Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

22
Out21

Lava Jato – a força-tarefa em seu labirinto

Talis Andrade

fimdomoroprivilegiado.png

Imagem: ColeraAlegria
 

Todo o enredo da Lava Jato era um reducionismo fictício da realidade, onde os fatos eram descontextualizados e apresentados em perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal

 

por Tânia Maria Saraiva de Oliveira

Durante sete anos o Brasil e o mundo assistiram a um espetáculo midiático digno dos filmes hollywoodianos de roteiro fácil, em que mocinhos e heróis defensores da ética e da moralidade pública lutavam contra vilões corruptos. Uma representação da vida real. Uma operação de investigação criminal chamada Lava Jato criou uma narrativa ficcional, reproduzida na imprensa, estabelecendo uma estratégia de guerra não convencional contra inimigos determinados, com o uso do aparato do sistema de justiça.

Nessa guerra de modelo indireto, para usar livremente o termo adotado por Andrew Korybko no livro “Guerras Hibridas – das revoluções coloridas aos golpes”, seus atores contavam com o apoio de diversos segmentos sociais e da mídia empresarial, parceiros na disseminação da mensagem e fundamentais na construção da popularidade, o que tornava substancialmente difícil qualquer tentativa de conter ilegalidades e abusos da operação, por mais evidentes que fossem as provas e mais intensas as denúncias.

Todo o enredo da Lava Jato era um reducionismo fictício da realidade, onde os fatos eram descontextualizados e apresentados em perspectiva maniqueísta, como uma luta entre o bem e o mal. No mundo real, que ocorria no submundo, o respeito à legalidade e às garantias dos acusados era uma piada, a ética não passava nem perto como parâmetro de conduta a ser adotado.

O fator psicológico da popularidade dos membros da força-tarefa da operação Lava Jato e do juiz que a conduzia era o sentimento da sociedade de impunidade de pessoas poderosas. O sucesso de audiência que se apresentava com os mandados de prisões, conduções coercitivas e busca e apreensão, com chamadas ao vivo em jornais de televisão, a criação de expectativas com as listas “reveladas” por delatores, tratando o processo penal como verdadeiro espetáculo, alimentou e cultivou o apoio popular à Lava Jato, o que somente seria abalado com as revelações do portal The Intercept Brasile parceiros, a partir de junho de 2019, com as conversas travadas entre procuradores e entre eles e o juiz Sérgio Moro em um aplicativo de celular.

As condições político-jurídicas subjetivas e objetivas trazidas a partir dessas divulgações possibilitaram uma mudança de olhar sobre os fatos.

A suspeição de Moro declarada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) já neste ano de 2021, também em uma intensa disputa jurídica interna, foi a resposta jurídica e política sobre a perseguição implacável que o juiz operou sobre o ex-presidente Lula, o vilão escolhido para o “Show” e a quem foram negados os mais elementares direitos de defesa.

Mesmo tendo sido encerrada formalmente em fevereiro de 2021, e em meses subsequentes em outros estados, a operação Lava Jato, seus atores e consequências seguem sendo notícia e motivando debates no país.

O julgamento de um Processo Administrativo Disciplinar – PAD, proferido no dia 18 de outubro pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, que determinou a demissão do ex-membro da Lava Jato, Diogo Castor de Mattos, é mais um passo no caminho de racionalização dos fatos havidos e tratados como parte do entretenimento, sem limites ao exercício do poder. No caso, a colocação de um outdoor na entrada da cidade de Curitiba com foto e autoelogios aos procuradores da República.

A demissão, bom que se esclareça, só terá validade após decisão da Justiça Federal. Para que o afastamento sem vencimentos se efetive é necessário o ajuizamento da ação.

Em paralelo, a revelação de que Deltan Dallagnol e Athayde Ribeiro Costa falsificaram a delação premiada de Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobras, com o objetivo de prejudicar o PT; a abertura de Processo Administrativo Disciplinar no CNMP no dia 19 de outubro contra 11 ex-membros da Lava Jato do Rio de Janeiro por vazamento de informações; e a votação da PEC 5 no Congresso Nacional, que altera composição e competência do CNMP, formam o todo de um debate atual forjado em torno da personagem chamada operação Lava Jato. Como o general de Garcia Marquez, a operação padece de crises respiratórias e um corpo que diminui de tamanho ao passar dos dias, não mais amada por todos, como em tempos anteriores.

