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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

06
Nov21

Como candidato, Dallagnol foge de investigação do MP e terá que explicar como comprou 2 apartamentos de alto luxo

Talis Andrade

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Dallagnol deixa o MP pela porta dos fundos, no momento em que foi denunciado por acobertar Castor de Mattos, e entra na política com terno respingado de lama

 

por Joaquim de Carvalho

A saída de Deltan Dallagnol do Ministério Público Federal (MPF) atende a um projeto político da Lava Jato, explicitado pelo próprio agora ex-procurador, em texto que enviou para si mesmo, acessado pelo hacker Walter Delgatti Neto, no conjunto de mensagens conhecido como Vaza Jato.

“Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado. Apesar de em 2022 ter renovação de só 1 vaga e de ser Álvaro Dias, se for para ser, será. Posso traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito manter essa porta aberta”, afirmou para si mesmo.

Deltan Dallagnol tinha o hábito de registrar reflexões que não compartilhava com ninguém, mas, apesar de estranho, o comportamento não revela nada de ilegal. É apenas o registro de sua ambição e da imagem que fazia de si mesmo. É tema para psicólogo ou psiquiatra, não para operadores do direito.

O problema para ele é que não só as mensagens acessadas revelam muito mais que isso. Algumas atitudes deveriam ser investigadas à luz do Código Penal.

Ele precisa explicar seu enriquecimento a partir da notoriedade adquirida com a Lava Jato. 

Entre 2018 e 2021, ele comprou dois apartamento de um andar num dos bairros nobres da cidade. A escritura registra os imóveis com valor aproximado de 4 milhões de reais.

Mas outros apartamentos no mesmo condomínio são vendidos por até até 3 milhões de reais. De qualquer forma, mesmo com o preço da escritura, o valor já é bastante elevado para quem não tem outra fonte de renda conhecida exceto o salário de procurador — cerca de R$ 30 mil líquidos.

Na compra de um dos apartamentos, que pertencia a um agente público processado por corrupção, ele fez um pagamento em banco, em dinheiro vivo, o que é incomum em transações regulares. 

A explicação de que deixou o MPF agora para se dedicar ao combate à corrupção por outros meios — certamente como candidato — foi recebida com ceticismo por colegas que não atuam em Curitiba, mas conhecem uma notícia-crime protocolada na Procuradoria Geral da República pelo Coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia, em nome do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu (CDHMP-FI).

Dallagnol foi denunciado pela suspeita de ter violado dois artigos do Código Penal, o 319 e 321, no episódio do outdoor autopromocional que levou à demissão de seu ex-estagiário e colega da Lava Jato, Diogo Castor de Mattos.

O artigo 319 é o que define o crime de prevaricação -- "Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal". 

O artigo 321 é o que define o crime de "patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário".

É que Deltan Dallagnol, conforme revelam as mensagens, articulou com o então corregedor do MPF, Oswaldo José Barbosa Silva.

"Sabe-se lá por razões oriundas de quais interesses, interveio junto ao então Corregedor Geral do Ministério Público Federal Oswaldo José Barbosa Silva para acobertar seu pupilo e abafar o escândalo do outdoor, buscando, assim, que Diogo Castor de Mattos ficasse impune”, escreveram os advogados.

Como se sabe, o caso do outdoor é mais do que uma irregularidade funcional. Há indícios veementes da prática do crime de falsidade ideológica, já que Castor de Mattos, ao que parece, usou identidade de outra pessoa para contratar a publicidade.

A notícia-crime foi protocolada em agosto do ano passado, mas estava parada no gabinete do procurador-geral, Augusto Aras. Na semana passada, a advogada Tânia Mandarino entrou em contato com a assessoria de Aras, e perguntou se a denúncia não seria despachada.

A procuradora que a atendeu disse que encaminharia a notícia-crime para o Conselho Nacional do Ministério Público, mas, como observou a advogada, não era um caso para ser apreciado lá, mas pelo próprio MP, em razão dos indícios de crime.

Dallagnol pode estar se furtando a uma eventual investigação? Pode ser. 

Mas é inegável que ele sempre fez da Lava Jato um trampolim para o poder político, como mostram as mensagens da Vaza Jato. 

Talvez ele tenha tomado essa decisão por dois motivos. Tentar uma cadeira no parlamento e fugir da humilhação de ser investigado pelo próprio Ministério Público e, em consequência, ser demitido, como seu ex-estagiário.

De qualquer forma, Deltan Dallagnol sai do MP e entra na política com o terno respingado de lama.

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14
Mai21

Livro de José Sócrates passa a limpo o processo penal do espetáculo

Talis Andrade

Só Agora Começou

"SABEM COMO FERIR"

por Rodrigo Haidar

"Eles sabem como ferir. Com prévia convocatória às televisões, a detenção constituiu o primeiro andamento de uma deliberada encenação mediática. Desafiando a inteligência de quem a tudo assistiu, justificam-na com o 'perigo de fuga', tentando esconder o que é óbvio: eu vinha a entrar no país, não a sair".

O relato é de José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, preso no aeroporto de Lisboa em 21 de novembro de 2014, quando voltava de Paris ao seu país natal. Iria se apresentar à Justiça. Não teve tempo: ela foi buscá-lo no aeroporto com luzes, câmeras e ação, exatamente como em muitas das operações espetaculosas deflagradas pela Polícia Federal brasileira por determinação judicial. Do aeroporto, foi levado diretamente para a detenção, de onde saiu somente depois de 11 meses.

Enquanto esteve preso, Sócrates escreveu parte de Só Agora Começou, livro no qual, além de se defender das acusações de que foi alvo, faz sólidas críticas ao sistema de justiça penal português — e também ao brasileiro. Lançado em Portugal no mês passado, o livro está em pré-venda no Brasil e será publicado em junho pela editora Contracorrente, com prefácio da ex-presidente Dilma Rousseff. Na primeira parte, o autor intercala dois momentos narrativos: trechos de textos escritos no confinamento e pensamentos colocados no papel quase quatro anos depois, já longe do calor dos acontecimentos. Os questionamentos aos estratagemas de investigações, à superexposição de réus e aos métodos da imprensa fundem os dois tempos em um só.

"É apenas um político nas mãos da justiça. Depois disto, quem ainda se preocupa com detalhes sobre se seria ou não justa a detenção? Quem liga aos métodos, aos meios, quando estamos a falar de fins importantíssimos — o combate à corrupção?", questiona. A crítica à espetacularização das ações penais perpassa todas as 200 páginas do livro de modo nada sutil. José Sócrates aponta a pirotecnia como a força motora da Justiça atual e provoca as autoridades que buscam o estrelato: "No guião que todos seguem, os agentes judiciários não trazem no bolso o Código Penal, mas o telefone do editor".

O leitor que acompanhou os últimos 20 anos da política brasileira não passará incólume pelo livro. Político experiente, o autor sabe usar as palavras para perturbar e provocar a reflexão. "O chamado novo paradigma não passa do regresso do velho autoritarismo estatal, agora com novos protagonistas, novas razões, novos métodos e novas roupagens, mas o mesmo desprezo pelos direitos individuais e pela cultura de liberdade". A frase não tem como alvo autoridades brasileiras, mas como não pensar imediatamente nos próceres da chamada nova política, que usam a Lei de Segurança Nacional para perseguir e tentar constranger quem ousa criticar o governo de plantão?

A viagem pela prisão e pelas memórias de José Sócrates é também uma viagem pelo Brasil. Lá, o ex-primeiro-ministro acusado de corrupção. Aqui, o ex-presidente. Lá, operação "marquês". Aqui, "lava jato". Lá, Carlos Alexandre, o juiz herói. Aqui, Sergio Moro. Lá e aqui, dois ex-líderes muito comemorados no passado recente são presos ainda sem condenação definitiva. Lá como cá, membros do Ministério Público alçados à posição de astros. Lá e aqui, a queda dos heróis, junto com suas investigações e suas tão novas quanto breves biografias. Em Portugal e no Brasil, o show de parte do Judiciário acabou cedendo diante da real Justiça.

É impossível escapar à analogia entre as operações "marquês" e "lava jato" — até porque o próprio autor faz diversos paralelos. Mas as semelhanças são tantas que, muitas vezes, é necessário voltar um pouco para refrescar a memória. "Afinal, ele está falando de Moro ou de Alexandre?". O fato de José Sócrates ter colocado o ponto final em seu livro em setembro de 2018 não causa nenhum ruído na narrativa. Ao contrário, as histórias contadas parecem prever o desfecho, adivinhar os fatos que todos vimos se desenrolarem depois, como se fosse inevitável.

Lá, Carlos Alexandre foi afastado do processo e seu substituto, juiz Ivo Rosa, absolveu José Sócrates das acusações de corrupção. Aqui, o Supremo Tribunal Federal julgou o juiz Sergio Moro incompetente e parcial, e consequentemente anulou as duas condenações penais do ex-presidente Lula. As duas decisões, em Portugal e no Brasil, terem sido tomadas em abril de 2021, com alguns dias de diferença entre elas, é apenas mais uma na miríade de semelhanças entre os dois casos.

