarem fome? É muito preocupante.

 

Mas você percebe um perfil diferente, com mais pessoas pobres pegando a doença do que pessoas de camadas mais bem abastadas?

Isso acontece com qualquer doença infecciosa. Quanto mais abastado, menor o impacto. Porque as pessoas ricas conseguem ficar em casa, têm recursos para isso. As pessoas pobres não, elas têm de trabalhar, têm de se movimentar de alguma maneira.

 

Vocês, na linha de frente, sentem uma falta de apoio por parte do governo federal?

Eu, como médico, infectologista, intensivista na linha de frente, fico muito desanimado. A gente fica muito triste de perceber que a prioridade do governo não é coletiva, a prioridade do governo é individual. O que nos parece é que o governo não está preocupado com a coletividade, com o coletivo, de priorizar o que deve ser prioridade. Muito desanimador.

 

Ter agora um médico no Ministério da Saúde não traz esperança?

Bom, mais esperança dá se esse médico puder trabalhar. A gente sabe que o impacto das relações políticas é maior do que a própria competência da pessoa no cargo. Espero que o atual ministro da Saúde tenha a liberdade para preconizar o que deve ser preconizado, e não ser mais uma ferramenta de políticas individualistas.

 

Há cientistas prevendo ainda um aumento de mortes diárias – você está otimista ou pessimista?

Eu acho que a gente ainda vai ter dois ou três meses de grande impacto na mortalidade, chegando sim a talvez 5 mil ou 6 mil mortes por dia.

 

E neste caso, tudo vai colapsar?

Vai colapsar não – vai continuar no colapso. Pois o colapso já chegou. Estamos nele.

01
Abr21

Metade dos pacientes internados em UTI por Covid-19 no SUS morre

Talis Andrade

No Brasil, o número de mortos pela doença a cada 24 horas já se aproxima de 4 mil e redes de saúde em várias regiões já entraram em colapso

Felipe Resk, do Estadão Conteúdo /CNN
 

Dados compilados pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) apontam que um a cada três pacientes de coronavírus (36,6%) morreu após precisar ser internado na UTI durante a pandemia.

Proporcionalmente, a mortalidade é maior na rede pública, com taxa de 52,9%, conforme o levantamento. Já nos hospitais privados, o índice de óbitos é de 29,7%.

No Brasil, o número de mortos pela doença a cada 24 horas já se aproxima de 4 mil e redes de saúde em várias regiões já entraram em colapso, com falta de leitos ou remédios para intubação.

As informações sobre a mortalidade nos leitos de terapia intensiva constam da plataforma UTIs Brasileiras, com objetivo de orientar gestores de saúde, que reúne dados de 652 hospitais -- o equivalente a cerca de 25% das unidades de terapias intensivas no País. São 403 unidades da rede privada e 249 da pública, que correspondem a 20.865 leitos.

Membro do Conselho Consultivo e ex-presidente da Amib, Ederlon Rezende é o coordenador da plataforma. Para ele, o fato de a rede pública estar recebendo doentes em situação mais aguda ajuda a entender a diferença entre as taxas de mortalidade. "Quando a gente fala de UTI pública e privada, a primeira coisa a se observar é o porcentual de pacientes sob ventilação mecânica, ou seja, os casos mais graves", afirma.

"Nos hospitais públicos, isso representa cerca de 65% das pessoas atendidas, enquanto que nas UTIs privadas é 40%. O dado, por si só, já explica por que a mortalidade é maior." Ele pondera, no entanto, que também há discrepância quando se compara a letalidade apenas em pacientes entubados. Na rede pública, o índice é de 72,4%, segundo o UTIs Brasileiras. Na particular, fica em 63,6%. Para os pacientes que não precisam de ventilação, a taxa de mortalidade é, respectivamente, 17,1% (público) e 7,6% (privado).

"Se eu considerar que também é diferente nesse subgrupo, então devo admitir que há outras variáveis influenciando, embora não tenha como provar quais são elas", diz Rezende. Entre os possíveis fatores, ele cita melhor infraestrutura da rede privada e maior dificuldade em conseguir vaga em hospital público.

"Quando há fila para conseguir uma vaga na UTI, especialmente agora com o sistema colapsado, o paciente chega com o quadro agravado", afirma. "Isso compromete o desfecho, aumentando o risco de morrer."

Ainda de acordo com a plataforma, o período de internação pela covid-19 é maior na UTI pública. Nessas unidades, 54,2% ficam mais de sete dias. O índice é de 48,6% no privado. No geral, o tempo médio de permanência é de 12,6 dias.

Quanto pior, pior

O levantamento também mostra que, com a escalada de novos casos nas últimas semanas, a taxa de letalidade tem subido nas UTIs. Segundo Rezende, a sobrecarga nos hospitais diminui a capacidade de atender os pacientes com qualidade. Levantamento da Fiocruz esta semana mostrou 24 Estados e o Distrito Federal com taxas de ocupação superiores a 80% nas unidades de terapia intensiva. Para evitar o agravamento do colapso e frear as taxas de transmissão, governadores e prefeitos têm aumentado as medidas de isolamento e adotado até o lockdown.

"Nos primeiros semestres, a mortalidade em geral era de 32%. Agora, entre dezembro e fevereiro, foi de 38%", afirma o especialista. "Significa um aumento de 18,7% na mortalidade, o que é bastante expressivo."

Para Rezende, "está claro que não adianta mais sair abrindo UTI" e é preciso "diminuir o número de casos e ser mais rigoroso na circulação de pessoas". "Os novos leitos acabam sendo importantes para oferecer dignidade e a pessoa não morrer na UPA ou na rua", diz. "Entretanto, deve ficar claro que já atingiu o limite. Há locais que triplicaram o número de UTIs e algumas não têm estrutura adequada, principalmente no que diz respeito à qualificação das equipes. Isso compromete o resultado", destaca ele.Capa da revista Época 27/03/2021

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