Investigar e processar tudo que ocorreu no passado recente do país com o uso do aparato do sistema de justiça, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos, com responsabilização dos atores, são passos fundamentais para a recuperação da própria credibilidade do Ministério Público e do Poder Judiciário e fortalecimento da democracia. Ao mesmo tempo em que devemos buscar novas conformações e fórmulas para o funcionamento eficaz das instituições, com controles que tenham participação social.

i intercept.jpg

 

05
Abr21

O gosto amargo do próprio veneno

Talis Andrade

migueljc procurador.jpg

 

Deltan e sua turma buscam a cura no mesmo remédio que queriam exterminar

 

  • POR HUGO LEONARDODANIELLA MEGGIOLARO AND MARINA DIAS WERNECK DE SOUZA /Folha de S. Paulo.
     
     
     
     

    O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal da parcialidade do então juiz Sergio Moro tornou histórico o último dia 23 de março. Na data, muitos se valeram desse adjetivo tendo em mente os envolvidos —um ex-presidente e um magistrado nacionalmente identificado com o combate à corrupção. Para nós, advogados e advogadas, a decisão entra para a história por sua importância ao direito brasileiro, já que nela foram restabelecidas algumas de suas principais balizas.

    O resultado restaura a confiança no devido processo legal, que só subsiste quando um acusado é julgado por um magistrado imparcial. Naquele julgamento também alguns ministros sinalizaram o entendimento de que provas obtidas ilegalmente somente se aproveitam em favor do réu, sendo imprestáveis, contudo, em seu prejuízo. Em síntese, a mais alta corte do país sepultou de vez a máxima de que “os fins justificam os meios”, e a Lava Jato vai se tornando um caso paradigmático de como ilegalidades cometidas por agentes públicos contaminam e inutilizam a matéria-prima da qual se poderia extrair a Justiça.

    Mas o início de 2021 reservava a integrantes da célebre operação uma sequência curiosa de ironias. Os mesmos procuradores que tanto desprezaram garantias dos investigados, chegando a apresentar projeto de lei em que se propunha, dentre outras medidas, flexibilizar a utilização de provas ilícitas e restringir o uso do habeas corpus, tornaram-se objeto de uma questionável investigação. Baseado apenas em mensagens de aplicativos obtidas ilegalmente por hackers, o Superior Tribunal de Justiça instaurou de ofício um inquérito que visa a apurar a conduta dos integrantes da força-tarefa, flagrados em conversas nada ortodoxas apreendidas no bojo de outra operação, a Spoofing.

    É interessante, mas, após provarem de seu próprio veneno, Deltan Dallagnol e sua turma agora buscam a cura justamente no mesmo remédio que um dia pretenderam exterminar: o habeas corpus. Nele, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) pede ao STF o trancamento do inquérito, relembrando teses de diversos réus na Lava Jato.

    Os argumentos têm forte sabor de garantismo, como a ilicitude das provas obtidas clandestinamente contra os procuradores e a violação do sistema acusatório, já que somente o procurador-geral da República poderia pedir para investigá-los. Diante de boatos de que seriam alvo de busca e apreensão —medida reiteradamente utilizada contra seus investigados—, os procuradores obtiveram liminar concedida pela ministra Rosa Weber para suspender as investigações. Mais uma zombaria do destino!

    A Lava Jato é a crônica de uma tragédia anunciada. Não para seus réus, tampouco para a corrupção no Brasil, mas para a possibilidade de se fazer justiça. Inquéritos eivados de ilegalidades, como é este instaurado pelo STJ, sempre ameaçam a confiabilidade na Justiça e em suas instituições. É o que temos afirmado desde o início. Os procuradores da força-tarefa de Curitiba agora o sabem por experiência própria.

vida pena procuradores.jpg

 

18
Jul20

Gilmar sobre a Lava Jato: “Eles sabem o que fizeram no sábado à noite”