Regras para quem?
O que dá legitimidade a um processo judicial é o seu aspecto formal. A certeza de que as teses jurídicas em disputa em uma ação serão analisadas por um juiz sem compromisso com qualquer das partes é fundamental para a própria manutenção do sistema de Justiça. Juízes, no Brasil e em Portugal, são alçados a seus cargos por meio de concurso público. Não são eleitos.

O fato de não dependerem de votos dá segurança para que decidam sem que precisem representar quaisquer interesses. Mas a falta de legitimidade popular tem um ônus: suas decisões têm, como base, a credibilidade da Justiça. Têm apenas a força de seus próprios fundamentos. Sem a convicção de que o cidadão encontrará um juiz imparcial quando bater à porta do Judiciário, ou for a ele levado, a própria Justiça se coloca em xeque.

Já José Sócrates põe em xeque não só a Justiça de Portugal, mas o espetáculo do combate à corrupção tocado por agentes que, em nome de enfrentar o crime, acabam por cometer uma série de ilegalidades com o aval de veículos de comunicação, que assumem uma posição de contemplação, quando não de defesa, de atos ilegais. Quem, afinal, questionou com efetivo rigor o fato de um juiz de primeira instância ter divulgado a gravação de um telefonema de uma ex-presidente da República, obtida de forma ilegal? E por que não houve esse questionamento? Com a palavra, o ex-premiê português: "O uso do processo judicial como arma no conflito político: não podemos vencer-te pela política, vamos-te ao carácter e à integridade".

Os textos revelam que Sócrates acompanha com especial interesse a política brasileira e, principalmente, os desdobramentos dos processos judiciais que se originaram na "lava jato". O ex-primeiro-ministro trata da condução coercitiva de Lula e a compara à sua própria detenção, anota a situação heterodoxa de um juiz de primeira instância deixar de gozar as férias para derrubar a decisão de um juiz de instância superior — quando Sergio Moro atuou para impedir o cumprimento do Habeas Corpus concedido a Lula pelo desembargador Rogério Favreto, do TRF-4 — e fala sobre o Supremo Tribunal Federal.

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Reitor Luís Carlos Cancellier

Em uma passagem, dá especial atenção ao suicídio de Luís Carlos Cancellier, reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina por decisão judicial, depois de ser preso em uma operação espetaculosa da Polícia Federal. Lembra que, no dia da operação que levou Cancellier à cadeia, um dos agentes da PF ironizou: "viu gente, também prendemos professores". E relata um trecho da fala do ex-desembargador Lédio Rosa de Andrade no funeral do amigo: "Abriu a porta e se deparou com os canos da espingarda e com a câmera de televisão. A sua vida acabou aí".

Ainda nas primeiras páginas do livro, José Sócrates escreve: "Toda uma lição de vida: aqui está o verdadeiro poder — o de prender e o de libertar". Já quase ao final trata de como se forjam novos heróis: "O combate à corrupção transforma-se na narrativa de construção do novo grande homem, que atua em nome do povo. A pulsão de fama tudo deixa para trás — o escrúpulo no cumprimento da lei, os direitos individuais, as campanhas difamatórias contra inocentes".

E estas são as questões fundamentais que atravessam todo o relato, os casos descritos, as memórias e as angústias: o hipertrofiado poder do Estado, representado por um juiz, não pode ter lado, tampouco projeto político. Não importa o crime ou a gravidade da acusação, todos temos direito a um julgamento conduzido por um juiz imparcial: Lula, José Sócrates e até mesmo Jair Bolsonaro — alçado à Presidência com o auxílio diligente da "lava jato" — quando, no futuro, vier a responder pelos crimes contra a humanidade cometidos por suas ações e omissões no enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil. Este é o recado central que Só Agora Começou nos traz. Vale a pena prestar atenção nele.

O livro
Só Agora Começou 
Autor: José Sócrates
Editora: Contracorrente
Páginas: 200
Preço: R$ 50,00

18
Fev21

Senador Alessandro Vieira, porta-voz da Lava Jato, aproveitou o episódio Silveira para atacar o Supremo

Talis Andrade

Reinaldo Azevedo no Twitter
 
 
 
Reinaldo Azevedo
@reinaldoazevedo
Se um deputado fizesse nos EUA, na França ou na Alemanha o que fez Silveira aqui, o caso seria enquadrado como terrorismo doméstico. Por aqui, há selenitas - os q vivem no mundo da lua - debatendo se não é um caso de liberdade de expressão - ou falta dela. Fim da picada!
 
Uma coisa nada tem a ver com outra. O vídeo era público; o crime, evidente, e o CPP, claro. Inclusive da questão do flagrante. Não há apuração secreta, conluio, manipulação de prova. O cara fez o vídeo e ainda desfiou na linha: vem me pegar se tiver coragem.
 
Nota-se, inclusive pela estirpe dos que vêm aqui defender o bombadão valentão, com q tipo de gente se está lidando. São fascistoides mesmo. Bando de malcriados, ignorantes, truculentos, ressentidos, que odeiam a democracia. A exemplo do seu grande líder. E alguns direitistas
 
aborrecidos, esquerdistas sonâmbulos e liberais nefelibatas a evocar os fundamentos da liberdade. 3, 2, 1... Citem Rosa Luxemburgo: “a liberdade é e será sempre a dos que discordam de nós”. Pois é. Rosa estava certa. Na democracia, discordar não supõe ameaçar e pedir golpe.
 
Ah, sim!! Uma pergunta aos finórios: se nada acontecesse a Silveira, o que viria depois? Sim, claro!, os delinquentes têm um método: avançar um pouco por dia. Pode até dar merda, mas não será tão fácil.
 
Estamos experimentando um capítulo de “Como as Democracias Morrem”. Os fascistoides cometendo crimes em nome da liberdade de expressão; a velha direita babando verde pq, afinal, antes isso do q a esquerda, e alguns esquerdistas do miolo mole com medo de defender as instituições.
 
Na cadeia, depois de condenado - e torço para que fique no xilindró desde já - , Silveira poderá ter orgasmos múltiplos todas as noites, sonhando com os 11 ministros do STF “levando surra de gato morto” e sendo destituídos pelo AI-5.
 
Vejo “pensadores”’ que jamais soltaram um pio contra a Lava Jato muito preocupados com a “liberdade de expressão” de Daniel Silveira. Pior do q o bolsonarista tosco, só mesmo o enrustido, q afeta erudição para justificar o vale-tudo da extrema direita nas redes.
 
Senador Alessandro Vieira, porta-voz da Lava Jato na Casa — o q já é uma aberração —, aproveitou o episódio Silveira para atacar o Supremo. É abjeto, mas não surpreendente.
 

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06
Fev21

Defesa de Lula apela ao STF por conluio da ‘Equipe do Moro’ para perseguir Lula

Talis Andrade

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A defesa do ex-presidente Lula apresentou nesta quinta-feira, 4, nova petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) denunciando que Sergio Moro “exigia satisfação até sobre o andamento do recurso de apelação” dos procuradores da Operação Lava Jato, em Curitiba. De acordo com o acervo de mensagens, “tamanha era a sinergia entre juiz e acusação, que estes últimos se identificavam, sem nenhum pudor, como integrantes da ‘equipe do Moro’”, destacou a defesa de Lula.

A base da nova petição apresentada pela defesa de Lula é uma mensagem obtida pela operação Spoofing atribuída ao então coordenador da força-tarefa paranaense, Deltan Dalagnoll.  “Russo quer uma previsão das nossas razões de apelação do caso do triplex”, diz um dos procuradores em um grupo de conversa aos colegas. O impróprio apelido de “Russo” era como os procuradores tratavam intimamente o juiz Sergio Moro.

Moro, para os procuradores, usava um Código de Processo Penal inventado por ele, que passou a ser chamado de CPP da Rússia, ou ainda CP-Cu, Código Penal de Curitiba. 

VEJA A ÍNTEGRA DA PETIÇÃO

A defesa de Lula também ressaltou que, no caso do triplex do Guarujá, a exigência de satisfação de Moro sobre o andamento do recurso de apelação do MPF  evidencia, uma vez mais, “seu controle em relação aos atos do órgão acusatório”. A cada nova divulgação das entranhas da Operação Lava Jato, o lawfare a perseguição ao ex-presidente Lula fica mais evidente e insustentável juridicamente.

As mensagem anexadas ao processo, segundo a defesa de Lula, “reforçam que o então juiz Sergio Moro orientava e era consultado rotineiramente para a prática dos atos de persecução, notadamente em relação ao Reclamante (Lula)”. Em outra troca de mensagens, o procurador Roberson Pozzobon cumprimentava a “equipe Moro.  “Estão todos da ‘equipe Moro’ de parabéns”, escreveu

VEJA OS DIÁLOGOS 

1.

20:23:57 – Deltan: É uma base imensa, com informações de terceiros não relacionados ao réu e há diligências sob sigilo ainda; então é possível fazer pesquisas com base em argumentos (termos) apontados por Lula e que tenham pertinência com os fatos do processo.

20:25:46 – Deltan: Russo [Moro] quer uma previsão das nossas razões de apelação do caso triplex.

2.

