Esse texto tem sua origem no século XV e não traz nenhuma novidade, desde que africanos, sobreviventes das longas e insalubres viagens nos porões dos navios, tornaram-se mercadoria nas mãos dos colonizadores europeus, dando início à escravidão moderna.
A prática da escravidão mudou após as abolições mundo afora, porém o conceito permanece nos dias atuais. O que são os extermínios cometidos pelo Estado nas favelas?
Com o nome de ‘operação contra o tráfico’, policiais militares invadem casas onde vivem famílias pobres e desassistidas pelo próprio Estado e aterrorizam, principalmente crianças, com bombas de gás e tiros de fuzil.
Essas ‘operações’ não são de hoje, porém, atualmente, são chacinas institucionalizadas e legitimadas pelo presidente da república. O crime cometido pela polícia do Rio em Vila Cruzeiro, onde mais de vinte pessoas foram assassinadas com munições do Estado, recebeu elogios do presidente Bolsonaro.
Repito, as ‘operações’ não são de hoje, mas os agentes públicos sentem-se empoderados quando recebem elogios vindos de cima, aliás, condecorar bandido travestido de policial é uma prática antiga do atual ocupante do Planalto.
A normalização da barbárie atingiu um nível de excelência, que até a polícia rodoviária federal, que sempre passou a imagem de credibilidade para a população, parece ter entendido que os tempos são outros, e que a violência deve ser praticada como método de abordagem ao cidadão pobre e preto.
Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, foi abordado por agentes da PRF em Umbaúba, Sergipe, por pilotar uma motocicleta sem o uso do capacete.
Genivaldo, que usava medicamentos controlados por conta de esquizofrenia, ficou nervoso e foi imobilizado pelos agentes que usaram ‘técnica de menor potencial ofensivo’, depois foi colocado dentro do porta-malas da viatura junto com gás jogado pelos agentes, vindo a morrer por asfixia e insuficiência respiratória.
As ações bárbaras promovidas pela polícia acontecem sem constrangimento, à luz do dia, na mira de câmeras de celulares que não inibem a crueldade que praticam em nome da ‘segurança pública’ porque, agindo assim, como os antigos colonizadores, pode motivar elogios e medalhas.
Como na letra da música revanche de Bernardo Vilhena: ‘Quem é que vai pagar por isso’?
Colunista Marcelo Auler cita o caso Genivaldo e afirma que 'outros moradores de Umbaúba sofreram truculência parecida por motivos idênticos: o uso de motos'
A violenta e criminosa abordagem que policiais rodoviários federais promoveram, em 25 de maio, aplicando torturas que levaram ao assassinato de Genivaldo Jesus dos Santos, um sergipano negro, de 38 anos, que vivia sob tratamento de distúrbios mentais, não foi fato isolado. Truculência parecida já tinha sido praticada contra outros moradores da cidade, por motivos idênticos: o uso de motos, transporte utilizado na cidade até mesmo por crianças.
A diferença é que no caso de Genivaldo a abordagem que terminou em um homicídio – provavelmente qualificado – foi registrada em vídeos por transeuntes. Filmagens que viralizaram nas redes sociais e desmontaram a “versão oficial” apresentada no Boletim de Ocorrência, na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba, cidade distante 102 quilômetros da capital sergipana, ao sul do estado. Uma versão prontamente encampada pela administração da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que chegou a falar no emprego de “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo” na contenção da vítima. Diante dos vídeos que desmentiam tal afirmativa, a corporação se viu obrigada a recuar.
Quase dois anos antes, por exemplo, em 1 de agosto de 2020, dois dos policiais rodoviários federais que aparecem no Boletim de Ocorrência em torno da prisão de Genivaldo – Paulo Rodolpho Lima Nascimento (matrícula: 1318594) e Clenilson José dos Santos (matrícula: 1510422) – registraram, na PRF, o Boletim de Ocorrência Circunstanciado Nº 1510422200731105030. Nele narram a apreensão da menor M.D.N., então com 17 anos, por trafegar em uma moto sem habilitação para tal.
Seria, aparentemente, um caso corriqueiro, em que a irmã mais velha da detida, E. N. J., proprietária da motocicleta, respondeu ao processo nº 202087001409, no Juizado de Umbaúba, no qual foi condenada a uma multa de um salário mínimo por ter permitido o uso de sua Honda BlZ 110 por uma pessoa não habilitada.
Verdade omitida
Na realidade, porém, o caso foi bem diferente do relatado pelos policiais rodoviários federais no Boletim de Ocorrência. Deliberadamente omitiram informações importantes e incluíram fatos contestados pelas duas irmãs, como de que a perseguição teve início na rodovia, onde M.D.N. diz não ter passado.
A omissão maior está nas conseqüências daquela abordagem policial, que deixou em M.D.N, uma sequela para o resto da vida. Ela teve uma fratura do fêmur direito, em consequência da queda da motocicleta que, segundo diz, foi provocada pelos próprios PRFs. No BO o fêmur fraturado transformou-se em “dores no joelho direito, não conseguindo movimentá-lo”.
O fêmur fraturado de M.D.N. no Boletim de Ocorrência feito pelos PRFs virou uma “dor de joelho”.
Na ocorrência os policiais dizem que a queda foi fruto de uma trombada da moto, desgovernada, “contra a parede de uma casa”. Na versão da vítima e seus familiares, o tombo foi provocado pelos próprios policiais, dentro do perímetro urbano da cidade, área que foge à jurisdição da PRF. Por não ter parado diante da sirene das motos dos policiais – segundo diz, achou que não era com ela – os dois a perseguiram e a derrubaram da moto com chutes, provocando o acidente, conforme relatou M.D.N. na entrevista que nos concedeu (vídeo abaixo).
Além de fraturar o fêmur, a menor diz que com a queda quase se sufocou, pois o capacete a apertava ao mesmo tempo em que expelia sangue pela boca. Uma transeunte a salvou, retirando a proteção de sua cabeça, sem respeitar a ordem dos policiais que quiseram impedir tal providência:
“Eu estava meio que agonizando, porque o capacete estava apertando pela boca e uma moça falou ‘vamos retirar o capacete dela’. Os policiais disseram ‘não vai retirar não. Deixa ela assim mesmo’. Aí a moça esperou ele se distrair e puxou o capacete. No que ela puxou o capacete ela disse que eu dei um suspiro”, relata D.N. no depoimento gravado no último dia 3 de junho.