Talis Andrade

conta-gotas intercep vaza.jpg

 

por Vasconcelo Quadros/ Agência Pública

A ‘Agência Pública’ aponta que, em agosto, Sérgio Moro terá sua conduta profissional como magistrado finalmente confrontada pelas acusações de parcialidade e de abuso contra o ex-presidente Lula. Que as revelações da Vaza Jato mostram o conluio entre procuradores da República e o ex-juiz federal, manipulando dados e informações para perseguir o líder petista

Entrelaçados por interesses mútuos, a Lava Jato de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro terão seus destinos definidos assim que terminar o recesso do Judiciário, em agosto. A primeira sessão presencial da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) terá na pauta um habeas corpus (HC) com potencial de provocar uma nova reviravolta na política: o julgamento do recurso que alega suspeição de parcialidade de Moro e dos procuradores do Paraná no caso do tríplex do Guarujá, processo que resultou na condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Interrompido em dezembro de 2018 por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, do STF, o caso agora volta à tona num cenário completamente distinto, recheado de novos episódios que tiraram de Moro e da força-tarefa de Curitiba a aura de intocabilidade. “É claro que os acontecimentos posteriores ao pedido de vista devem entrar no debate”, disse Mendes à Agência Pública ao confirmar que, depois de 18 meses, liberará o HC para julgamento.

O primeiro item do novo debate, segundo o ministro, serão os diálogos da Vaza Jato revelados pelo site The Intercept Brasil nos quais Moro, entre outras irregularidades, dá orientações e combina estratégias de investigação com os procuradores de Curitiba.

Mendes diz que os advogados da defesa aditaram outros fatos novos que devem ser considerados nos debates durante o julgamento. “A defesa argumenta que havia um propósito de Moro para cercar e condenar Lula. É o que vamos ver”, disse o ministro, um crítico corrosivo aos exageros da Lava Jato. “Eles [os lavajatistas] sabem que o poder absoluto corrompe”, acrescenta.

A Pública entrevistou procuradores e subprocuradores da República e ouviu que, entre agosto e setembro, a Lava Jato deixará de existir como é, aquecendo o clima para um placar no STF favorável às reclamações da defesa de Lula sobre quebra da imparcialidade por Moro. O processo pode até ser anulado e a investigação sobre o caso do tríplex do Guarujá voltaria à estaca zero. Essa hipótese representaria uma espécie de pá de cal na chamada República de Curitiba. O ex-juiz tem dois votos a favor, o do relator Edson Fachin e da ministra Cármen Lúcia, que ainda podem mudar de posição. Faltam as posições de Mendes, do decano Celso de Mello e de Ricardo Lewandowski.

Um dos mais antigos integrantes do Ministério Público Federal (MPF), com forte atuação no caso Banestado, embrião do que seria a Lava Jato, o procurador gaúcho Celso Antônio Três não tem dúvidas que a investigação sobre o apartamento do Guarujá foi politizada e que, mais tarde, o TRF-4, pressionado pela popularidade da operação, “acelerou o processo para deixar Lula fora da eleição de 2018”.

Críticos dos métodos adotados em Curitiba, Três disse à Pública que os lavajatistas também cometeram “erros capitais” no decorrer de toda a operação: atropelaram o devido processo legal, flexibilizando medidas, como conduções coercitivas e buscas e apreensões a rodo “para assustar seus alvos – coisa de mafiosos” e “nos contratos de delação premiada não incluíram nenhuma cláusula que evitasse o desemprego e a quebradeira em massa” de empreiteiras ou empresas que negociavam com a Petrobras. Além disso, politizaram as operações, “focando na destruição dos partidos”, sobretudo os de esquerda, “que representam a alma da democracia”, influenciando eleições.

Celso Três preconiza o fim da Lava Jato com uma boa dose de humor:

No quesito produtividade, a Lava Jato fez mais operações do que denúncias. E termina muito mal para procuradores: um foi preso [ Angelo Villela], outro pulou para o lado de lá do balcão [Marcelo Miller], um terceiro está sendo investigado por corrupção [Januário Paludo] e o chefe [ Rodrigo Janot] está proibido de se aproximar do Supremo Tribunal Federal”.