16:21:49 – Laura Tessler: Pesssoal, percebi que o Moro agora previu para os colaboradores a possibilidade de ampliação pelo juízo da execução dos benefícios previstos no acordo caso haja aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes. Não me lembro de ter visto isso antes em alguma sentença. Já veio antes ou é mais uma inovação do Moro?

16:31:02 – Julio Noronha: Não lembro de ter visto isso antes tb, Laurinha.

16:33:29 – Jerusa Viecili: é um dispositivo novo do CPP da Rússia!

3.

15:40:25 – José Carlos: Parece que o Judiciário está tentando, mais uma vez, ser protagonista do processo político. Vejo nesse levantamento do sigilo tentativa de influenciar na eleição presidencial. Espero estar errado.

15:43:23 – Ângelo Goulart: Acredito que vc não esteja totalmente errado. Seria surpreendente se o Judiciário não se sentisse tentado a influenciar. Mas pode ter havido uma contribuição involuntária da ordem processual.

06
Fev21

Se ‘Vaza Jato’ vale para o STJ, porque não valeria para todos?

Talis Andrade

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por Fernando Brito

- - -

Vai ser curioso ver qual será a reação do Procurador Geral de Justiça, Augusto Aras, ao ofício do presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins, em que se pede que a PGR abra investigação sobre a tentativa de Deltan Dallagnol e os procuradores da Lava Jato manifestavam o desejo de fazer uma devassa patrimonial nos dois ministros que integram as turmas criminais do STJ.

O plano está numa das mensagens obtidas nos grupos de chats dos procuradores, agora entregue à defesa de Lula. Segundo a CNN, Deltan queria “uma análise patrimonial” , provavelmente à procura de eventuais valores ou bens que pudessem ser utilizados – em público ou reservadamente – para pressioná-los em suas decisões

A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC [processo judicial eletrônico] público. Combinamos com a RF”, escreve Deltan.

A seguir, completa a mensagem com a expressão “Furacão 2”, uma referência à “operação Furacão”, de 2007, que atingiu o então ministro do STJ Paulo Medina, denunciado por integrar um esquema de venda de sentenças judiciais e aposentado compulsoriamente do tribunal, enquanto responde a ação penal.

Ocorre que procuradores de 1ª instância não têm competência legal para investigar ministros do STJ e, claro, muito menos para pretender investigar seus patrimônios usando para isso a Receita Federal.

A ilegalidade é flagrante e a mera iniciativa de propor a devassa é o suficiente para caracterizar crime funcional.

Mas a informação vem de provas captadas de maneira ilícita, o que não pode ensejar ações penais contra quem quer que seja.

Mas o STJ, quando é na sua própria pele, quer que ao menos atos administrativos sejam praticados em razão da informação. E se entendem assim, porque diabos, esta semana, os ministros da 2ª Turma do STF poderiam considerar que as informações sobre estas e muitas outras ilegalidades da turma de Curitiba devessem ser mantidas em sigilo e que a população no possa saber o que faziam em nome da Justiça e no exercício de suas funções públicas?

Os vícios e situações de natureza privada eventualmente narrados ali, sim, devem ser mantidos sob reserva. Mas não os que tratam de processos judiciais públicos, no exercício de funções públicas, pelas quais recebem dinheiro público, ainda mais se são tratados em telefones pertencentes e pagos pelo poder público.

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Nota deste correspondente: Publica Migalhas: Em um dos trechos separados pela defesa do ex-presidente, datado de 27 de fevereiro de 2016, procuradores colocavam em xeque a atuação de ministros do STJ. "Dizem que é assim que funciona no STJ", disse Paulo Galvão sobre propina para assessores.

O diálogo começa com Deltan afirmando que recebeu novos nomes: "Há até pagamento para político". O procurador Paulo Galvão, então, disse que poderia ser propina para assessores e completou: "Dizem que é assim que funciona no STJ".

Deltan mostrou dúvida. "Improvável. Se for, aí o sistema tá muito pior do que o pior que eu já imaginei. Se fosse TJ, tudo bem. Mas STJ??" Deltan ainda sugere uma análise patrimonial.

"A RF pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC público. Combinamos com a RF. Furacão 2."

O procurador Diogo Castor de Mattos, então, cita o ministro Felix Fischer, "Eu duvido, é um cara sério". Diogo diz que tem que ver quais processos que os ministros "podem ter julgado de interesse da Andrade [Gutierrez - empreiteira]"(Imagem: Arte Migalhas)

Mais safadezas estão para aparecer. Mais prisões sob vara, arbitrárias, ilegais, injustas. Prisões políticas. Para arrancar delações sob tortura. Que Moro, quando assumia as secretas personagens "russo", "Putin", "marreco", deixava que se revelassem diferentes personalidades. Foi assim que praticou uma justiça apressada, ativista e de exceção. Inventou um Código de Processo Penal, chamado de Código Russo ou CP-CU. Dizem que nas audiências baixava a pombagira. Era quando falava fino. Era quando usava o martelo das feiticeiras.

Existem muitas histórias ainda não contadas. Principalmente as gravações dos cárceres da Polícia Federal. Jamais reveladas. Basta analisar os inquéritos dos delegados dissidentes.

Existem muitas histórias ainda não contadas. São 79 fases, 1.450 mandados de busca e apreensão, 211 conduções coercitivas, 132 mandados de prisão preventiva, 163 mandados de prisão temporária, 130 denúncias, 533 acusados, 278 condenações. Cada prisão uma história cabeluda. Tem até prisão de crianças como acontecia na ditadura militar. 

Existem muitas histórias ainda não contadas. De acordo com o MPF, mais de R$ 4,3 bilhões foram devolvidos por meio de 209 acordos de colaboração e 17 de leniência. Se o dinheiro falasse... Tem a conta gráfica que a juíza Gabriela Hardt autorizou. Uma bufunfa ao deus-dará de 2 bilhões e 500 milhões. Que diabo é conta gráfica? 

MPF estende o manto do segredo para a quadrilha da lava jato. Que interessante. Eles pretendiam fazer (ou realizaram) uma devassa patrimonial de dois ministros que integram as turmas criminais do STJ. 

Existem muitas histórias ainda não contadas. Falta uma devassa patrimonial dos procuradores da equipe de Moro. Pra saber o destino da grana misteriosa, invisível, fácil, jamais auditada dos 209 acordos de delação e 17 de leniência. 

Existem muitas histórias ainda não contadas. Como Moro, ministro de Bolsonaro, auxiliou Gabriela Hardt na condenação de Lula, a famosa sentença cópia e cola...

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04
Fev21

Moro era também chamado de Putin e procuradores falavam "equipe do Moro" e "Código de Processo Penal da Rússia"

Talis Andrade

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Em nova petição apresentada ao STF, a defesa do ex-presidente Lula comunica o ministro Ricardo Lewandowski sobre o andamento da análise do material entregue pela Polícia Federal e revela curiosidades. Sergio Moro era chamado não apenas de "Russo" como também de "Putin". Além disso, os procuradores diziam ter um código de processo penal exclusivo para eles e, portanto, fora da lei brasileira, um "Código de Processo Penal da Rússia".

Na petição, escancara-se o ambiente de promiscuidade entre Moro e a equipe de Lava Jato, uma promiscuidade ilegal entre um juiz e integrantes do Ministério Público: numa das mensagens, um dos procuradores fala que eles constituiam a "equipe do Moro".

Veja a petição da defesa de Lula e os trechos das mensagens e um relatório preliminar encaminhado pelos peritos ao escritório de advogados de Lula:

 

 

Fica provado que Sergio Moro inventava leis - o cp cu, cpp da Rússia e outros modismos, que tinham o apoio dos reis Luís de Oropa, França e Bahia. Luis, o santo de pau oco. Luís, o cabeleira. Luís, o sem cabeça. 

Reis de troça, de reizado, das saudações Um Barroso vale cem PGR, Aha uhu Fachin é nosso, In Fux we trust.

Os ministros do STF não eram levados a sério. Os que não aceitavam o mando da república de Curitiba eram perseguidos. Vide os casos de Dias Toffoli (capa da Veja) e Gilmar Mendes, que escaparam de sofrer impeachment.

Ana Carla Bermúdez e Luís Adorno escrevem no UOL:

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva protocolou hoje junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) nova perícia de mensagens apreendidas na Operação Spoofing (leia a íntegra aqui). Na petição, dirigida ao ministro do STF Ricardo Lewandowski, os advogados de Lula destacam diálogos para reforçar ação coordenada entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato. O objetivo da reclamação ao STF é obter o acesso integral ao acervo de mensagens apreendidas com hackers em 2019.

Na petição protocolada hoje, os advogados de Lula defendem que as novas mensagens submetidas a perícia mostram "graves vícios e improcedência dos atos de persecução realizados contra ele [Lula] pelo Estado, por meio da autointitulada 'Lava Jato'". Os advogados sustentam que "sem grande esforço de intelecção, os fatos contidos nos diálogos são de extrema gravidade e revelam toda sorte de ilegalidade".

A defesa diz ao STF que Moro "orientava e era consultado rotineiramente para a prática dos atos de persecução" em relação a Lula. "No que se refere ao famigerado tríplex do Guarujá, por exemplo, o então juiz Sergio Moro, além de ter atuado durante a própria elaboração da denúncia, como já demonstrado nestes autos, exigia satisfação até sobre o andamento do recurso de apelação do MPF", afirma.