Também não existe nenhuma referência ao incidente com A.D.N., pai da M.D.N. Como narra no depoimento que nos prestou, ele circulava nas proximidades ao saber que os policiais rodoviários federais estavam “enrabando” (termo usado na região para descrever uma perseguição policial) uma menina.
A.D.N. não imaginava ser sua filha, mas ao vê-la caída, meio que desmaiada, expelindo sangue pela boca, questionou em voz alta: “É preciso isso?” Foi o suficiente para desagradar um dos policiais que lhe respondeu com spray de pimenta no rosto e na barriga, recomendando que “não colocasse mais suas patas ali”. Embora se calasse, não arredou pé do local até a ambulância do SAMU recolher sua filha, que foi acompanhada da mãe para o hospital. Nada disso, porém, foi levado ao Boletim de Ocorrência que apenas registra a presença do genitor da menor.
Violência se repetiu
Episódio parecido ao de M.D.N – uma queda da moto provocada pela ação policial – foi relatado na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba por outro jovem morador da cidade, no dia 27 de maio, isto é, dois dias após o assassinato de Genivaldo.
Encorajado pela repercussão do assassinato no dia 25, J., de 21 anos, procurou a polícia alegando ter sido perseguido e derrubado da motocicleta, mesmo depois de parar de fugir e se render a dois policiais rodoviários federais. Foi o que narrou com exclusividade a jornalista Thaísa Oliveira, daFolha de S.Paulo, na reportagemJovens dizem terem sido agredidos por PRFs em Umbaúba dois dias antes da morte de Genivaldo, dando conta do registro tardio do fato ocorrido em 23 de maio:
“Nos documentos, um homem de 21 anos e um adolescente de 16 relatam que, mesmo algemados com as mãos para trás, receberam chutes, tapas e pisões no rosto. Segundo os jovens, a abordagem contou com quatro agentes.(…)
Depois, os agentes mandaram que ele ‘ficasse sentado e começaram a lhe dar tapas no rosto’. O homem, então, relata ter pedido para que os policiais não o matassem. ‘Não me mate não, me leve preso’; que um dos policiais disse: ‘Vou te levar pra mata pra você aprender!’, consta em trecho do boletim de ocorrência. Ele diz que ‘sofreu lesões do lado esquerdo do rosto e nos lábios, em decorrência da pressão feita pelos pés do policial no seu rosto, pressionando a sua face contra o chão’.
Em depoimento àTV Sergipeo mesmo jovem, não identificado por questões de segurança, confirmou que ao decidir parar de fugir e se entregar, foi derrubado da moto e sofreu agressões, como reportado no Jornal local do dia 1 passado, pela repórter Lays Rocha, como pode ser visto nessevídeo:
“Quando eu parei a moto, eles vieram e colidiram na minha moto. Bateram no fundo da minha moto e eu caí. Quando eu caí… eu estava com mais um colega meu. Quando eu caí, ele também caiu… com medo ele correu ainda um pouco, aí eu comecei a chamar ele. Ele parou, um policial foi até ele e o outro veio por trás de mim e me deu um golpe e eu caí. Assim que eu caí começaram as agressões. Foi chute, tapa… as agressões que eles fizeram comigo eu não consegui nem perceber tanto pois eu estava tentando proteger meu rosto, tentando proteger o corpo, né?… alguns arranhões.. eu pedia e eles não pararam. Eles não paravam. Achava eu que eles iam me matar de pancada”.
Fraude processual
Estes episódios apenas reforçam que a violência com que policiais rodoviários federais atuam naquela região é rotineira e antiga. Demonstram ainda que esses mesmos policiais cometeram, em outras oportunidades, a chamada “fraude processual”, tal como classificou o advogado Ivis Melo de Souza, que representando a mãe, Maria Vicente de Jesus, e as irmãs, Alice e Valdice de Jesus Santos, de Genivaldo atuará como assistente de acusação no processo criminal a ser instaurado em conseqüência do assassinato do sergipano.
Com base no fato de os policiais registrarem um Boletim de Ocorrência, na Delegacia de Polícia Civil de Umbaúba com relato totalmente diferente do que realmente ocorreu na abordagem do dia 25 de maio, Melo de Souza entende que ocorreu a fraude processual. Respaldado nela, ingressou junto à 7ª Vara Federal Criminal de Sergipe, sediada no município de Estância (jurisdição à qual pertence Umbaúba), com o pedido de prisão preventiva dos três agentes que teriam tido relação direta com o homicídio: Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia.
Apesar de a PRF omitir o nome dos agentes que participaram do homicídio de Genivaldo, a identidade deles foi revelada pelo Fantástico da TV Globo.
Rodoviários Federais – Clenilson José dos Santos e Adeilton dos Santos Nunes – também faziam parte da equipe mas o envolvimento deles não está totalmente esclarecido. Clenilson, porém, também esteve envolvido na abordagem da menor M.D.N., em agosto de 2020, juntamente com Paulo Rodolpho o qual, por sua vez, já se envolveu em um caso de injúria com um vizinho,
O advogado entende que tanto o delegado de Polícia Federal responsável pelo caso, Fredson Vital, como os membros do Ministério Público Federal (MPF) erram ao não solicitar a prisão preventiva dos envolvidos. Para ele existe “demonstração cabal de que há clara tentativa de dificultar a livre produção probatória e, portanto, um risco a conveniência da instrução criminal”. Na petição ajuizada ele insiste:
“Diferente do que os Agentes registraram na Comunicação de Ocorrência Policial, a vítima atendeu todos os comandos, inclusive informando que usava medicamentos controlados.” O advogado ainda afirma que os policiais tentaram evitar que o corpo de Genivaldo fosse para o Instituto Médico Legal, onde os exames comprovaram sua morte por asfixia. Teriam tentado levá-lo diretamente à funerária.
Primeira Contradição
Transcreve-se da petição apresentada pelo representante da mãe e das irmãs de Genivaldo ao juiz federal Rafael Soares Souza:
“No registro de ocorrência policial, foi relatado que: ‘foi dado o comando para que o condutor desembarcasse da motoe levantasse a camisa, como medida de segurança,no entanto a ordem foi desobedecida, levantando o nível de suspeita da equipe. Ato contínuodeterminou-se que o indivíduo colocasse as mãos na cabeça e abrisse as penas, de modo a possibilitar a busca pessoal, porém esta ordem foiigualmente desobedecida, agravando-se pelo fato de que o abordado a todo o momento passava as mãos pela linha da cintura e pelos bolsos.
