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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Set23

Documentário: ”Vozes do silêncio. Nem perdão nem esquecimento”. Assista, legenda em português

Talis Andrade

 

Jair de Souza traduziu e legendou o documentário ”Vozes do silêncio: Nem perdão, nem silêncio”, da RT. A legendas em português podem ser acionadas no canto inferior direito, em configurações.

 

Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento

por Jair de Souza

VioMundo

- - -

Estamos chegando ao dia 11 de setembro.

Para os mais jovens, queria retroceder 50 anos na história, pois exatamente neste mesmo dia no ano de 1973, a América Latina e o mundo sofreram um dos mais destruidores golpes de parte das forças mais retrógradas, mais anti-humanas, mais pró-imperialistas que a humanidade já tinha tido o horror de conhecer: o golpe militar comandado por Augusto Pinochet que derrubou o governo socialista de Salvador Allende no Chile.

Foi o marco de uma nova etapa da monstruosidade do grande capital no intuito de extirpar pela raiz toda e qualquer ameaça proveniente das maiorias populares que pudesse ameaçar os privilégios das classes dominantes.

Foi a primeira iniciativa orquestrada pelas instituições capitalistas a nível planetário de implantar o neoliberalismo de maneira organizada e permanente.

Depois de muitos anos de sofrimento e luta, o povo chileno ainda está engajado numa luta ferrenha na busca de sanar as mazelas que os anos de ditadura cravaram em sua sociedade.

Como lição muito importante, precisamos entender que os efeitos nocivos deixados pela passagem de um governo deste tipo não se limitam aos anos em que essas forças permanecem visivelmente no comando do aparelho de Estado.

Até hoje, as maiorias populares do Chile estão padecendo as agruras surgidas com a tomada de poder pelos militares em 1973.

As forças democráticas chilenas estão empenhadas na luta para que os crimes cometidos por essa ditadura não venham a ser esquecidos e, muito menos, os criminosos perdoados.

Esquecer e perdoar fatos e criminosos que tantas desgraças causaram significa abrir a porta para a repetição dos mesmos.

Para nós brasileiros o documentário acima, Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento,  tem um valor adicional, pois ele nos remete à nossa própria realidade e aos nossos embates com as forças do bolsonarismo. Conforme os próprios próceres bolsonaristas deixam patente, o modelo pinochetista lhes serviu de inspiração em nosso país.

Em outras palavras, o pinochetismo é a fonte de inspiração para o bolsonarismo.

Assim, entender bem o que está por trás do pinochetismo nos leva a compreender melhor nossa própria realidade.

No documentário Vozes do silêncio: Nem perdão, nem esquecimento vamos observar que as classes dominantes recorrem a forças de extrema direita do tipo do pinochetismo e do bolsonarismo naquelas fases da história em que eles sentem que as estruturas de dominação tradicionais já não estão dando conta de manter os movimentos populares subjugados.

O pinochetismo não vacilou em matar para se fazer impor, assim como o nazismo também não.

E, devemos ter clareza, o bolsonarismo é fruto da mesma árvore. Em outras palavras, tanto o pinochetismo como o bolsonarismo se inspiraram sempre em seus antecessores da Alemanha hitlerista.

Neste muro, está escrito: ‘Mesmo que os passos toquem este local por mil anos, não vão apagar o sangue dos que aqui caíram’. Entre eles, o do compositor, músico e ativista político chileno Victor Jara, que aí foi fuzilado, em 16 de setembro de 1973. Fotos: Reprodução de imagem do documentário ”Vozes do silêncio” e Wikipedia

 

Muitos argumentam que não é correto equiparar bolsonarismo e pinochetismo com o nazismo, o qual teve seus campos de concentração e suas câmaras de gás. O que podemos responder quanto a isto é que se o bolsonarismo não chegou a tanto foi porque não encontrou condições para ali chegar.

Não há limites de tipo humanitário para as tropas de choque do grande capital.

Aqueles que diante da morte de mais de 700.000 pessoas não se sentem perturbados já que não são coveiros não teriam nenhuma reticência em aplicar métodos similares de extermínio aos de seus inspiradores germânicos. Não tenhamos dúvidas disso.

Espero que aproveitemos a comemoração (comemorar não é celebrar) deste novo aniversário da tragédia chilena para estudar e tirar lições desse acontecimento.