Para exemplificar, os advogados listam mensagens escritas pelo procurador Deltan Dallagnol em 21 de julho de 2017 para seus colegas da força-tarefa da Lava Jato. A grafia das mensagens foi reproduzida tal como consta na perícia dirigida ao STF.

20:23:57 - Deltan: É uma base imensa, com informações de terceiros não relacionados ao réu e há diligências sob sigilo ainda; então é possível fazer pesquisas com base em argumentos (termos) apontados por Lula e que tenham pertinência com os fatos do processo.

20:25:46 - Deltan: Russo [Moro] quer uma previsão das nossas razões de apelação do caso triplex.

Os advogados afirmam também que "inovações do então juiz Sergio Moro para conceder benefícios a delatores que pudessem criar elementos para atingir os alvos pré-definidos levou [sic] os próprios membros da 'Força-Tarefa da Lava Jato' a reconhecer que estavam diante de 'Inovação do CPP da Rússia'".

A conversa ocorreu em 13 de julho de 2017 entre os procuradores Laura Tessler, Julio Noronha e Jerusa Viecili. Segundo os advogados de Lula, eles sabiam que estavam diante de regras criadas por Moro, "mas jamais verteram tal irresignação em medida judicial compatível".

16:21:49 - Laura Tessler: Pesssoal, percebi que o Moro agora previu para os colaboradores a possibilidade de ampliação pelo juízo da execução dos benefícios previstos no acordo caso haja aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes. Não me lembro de ter visto isso antes em alguma sentença. Já veio antes ou é mais uma inovação do Moro?

16:31:02 - Julio Noronha: Não lembro de ter visto isso antes tb, Laurinha.

16:33:29 - Jerusa Viecili: é um dispositivo novo do CPP da Rússia!

Os advogados de Lula citaram que os procuradores reconheceram que o levantamento do sigilo da delação de Antônio Palocci às vésperas das eleições presidenciais de 2018, que elegeu Jair Bolsonaro (sem partido) —e que escalou Moro a ministro da Justiça—, "foi um ato de ofício do então juiz Sergio Moro". A conversa ocorreu em 1º de outubro de 2018:

15:40:25 - José Carlos: Parece que o Judiciário está tentando, mais uma vez, ser protagonista do processo político. Vejo nesse levantamento do sigilo tentativa de influenciar na eleição presidencial. Espero estar errado.

15:43:23 - Ângelo Goulart: Acredito que vc não estejato talmente errado. Seria surpreendente se o Judiciário não se sentisse tentado a influenciar. Mas pode ter havido uma contribuição involuntária da ordem processual.

Os diálogos mostram, segundo a defesa, que Moro e os procuradores "acompanharam em tempo real as conversas interceptadas ilegalmente nos terminais utilizados pelos advogados constituídos pelo reclamante [Lula]". 

 

03
Fev21

O CP-Cu do marreco

Talis Andrade

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por Luís Antônio Albiero

(Esta crônica foi publicada originariamente na página "Crônicas & Agudas", que o autor mantém no Facebook, na ocasião em que Sérgio Moro deixou a magistratura para assumir o prêmio de ministro da justiça e, como tal, esforçou-se para emplacar as "dez medidas")

Doutor Frank me pediu que fosse ao gabinete do doutor Helene buscar o CPP, por empréstimo. Era o início dos anos 80 e não havia computadores, tablets, celulares. A fonte do Direito vinha mesmo em volumes pesados de papel e capa dura que reuniam leis, comentários, jurisprudência. Lá fui eu à sala do juiz da segunda vara criminal de Piracicaba buscar a fonte do direito processual penal para o outro magistrado, da primeira, de quem eu era escrevente de audiências.

Doutor Helene, hoje desembargador (imagino que aposentado), tinha fama de ser rude com os serventuários, o que me deixou com maus pressentimentos. Adentrei à sala, estavam apenas ele e Rosângela, a escrevente. Ele ditava qualquer coisa à minha colega e eu aguardei em pé, à porta. Quando terminou, ele, com ar grave adequado à fama, atirou em minha direção seus tremebundos olhões enormes, sob os quais cultivava fartos fios de bigode, tudo adornado por uma vasta cabeleira e vistosas correntes e pulseiras. Anunciei, com voz claudicante: “vim buscar o CPP, a pedido do doutor Frank”. Ele então esticou-se todo na cadeira, bufou, cerrou o cenho e me perguntou: “o que é CPP?”

Partindo tal pergunta de um juiz, eu só poderia concluir que ele estava brincando comigo. “Código de Processo Penal”, respondi candidamente, mas com uma nesga de preocupação. E ele: “quanta intimidade o senhor tem com o código, hein! CPP é para os íntimos!” O juiz malvado, no fundo, era mesmo um brincalhão. Ri, agradeci e saí.

As leis no Brasil, especialmente os códigos, são conhecidas assim, por apelidos. CF é a Constituição Federal; CLT é a Consolidação das Leis do Trabalho; ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. A antiga LICC – lei de introdução ao Código Civil – agora é LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – à qual chamo, na intimidade, de “Lindbergh”. De fato, as siglas proporcionam uma certa aproximação íntima com o objeto.

As leis federais, sabemos, têm valor nacional, ou seja, valem por todo o território brasileiro, podendo alcançar até mesmo, conforme o caso e a pessoa, espaços no estrangeiro, como navios e aeronaves. Mas há uma gleba no Brasil em que as leis federais e a própria Constituição parecem não valer. Refiro-me a Curitiba.

Ali desenvolveu-se um ramo próprio do Direito, em que é normal um juiz conversar com procuradores da República para traçar estratégias de atuação dos acusadores contra determinado réu. Não vou mencionar o nome de um réu em especial, para não passar a impressão de que o direito curitibano tenha por destinatário uma única pessoa, nem insinuar que naquela próspera comuna paranaense não se respeite o princípio da impessoalidade.

Lá na zona franca de Curitiba a lei permite, por exemplo, condução coercitiva ainda que o conduzido sequer tenha sido previamente intimado a depor. Lá é possível que um juiz intercepte (ops!) uma ligação telefônica entre uma presidenta da República e seu colega ex-presidente. Lá é normal que o mesmo juiz encaminhe a conversa não ao Supremo Tribunal Federal – que, ao que parece, abriu mão de sua jurisdição sobre as plagas curitibanas –, mas à Rede Globo de Televisão. 

Estou me referindo ao Código Penal de Curitiba, que, para não confundir com o nosso bom e rejuvenescido Código de Processo Civil (CPC), resolvi apelidar de CPCu. Na intimidade, por óbvias razões abjetas, eu pronuncio CePeCu.

De acordo com o CP-Cu, é absolutamente normal que o juiz estabeleça contato com um procurador por meio de um aplicativo de rede social e, pedindo sigilo, passe-lhe orientações sobre como uma de suas colegas devesse se comportar em audiência. Aliás, até mesmo que esse procurador recomende ao chefe do bando – ops! –, digo, da força-tarefa, que a moça não estivesse presente quando o réu, aquele determinado a quem não me referi, fosse ouvido em depoimento.

Como escrevente do saudoso doutor Frank, falecido no cargo de desembargador, muitas vezes presenciei seus diálogos com promotores e advogados. Nunca o vi sugerir a uns ou outros como devessem agir em determinados casos. Quando alguém se metia a pedir isto ou aquilo em relação a um processo, o juiz nascido em Itapetininga, onde houvera exercido dois mandatos de vereador antes de ingressar na magistratura, dizia-lhes simplesmente: “peticione, que eu respondo nos autos”.

Já o jurista natural de Maringá, cujo notório saber figadal concebeu o CP-Cu, abandonou a magistratura, assumiu seu lado político e hoje responde pelo Ministério da Justiça do Brasil. Chegou a tentar emplacar parte de sua genuína obra em todo o país, por meio das tais “dez medidas”, formalmente propostas por seus dallagnoizinhos a quem servia de “coach”, mas hoje parece renegá-la em parte. Cito como exemplo aquela parte em que a “orcrim” (adoro siglas) dos malandros federais tentava tornar normal em todo o Brasil, como já era prática corrente na capital paranaense, a utilização de prova obtida por meio ilícito – se bem que, por aquelas bandas, por vezes ocorre de prova alguma ser necessária.

O marreco autor do CP-Cu agora deu de grasnar que os diálogos por ele travados na escuridão das redes sociais com os procuradores, trazidos à luz pelo site The Intercept Brasil, foram obtidos por meios ilícitos e que, por isso, esse tipo de expediente não tem valor legal. Ou seja, ele acabou de reformular seu CP-Cu, de modo que sensacionalismo e vazamento já não são mais normais.

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29
Out20

NANCO — A Nova Assembleia Constituinte e a profissão de carrasco!