Excelência, o vídeo é claro ao demonstrar quenão houve desobediência. A vítima colou as mãos para cima de forma pacífica eEM NENHUM MOMENTOpassou as mãos pela linha da cintura, nem pelos bolsos.O VÍDEO NÃO DEIXA NENHUMA DÚVIDAde que o relato de ocorrência não reflete a verdade.
Segunda Contradição
Ainda no registro de ocorrência, consta que a vítima foi algemada e contida, mas que “ao tentar colocá-lo no compartimento de presos da viatura,novamente o abordado resistiu, se debateu e deu chutes a esmo, deixando as pernas do lado de fora,sendo necessário mais uma vez o uso das tecnologias. Em seguida a equipe abriu o compartimento para que o indivíduo se acalmasse e cooperasse com a condução, momento em que a contenção das pernas se tornou possível. Nesse momento, o abordado, plenamente consciente, posicionou-se de forma sentada, sendo conduzido começou a passar mal, sendo socorrido prontamente”
Meritíssimo, o vídeo mostra claramente que a vítima já contida, um dos policiais lança uma granada de gás lacrimogêneo dentro do porta-malas, sendo possível ouvir Genivaldo gritando desesperadamente, enquanto pessoas que presenciavam o fato, diziam aos policiais que eles iriam matar a vítima, mas isso não foi suficiente para sensibilizar os Agentes e fazer cessar a agressão.
Ainda consta do registro de ocorrência,que“o abordado, plenamente consciente, posicionou-se de forma sentada, sendo conduzido começou a passar mal, sendo socorrido prontamente”
Este fato é mais uma inverdadecontida na Comunicação de Ocorrência. É possível verificardos vídeosque a vítima não estava consciente quando os agentes abriram o porta-malas e que não foi posicionado sentado.
Como se pode extrair do vídeo, enquanto inalava o gás, Genivaldo se debatia de desespero eantes mesmo de abrirem a “câmara de gás” a vítima não tinha mais reação,momento em que os policiais pegaram suas pernas e colocaram para dentro e fecharam.
Terceira Contradição
Consta do registro de ocorrência que“imediatamente a equipe seguiu para a delegacia de Polícia Civil da cidadee, durante o trajeto, o conduzido começou a passar mal,sendo socorrido prontamente. A equipe seguiu prontamente para o hospital local, onde foram adotados os procedimentos médicos necessários, porém, possivelmentedevido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito.”
Não houve imediato socorro,pelo contrário, há informações de queos policiais ainda demoraram no local,enquanto as pessoas reclamavam que a vítima precisava de atendimento.
Após algum tempo, entraram na viatura e saíram. Ao chegarem na Delegacia e constatarem o óbito,os Agentes quiseram encaminhar o corpo diretamente para funerária, sem que fosse levado para o Instituto Médico Legal, de modo a evitar a realização do exame tanatoscópico, pois sabiam que a causa da morte foi em decorrência da câmara de gás.
Portanto,há clara demonstraçãode que os Agentes,desde o início, buscaram alterar as informações, prejudicando a livre produção probatória para se chegar à verdade real dos fatos. (grifos do original)
Ao peticionarem ao juízo na segunda-feira (0/06) os representantes da família de Genivaldo ainda desconheciam os detalhes dos outros dois casos narrados nesta reportagem que demonstram a pratica abusiva recorrente dos agentes da Polícia Rodoviária Federal naquela região, ao sul de Sergipe.
Ainda assim, no pedido que fizeram da decretação da prisão preventiva dos três policiais diretamente relacionados ao homicídio qualificado de Genivaldo, eles destacam a periculosidade dos mesmos, a justificar a prisão cautelar deles:
“Excelência, a manutenção da liberdade dos agentes, quando certa a autoria e materialidade, causa descrédito social da Justiça. Não se pretende a prisão para atender o clamor público ou a repercussão social do fato, isoladamente. A periculosidade dos agentes é inerente na própria ação criminosa praticada. Não se trata de presunção de periculosidade dos agentes, a periculosidade decorre da forma como o crime foi praticado (modus operandi)”.
Senadores desembarcam em Sergipe
Antes de decidir, o juízo pediu a manifestação do Ministério Público Federal, mas os próprios advogados representantes dos familiares de Genivaldo não acreditam que o pedido encontrará respaldo SOS procuradores da República que analisam o caso.
Nesta segunda-feira (12/06) desembarca em Sergipe a Comissão de Direitos Humanos do Senado, capitaneada pelo senador Humberto Costa (PT-PE) autor do requerimento da diligência no estado para verificar o assassinato de Genivaldo. Os senadores estarão, na terça-feira, em Umbaúba. Seria conveniente que além de falarem com os familiares do morto e possíveis testemunhas do ocorrido no dia 25 de maio, eles tratasse de ouvir as vítimas dos outros casos relacionados às ações violentas dos Policiais Rodoviários Federais. Talvez isso, inclusive, atraia novos relatos de outros episódios parecidos que muitos na cidade dizem existir, mas não revelam os detalhes. Esta na hora desses outros casos serem levantados.
Irmã e viúva de Genivaldo Santos, no fórum de Umbaúba — Foto: Carla Suzanne/TV Sergipe
Caso ocorreu na BR-101, em Umbaúba, e resultou na morte do homem por asfixia e insuficiência respiratória. Vídeos mostram que agentes usaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo dentro de porta-malas de viatura com a vítima dentro
O sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, foi o primeiro a prestar depoimento. Em seguida, foram ouvidas a viúva de Genivaldo, Maria Fabiana dos Santos, e a irmã dele, Damarise de Jesus Santos, outras pessoas que testemunharam a ação também foram ouvidas.
Segundo a advogada da família, Monaliza Batista, os depoimentos serão incluídos no inquérito, que tem o prazo de 30 dias para ser finalizado. “Eu sinto que o que a gente tá buscando, que é a responsabilização criminal dos policiais envolvidos, vai chegar. Vai chegar esse momento, porque o inquérito está bem minucioso, as provas estão bem nítidas, de que realmente tudo já foi provado nos vídeos. Agora o que a família vai buscar é justiça, porque a gente quer que os policiais que estavam envolvidos na morte venham a ser presos” , disse.
Seis dias após a morte, Wallison diz que a Justiça está demorando. “Não existe o que está acontecendo não. Esses policiais já deveriam estar presos. Eles cometeram um assassinato. Se fosse uma pessoa comum já tava atrás das grades. Se fosse Genivaldo que tivesse feito com um deles, ele já poderia pagar até com a vida naquele mesmo dia”.