Foi com este espírito que me dediquei a traduzir e legendar este vídeo-documentário, que considero uma das peças mais bem-feitas para retratar em pouco tempo o significado daquele trágico acontecimento.

31
Mar23

Manifestação por golpe militar é crime, mesmo desarmada

Talis Andrade

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Por Fernando Augusto Fernandes

 

A democracia fez o novo presidente da República eleito, Lula, por mais de 60 milhões de votos, derrotando Bolsonaro, que obteve pouco mais de 58 milhões de votos. Mas, terminada a eleição, se viu grupos nas ruas pedindo golpe militar.

Tratei, no artigo "Homicídio terrorista: assassinato por ódio de um integrante do PT", da necessidade de aperfeiçoamento da legislação de defesa do Estado democrático de Direito, para inclusão das motivações políticas. Continuo a defender a necessidade de modificação da lei.

Bolsonaro, no seu discurso irônico e perdedor, mantém esse movimento golpista ao assim se manifestar: "Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir…."

A Lei nº 14.197/21, inclusive aprovada por Bolsonaro, traz definição de crimes contra "o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, com emprego de violência ou grave ameaça" — é o que cita o Artigo 359-L, com pena de reclusão de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência. E o Artigo 359-M — tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído — prevê pena de reclusão, de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência [1].

Atos que não usam a violência, mas ameaçam a democracia com pedidos de uso de violência pelas Forças Armadas, também são crime.

Há previsão legal do crime de "incitação ao crime" do D.L. nº 2.848, e o parágrafo único dos Artigos 286 e 287, que prevê a criação de "animosidade entre as Forças Armadas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade", é bem claro e objetivo (2).

Essas "manifestações" se iniciaram bloqueando estradas em todo o país. As manifestações ofenderam o direito de ir de vir constitucionalmente, conforme o inciso XV do Artigo 5 — é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens [3].

Elas se desdobraram, após omissão e participação de agentes do Estado, em frente a quartéis do Exército. Apesar da garantia constitucional de livre reunião do Artigo 5 no termo XVI [4]. Também podemos incluir as práticas do Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, os Artigos 319 e 320. [5].

De toda forma, o Judiciário precisa ser instado a proibir tais manifestações, que desvirtuam a ordem constitucional. Evidente que elas não estão isentas de proibição, conforme cita o Artigo 5 nos termos constitucionais, XVIII, XIX e XXXV [6].

Para advogados que eventualmente postam, participam ou incentivam, tais atos devem ser punidos. É dever, pelo artigo 2º do Código de Ética: "V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis". O artigo 34 veda advogar contra literal disposição de lei (VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior) [7].

Aqueles advogados que se referem à decisão do STF no caso Lula — que anulou seus processos — com deselegância e desrespeito, postando, falando em público descumprem o dever de zelar pela justiça (XIII - fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes). Acima de tudo, advogado que incentiva, participa ou divulga atos antidemocráticos mantém atividade incompatível com a advocacia (XXV - manter conduta incompatível com a advocacia).

O incentivo de golpe militar é crime, mesmo sendo desarmado! A tentativa é crime contra o estado democrático. A omissão de atitudes ou a participação prevaricação. Aos advogados, infração ética.

Todos que desrespeitam a constituição devem ser punidos. Se agentes públicos, demitidos ou exonerados. Os demais, impedidos de participar de concurso público. Os advogados, suspensos por processo ético na OAB. Não é possível deixar de aplicar as punições com as leis vigentes

_____________________________________

[1] https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.197-de-1-de-setembro-de-2021-342334198

[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

Incitação ao crime

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência);

Apologia de crime ou criminoso

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

[4] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: (Vide ADPF 881) Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.). Além indulgência criminosa em relação àquele superior hierárquico que não tomar providências quanto aos que praticarem crimes (Condescendência criminosa).

Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.)

[6] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[7] https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdf

12
Mar23

A morte da minha sogra, a ficha de vacinação de Bolsonaro e a LGPD

Talis Andrade
 
 
 
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Abstract: Por que as leis não devem ser lidas no seu contrário

 
 

Por Lenio Luiz Streck

 

  1. O espanto do professor

 

"Mas a lei serve para proteger maus cidadãos?", perguntou-me um professor europeu com quem tomei um café recentemente. Ele me dizia que estava surpreso com a interpretação à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil). Tudo ficou proibido. Nada mais pode ser divulgado. Ora, se democracia é transparência... então, por que cada vez mais escondemos coisas?