O último comentário é uma referência à decisão do STF que reagiu à revelação de que Janot entrou armado na corte e por muito pouco não atirou em Gilmar Mendes, conforme esclareceu o próprio PGR em complemento ao episódio relatado em livro de sua autoria.


Por sua vez, Mendes responsabiliza Janot pelos desvios na Lava Jato. “Tudo o que se vê hoje, essa anomia na Lava Jato, é resultado da falta de governança e de coordenação de Rodrigo Janot. Foi uma gestão corporativa, mas não só isso. O que esperar de alguém que confessou que estava bêbado quando aceitou o convite da Dilma [ex-presidente Dilma Rousseff] para ocupar o cargo?”, disse Mendes à Pública. Para ele, ao revelar friamente que pretendia matá-lo, Janot enterrou a reputação. “Ele se suicidou”, cutuca.

Procurado pela reportagem, Rodrigo Janot não respondeu até a publicação.

Celso Três diz que, desde a suspensão do julgamento, a vida de Moro deu uma guinada. Ele deixou a magistratura, passou pelo governo que ajudou a eleger e agora, num comportamento típico de político, dispara contra seus potenciais adversários. O procurador afirma que o ex-juiz não se dá conta de que, ao criticar Lula com fins políticos, está criticando um réu que condenou, num processo cujos recursos de contestação ainda não se esgotaram. “Pelo contexto atual, não tem como não declarar a quebra da imparcialidade de Moro”, diz o procurador.

Não é só a Vaza Jato. Livro de Janot também pode ser usado como evidência de parcialidade de Moro contra Lula

cu _cau moro intercept .jpg

 

As suspeitas de direcionamento político na investigação ganharam um novo reforço também com o relato do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot no livro Nada menos que tudo (lançado depois que o julgamento do HC 164493 foi suspenso), em que ele deixa matéria-prima para a defesa do ex-presidente usar. Num dos capítulos, que leva o sugestivo título “O objeto de desejo chamado Lula”, Janot conta que o grupo curitibano, capitaneado pelo procurador Deltan Dallagnol, se deslocou até Brasília para pedir que o então procurador-geral pulasse vários lugares na fila de partidos investigados. Eles queriam que Janot antecipasse a denúncia contra Lula por organização criminosa e, assim, evitar que as duas acusações de Curitiba, corrupção passiva e lavagem de dinheiro (aceitas e aplicadas por Moro na sentença), ficassem descobertas.

Janot relata o que ouviu de Dallagnol: “Queremos que você inverta a ordem das denúncias para colocar a do PT em primeiro”. Ele acha que Dallagnol queria, também, justificar a ampla divulgação que promovera tempos antes ao anunciar, na famosa entrevista por PowerPoint, que Lula era o “general”, “comandante máximo” e “grande líder” da organização criminosa. Janot disse que não aceitou e manteve a decisão de denunciar primeiro políticos do PP e do PMDB, seguindo o critério de priorizar os casos pela robustez das provas.

“Eu teria que acusar o ex-presidente e outros políticos do PT com foro no Supremo Tribunal Federal em Brasília para dar lastro à denúncia apresentada por eles ao juiz Sergio Moro em Curitiba. Isso [acusação de líder de organização criminosa] é o que daria base jurídica para o crime de lavagem de dinheiro imputado a Lula”, relata Janot, que disse ter ficado “chateado com as pressões” dos lavajatistas curitibanos. Ainda assim, Moro condenou Lula na primeira instância por corrupção e lavagem de dinheiro, sentença confirmada depois pelo TRF-4.

Em outro capítulo do livro, Janot diz ter ficado irritado com a fragilidade das investigações no momento em que preparava para soltar, em março de 2015, a primeira lista de parlamentares alvos de inquérito, a famosa “lista de Janot”. Conta que nessa ocasião um de seus assessores mais próximos, o procurador Vladimir Aras, lembrou ter ouvido de um dos integrantes da força-tarefa de Curitiba que a estratégia era “horizontalizar [a investigação] para chegar lá na frente”, conceito que só entendeu bem mais tarde.