Talis Andrade

Uma Constituição verdadeiramente cidadã faz 30 anos - Blog do Ari Cunha

 

Por Lenio Luiz Streck /ConJur

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Resumo: E todas as armas serão liberadas e ensinaremos o criacionismo

1. Pequeno histórico
Escrevo sobre a impropriedade de uma Assembleia Nacional Constituinte desde há muito. Para facilitar, eis os links: Defender assembleia constituinte, hoje, é golpismo e haraquiri institucional (Lenio, Martonio e Cattoni - aqui), Revisão é golpe (aqui). Manifesto Republicano Contra a Constituinte Exclusiva (capitaneado por mim e Cattoni - aqui)O Brasil, o jurista Ackerman e a lição de Platão em Siracusa – escrito por mim e Marcelo Cattoni - aquiVi vazamentos da PF e nada fiz, porque entendi qual foi o propósito (aqui). Constituinte sem povo, sem parlamento e... Sem Supremo! Com um novo AI-5? (aqui). De que adianta uma nova Constituição? (aqui).

Portanto, como podem ver, minha luta vem de longe. Venho alertando e combatendo, à esquerda e à direita, os que querem ou já quiseram (as coisas mudam) uma nova Constituição.

2. E lá vem de novo a catilinária: uma nova Constituição
O mote? Não se fala de outra coisa. O deputado Ricardo Barros, em evento sobre a democracia (que paradoxo, não?) apresenta uma ideia antidemocrática: a de uma nova constituinte e exclusiva. Por que digo “antidemocrática”? O Deputado não tem o direito de defender a tese? Aí é que está. O diabo mora nos detalhes. É que para a ideia de Barros dar certo, tem de, necessariamente, fazer uma ruptura. Uma terra arrasada. Pela teoria constitucional, o que Barros quer só pode ser feita com um golpe ou uma revolução. Ou alguém me contesta?

3. A culpa do crime é do Código Penal?
Na verdade, o líder do governo (será que o governo pensa assim?) traz (ou traça) uma situação paradoxal: todos os problemas de governabilidade (sic) e mesmo as supostas crises políticas e morais (sic) seriam culpa do texto da Constituição, como se o texto fosse o responsável pelo descumprimento constitucional, bastando, pois, mudar o texto para se resolver todos os problemas sociais, políticos, mesmo éticos. É como se o furto fosse motivado pela existência do Código Penal...!

E, no mais, é um argumento falacioso afirmar que a convocação de uma assembleia constituinte (será uma revolução? Um golpe? Uma ruptura?) é uma coisa democrática porque seria vontade do povo.

4. Por que isso é fraude à democracia?
Ora, não há democracia sem constitucionalismo. Um povo democrático e plural não está imune aos compromissos constitucionais que assume perante si mesmo, sob pena de autodissolução. Isso a história política dos últimos duzentos anos é implacável em nos mostrar.

5. O que é “povo”?
De uma vez: o conceito de povo não pode ser reduzido nem mesmo a toda a população existente em um país em um determinado momento. Sabemos pelos abusos perpetrados por ditaduras de todos os matizes ideológicos ao longo do século XX que, como afirmamos, a democracia, para ser tal, não pode ser a manifestação ilimitada da vontade da maioria, e que o constitucionalismo só é constitucional se for democrático. A palavra povo foi a mais abusada na história institucional do último século. A palavra "povo" passou por um forte processo de "anemia significativa". Qualquer um "injeta-lhe" sentidos. A soberania popular ou a palavra "povo" não pode ser privatizada, assenhorada por nenhum órgão, e nem mesmo pela população de um determinado país.

Plebiscitos e referendos foram instrumentos frequentemente utilizados como meio de manipulação da opinião pública pelas piores ditaduras, o que nos revela que a participação direta, por si só, não é qualquer garantia. O que é constitucionalmente relevante para se assegurar a democracia é o bom e correto funcionamento das mediações institucionais que possibilitam, na normalidade institucional, o permanente debate dos argumentos e o acesso a informações. Povo é um fluxo comunicativo que envolve de forma permanente o diálogo com as gerações passadas e a responsabilidade para com as futuras. Friedrich Müller já há muito denunciou a ilegitimidade do uso icônico da expressão povo.1

6. Diferença entre poder originário e derivado: lição de primeiro ano até na Uni-Zero
Vou desenhar: O poder constituinte derivado é limitado, e o originário só pode se manifestar quando haja um descompasso institucional que recomende a adoção de uma outra comunidade de princípios. Não é esse o caso. O que há é um problema de aplicação da Constituição que já temos.

Numa palavra: não se dissolve um regime democrático porque ser quer fazer outro (como seria esse "outro"?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma repactuação ("we the people..."). E nela colocamos cláusulas pétreas e forma especial de elaborar emendas.

Portanto, alto lá! Paremos de brincadeiras. Não se pode fazer política e vender falsas ilusões em cima daquilo que é a substância das democracias contemporâneas: o constitucionalismo.

7. Os europeus dirão: lá vem um brasileiro – uma figura exótica! Lá eles destruíram a tese do poder constituinte
Por isso, os republicanos brasileiros estão convocados para a defesa da Constituição. Se acabarmos com a Constituição – tão festejada como a Constituição cidadã – não poderemos mais falar em direito constitucional. Nunca mais. E, no resto do mundo, quando alguém perguntar a respeito, teremos que ficar calados. E envergonhados. Sim, porque, entre outras coisas, destruímos a tese do poder constituinte. E os estrangeiros dirão: lá vem mais um brasileiro falar de ficções. Afinal, "vêm de país que não é sério".

8. Já teremos problemas na alfândega
Provavelmente já na alfândega dos aeroportos seremos barrados, para que não contaminemos a teoria constitucional do restante do mundo. Serão construídas barreiras acadêmico-sanitárias para impedir a entrada de juristas brasileiros. E nos restará escrever livros e teses sobre as velhas Ordenações Filipinas ou sobre os decretos leis do regime militar. É o que nos restará a fazer, além de estocar comida!

9. A bancada da bala e a pena de morte e a profissão de carrasco: 10 pontos para uma ANC
Fico imaginando uma assembleia constituinte. Bancada da bala, da Bíblia, a ruralista e a anti-amazônia (o que dá tudo no mesmo, ao fim e ao cabo): em uma aliança, propõem

  1. o zeramento de leis ambientais e retomar a terra dos índios;

  2. a obrigatoriedade da escola sem partido (sic);

  3. o Brasil será uma República teocrática;

  4. a proibição de casais LGBT e quejandos;

  5. a volta da obrigatoriedade de Moral e Cívica em todos os cursos e o banimento dos livros de Paulo Freire;

  6. o fim da Justiça do Trabalho e o fim da CLT;

  7. a Polícia como um quinto ou sexto Poder (afinal, policiais e militares farão maioria na ANC) – afinal, o principal problema do Brasil não está na desigualdade, e, sim, na segurança pública, conforme diz o Senador Major ou o Deputado Capitão;

  8. o criacionismo como estudo oficial, banindo o darwinismo;

  9. o uso livre e ilimitado de armas, a liberação de formação de milícias (como nos EUA) e, por óbvio, a aprovação da “licença para matar”, o uso da “prova ilícita de boa-fé” (emenda do Dep. Deltan e do Sen. Moro), além do fim do habeas corpus (mais ou menos o que já estava no pacote anticrime de Moro, e,

  10. a cereja do bolo, emenda disputada a tapa, a pena de morte, com um artigo nas disposições transitórias criando o cargo de carrasco, com provas e títulos e, atenção: prova prática, já com equiparação do salário ao de juiz.

São dez temas importantes. Sem falar na possibilidade de um Tribunal Supremo com cotas para terrivelmente evangélicos, em revezamento entre as igrejas (locais, regionais, nacionais, internacionais, mundiais e universais). Mas isso ficará para ser regulado por Lei Complementar. Eis o quadro de uma NANCO (Nova Assembleia Nacional Constituinte).

10. Sem dúvida, tudo isso é fruto de muito esforço...
Com tanta coisa que se vê por aí, depois de tanta gente estudando direito constitucional e com tanta gente, na contramão, estudando nada, usando apenas Wikipédia e resumões...de resumos, os críticos estamos à beira da exaustão. Só uma boa dose de sarcasmo para seguir em frente.

Em vez de evoluirmos, estamos dando um passo largo em direção ao fracasso. Estamos destruindo a mais bela Constituição que este país já produziu.

E a comunidade jurídica e as Instituições jurídicas têm uma grande contribuição nisso. Houve muito trabalho. Muito esforço. Muito decoreba. Muitos professores dizendo que direito é tudo estratégia. Direito é o que quem decide diz. Portanto, tudo isso que está aí é fruto de muito esforço. Afinal, jabuti não nasce em árvore...


1 Parte deste texto faz um resumo de posicionamentos meus e dos colegas professores Martonio Barreto Lima, Marcelo Cattoni e Menelick de Carvalho Neto.

13
Jan20

A implementação do juízo das garantias e a potencialização do contraditório no processo penal

Talis Andrade

PRIMEIRAS REFLEXÕES APÓS A PUBLICAÇÃO DA LEI 13.964/2019

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por José de Assis Santiago Neto

Empório do Direito

 


A publicação da Lei 13.964, em 24 de dezembro de 2019, apelidada de Lei Anticrime, inovou em vários pontos a legislação penal e processual penal brasileira. Inicialmente, deve-se pontuar que não existe lei “anti” nada, a lei é a lei e ponto. Importa apenas a conformidade ou desconformidade da lei com a Constituição. De toda forma, interessa aqui nesse pequeno ensaio refletir, ainda que preliminarmente, sobre a figura do juízo das garantias, inserido no projeto de lei durante sua tramitação pelo Congresso Nacional e que não constava do projeto original do Ministério da Justiça.