"É pior", respondi. "A LGPD é usada para subverter a cidadania."

 

  1. A morte da minha sogra e a LGPD

Minha sogra estava morrendo (de fato, faleceu horas depois). Minha esposa ligou para o hospital. Queria saber do estado de saúde da... mãe dela. Deu até o número do plano de saúde. Resposta do hospital: com base na LGPD, não podemos dar nenhuma informação. E seguiram-se outras pérolas. Pronto.

Minutos depois, Dona Lúcia faleceu.

Sigo. Participei de uma chapa para concorrer à eleição para o conselho de clube. Minha chapa pediu a lista de e-mails ou contatos dos eleitores (sócios). Resposta: impossível. Quantos eleitores são, afinal? "Não podemos responder." Nenhuma informação pode ser dada. Fundamento: LGPD.

Afinal, essa lei veio para proteger a quem e de quem? O Google tem todas nossas informações e dados. Porém, a nossa LGPD não dá nem informação da mãe moribunda.

 

  1. O sigilo de cem anos e os segredos da República

Agora, recentemente, a grande polêmica: a mistura do sigilo em documentos com a LGPD.

Pode-se ou não retirar o sigilo de cem anos da ficha de vacinação do ex-presidente Bolsonaro? E o que isso teria a ver com a LGPD?

Uma coisa nada tem a ver com a outra. Mas já está misturada. Sem chance de desmisturar. O caso dos "sigilos" do governo Bolsonaro: não fosse um dado de interesse público, o ex-presidente é suspeito de ter faltado com a verdade sobre o assunto. Consequências: a (des)confiança da população em plena pandemia. Sabem o que é isto — uma pandemia?

Aí entra a LGPD para proteger dados. Quais dados? Deve proteger inclusive se o deputado ou governador ou autoridade foram às três da tarde em um motel? Isso pode ferir a privacidade do gajo? Logo vão dizer que a declaração de bens de candidatos antes da eleição fere a intimidade. Só falta isso.

Afinal, essa lei protege a quem?

A divulgação do cartão de vacinação de Bolsonaro constituiria uma violação à lei? Por quê?

Bom, não sei o que o governo fará. O que estou dizendo aqui tem o condão de fazer uma crítica geral a algumas interpretações da LGPD. E fugir da vinculação "sigilos governamentais e proteção da LGPD".

Melhor dizendo, aliás: o assunto é a ilegalidade legal(izada). O assunto é o que queremos do direito — e de como ele pode servir para tudo nas mãos de uma má dogmática.

 

  1. Um habeas data preventivo? Interessante: temos o habeas data e veio a LGPD que vai na contramão da própria Constituição

A coluna de hoje, pois, é uma convocação ao debate à comunidade jurídica — e é também uma espécie de habeas data preventivo da cidadania, digamos assim.

Ao trabalho.

Ao que vejo das notícias, o Ministério da Saúde recuou em posicionamento usado para vetar o acesso ao cartão de vacinação de Jair Bolsonaro. A Folha de S.Paulo revelou alegação da pasta, em resposta a pedido via Lei de Acesso à Informação feito pela reportagem, que a liberação da ficha de vacinação poderia violar a Lei Geral de Proteção de Dados, um argumento já rejeitado pela CGU (que bom!). Claro que pipocaram os argumentos do garantismo-bolsonarista — que paradoxo, pois não? — "puxando" a LGPD para dizer que não se poderia ter o acesso.

Um parêntesis: a ausência de comprovação de vacinação — ou seja, a exposição do comprovante de vacinação — foi, durante a pandemia, reconhecido como motivo de demissão por justa causa, chancelado pro vários tribunais do Brasil. Isso é pouco? O trabalhador foi obrigado a comprovar a vacinação, e a LGPD não foi invocada. Bingo! Agora, cá entre nós, descobrimos que um agora-ex-chefe de Estado não pode ter seu "dado sensível" exposto?

Eis que o debate é importante, portanto: para desmistificar interpretações equivocadas que surgem do próprio governo atual — que, ainda que haja o reposicionamento posterior, chegou a ventilar esse argumento (anti)jurídico para vetar acesso. Só por pensar assim já me preocupou.

 

  1. A LGPD deve proteger a transparência e não os segredos

Uma lei como a LGPD é uma lei da cidadania, para e pelo cidadão. É para se proteger das autoridades e não para as proteger em assuntos digamos assim, delicados e sensíveis.

Minha tese, aqui, é uma ideia liberal no melhor dos sentidos da palavra: uma proteção dos dados e da privacidade do indivíduo em face do Leviatã. Um antídoto contra a bota do Grande Irmão. Salutar. Necessário. Precisamos de um país onde os liberais sejam liberais, mesmo.

Como sempre, porém... surgem problemas. Trata-se de "problemas de epistemologia jurídica". Também isso é estrutural, para usar a palavra da moda, se me permitem.

Pergunta de um século: a Lei serve para que o (ex-)presidente da República — que, até segunda ordem, é para ser uma... República — dê a ela o sentido que quer e coloque sigilo de cem anos naquilo que quer?

Qual é o paradoxo elementar? Uma lei cujo princípio é a cidadania não pode ser uma trambicagem com a cidadania. Eis o busílis. Reivindicar uma lei cidadã para atos antirrepublicanos é fazer como o juiz que, diante de uma proibição de cães na plataforma, proíbe o cão-guia e libera o urso.

Dworkin já mostrou isso na sua discussão do já tão repetido, famoso, Riggs v. Palmer. O neto mata o avô para ficar com a herança porque não havia nenhum texto de lei que o deserdasse. O que foi sacralizado na decisão da Corte de Apelações? Que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza. E isso não era um juízo moral à parte e ad hoc: era uma leitura da moralidade institucionalizada que é o direito.

Institucionalidade. Esse é o ponto. Usar a lei para contrariar interesse público do cidadão é institucionalizar um literalismo suicida, que usa o direito contra o próprio direito.

Veja-se: o fato de o ex-presidente ter se vacinado ou não é menos importante do que o segredo do seu cartão de vacina. Tenho o direito fundamental de saber se o presidente da República de um país de 220 milhões de habitantes negou ou não negou a ciência. Esse é o busílis.

 

  1. A crise da dogmática e a dogmática da crise

Esse é o problema do criterialismo[1] da dogmática jurídica — assunto que a própria dogmática jurídica evita (ou não domina) — que se empresta a esse tipo de interpretação. O criterialismo alça a dogmática a um patamar acima da lei. Um parêntesis: um dos modos de escamotear a lei é criar "critérios" como "fraco, regular ou forte". Tão artificial e discricionário quanto dizer “dou às palavras da lei o sentido que quero”. E quando vem acompanhada da communis opinio doctorum, então, quem vai duvidar? Arbitrariamente, criam os próprios critérios ab ovo para justificar qualquer coisa, exatamente porque não se tem um padrão principiológico que fique claro. A regra pela regra. Que pode assim atentar contra a natureza da própria regra. Exemplo interessante de criterialismo é o conceito de precedente no Brasil. Talvez o mais contundente.[2]

E sigo. Vendo algumas invocações da LGPD, fico com a nítida impressão de que se institucionalizou o hermeneuticum venire contra factum proprium. Ora, não é a própria dogmática que tanto falou em coisas como "princípio da boa-fé"? E do princípio da transparência? E o da publicidade? Pois é. Estou invocando, aqui, de boa-fé, a boa-fé do cidadão contra a presumível má-fé do mais forte, o Estado (história já contada na Oresteia, de Ésquilo).

Faço aqui um chamado aos garantistas. Que a legalidade seja uma legalidade constitucional, como deve ser e não uma legalidade ad hoc. O criterialismo serve para isso.

Que a lei seja interpretada no espírito (no sentido hermenêutico) que tem a lei. Ora, quando peço que alguém ensine jogos a meus netinhos (o exemplo é Lon Fuller comentando Wittgenstein), não preciso colocar um letreiro luminoso na Dacha dizendo que "não se pode ensinar jogos inapropriados para crianças". A intersubjetividade constrange. Ou deveria constranger.

Mas a dogmática frágil — no interior da qual precedentes são o que cada um diz que é e onde a lei tem os sentidos criteriais atribuídos ad hoc — consegue, a partir da lei, construir a sua própria ilegalidade.

Post scriptum. Ainda posso trazer uma outra inquietação à mesa. Dizem que há "cautela" na divulgação dos dados para checar a veracidade. Não discordo disso! Por óbvio.

Pergunto, todavia: também não é direito do cidadão, desde sempre, saber se Bolsonaro adulterou o cartão de vacinação? Ou, que, sem adulteração, tenha se vacinado enquanto dizia não ter se vacinado? Isso é pouco?

O cidadão não tem apenas direito de acesso à informação: tem também o direito fundamental de saber por que esse acesso é restringido quando é. Precisamos de explicações e de meta explicações, se me permitem.

Explicação da explicação. Porque não é possível isso. Não numa república.

- - -

[1] Tenho a impressão — e posso estar equivocado — que levará anos até que parcela expressiva da dogmática jurídica brasileira descubra o seu próprio calcanhar de Aquiles. Até lá gastaremos muito tempo, papel e dinheiro instrumentalizando o Direito em teses e dissertações que apenas agravam o problema.

[2] O criterialismo domina a dogmática. É, assim, um (ou o principal) problema do positivismo pós-hartiano. Porque o positivismo — e aqui está o busílis — ainda que não se saiba (ou se reconheça) positivismo, trata todos os conceitos jurídicos como se fossem criteriais, isto é, como se tivessem seus significados previamente fixados por critérios de convenção semântica. Com todo o respeito acadêmico, permito-me dizer que, sem compreender esse fenômeno, o Direito andará em círculos. Inclusive a autodenominada crítica jurídica anda em círculos e, nos momentos de "teses limites", não se entende. Dworkin critica veementemente o semantic sting (o ferrão semântico). Desse modo é que a dogmática jurídica trata um fenômeno interpretativo: como se fosse criterial. Isso é convencionalismo hardcore, diria Dworkin. Respostas antes das perguntas.

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28
Out22

Na pandemia, ex-gestora de Paulo Guedes investiu no maior grupo de funerárias do País

Talis Andrade

Foto: Reuters/Bruno Kelly

Credit. Foto: Reuters/Bruno Kelly
 

Ex-empresa de Paulo Guedes começou a investir no chamado ‘mercado da morte’ quando o país alcançava a marca de 120 mil mortes por covid

 

 

Por INFORME JB com Mídia Ninja

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No momento em que o país alcançava a marca de 120 mil mortes por covid-19, em agosto de 2020, o maior grupo de funerárias do Brasil, o Grupo Zelo, especializado em “death care”, recebeu o investimento de R$ 350 milhões da Crescera Capital – antiga Bozano Investimentos, que tinha entre seus sócios o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na época, a Crescera Capital se tornou sua maior acionista deste fundo funerário para lucrar com as milhares de vítimas da pandemia do novo coronavírus, conforme reportagem do site Brazil Journal. Nesta terça-feira (25), o Brasil alcançou a marca de 687.710 mortes por covid-19.

Atualmente, o Grupo Zelo Hoje possui 45 empresas, que vão de funerárias a cemitérios – inclusive o maior da capital mineira – passando por ‘velórios on-line’. (Com informações da Revista Fórum)

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Cérebro de Bolsonaro

27
Out22

Lula: "se Bolsonaro perder, tem que ficar quieto, não ficar criando confusão"

Talis Andrade

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"Eu acho que se ele perder, ele tem que ficar quieto, esperar e se preparar para disputar outra eleição, não ficar criando confusão no País", disse o ex-presidente

247 - O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou nesta quarta-feira (26) que Jair Bolsonaro (PL) tem de "ficar quieto" se perder o segundo turno das eleições no próximo domingo (30). "Eu acho que se ele perder, ele tem que ficar quieto, esperar e se preparar para disputar outra eleição, não ficar criando confusão no País",  disse o ex-presidente em entrevista ao ator Paulo Vieira. 

"Eu vou esquecer o processo eleitoral. Eu vou ser eleito para governar esse país por quatro anos. Quatro anos é curto para a gente fazer o que tem para fazer. Da minha parte é assim: eu quando perdia as eleições, eu voltava para casa para lamber as minhas feridas e esperar quatro anos. Eu espero, espero que o adversário, sabe, que eu acho que ele vai perder as eleições porque eu acho que vou ganhar", acrescentou. 

Também nesta quarta, o ex-presidente recebeu uma carta da Confederação Nacional dos Municípios e prometeu fazer um pacto com prefeitos caso seja eleito para o seu terceiro mandato no Palácio do Planalto. 

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