“[…] quando vi Sergio Moro viajando para o Rio de Janeiro para aceitar o convite para ser o ministro da Justiça do governo Bolsonaro, é que me veio de novo à cabeça aquela expressão. Horizontalizar implicaria uma investigação com foco num determinado resultado?”, pergunta Janot. Em seguida, ele relaciona a expressão “horizontalizar” com os vazamentos seletivos de trechos das delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-ministro Antonio Palocci, que causaram “enorme impacto” nas eleições de 2014 e 2018 a favor de adversários do PT. Janot então arremata: “Esses dois casos, a meu ver, expõem contra a Lava Jato, que a todo momento tem que se defender de atuação com viés político”.

As revelações de Janot foram ofuscadas pela confusão que o procurador-geral arrumou com Mendes nos dias em que o livro estava sendo lançado. Mas são relevantes. “O livro reforça o argumento que usamos para impetrar dois habeas corpus, um contra o Moro e outro contra os procuradores”, diz o advogado de Lula Cristiano Zanin. Ele também acusa Moro de ter sido desleal com a defesa. Segundo Zanin, além de deslocar indevidamente o caso do tríplex para Curitiba, o ex-juiz autorizou o grampo telefônico que durante 23 dias registrou conversas de seu escritório com o ex-presidente, num caso semelhante ao que já havia ocorrido com outro advogado, Cezar Roberto Bitencourt, nas investigações do Banestado. Mesmo vencido na mesma Segunda Turma, em 2013, o ministro Celso de Mello condenou a metodologia e votou pela anulação do processo.

Em julho de 2019 a defesa de Lula apresentou uma petição ao relator do caso, ministro Edson Fachin, pedindo que fossem aditados à próxima fase do julgamento os diálogos da Vaza Jato, que não fizeram parte dos primeiros debates. Os advogados argumentam que a parcialidade de Moro e a politização das investigações ficaram patentes também quando o ex-juiz abandonou 23 anos de magistratura para aceitar o convite de Bolsonaro, o candidato que mais se beneficiou do antipetismo estimulado pelas investigações contra Lula.

A eventual anulação da sentença é uma tese que já em dezembro de 2018, quando o julgamento do habeas corpus teve início, ganhava corpo no grupo de procuradores que atuam em revezamento na Segunda Turma do STF. Um deles, Antônio Carlos Bigonha, chegou a preparar um parecer reconhecendo que Moro e seus colegas curitibanos haviam, sim, quebrado o dever de imparcialidade em relação a Lula. Como Mendes pediu vista, o parecer nem chegou a ser lido na sessão, mas era do conhecimento da PGR.

Na mesma sessão, porém, numa censura a uma nota emitida pela Lava Jato de Curitiba criticando a decisão que anulou a condenação contra o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine e determinou que réus fossem ouvidos depois dos delatores, o mesmo Bigonha pediu desculpas formais ao STF. O procurador afirmou em nota que ficou registrado que não concordava com as críticas nem cabia a procuradores da primeira instância fazer juízos de valor sobre decisões do STF. Era um sintoma de que a Lava Jato de Curitiba já estava em rota de colisão com a PGR.

O papel de Aras e a sexta autorização para que a força tarefa de Curitiba continue funcionando como força paralela desconhecida da PGR

i intercept.jpg

 

Com a posse do procurador-geral Augusto Aras, crítico da Lava Jato desde a gestão de Janot, o tema entrou definitivamente na agenda do MPF. Fontes da cúpula do MPF ouvidas pela Pública acham que Aras não vai renovar, em setembro, a sexta autorização para que a força-tarefa de Curitiba continue funcionando no modo em que está construída: uma força paralela, desconectada da PGR. Criado por Janot em 2014, o grupo, inicialmente de seis, conta hoje com 15 procuradores e cerca de 50 servidores de apoio e ocupa prédio separado do MPF. Para continuar, é necessário que o procurador-geral autorize todos os anos por meio de portaria específica.

Um dos estrategistas da Lava Jato, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, agora um próspero advogado que atua em casos de leniência em Curitiba, tem dito abertamente em entrevistas que Aras decidiu enquadrar a equipe paranaense como pretexto para investigar a atuação de Moro, agradar a Bolsonaro – em guerra com o ex-juiz –, de olho numa das vagas de ministro que se abrirão no STF em 2020 e 2021. Lima tem falado em nome dos lavajatistas sobre temas polêmicos. Procurado, não quis dar entrevista à Pública.