Dizer que se deve buscar a efetivação dos direitos constitucionais é chover no molhado, talvez uma forma bonita de não dizer nada que não se saiba ou de não trazer nenhuma novidade na fala. Pois bem, é justamente a implementação de direitos constitucionais que a inserção do Juízo de Garantias visa estabelecer, potencializando-se o contraditório e a construção da decisão em simétrica paridade entre as partes na audiência, estabelecendo local destinado ao debate.

O processo penal não é mera aplicação infraconstitucional ou simplesmente instrumento da jurisdição penal para a aplicação do direito penal. Trata-se de um ramo do direito, e mais especificamente do direito processual, que se coloca como o termômetro entre autoritarismo e democraticidade de uma nação[1], ou o na expressão de Henkel, o processo penal é o direito constitucional aplicado[2]. Dessa forma, é no processo penal que se verifica de forma mais aguda a implementação ou a violação dos direitos fundamentais e se aplica de forma mais incisiva o próprio direito constitucional, verificando-se o grau de autoritarismo ou de democracia de uma nação.

Dessa forma, a implementação dos direitos e garantias fundamentais deve ocupar posição de destaque tanto na elaboração como na aplicação e na interpretação da legislação infraconstitucional. Qualquer operador e aplicador do Direito bem como aqueles que foram eleitos pelo povo, enquanto titular e destinatário de qualquer poder que se pretenda democrático, deve pautar toda sua conduta para a implementação dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição de 1988. É na Constituição e na efetivação dos direitos humanos-constitucionais que se estabelecem os valores máximos que devem ser buscados e efetivados.

O Direito Processual surgiu como ciência autônoma em 1868 com a obra de Bülow que entendia o processo como uma relação jurídica pública e que resgatou a obra do glosador romano Búlgaro para estabelecer o processo como uma relação jurídica entre juiz, autor e réu.[3] Essa teoria foi desenvolvida no Brasil pelas mãos dos professores Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra[4], alunos de Liebman em sua estada no Brasil durante a segunda guerra mundial. O desenvolvimento da teoria da relação jurídica estabeleceu o processo como um instrumento da jurisdição aplicar o direito[5]. Essas concepções colocavam na figura do juiz a posição de destaque, sendo ele o principal sujeito processual e colocando as partes em posição de menor importância, uma vez que a aplicação do direito era tarefa do julgador e o processo seu instrumento para tal finalidade.

A citada teoria da relação jurídica exerceu grande influência na construção do direito processual brasileiro, consequentemente, exerceu sua força também na formação do processo penal brasileiro que teve boa parte das reformas do Código de Processo Penal elaboradas pelos autores dessa teoria ou por seus seguidores.

Contudo, com a democratização do país, não mais se poderia conceber a adoção de um modelo que coloque o julgador como superpoderes em relação às partes. Coube a Aroldo Plínio Gonçalves trazer a teoria construída na Itália pelo jurista Elio Fazzalari[6], segundo a qual o processo é procedimento desenvolvido em contraditório para o Brasil[7]. A teoria fazzalariana provocou uma reviravolta na teoria do processo, uma vez que estabeleceu o processo como espécie de procedimento, aquele desenvolvido em contraditório entre as partes, abandonando a ideia anterior de que o procedimento é que seria espécie de processo.

Essa nova ideia de processo como procedimento em contraditório coloca as partes como protagonistas e faz com que o juiz ocupe seu real lugar de garantidor das regras processuais, de modo a estabelecer de forma clara o lugar de cada um na construção da decisão processual. A colocação das partes como protagonistas processuais somente é compatível com o sistema acusatório, sendo impensável em um modelo inquisitório que adota o juiz como protagonista do procedimento[8].

Assim sendo, a teoria do processo como procedimento desenvolvido em contraditório é a que melhor se adequa à efetivação e ao desenvolvimento do contraditório, colocado pela constituição entre os direitos e garantias fundamentais e que, portanto, deve ser implementado e construído em busca de sua potencialização em grau máximo. Nesse contexto, o contraditório não é mais o simples direito à informação e reação, ou o direito de dizer e contradizer como afirmam os adeptos da concepção instrumental do processo, mas na simétrica paridade de armas na construção participada da decisão, como definido por Fazzalari, que deve compreender não apenas a informação e a reação como também a influência e a não surpresa na construção do provimento[9].

Nesse contexto é que se insere a criação do juízo de garantias, estabelecido pela nova legislação processual penal e que provocou uma verdadeira guinada no processo penal pátrio. A nova lei, em sua parte processual, inseriu no Código de Processo Penal várias alterações, porém possui seu eixo de gravidade focado no novo art. 3º-A, que estabelece que o processo penal terá estrutura acusatória. Ao determinar de forma expressa o sistema acusatório, o legislador infraconstitucional não somente buscou se adequar à Constituição, que separou a atividade de julgar, acusar e defender, adotando, ainda que implicitamente, um modelo acusatório.

Ao se determinar a adoção do sistema acusatório a nova legislação modificadora do Código de Processo Penal, se implementada com seriedade e compromisso constitucional, provocará significativo avanço na legislação. Um Código que foi forjado sob a ditadura de Getúlio Vargas do Estado Novo (1937-1945) e serviu a regimes ditatoriais como o regime militar (1964-1985), não serve à democracia, o que nos leva a advogar que apenas a reforma integral poderia trazer efetivos ares democráticos ao processo penal. A reforma perpetrada pela lei 13.964, entretanto, deu um passo significativo no sentido do sistema acusatório e deve trazer a luz da Constituição ao Código de Processo Penal. Contudo, a mera mudança legislativa não é capaz de modificar séculos da forma de se administrar a justiça criminal, mudando abruptamente a forma de trabalho dos operadores do direito[10], é preciso mudar mais que simplesmente a legislação, é imprescindível a adoção de um modelo acusatório mudando a cultura e a práxis dos operadores do direito, em resumo, é necessário refundar o processo penal[11].

Para melhor compreensão do que se passa com a nova legislação brasileira no que toca à adoção do juízo de garantias, é importante entender como era o modelo original e como ele restou desenhado, sob pena de não se compreender a amplitude da reforma proposta e da efetivação dos direitos fundamentais que ela propõe e que deve ser realizada pelos aplicadores do processo penal.

No modelo anterior, levando-se em conta a determinação da competência pela prevenção (art. 69 e seguintes do CPP), o juiz que primeiro conhecesse do caso penal, ainda na fase de inquérito seria o responsável pelo julgamento. Ou seja, um só juiz determinava as medidas reservadas pela Constituição à jurisdição (cláusulas de reserva de jurisdição) durante a investigação, determinando quebras de sigilo, interceptações telefônicas, prisões temporárias ou preventivas, e, ele mesmo recebesse a denúncia, instruísse e julgasse o caso. Isso fazia com que o juiz formasse seu convencimento ainda na fase inquisitorial, lembremos que os requisitos de prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria estão presentes em todas as decisões citadas e, o juízo condenatório jamais será feito com certeza plena, uma vez que a verdade é objeto inatingível no processo e que a busca da tão falada verdade não passa de uma ambição inquisitorial[12].

Todo o conhecimento do juiz produzido sem a participação da defesa e, portanto, sem contraditório faz com que a decisão seja produzida de forma antecipada, fazendo com que a hipótese da acusação prevaleça sobre os fatos, ou, o que Franco Cordero denominou de quadro mental paranoico[13]. Nesse contexto, o juiz forma a hipótese com os elementos que lhe são apresentados durante o inquérito e, antes mesmo do acusador apresentar a tese de acusação na denúncia o juiz já tem em sua mente a decisão final, o que transformava a segunda fase em mero jogo de cena, um teatro, no qual não se decidia mais nada e apenas se legitimava a decisão previamente estabelecida pelo juiz em sua mente e que precisava da simulação do contraditório para vir ao mundo.

Esse modelo do juiz que sabia de tudo que se passava, desde o inquérito até a sentença fazia com que o convencimento do juiz sobre os fatos e, consequentemente sobre o resultado do processo, se fizesse logo no início, antes de qualquer participação da defesa. Isso se devia à armadilha armada por Napoleão no Código de Instrução Criminal de 1808 que, ao dividir o processo penal em duas fases, uma inquisitória e outra acusatória permitiu com que os elementos da primeira fase fossem levados à segunda, fazendo o modelo que se convencionou chamar de misto mas que, na verdade, não passa de um sistema inquisitório travestido. Graças ao sistema napoleônico muitos regimes autoritários se declararam democráticos[14]. Tal sistema foi adotado no Código de Processo Penal Brasileiro e permanece em vigor desde 1941, tendo se perpetuado desde sua entrada em vigor mesmo após inúmeras reformas pontuais e da promulgação da Constituição de 1988, somente agora é que se realizou uma reforma capaz de aproximar efetivamente o Código da Constituição.