Após prestar depoimento Wallison afirmou está confiante com os próximos passos da investigação. “Relatei todo o acontecimento e estou confiante que o trabalho da polícia vai ser feito. Eu quero a prisão deles, quero que eles paguem pelos crimes que eles fizeram. Eles são os assassinos”
Ainda de acordo com ele, a família não recebeu nenhum tipo de auxílio por parte daPolícia Rodoviária Federal.
“A gente espera que a justiça seja feita. Deus vai fazer justiça”, disse a irmã de Genivaldo, Damarise de Jesus Santos.
Eu procuro buscar força pelo nosso filho, é uma indignação muito grande. Espero que a justiça seja feita, que eles sejam presos e que paguem pelo crime que cometeram", disse a viúva Maria Fabiana dos Santos.
Maria Fabiana dos Santos
Além das advogadas da família, o procurador do Ministério Público Federal em Sergipe, Rômulo Almeida e delegados daPolícia Federala companharam as oitivas, que devem continuar sendo realizadas pelos próximos dois dias.
Nesta segunda-feira (30), membros da Ordem dos Advogados do Brasil em Sergipe (OAB/SE) se reuniram com uma uma equipe daPolícia Rodoviária Federalparacobrar transparência e celeridade nas investigações. Um ofício solicitando as prisões temporárias dos policiais rodoviários federais envolvidos na morte de também foi protocolado por advogadas da família da vítima, na sedePolícia Federal.
Policiais identificados
Kleber Nascimento Freitas,Paulo Rodolpho Lima NascimentoeWilliam de BarrosNoiaforam identificados como sendo os agentes rodoviários federais envolvidos na ação que provocou amorte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos,na BR-101, no município deUmbaúba(SE). A informação foiexibida pela reportagem do Fantástico deste domingo (29), que afirmou que eles estão sendo investigados em um processo interno disciplinar. Os citados não foram localizados para falar sobre o assunto.
Um boletim divulgado pelaPolícia Rodoviária Federal, na última sexta-feira (26), informou que os agentes fizeramo uso de spray de pimenta e gás lacrimogêneo, "após o abordado apresentar resistência". O texto citou ainda que o desfecho da situação teria sido "uma fatalidade, desvinculada da ação policial".
No sábado (28), o delegado daPolícia Federalresponsável pela investigação confirmou que durante a perícia da viatura utilizada pelos policiais foram encontradas substâncias semelhantes a de uma granada de gás lacrimogêneo.O material jornalístico produzido pelo Estadão é protegido por lei. As regras têm como objetivo proteger o investimento feito pelo Estadão na qualidade constante de seu jornalismo.
Veja a cronologia dos fatos:
Por volta das 11h do dia 25 de maio, Genivaldo foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, emUmbaúba; segundo depoimento registrado no boletim de ocorrência (BO), os agentes o pararam por não usar capacete enquanto dirigia uma motocicleta;
Imagens feitas por populares mostram quando os agentes pedem que ele coloque as mãos na cabeça e abra as pernas para a revista;
O sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, diz que avisou aos policiais que o tio tinha transtornos mentais. Ainda de acordo com ele, os agentes encontraram uma cartela de um medicamento controlado no bolso do tio, que fazia tratamento para esquizofrenia há cerca de 20 anos. Também segundo a família, Genivaldo era aposentado em virtude dessa condição.
Wallison relata que o tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito para ser abordado. No BO os policiais dizem que ele ficava passando a mão pela cintura e pelos bolsos e não obedecia às suas ordens e que, por isso, precisaram contê-lo. Segundo os agentes, os primeiros recursos foram spray de pimenta e gás lacrimogêneo.
Um vídeo mostra quando um dos agentes tenta imobilizar Genivaldo com as pernas no pescoço. No chão, ele é algemado e tem os pés amarrados.
Em seguida, Genivaldo é colocado no porta-malas do carro da PRF, que está com os vidros fechados. Os policiais jogam gás e fecham o compartimento. Genivaldo se debate, com os pés para fora do porta-malas, enquanto os policiais pressionam a porta.
No boletim de ocorrência, os policiais dizem que o homem teve um "mal súbito" no trajeto para a delegacia e foi levado para o Hospital José Nailson Moura, no município, onde morreu por volta das 13h.
Homem é imobilizado durante abordagem policial em Umbaúba — Foto: Aplicativo/TV Sergipe
Uma portaria de 2010, que regulamenta uso de força policial, e uma lei de 2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, não foram respeitadas por agentes daPolícia Rodoviária Federalde Sergipe durante abordagem que terminou namorte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos.A afirmação foi feita pela diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno.
A utilização de gás de pimenta como instrumento de menor potencial ofensivo é comum entre as polícias, geralmente para dissipar multidões, mas jamais deve ser feito em ambientes fechados ou por períodos prolongados numa pessoa. Sua má utilização pode ocasionar a morte”, disse Samira Bueno ao g1 nesta quinta-feira (26).
De acordo com a portaria interministerial nº 4.226, de 2010, ouso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanose deveráobedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
O documento determina ainda osprocedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de arma de fogo ou instrumento de menor potencial ofensivo, o queinclui avaliação técnica, psicológica, física e treinamento específico, com revisão periódica. Nenhum profissional de segurança deverá portar instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente habilitado.
Além disso, o texto afirma que os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo.
Segundo a nota técnica divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,"a morte de Genivaldo Jesus Santos chocou a sociedade brasileira pelo nível de sua brutalidade,expondo o despreparo da instituição em garantir que seus agentes obedeçam a procedimentos básicos de abordagem que orientam os trabalhos das forças de segurança no Brasil".
Já a lei 13.060, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o país, determina, no artigo 3º, que “cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais”.
Para o especialista e membro do Fórum de Segurança Pública, Rafael Alcapadine, houve excessos durante ação policial . "Colocar uma pessoa em um ambiente fechado e jogar gás dentro desse ambiente.Isso a gente se reputa como uma prática de tortura que jamais pode ser aceitável e nenhuma força policial do mundo", disse.
Um dos agentes começou a imobilizar Genivaldo de Jesus Santos forçando o joelho em seu tórax. Outro policial pressionou o joelho sobre a sua costela
Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes, na quarta-feira (25), em Umbaúba (SE), antes de ser colocado em um porta-malas de uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) emorrer por asfixia.
Quatro policiais participaram da violenta abordagem, conforme boletim de ocorrência registrado.
Um dos agentes começou a imobilizá-lo forçando o joelho em seu tórax, em uma cena parecida com a do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, em maio de 2020. Com Genivaldo imobilizado, um segundo policial pressionou o joelho sobre a sua costela.