O subprocurador-geral Hindemburgo Chateaubriand Filho, um dos idealizadores da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac), uma central das forças-tarefa, afirma que a proposta foi apresentada ao Conselho Superior do MPF bem antes de Aras assumir. “Infelizmente, o projeto veio à tona nesse momento de crise. Mas ele não vai acabar com a Lava Jato”, afirma Chateaubriand.

Segundo ele, se aprovado, o órgão vai apoiar as ofensivas anticorrupção, respeitando a independência de cada procurador natural, mas criando uma sinergia administrativa e de conhecimento comandadas por Brasília, para racionalizar e dinamizar investigações.

O fato é que, pelo que está escrito no projeto, os responsáveis pelas forças-tarefa passariam a alimentar o órgão central vinculado à estrutura da PGR e responderiam a um superior hierárquico, o que, em geral, é comum no Ministério Público. A Unac, que prestaria contas ao Conselho Superior do MPF, daria todo suporte às regionais, mas também teria atribuição de abrir procedimentos investigatórios, acompanhar ou requisitar inquéritos e diligências, prover as equipes de técnicas especiais de apuração e propor medidas cautelares e persecutórias, como prisões e buscas. No limite, atuaria ainda na proposição e instrução de delação, ação penal ou de improbidade e em acordos e convênios nacionais ou internacionais.

A abrangência seria ampla, mas não é só isso que preocupa os lavajatistas curitibanos. Eles declararam guerra à cúpula ao reagir contra uma incursão da subprocuradora Lindôra Araújo, no início de junho, no prédio independente onde funciona a força-tarefa, acusando Aras de buscar acesso a informações sigilosas de investigações. Depois de uma guerra interna, o presidente do STF, Dias Toffoli, pôs fim à contenda com uma decisão simples: tudo o que há no banco de dados de Curitiba pode ser compartilhado com a PGR.

O procurador Celso Três não vê motivo para a reação e afirma que, se há alguma suspeita de uso indevido de informações por Aras, que Deltan Dallagnol esclareça. “Uma investigação não tem direito autoral. Não existe razão para apurar e não compartilhar, a não ser que tenha algo errado que não é para aparecer”, disse Três. Ele acha, no entanto, que seus colegas podem estar preocupados com uso de recursos que não passaram pelos canais normais ou com operações que ficaram estacionadas numa espécie de limbo paralelo e cuja revelação poderia refletir em sentenças.

Três chama atenção para um detalhe relevante: as obras contratadas pela Petrobras, sobre as quais houve sobrepreço para justificar a corrupção, não passaram por nenhuma perícia. A acusação, segundo ele, está amparada apenas em laudos que comprovam propina na fase de licitação, mas não na execução física dos projetos.

Na visão do procurador gaúcho outro dilema dos curitibanos é explicar a atuação de agentes estrangeiros na Lava Jato, revelada pela Pública em parceria com o The Intercept Brasil. “Os interesses dos Estados Unidos foram escandalosamente protegidos com a investigação contra a Petrobras”, afirma.

A decisão de Toffoli não inibirá uma investigação interna aberta pela Corregedoria do MPF, que, se de um lado aceitou o argumento de Dallagnol contra a procuradora Lindôra Araújo, de outro fará uma devassa em toda a estrutura que funcionou em Curitiba nos últimos seis anos.

Na visita que fez ao prédio de Curitiba, alertada por um agente de segurança do MPF, a procuradora apreendeu e levou para ser periciada em Brasília uma parafernália eletrônica com capacidade para monitorar conversas telefônicas. A suspeita é que se trata de um grampo tecnicamente sofisticado.