Dessa forma, a reforma proporcionada pela Lei 13.964/2019, apesar de profunda, ainda é insuficiente para a necessária refundação do processo penal, é necessário mais que somente a reforma realizada é necessário um código integralmente concebido com as exigências da democracia e da Constituição e a mudança da mentalidade do operador do direito processual penal, juízes, advogados, membros do ministério público, delegados, policiais, etc., para que se adequem às exigências de um modelo acusatório que se baseia na presunção de inocência.

É nesse contexto que deve ser interpretada a figura do juízo de garantias, criado pela nova lei. Trata-se de um juiz que atuará no inquérito policial e que será responsável pelo controle da legalidade da investigação e pela salvaguarda dos direitos individuais nas cláusulas de reserva de jurisdição (art. 3-B do CPP, inserido pela lei 13.964/2019). Esse órgão jurisdicional tem por objetivo atuar na fase de investigação criminal impedindo que o juiz do caso penal tenha contato com os elementos do inquérito e, dessa forma impeça que se contamine subjetivamente com os elementos produzidos no inquérito. A competência do juízo de garantias termina após o recebimento da denúncia, que agora restou claro que se dará apenas após a citação e a apresentação de resposta escrita à acusação por parte do acusado (art. 3ºB, XIV), sendo o juiz de garantias impedido de instruir e julgar o caso penal (art. 3ºD).

Essa separação se torna ainda mais efetiva com a determinação de que os autos que compõe a matéria de competência do juízo de garantias devam ser acautelados na secretaria desse juízo após o oferecimento da acusação à disposição das partes, seguindo ao juízo da instrução e julgamento apenas os documentos relativos às provas não repetíveis (art. 3ºC, §3º). Tal dispositivo revoga tacitamente o art. 12 do Código de Processo Penal e determina a exclusão dos autos do inquérito, ou seja, que o juízo responsável pelo julgamento do caso penal não tenha contato com os elementos produzidos na fase de inquérito.

A reforma deseja com isso que a prova da acusação seja integralmente produzida em contraditório jurisdicional, garantindo-se que o acusado possa participar em simétrica paridade de armas com a acusação. Mais do que isso, potencializa-se o contraditório, fazendo com que a decisão seja fruto do debate endoprocessual e evitando que a fase processual se torne um jogo de cartas marcadas para legitimar a decisão. Ao receber a acusação o juiz competente pela instrução e julgamento do caso saberá apenas os argumentos da denúncia e da resposta escrita, somente tendo contato com os elementos que não possam ser repetidos. Além disso, o juiz estará proibido de produzir provas, o que faz com que o art. 156 tenha sido tacitamente revogado pela reforma, estando impedido de substituir a acusação, uma vez que o juiz não precisa produzir provas para a defesa diante da presunção de inocência que, se levada à sério, faz com que a dúvida beneficie o acusado.

Dessa forma, a reforma proporcionada pela lei 13.964/2019 no que tange à criação do juízo de garantias e a separação do processo penal brasileiro em duas fases isoladas, se levada a sério e aplicada com o necessário compromisso com a Constituição, nos colocará no rumo da construção de um modelo acusatório. Tal mudança potencializará o contraditório e a efetivação dos direitos de defesa, fazendo com que o processo penal se dê pela construção das partes e não seja uma mera simulação de um jogo com resultado preconcebido.

É preciso dizer, porém, que a mudança foi um passo importante para a efetivação do contraditório, mas é necessário mais para um processo efetivamente acusatório. O código forjado sob o autoritarismo do governo Vargas e reformado inúmeras vezes no regime democrático pós Constituição de 1988 se transformou numa colcha de retalhos que merece ser integralmente substituído por uma legislação sistematicamente organizada e integralmente voltada para a Constituição.

Também é necessária uma mudança de mentalidade, de nada adiantaria uma reforma acusatória, ainda mais profunda da que fora realizada, se não se mudar a mentalidade dos operadores. É preciso que se estabeleçam aplicadores do processo penal que estejam cientes e preparados para as necessidades do processo penal acusatório, construído com sujeitos com papeis determinados, oralidade e publicidade. Sem isso, de nada adiantará mudar a lei, pois seus aplicadores seguirão interpretando, aplicando e agindo em conformidade com o modelo inquisitório e, consequentemente afastados da Constituição.

Finalmente, à guisa de conclusão, como se iniciou o presente ensaio dizendo da importância de se potencializar os direitos fundamentais. A nova lei deu um passo importante no sentido de se potencializar o contraditório e a decisão construída de forma comparticipada entre as partes, resta agora ao operador do Direito Processual Penal ter consciência de aplica-la através dos contornos constitucionais, implementando e fomentando a construção e a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente do contraditório, ampla defesa e da presunção de inocência, estabelecendo o acusado inocente até o trânsito em julgado, sentença essa que somente poderá ser fundada por prova produzida em contraditório e não mais pela prova requentada do inquérito e meramente confirmada em juízo.

O contraditório, por fim, ganhou novos contornos, nova força e restou potencializado pela nova lei. Agora, é papel dos aplicadores, ao interpretar e aplicar as novas regras, também buscarem efetivar os direitos fundamentais. Sem dúvida, ainda há muito que se fazer, mãos à obra!


Notas e Referências

[1] GOLDISCHMIDT, James. Problemas jurídicos y políticos del proceso penal. p. 67. Citado por LOPES JR. Aury, Direito Processual Penal. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018. p.34.

[2] HENKEL, citado por ANDRADE, Manuel da Costa. Sobre as proibições da prova em processo penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2013.

[3] BULOW. La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Buenos Aires: Libreria El Foro.

[4] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pelegrini. Dinamarco. Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 18ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002.

[5] DINAMARCO. Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2001.

[6] FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. 8ª edição. Padova: CEDAM, 2005.

[7] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.

[8] SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado democrático de direito e processo penal acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

[9] BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)forma do processo penal. 2ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

[10] BINDER, Alberto. Fundamentos para a reforma da justiça penal. Santa Catarina: Empório do Direito, 2017.

[11] CHOUKR, Fauzi Hassan. Permanências inquisitivas e refundação do processo penal: a gestão administrativa da persecução penal. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. PAULA, Leonardo Costa de. SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. Mentalidade inquisitória e processo penal no brasil: diálogos sobre processo penal entre Brasil e Itália. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. Capítulo 3, p. 65-77.

[12] KHALED JR. Salah. A busca da verdade no processo penal para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.

[13] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale.Torino: UTET, 1986, p. 51.

[14] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Observações sobre os sistemas processuais penais. Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018.

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Transcrito da Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

 

 

13
Jan20

Juiz de garantias qual o problema?

Talis Andrade

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por Benigno Núñez Novo

Empório do Direito

 

O juiz de garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, e é de sua competência, entre outros, decidir sobre prisão provisória, sobre afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico, e sobre procedimentos de busca e apreensão.

A figura do juiz das garantias não foi inventada agora: é um cargo que já estava em discussão no novo Código de Processo Penal (CPP), proposto pelo Senado em 2009.

A lei 13.964/19 que criou o juiz de garantias sancionada em 24/12/2019 entra em vigor a partir de 23 de janeiro de 2020.

A nova figura do juiz das garantias vai ficar responsável por decisões tomadas durante a investigação. Ele vai, por exemplo:

decidir sobre a autorização ou não de escutas, de quebra de sigilo fiscal, de operações de busca e apreensão;
requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;
determinar o trancamento do inquérito quando não houver fundamentos suficientes para a investigação;
julgar alguns tipos de habeas corpus;
decidir sobre a aceitação de acordos de delação premiadas feitos durante a investigação.
A medida separa o juiz que se envolve na investigação daquele que verifica a existência ou qualidade da prova e da acusação, isto é, decide por condenar ou não. Os inquéritos terão um juiz específico para a etapa inicial, sendo esse magistrado o responsável exclusivo por autorizar medidas como interceptação telefônica e busca e apreensão. Depois de recebida a denúncia ou queixa, o juiz das garantias deixará o caso, que passará para o chamado “juiz de instrução e julgamento”.

O principal argumento favorecendo a medida é a necessidade de assegurar a imparcialidade, a autonomia e a independência na atuação do juiz. Isso porque fica estabelecido que haverá um juiz específico para atuar no âmbito da investigação criminal e esse juiz não será o mesmo a condenar ou não o indivíduo.

A imparcialidade do juiz é pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas, sendo está a primeira condição para que possa o magistrado exercer sua função jurisdicional.

Punitivismo e ativismo judicial não podem ser confundidos com parcialidade. Um dos grandes deveres de um juiz é ser imparcial. O termo imparcial (derivado do adjetivo imparcialidade) é inerente ao indivíduo que não tem parte, que não tem pré-disposição à defesa de um dos lados da demanda.

Em um Estado Democrático de Direito, como objetiva a Constituição Federal de 1988, o processo está associado a princípios, direitos e garantias individuais inerentes a qualquer indivíduo que esteja sob o crivo da persecução penal. Um desses direitos é o de ser julgado de forma equânime e imparcial, em decorrência da opção constitucional brasileira pelo sistema processual penal acusatório

A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção.

O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal de 1988, que veda o juízo ou tribunal de exceção, na forma do artigo 5º, XXXVII, garantindo que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento, como se percebe pela leitura do artigo 5º, LIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

A imparcialidade do juiz é tão essencial ao devido processo legal que tanto o impedimento como a suspeição devem ser reconhecidos ex-officio pelo juiz, afastando-se voluntariamente do processo que passará ao seu substituto legal. A CFRB/88, em seu artigo 95, confere ao magistrado as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios justamente para que ele possa atuar com isenção e independência, o que inclui declarar-se suspeito ou impedido.

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Além dessas garantias o parágrafo único do artigo 95 também veda aos juízes a prática de algumas condutas que poderiam macular sua imparcialidade, como, por exemplo, receber custas ou participação em processos.

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III – dedicar-se à atividade político-partidária.

IV- receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

V- exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Código de Ética da Magistratura

CAPÍTULO III

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

A magistratura é mais que uma profissão. A Ética do Magistrado é mais que uma Ética profissional.

A função de magistrado é uma função sagrada. Daí a advertência do Profeta Isaías:

“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de Justiça”. Somente com o suplemento da Graça Divina pode um ser humano julgar.

A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.

A imparcialidade. Nada de proteger ou perseguir quem quer que seja. O juiz é o fiel da balança, a imparcialidade é inerente à função de julgar. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar faltas, ou anular gols, quão mais imparcial deve ser o Juiz de Direito que decide sobre direitos da pessoa.

A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz devia sentenciar de joelhos.

As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas partes e pela coletividade. Deve o juiz fugir do vício de utilizar uma linguagem ininteligível. É perfeitamente possível decidir as causas, por mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o direito, que lhes cabe, de compreender as razões que justificam as decisões judiciais.

O juiz deve ser honesto. Jamais o dinheiro pode poluir suas mãos e destruir seu conceito. O juiz desonesto prostitui seu nome e compromete o respeito devido ao conjunto dos magistrados. Peço perdão às pobres prostitutas por usar o verbo prostituir, numa hipótese como esta.

Percebe-se, assim, que o Conselho Nacional de Justiça ao aprovar e editar o Código de Ética da Magistratura Nacional, o fez cônscio de que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, pois cabe aos juízes também a função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais, entendendo a essencialidade de os magistrados incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral, fortalecendo a legitimidade do Poder Judiciário através da excelência da prestação dos serviços públicos e da distribuição da justiça.

Segundo Aury Lopes Jr. (2018, p. 58), “a garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ‘ter um juiz’, exige ter um juiz imparcial, natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição.” Deste modo, a atuação do juiz no processo penal deve primar pela garantia dos direitos fundamentais assegurados ao réu, entretanto, o juiz no processo penal não é completamente isento de imparcialidade.

Vejamos o art. 156 do Código de Processo Penal:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

O juiz que no curso da investigação, ordenou a produção antecipada de provas urgentes, não deterá a imparcialidade necessária à sua função no momento da instrução processual, pois estará contaminado de parcialidade, pendendo para o lado da acusação, apenas buscando corroborar sua opinião já formada.

Conforme explica Lopes Jr. (2018, p. 64),

Nesse contexto, o art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, pois representa uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhado um processo inquisitório.

Assim, insuficiente a simples separação das funções do julgador e acusador, se faz necessário que o juiz da instrução processual não esteja corrompido pelos atos investigatórios (LOPES Jr., 2018). O supracitado autor ainda nos elucida com sua obra, um estudo realizado por Bernd Schunemann, sobre a teoria da Dissonância Cognitiva, à qual é de extrema relevância para compreendermos a atuação do juiz no processo penal (LOPES Jr., 2018).

De acordo com Lopes Jr. (2018, p. 70), “[...] a teoria da ‘dissonância cognitiva’, desenvolvida na psicologia social, analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de ‘consonância’ [...].”

Em suma, o juiz ao participar dos atos de investigação, acaba inconscientemente formando uma opinião sobre os fatos, e é esta mesma opinião que levará para a instrução processual, na qual procurará apenas corroborar hipótese anteriormente levantada.

Lopes Jr. (2018, p. 71) aduz que, toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo, uma relação não contraditória. A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais (acusatórias) e conduz à (molesta) dissonância cognitiva. Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança, de autoconfirmação das hipóteses, por meio da busca seletiva de informações.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, tem as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

Portugal, Espanha, Itália, Chile e Estados Unidos são alguns dos países que já adotam a medida do juiz das garantias.

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal apoia a criação do juiz de garantias. Seis integrantes da corte disseram ver com bons olhos a divisão entre dois juízes na condução e no julgamento dos processos.

Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo até o fim do ano e professor da USP, Manoel Pereira Calças afirmou que é "totalmente" favorável à criação do juiz das garantias, não haverá "nenhuma" dificuldade em se implementar o sistema em São Paulo, que está "completamente" preparado para fazer as mudanças necessárias. "Sou totalmente favorável a isso. É um modo de dar ao jurisdicionado, ao réu, todas as garantias, para que ele tenha a defesa que a Constituição prevê. Em São Paulo não haverá nenhuma dificuldade.

A Constituição proclamou uma série de garantias processuais: juiz natural (art. 5º, inc. XXXVII e LIII), devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), contraditório e ampla defesa (art. 5º, inc. LV), motivação e publicidade (art. 93, inc. IX), entre outras. Não há, contudo, expressa previsão do direito ao julgamento por juiz imparcial. Isso não significa, porém, que o Texto Maior não assegura o direito ao juiz imparcial.

A imparcialidade do julgador é elemento integrante do devido processo legal. Não é devido, justo ou équo, um processo que se desenvolva perante um julgador parcial. Bastaria isso para que se afirmasse que a Constituição tutela o direito de ser julgado por um juiz imparcial. Aliás, a imparcialidade é conditio sine qua non de qualquer juiz. Juiz parcial é uma contradição em termos.

A Constituição de 1988 não enunciou expressamente o direito ao juiz imparcial, outro caminho foi seguido pelos tratados internacionais de direitos humanos. O direito a um “tribunal imparcial” é assegurado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 (art. 14.1). De forma semelhante, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em San José da Costa Rica, em 22 de dezembro de 1969, garante o direito a “um juiz ou tribunal imparcial” (art. 8.1).

Como sabido, o Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos integra o ordenamento jurídico nacional, tendo sido promulgado internamente por meio do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992, o que também ocorreu com a Convenção Americana de Direitos Humanos, cuja promulgação se deu por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defendeu no Supremo Tribunal Federal (STF) o juiz de garantias. A OAB afirma que o juiz e garantias não é apenas constitucional, mas também "medida fundamental para assegurar em toda sua plenitude a garantia constitucional da imparcialidade do juiz".

A criação do juiz de garantias é a "mais importante medida do Congresso Nacional, desde 1988, para a constitucionalização do Código de Processo Penal brasileiro, documento arcaico, obra de um período ditatorial que instituiu um procedimento inquisitório de inspiração fascista".

"Eventuais problemas ou dificuldades práticas de implementação do juiz de garantia não torna a figura inconstitucional e são plenamente solucionáveis em um curto período, desde que haja vontade na necessária e tardia implementação do Juiz de Garantias", diz a entidade.

É um instituto moderno, que concretiza em maior medida o princípio acusatório, fortalece a imparcialidade do magistrado e, por si só, caso bem implementado, não prejudica a persecução penal ou o combate à impunidade. Aliás, trata-se de experiência crescente em outros países, inclusive mais bem-sucedidos do que o Brasil no combate à criminalidade.

A iniciativa é separar o magistrado que se envolve na investigação do que vai, efetivamente, aferir a existência ou qualidade da prova e da acusação. Trata-se de uma nova divisão de trabalhos em um processo. Um juiz toma as medidas necessárias para a investigação criminal. Depois, outro magistrado recebe a denúncia e, se for o caso, dá sentença.

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Notas e Referências

ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. Direito Processual Penal. 2ed. Niterói: Impetus, 2013.

Assembleia Geral da ONU. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos(217 [III] A). Paris.

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Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016.

Projeto de Lei N. 8045, de 2010 (do Congresso Nacional) PLS N. 156/09. Dispõe sobre a reforma do Código de Processo Penal e determina outras providências. Diário do Congresso Nacional, Brasília, 7 dez. 2010.

FEITOSA, Denilson. Direito Processual Penal Teoria, Crítica e Práxis. 5 ed. Niterói: Impetus, 2008.

FONSECA, Adriana de Castro. 2013.Manual para elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos da Faculdade Metodista Granbery. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil: s.n., 2013.

JARDIM, Afrânio Silva. Sistema processual acusatório, imparcialidade dos juízes e estado de direito. Jornal GGN. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/sistema-processual-acusatorio-imparcialidade-dos-juizes-e-estado-de-direito-reflexoes-por-afranio-silva-jardim> Acesso em: 05 out.2018.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. Salvador: JusPodvim, 2016.

LOPES Jr., Aury. Breves considerações sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais algumas preocupações). Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 18, n. 213, edição especial CPP, ago. 2010.

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2018.

LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MAGNO, Levy Emanuel. Processo Penal. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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