Genivaldo teve os pés e as mãos amarradas, e foi jogado no porta-malas junto com uma bomba de gás lacrimogênio. Fechado o carro, a vítima levou dois minutos para morrer sufocada.
De acordo com Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, a atitude dos policiais envolveu uso inapropriado de força, desrespeito a protocolos, abuso de poder e ação dolosa. "A abordagem foi errada do começo ao fim". O relato do militar foi publicado nesta sexta-feira (27) pelojornal O Estado de S.Paulo.
Nas imagens, os policiais gritaram palavras de baixo calão desde o início da operação, enquanto mandavam Genivaldo colocar as mãos na cabeça. "Bota a p**** da mão pra cima, c******", berra um dos agentes, ao mesmo tempo em que manda o homem "calar a boca".
"Não vejo erro nenhum da parte do Genivaldo", disse Paes. "A partir do momento que ele questiona a abordagem, começa a ser agredido. Mas o fato de questionar nunca pode ser enquadrado como resistência ou desobediência, como acusa a nota da PRF. Isso é mentira. O que a nota fez foi tentar acobertar os policiais e dar um viés de legalidade à execução", continuou.
"Os policiais erraram desde o início. As polícias, seja militar, civil ou rodoviária, têm protocolos de abordagem que não foram seguidos ali. Apenas o ato inicial, que teve intuito de ameaçar, ofender e humilhar, é totalmente errado e já seria considerado crime, como injúria, difamação, abuso de poder ou ataque à honra", acrescentou.
Convenhamos. Mesmo se tratando de um governo de atitudes absurdas e criminosas, algumas de suas ações ultrapassam todos os limites. A forma como a Polícia Rodoviária Federal, órgão da gestão pública, resolveu tratar os seus presos é um desses exemplos macabros que deveriam ser coibidos por qualquer governo que tivesse o mínimo de bom senso, de decência e de humanidade. Deter pessoas, trancá-las em um camburão e jogar dentro uma bomba de gás, provocando morte por asfixia, é de um requinte de maldade que parece mentira.
Infelizmente, a cena mostrada pela mídia é verdadeira e aconteceu em Umbaúba, sul de Sergipe. O homem assassinado, negro e pobre, tem nome e sobrenome: Genivaldo de Jesus Santos. Tinha 38 anos. Sofria de transtornos psíquicos. Sua luta pela vida, se debatendo, chutando o vento e pedindo socorro, está nos vídeos espalhados pela TV e na internet como um libelo acusatório. Não há dúvidas sobre o que houve. Assim como fica clara a frieza dos seus algozes impedindo qualquer possibilidade de livramento.
Foi uma execução, nunca uma “abordagem” como escamoteia a grande mídia, sempre ciosa no tratamento ao opressor. “Abordagem que resultou em morte”, como capricharam na semântica alguns veículos. Tem que se falar claro. Foi uma ação que não fariam de forma mais cruel a SS do Terceiro Heich e os carrascos de Auschwitz, o campo de concentração nazista construído em Oswiecim, Polônia, onde a Alemanha deu forma definitiva à execução de milhões de judeus, ciganos, comunistas e homossexuais, em câmaras de gás. O mais letal de todos, que funcionou entre 1940 e 1945.
Como se não bastasse a execução em si, os policiais rodoviários federais demonstraram total falta de respeito para com a vítima e com a família dele. Os guardas chegaram a soltar a lorota de que, no camburão e na porta da morte, Genivaldo estava “melhor do que nós”. Imoralidade corroborada pela própria polícia ao classificar como um “mal súbito” a causa da morte. Cinismo, maldade e desfaçatez, não existem outros nomes para isto.
Afastar de suas funções os policiais envolvidos neste assassinato é pouco. As imagens são claras a comprovam o sadismo com que os dois “homens da lei” tratam quem lhes atravessa o caminho. Pouco importa se for uma pessoa com problemas mentais, como foi o caso. Mais ainda se for pobre e preto, o que para algumas autoridades policiais parece ser um agravante.
Que esta ação criminosa e nazista não caia do esquecimento e que os seus autores – e mentores – paguem de maneira exemplar pelo que fizeram. Como em Nuremberg.
Anistia Internacional exige providências do Ministério da Justiça sobre assassinato cometido pela Polícia Rodoviária Federal
A Anistia Internacional Brasil cobra respostas do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as circunstâncias que envolveram a morte de Genivaldo de Jesus Santos, município de Umbaúba, em Sergipe, na quarta-feira (25), durante uma abordagem de policiais rodoviários federais.
E também exige explicações sobre a participação desta força policial na operação conjunta entre Polícia Federal e o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, Rio de Janeiro, no dia 24 de maio.
A organização exigiu providências, via ofício endereçado ao gabinete do ministro Anderson Gustavo Torres, para que apure as condutas dos agentes que podem vir ser caracterizadas como prática de tortura.
Genivaldo, de 38 anos, morreu asfixiado após ser preso no porta-malas de uma viatura dos agentes. Segundo relatos de familiares e noticiados pela imprensa, a vítima foi imobilizada pelos policiais com uso excessivo de força, mesmo depois de sinalizar cooperação e de ter atendido às ordens enunciadas. Além disso, imagens e vídeos que circulam nas redes sociais mostram que Genivaldo foi imobilizado e trancado dentro da viatura, onde jogaram bombas de gás lacrimogênio. Vários filmetes de populares registram a densa fumaça que saía do porta-malas do carro policial, adaptado para carregar presos de maneira cruel e humilhante. Costumeira barbárie.
Genivaldo foi abordado pela polícia porque estava sem capacete em uma moto. Bolsonaro raramente usa capacete nas motociatas, campanha eleitoral antecipada
Clenilson, Paulo, Adeilton, William e Kleber assinam o boletim de ocorrência em que a morte de Genivaldo de Jesus Santos é tratada como ‘fatalidade desvinculada da ação policial’
OS CINCO AGENTESque registraram boletim de ocorrência policial pela detenção que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos numa viatura da Polícia Rodoviária Federal são Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas.
Todos são agentes do Comando de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal no Sergipe e assumem, em documento oficial, compor a “equipe de motopoliciamento tático [que] efetuava policiamento e fiscalização” responsável pela detenção que terminou com a morte de Genivaldo. O caso ocorreu às margens da BR-101 em Umbaúba, Sergipe.
Como todo o Brasil pôde ver, três agentes colocaram Genivaldo na cela localizada na traseira de uma viatura da PRF, e um deles parece atirar uma bomba de gás no compartimento, o que faz surgir uma nuvem de fumaça. Em seguida, seguraram a porta quase que inteiramente fechada para que a vítima – e o gás – permanecesse dentro do veículo. É possível ver as pernas de Genivaldo para fora, se debatendo, e ouvir seus gritos de desespero.
Os agentes confessam no boletim que usaram “espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo”, em função da “agitação do abordado”. Eram “tecnologias de menor potencial ofensivo”, garantiram.
Genivaldo, que sofria de esquizofrenia, foi levado a um hospital, mas morreu em seguida. O laudo do Instituto Médico Legal do Sergipe diz que a causa da morte foi insuficiência respiratória aguda secundária à asfixia. O crime ocorreu ontem, 25 de maio, num trecho da BR-101 que corta Umbaúba, uma cidade no litoral sul sergipano localizada a 109 quilômetros da capital Aracaju.
O boletim de ocorrência registrado pelos policiais, de número 1510422220525111006, parece tratar de uma ocorrência diferente da registrada em vídeo – ainda que não seja o caso. O documento fala em emprego do uso “diferenciado da força”, que ao ver deles ocasionou uma “fatalidade desvinculada da ação policial legítima”. No documento, os policiais fizeram questão de registrar os “delitos” de “desobediência” e “resistência”.
Trecho do boletim de ocorrência assinado pelos cinco agentes da PRF.
Os agentes Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas participavam de uma operação chamada Nordeste Seguro quando prenderam Genivaldo. As imagens feitas por quem assistiu à detenção revelam uma crueldade que é incompatível com o relato do boletim de ocorrência.
As imagens disponíveis na internet são repugnantes e não devem ser vistas por pessoas sensíveis. Não há resistência por parte da vítima, cujo crime foi dirigir uma motocicleta sem capacete – algo que o presidente da Repúblicafezhá dois meses no Ceará.
Um dos agentes, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, participaria hoje de uma live com o tema “Trânsito: aspectos jurídicos e de saúde mental ao volante”. O vídeo está indisponível
Nesta quinta, 26 de maio, a população de Umbaúba foi às ruas protestar contra a ação policial. Sem mencionar o caso, o presidente Jair Bolsonaro postou em seu canal de Telegram nesta manhã um texto elogioso à Polícia Rodoviária Federal.
Nele, afirmou que as “Forças Policiais e de Segurança do Brasil (PRF, PF, polícias militares e civis e seus batalhões, entre outras) têm trabalhado em prol da liberdade dos brasileiros de bem, ordeiros e honestos”, e que “lamentam o sucesso das ações de segurança, apenas, bandidos e comparsas”. Questionado sobre o caso em Sergipe, o presidente desconversou e disse apenas que iria se “inteirar com a PRF”.
Além de causar a morte de Genivaldo no Sergipe, a PRF também participou da chacina da Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, a segunda maior da história da capital carioca.
Nós pedimos à PRF que confirmasse os nomes dos envolvidos na morte de Genivaldo e qual a situação atual dos cinco agentes que assinam o boletim de ocorrência. Por volta das 18h30, a corporação publicounota em que diz ter afastado os envolvidos das “atividades de policiamento”, mas não informou quem são eles. Diz, ainda, estar colaborando com a investigação do caso.
O clima ficou tenso na Central de Flagrantes da Polícia Civil para onde foram levadas quatro pessoas detidas na manifestação contra o governo Bolsonaro que aconteceu hoje no Recife. O local ficou lotado por policiais militares que dificultaram o acesso dos detidos às advogadas e advogados populares que foram até lá para defendê-los. Todos os que foram detidos são jovens e negros.
Dos quatro detidos, apenas um foi liberado ainda pela manhã. Com uma bicicleta com carro de som, o jovem foi dispensado após assinar um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). O termo é usado para crimes de menor potencial ofensivo, com pena de até dois anos, e não geram inquérito policial ou processo jurídico.
O mesmo não aconteceu com dois amigos que foram detidos na ponte Princesa Isabel. Eles vão responder a um inquérito policial e seguirão com os trâmites no judiciário. À advogada popular Yelena Galindo, eles disseram que foram comprar cigarros e tiveram que passar pelos policiais. “Os PMs então começaram a puxá-los e eles tentaram se desvencilhar”, diz a advogada.
Os dois terão que responder a um processo. Isso porque o delegado Gilmar Rodrigues, que está de plantão na Central, os enquadrou nos artigos de descumprimento a medidas sanitárias e de desobediência e desacato de ordem de autoridade. Somadas, as penas passam dos três anos. “Os policiais afirmam que eles desobedeceram as ordens de levantar as mãos e resistiram à prisão. Também que xingaram os policiais, que disseram “polícia pau no cu“. O que difere muito do depoimento dos manifestantes. O rapaz é gay é disse que essa expressão não faz parte do vocabulário dele, por considerá-la lgbtfóbica”, conta Yelena, que acompanhou os depoimentos da dupla.
Os dois vão passar por uma audiência de custódia neste domingo, que não tem o poder de extinguir o inquérito. A audiência servirá apenas para definir se a prisão é mantida ou não, além de determinar se sofreram alguma violência na detenção. O delegado Gilmar Rodrigues estabeleceu a fiança no valor mínimo, de R$ 350 para cada.
A dupla foi liberada após pagar fiança. Por indicação da advogada, seguiram para exame de corpo delito no Instituto de Medicina Legal (IML) .
O outro homem detido só prestou depoimento por volta das 17h30. O delegado queria estipular uma fiança de R$ 5 mil, contestada pelas advogadas. Se trata de um entregador de 23 anos, pai de duas crianças, que foi buscar um videogame no centro do Recife e levou um tiro de bala de borracha. Ele não estava na manifestação. Num ato reflexo, após o tiro, teria jogado um objeto e foi detido pelos militares. Ele ficou algemado de meio-dia até a hora de prestar depoimento, sem poder beber água ou ir ao banheiro. Ele foi liberado após o pagamento de uma fiança de R$ 1 mil, cotizada entre movimentos e políticos que estavam na delegacia.
Delegado negacionista
Delegado bolsonarista Gilmar Rodrigues
Apesar dos apelos dos sete advogados e advogadas presentes na delegacia, da vereadora Dani Portela (Psol), das codeputadas das Juntas e de integrantes do mandato da vereadora Liane Cirne Lins (PT), o delegado Gilmar Rodrigues foi irredutível no caso da dupla de amigos detida. “Ele disse que ia aceitar integralmente a palavra dos policiais militares que fizeram a abordagem, porque os policiais têm fé pública. Não levou em conta o depoimento dos manifestantes”, diz a advogada Yelena Galindo.
Delegado bolsonarista Edinaldo Araújo
O delegado Gilmar Rodrigues recentemente foi afastado da Polícia Civil após um vídeo em que ele desprezava a pandemia do novo coronavírus circulou pela internet. No vídeo, ele estava com uma camisa com o símbolo da Polícia Civil e afirmava que “Covid é um caralho. Aqui é (apontando para uma lata de cachaça). Entendeu? Porra de Covid, véi. Curtir a vida, véi. Deixar ninguém fazer sua cabeça não”. Na época, ele era delegado em Vitória de Santo Antão”, na Zona da Mata. “(Vem) pra cá pra Vitória. Tomar cachaça, raparigar”, dizia o delegado na gravação, feita em um bar, com pessoas na mesa sem máscaras.
Após a divulgação do vídeo, em meados de março, o delegado foi afastado. Ele voltou às atividades no começo deste mês. Mas enquanto aguardava a conclusão do processo administrativo instaurado pela corregedoria, ele foi promovido pelo secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua: desde o dia 5 de maio, ele é o chefe da 14ª Equipe da Central de Plantões da Capital (Ceplanc), no Recife.
Ele foi detido por desacato, desobediência e dano ao patrimônio público. Os policiais militares o acusam de atirar pedras contra uma viatura. “Está tudo muito confuso. Ainda nem tivemos acesso a ele, não conseguimos ainda conversar a sós”, disse a advogada Fernanda Borges, depois de mais de 2h na delegacia. O manifestante foi ouvido pelo delegado Edinaldo Araújo. “O delegado autuou ele por dano ao patrimônio. E aí numa jogada para criminalizar mesmo foi colocado dano ao patrimônio com a qualificadora de dano ao patrimônio público. Que faz com que não possa ser TCO. Foi um boletim de ocorrência mesmo e ele vai fica em liberdade, porque pagou fiança, mas vai responder a um processo criminal mais à frente”, detalhou a advogada Fernanda Borges.
A vereadora Dani Portela (Psol) foi uma das primeiras a chegar à Central de Flagrantes. Ela reforça que nenhum dos detidos faz parte de nenhum movimento. “Foram pessoas escolhidas aleatoriamente”, diz.
Dani Portela conta que a ação truculenta da Polícia Militar pegou a todos de surpresa. “É bem surpreendente a desproporcionalidade do que está acontecendo. Os vídeos e as imagens aéreas comprovam que foi uma manifestação distanciada, em fila, respeitando as medidas de prevenção à covid. Uma manifestação que tinha dois motes. Houve uma emboscada. A manifestação seguia tranquila quando chegou na ponte e os policiais já esperavam com balas de borracha. De quem partiu a ordem para os policias agirem dessa forma? A Polícia Militar agiu sozinha? Fomos tentar diálogo e não fomos ouvidas”, conta Dani Portela.
Ministérios Públicos
Em nota, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) afirmou que, por meio das Promotorias de Justiça da capital, “adotará as providências cabíveis para apurar os fatos ocorridos e adotará as devidas medidas na esfera de suas atribuições, contando com todo apoio da Procuradoria Geral de Justiça”.
O Ministério Público ressaltou, na nota, que repugna “qualquer ato de violência contra manifestações democráticas e não admite qualquer atitude arbitrária dos agentes públicos responsáveis pela garantia da segurança do povo pernambucano”. Também deixou os canais da ouvidoria abertos para que quiser denunciar quaisquer abusos ou excessos. As denúncias podem ser feitas aqui.
O Ministério Público Federal também emitiu nota sobre a truculência da PM. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Pernambuco (PRDC/PE), órgão do Ministério Público Federal (MPF) ao qual incumbe o monitoramento e apuração de violações de direitos humanos, afirmou que as imagens divulgadas ao longo do dia indicam “uso desproporcional da força por agentes do Estado, inclusive com cacetetes, gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de borracha”.
Manifestantes realizaram, neste sábado (29), no Recife, um ato contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pedindo a aceleração de medidas de prevenção à Covid-19, como a campanha de vacinação e auxílio emergencial de, ao menos, R$ 600.
Durante o ato, a Polícia Militar atirou balas de borracha e gás lacrimogênio contra os participantes. A manifestação terminou por volta das 13h.
O protesto é parte de uma ação nacional, realizada em diversas cidades do Brasil. Com faixas e cartazes contrários ao presidente, eles cantaram e gritaram palavras de ordem.
O grupo de pessoas se reuniu na Praça do Derby, no centro do Recife. Eles seguiram em caminhada para a Avenida Conde da Boa Vista, na mesma região. A via foi interditada nos dois sentidos.
Por volta das 11h30, a manifestação chegou à Ponte Duarte Coelho. No local, a Polícia Militar começou a dispersar os manifestantes.Bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha foram atiradas contra os participantes do ato. Vídeos mostram as pessoas correndo após a chegada dos PMs e as bombas de gás sendo jogadas. A confusão ocorreu, também, na Rua da Aurora.
Repúdio à ação da PM
A Câmara Municipal do Recife divulgou uma nota de repúdio à ação da Polícia Militar durante o protesto. "Uma das vítimas destes atos foi a vereadora Liana Cirne (PT), covardemente atingida nos olhos com spray de pimenta, quando tentava dialogar com policiais militares na Ponte Santa Isabel", afirma a nota.
O presidente da Câmara, Romerinho Jatobá (PSB), afirmou que espera do governo do estado "uma apuração rígida sobre os responsáveis por estas ações" e que "a democracia é um patrimônio do povo brasileiro, que precisa ser respeitado e resguardado por todos nós".
A Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB) também divulgou uma nota de repúdio à ação da polícia, e disse que “vem a público exigir uma apuração rigorosa por parte do governo do estado de Pernambuco e punição dos responsáveis pela atuação da Polícia Militar durante toda a manifestação ocorrida neste sábado”.
“Imagens reportam uma repressão absolutamente desproporcional por parte da PMPE, com uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta, contra grupos que realizavam o ato na área central da cidade”, afirmou.
A OAB de Pernambuco também disse que “condena e repudia a covarde agressão sofrida pela advogada e vereadora do Recife Liane Cirne por parte de um policial militar até o momento ainda não identificado”.
A agressão foi filmada e, segundo a OAB, “as imagens demonstram que a atitude do policial não guarda amparo em qualquer regra ou protocolo sobre o uso legítimo da força. Muito pelo contrário. Tais imagens ressaltam uma agressão gratuita e covarde a uma mulher pública no exercício de um ato de cidadania, que não praticava qualquer atitude ao ponto de colocar em risco a integridade do militar”.
Por fim, a OAB de Pernambuco, por meio da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Defesa e Assistência às Prerrogativas Profissionais, “irá levar o caso aos órgãos competentes e estará à disposição para prestar assistência no caso”.
Mídia NINJA
Cenas fortes da reação violenta da policia pernambucana em Recife contra um ato pacífico. Genocidas não passarão! Fotos: Hugo Muniz #29MForaBolsonaro
A chacina de Jacarezinho aconteceu no dia seguinte à agenda que reuniu o governador, o comandante do Gabinete de Segurança Institucional, Marcelo Bertolucci e o presidente Jair Bolsonaro.
"O Rio de Janeiro vive uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade", escrevem Bernardo Cotrim, jornalista, e Noemi Andrade, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ e da CUT-RJ, em artigo publicado por Rede Brasil Atual:
A favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, amanheceu ao som de helicópteros e tiros. A restrição explícita que vigora desde junho de 2020, quando o STF suspendeu operações policiais em favelas (salvo hipóteses absolutamente excepcionais, e com obrigação de comunicar o Ministério Público), foi aparentemente driblada pela PolíciaCivil, já que a comunicação ao Ministério Público do Rio de Janeiro aconteceu horas depois do início da ação. A Operação Exceptis, que investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, mobilizou enorme contingente policial para a favela. O saldo da barbárie é, até agora, de 25 mortes na chacina do Jacarezinho, configurando a mais sangrenta operação policial já realizada no estado. Entre as vítimasfatais, um policial e “vinte e quatro suspeitos”. A polícia, no entanto, não informou as identidades nem as circunstâncias em que foram mortos.
Os relatos dos moradores e as cenas que circulam pela rede falam por si: dois passageiros foram atingidos no metrô, na altura da estação de Triagem; uma gestante, com parto marcado, foi impedida de sair de casa; uma noiva perdeu o próprio casamento. Em frente a unidade básica de saúde de Manguinhos, uma fila de pessoas que aguardava a vacinação contra covid-19 correu a procura de abrigo depois que a unidade de saúde teve a abertura inviabilizada pela operação.
Famílias inteiras trancadas em casa, intoxicadas pelo gás das bombas atiradas pela polícia, enquanto um rio de sangue corria pela favela. Mortos com marcas de tiros nas costas, um salão de beleza destruído pela polícia na perseguição e execução de um suspeito. Uma pessoa já baleada deitada no chão, sem oferecer risco, foi assassinada com mais quatro tiros. No registro mais impactante, o corpo de uma vítima foi colocado sentado em uma cadeira com o dedo na boca. Barbárie.
Na entrevista coletiva, realizada ao final da operação, faltou explicação nas declarações do delegado Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, mas sobraram autoelogios e verborragia ideológica reacionária, com a complacência grotesca dos presentes. “Não estamos comemorando, mas tiramos vários criminosos de circulação”; “a polícia sempre se fará presente para defender a sociedade de bem”; “o ativismo judicial prejudica a ação policial e fortalece o tráfico”; “a Polícia Civil não irá se furtar a garantir o direito de ir e vir da sociedade de bem” foram algumas das pérolas proferidas pelo comandante da PolíciaCivil, entremeadas com críticas aos “pseudoespecialistas em segurança pública” e bravatas diversas contra “ativistas e ONGs”, chegando ao cúmulo de responsabilizar estes setores pela morte do policial civil na operação.
A entrevista foi encerrada abruptamente com um seco “o combinado não sai caro” proferido pelo delegado no momento em que acabaram as perguntas dos repórteres de programas sensacionalistas e jornalistas de outros veículos se preparavam para apresentar suas questões.
A falência da política de guerra às drogas não é novidade. Em vigor no estado há décadas, sem interrupção, não há sinal de enfraquecimento do poder do tráfico. Assusta, no entanto, a banalidade da violência: uma operação contra a cooptação de crianças e adolescentes pelo tráfico, organizada para cumprir 21 mandados de prisão, invadiu a favela com blindados e helicópteros e deixou um rastro de 25 mortos. Mandados cumpridos? Apenas seis. Mas, na opinião da Polícia Civil, a operação foi “um sucesso”, e lamenta-se apenas a morte do policial. O restante, “24 vagabundos”, são vidas descartáveis, em um conceito elástico que incorpora cada vez parcelas maiores da juventude negra e favelada nos seus limites.
O relatório final da CPI realizada no Senado, em 2016, atesta o massacre de jovens negros em curso no Brasil. Segundo o texto, “a quantidade de jovens mortos no Brasil é um problema social que demanda a adoção de providências urgentes, profundas e multidimensionais. Além disso, também se concluiu que o Estado brasileiro precisa se debruçar mais atentamente sobre o racismo existente de maneira estrutural nas políticas públicas de modo geral. Se nada for feito, nossos jovens, sobretudo a nossa juventude negra, continuarão sendo mortos precocemente, deixando famílias desprovidas de seus filhos e o Brasil privado de toda uma geração de crianças e adolescentes”.
De lá pra cá, o problema se agravou. A ascensão da extrema direita, com a vitória de Bolsonaro para a presidência, e de Wilson Witzel para governador do Rio de Janeiro, endossou a barbárie e promoveu, na prática, uma licença para matar: Em 2019, foram 1.814 mortos pela polícia fluminense; destes, 86% são negros.
A alta de mortes continuou durante a pandemia, motivando a proibição de operações policiais pelo STF. Mesmo assim, em outubro de 2020, houve um aumento de 415% de mortes, obrigando o Supremo a cobrar explicações do governador em exercício (com o afastamento de Witzel), Claudio Castro.
Agora governador em definitivo, com a conclusão do impeachment de Witzel, Claudio Castro mostra seu cartão de visitas. A operação no Jacarezinho aconteceu no dia seguinte à agenda que reuniu o governador, o comandante do Gabinete de Segurança Institucional, Marcelo Bertolucci e o presidente Jair Bolsonaro. O alinhamento absoluto entre governador e presidente promete novos atos de delinquência. E a ação de hoje, que registra o maior número de mortos em uma única operação no RJ, poderá durar pouco tempo no topo do ranking da morte.
O Rio de Janeiro vive uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade. Escolher entre a vida e a morte tornou-se um imperativo, ou o ciclo de violência continuará alimentando o tráfico, as milícias e aqueles que lucram com os corpos empilhados, ao passo em que uma parcela expressiva da população, não obstante a convivência forçada com a negação de direitos, engrossa a macabra estatística da negação da vida.