O roteiro anunciado sobre o esvaziamento da Lava Jato e a hipótese provável de uma reviravolta na condenação de Lula teriam efeito demolidor sobre a imagem de Moro. Sem a toga que teve de renunciar para assumir o cargo oferecido por Bolsonaro e sem o foro especial que contava como ministro, o ex-juiz mergulhou na política. “São dois extremos que devem ser evitados”, escreveu nos agora tradicionais posts nas redes sociais, ao criticar seus principais alvos do momento, Bolsonaro e Lula. Pessoas próximas ao ex-juiz acham que ele está se arriscando. “Ele não tem traquejo político e deveria ficar calado. Vão triturá-lo”, disse à Pública, sob o compromisso de anonimato, um delegado federal que integrou a cúpula da Polícia Federal. Segundo essa fonte, possíveis esqueletos deixados nos armários das operações que celebrizaram o ex-juiz devem vir à tona bem antes das eleições de 2020, seu horizonte óbvio. Procurado por meio de sua assessoria, Moro não quis falar.

Limpa no Ministério da Justiça: seis “moristas” foram exonerados

intercept moro.jpg

 

Moro assistiu também seu poder de influência aniquilado com o desmonte promovido por Bolsonaro, que mandou fazer uma limpa nos cargos de primeiro escalão do Ministério da Justiça. O primeiro a cair foi o ex-diretor da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo, cuja demissão forçou Moro a abandonar o governo acusando o presidente de interferência ilegal no órgão.

Em seguida foram demitidos todos os assessores que ele levou de Curitiba para Brasília: o ex-superintendente da PF Rosalvo Ferreira Franco (Secretaria de Operações Integradas), o delegado Fabiano Bordignon (Departamento Nacional Penitenciário) e, por último, a delegada Érica Marena (Departamento de Recuperação de Ativos e de Cooperação Internacional). Do núcleo lavajatista original, apenas o delegado Igor Romário de Paula (Diretoria de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) permaneceu na PF, mas por determinação do ministro Alexandre de Moraes, por comandar as investigações sobre a rede bolsonarista que defende golpe militar.

Também perderam os cargos outros assessores levados por Moro para o Ministério da Justiça, como o delegado Luiz Pontel de Souza (Secretaria Executiva, equivalente ao número 2), o jurista Wladimir Passos (Secretaria Nacional de Justiça) e o general Guilherme Theophilo (Secretaria Nacional de Segurança), candidato derrotado na eleição para governador do Ceará em 2018 pelo PSDB.

Embora Moro tenha sustentado que escolha do general era técnica, a indicação foi do senador Tasso Jereissati e revelou um gesto político do então ministro para se aproximar do PSDB, alimentando as críticas segundo as quais durante a Lava Jato teria evitado incluir líderes tucanos nas investigações.

Os diálogos com Dallagnol num chat privado, divulgados pelo The Intercept Brasil, mostram Moro preocupado, nos bastidores, com a citação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Tem alguma coisa séria do FHC?”, pergunta, acrescentando que não tinha visto nada de sério na TV e indagando se um suposto crime de caixa dois em 1996, cujas informações haviam sido enviadas para o MPF paulista, não estaria prescrito. Com a sinceridade que marcou a politização, Dallagnol responde que o objetivo era “talvez para passar recado de imparcialidade”, num jogo de cena em que Moro pede para tomar cuidado para não melindrar “alguém cujo apoio é importante”.

Enquanto chefiou a 13ª Vara Federal de Curitiba, incensado pela fama, Moro nunca deu explicações. Mas agora, quando a Lava Jato faz água e há um risco provável de que o julgamento do habeas corpus 164493 possa mudar a compreensão de seu papel sobre alvos seletivos, o ex-juiz decidiu romper o silêncio em lives e postagens pelas redes sociais. “Aparentemente, pretende-se investigar a Operação Lava Jato em Curitiba. Não há nada para esconder nas investigações. Embora essa intenção cause estranheza”, escreveu num curto e sintomático texto no Twitter, gerando suspense sobre inimigos imaginários.

Como é impossível imaginar uma conspiração entre Lula e Bolsonaro para acabar com investigações de corrupção, o mais sensato é que o fim da Lava Jato seja resultado do acúmulo de erros cometidos pelos lavajatistas. “Eles sabem o que fizeram no sábado à noite”, disse à Pública o ministro Gilmar Mendes.

latuff dallagnol intercept.jpg

 

29
Ago19

Sob o manto da lei, o Estado pode cometer qualquer despropósito: condenar, humilhar e até matar

Talis Andrade

Controle do Abuso de Autoridade – proteção do cidadão

tacho abuso de autoridade.jpg

 

por Paulo Pimenta

---

Em uma democracia, aqueles que cumprem a lei não deveriam se sentir ameaçados com a aprovação do Combate ao Abuso de Autoridade. Em nenhum momento o objetivo foi impedir as instituições de funcionarem de forma plena, autônoma e justa.

No decorrer da história, com a expansão do poder do Estado, o seu uso irregular e seus excessos, surgiu a necessidade de impor limites na relação entre este poder e o cidadão.

É nesse cenário que o Congresso aprovou o projeto que atualiza a Lei 4.898/1965, definindo os crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos, servidores ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, cometam excessos.

A violação dos direitos individuais, econômicos, sociais e ações contra o interesse público, são algumas das formas de abuso de poder para as quais a sociedade criou instrumentos legais, fundados no respeito aos direitos e garantias individuais, como forma de disciplinar e conter os excessos da atividade pública.

Os erros cometidos em nome do Estado, através de seus agentes, têm peso e responsabilidade superiores daqueles cometidos pelo cidadão comum. Quem de nós não conhece alguém que, em algum momento da vida tenha tido seus direitos violados pelo Estado? Na ampla maioria das vezes, a vítima submetida a humilhação e condenação pública não tem como ser reparada.

Foi o caso do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Acusado injustamente, foi algemado, despido e preso. Com o apoio da mídia virou símbolo de corrupção. Segundo a OAB, não havia contra ele nenhuma acusação desta ordem. Mesmo assim, foi afastado do seu cargo e proibido de pisar na universidade que frequentava há quatro décadas, para a qual nunca voltou. Acabou por tirar a própria vida por não suportar o julgamento injusto e a humilhação pública.

A história nos mostra que sob o manto da lei, o Estado pode cometer qualquer despropósito: condenar, humilhar e até matar. Se vier com as bênçãos e holofotes da mídia é garantia de impunidade e muitas vezes, de apoio popular.

A nova lei vale para todas as autoridades, seja do Executivo, Legislativo, MP ou Judiciário. A OAB, a maioria do STF, o presidente do STJ, entre outros, a consideram fundamental. E os defensores do Estado Democrático de Direito também.

violência polícia Humberto.jpg

 

02
Mar19

SACANAGEM Moro não devolveu o ipad de Arthur

Talis Andrade

ipad do neto.jpg

 

 

Aconteceu em novembro de 2017, o ex-presidente Lula aproveitou que estava cara a cara com o juiz Sergio Moro e tratou de várias questões familiares. A primeira a ser abordada foi o caso dos iPads dos netos que estão apreendidos pela Polícia Federal desde o ano passado.

 

"Determine que a Polícia Federal devolva o iPad do meu neto. É uma vergonha, iPad de neto de 5 anos. Está desde março do ano passado." O equipamento foi apreendido no dia da condução coercitiva do ex-presidente, em 4 de março de 2016. 

 

Sergio Moro mentiu. Disse que bastava pedir, mas o ex-presidente falou que não adiantou. O petista ainda reclamou da forma como os agentes entraram na casa dos filhos. Declarou que quebraram portas e portões. O advogado de defesa, Cristiano Zanini, acrescentou que havia manifestação no processo.

 

O depoimento prosseguiu. Durante as declarações finais, Lula voltou a falar sobre seus netos, ainda reclamou que a divulgação de acusações contra ele afetou sua família, em especial as crianças. “Na escola, meus netos sofrem bullying todo santo dia”.  O bullying continua mesmo com Arthur morto. Vide declarações inumanas do filho deputado federal de Jair Bolsonaro. Leia mais

É costume da polícia roubar pertences de presos. Acontecia adoidado na ditadura militar. E  só fez piorar depois do golpe de 2016, que derrubou Dilma Rousseff.

Dos jornalistas levam a ferramenta de trabalho, o computador comprado a prestações. 

flores .jpg

flores.jpg

brinquedos de Arthur.jpg

No velório, os brinquedos e objetos pessoais de Arthur. Faltou o ipad. Moro ficou devendo por toda eternidade. 

 

 

 

 

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub