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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

06
Ago23

Bolsonaro retira direitos indígenas e homenageia ditadura

Talis Andrade

 

Para lideranças indígenas, o atual governo representa a maior ameaça desde a ditadura, como ouviu De Olho nos Ruralistas, em reportagem publicada em janeiro. Além de protagonizar medidas que ameaçam diretamente os direitos indígenas, o governo Bolsonaro divulgou, neste domingo (31), um vídeo em homenagem aos militares que protagonizaram o golpe de 1964. Segundo o apresentador, o Brasil, sem o golpe, teria sido tomado por comunistas – uma tese rejeitada por historiadores.

José Augusto Sampaio, da Anaí, diz que a principal diferença entre a atual conjuntura política e a de 55 anos atrás, em relação aos indígenas, é a construção de um movimento nacional. Por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), povos de todo o país se mobilizaram contra o governo Bolsonaro, em pelo menos duas datas este ano.

No dia 31 de janeiro de 2019, foram realizadas cerca de 50 manifestações pelo Brasil e pelo mundo em defesa dos direitos indígenas ameaçados pelo governo. E manifestações por todo o país contra a municipalização da saúde indígena conseguiram barrar a extinção da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), como anunciou ailton krenak

“Na década de 1980 uma movimentação indígena era muito embrionária”, avalia Sampaio. “A gente teve o Ailton Krenak com a atuação impressionante na Constituinte, por exemplo.” Ele considera que esse tempo “ficou para trás”. “Se hoje o Ministro da Saúde anuncia a intenção de fechar a Sesai temos uma reação imediata impressionante”, ponderou.

Em sua fala na mesa de 40 anos do CTI, Gilberto Vieira dos Santos, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), concordou que a atual estrutura do movimento indígena não é mais a mesma: “Há uma unidade supra étnica. O que eles chamam de ‘parentes’. Por isso, agora há uma possibilidade de reação muito mais forte do que na década de 1980, apesar de a resistência não ser de hoje.”

O evento foi concluído com um resumo de Gilberto Azanha, integrante do CTI. Na sua opinião, os povos indígenas no Brasil foram os “primeiros anticapitalistas possíveis”. Para ele, a atual oposição brasileira deve se espelhar nesses povos, como principal referência de resistência. “Estão há anos tentado desordenar o campo e não conseguiram. Quem está no poder agora também não vai conseguir.”

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29
Jul23

A morte lançada do céu

Talis Andrade
 

NO ATAQUE À ALDEIA DE BARÉ, NA DÉCADA DE 1970, O BANHO DE VENENO FOI SOBRE UMA MALOCA, ONDE OS INDÍGENAS SE REUNIAM EM DIA DE CELEBRAÇÃO. FOTO: RAPHAEL ALVES (01/12/2017)

 

Laudo obtido com exclusividade por SUMAÚMA mostra oito aldeias dizimadas por armas químicas nos anos 1970 para a construção da BR-174 (segunda parte)

 

 

(continuação) Diante do microfone e dos olhares dos militares, o indígena Baré Bornaldo relatou o ataque à aldeia So’o Mydy, que ocorreu entre o final de 1974 e o início de 1975. “Era dia de Maryba, a festa de iniciação do menino-guerreiro. Gente de outras aldeias foi participar”, contou. De repente e do alto, veio o ataque: “Era veneno. Jogaram em cima da maloca”. Bornaldo disse ainda que, ferido, viu um parente ter o pescoço cortado.

BARÉ BORNALDO (À ESQ.) AOS 11 ANOS, EM 1969. QUANDO A ALDEIA EM QUE VIVIA FOI ATACADA, ELE TINHA 14. FOTO: FUNAI. À DIREITA, O REGISTRO DE 1912 MOSTRA A REGIÃO ONDE HOJE FICA A TI WAIMIRI ATROARI. FOTO: ARQUIVO BRASILIANA FOTOGRÁFICA DIGITAL

 

No relato do indígena, o Exército espalhou o terror pela floresta. Eram tantas as vítimas e era tão grande o medo de novos ataques que os mortos não tiveram rituais fúnebres – para os Kinja, isso representa um severo risco de feitiço e outros infortúnios cosmológicos. Baré Bornaldo testemunhou que os parentes conseguiram cremar alguns corpos, mas a maioria foi deixada para trás. “Não tinha ninguém para cuidar dos corpos”, lamentou. Outro sobrevivente, Temehe Tomas, acrescentou que o medo de que os ataques fossem retomados era mais forte: “Abandonaram os corpos dos parentes – ficaram por lá mesmo”.

Manoel Paulino, que foi chefe de campo da Funai no período mais violento dos ataques, afirmou ter presenciado o próprio Exército cavar uma vala comum, com uma retroescavadeira, e enterrar as vítimas perto de um antigo posto da fundação, local onde hoje há uma aldeia. Os sobreviventes dos ataques não presenciaram os enterros porque foram obrigados a fugir. Paulino é uma testemunha-chave no processo.

Outra testemunha, essa ouvida pela perícia antropológica, relembrou, de outro ponto de vista, o que aconteceu na aldeia de Baré Bornaldo. Wamé Viana descreveu o voo de um avião jogando o que parecia ser água. Ele estava indo com outros parentes a uma festa na aldeia So’o Mydy, e quando chegaram já estavam todos mortos – todos, menos Bornaldo, então um adolescente. “Nós salvamos ele, no meio do povo morto. Chegamos dias depois. [Os corpos] Já estavam apodrecendo, urubu comendo. Quando chegamos, o tio pegou ele e levou pra salvar. Ele tinha uma febre forte”, disse Wamé. Bornaldo jamais esquecerá aqueles dias: “Quando a aldeia ficou bem quente, fiquei com febre muito alta. A maloca ficou aquecida. As folhas das árvores não caíram. Matou só as pessoas que estavam lá”. Então diz: “Morreu uma maloca inteira”.

 

‘Queimava tudo por dentro’

 

Os sintomas que os Kinja relataram após os ataques com armas químicas – calor, febre, enjoo, dor de cabeça e paralisia nos membros – são, “à primeira vista”, segundo o perito Dal Poz Neto, compatíveis com a patologia dos nerve agents, produtos que afetam o sistema nervoso central. O Exército é acusado de ter lançado sobre as aldeias uma ou mais armas químicas desse tipo. Os efeitos nas vítimas são quase imediatos: corrimento nasal, visão turva, sudorese excessiva, tosse, respiração rápida, confusão mental, dor de cabeça, perda de consciência, paralisia e insuficiência respiratória. E podem ser fatais. Entre os químicos desse tipo está o chamado gás VX. Desenvolvida na Inglaterra em 1952, essa substância, normalmente mantida em estado líquido, possui baixa volatilidade, propriedades adesivas e é inodora, afirma o laudo.

Um dos sobreviventes, não identificado, detalhou ao perito o que acontecia com as vítimas dos ataques aéreos do Exército: “Deixava a gente confuso. Atacava na aldeia, esquentava rápido. Poucos minutos, morria. Nós não conseguimos entender até agora que arma foi usada naquela época. Era assim: um índio ia caçar, ele sentia tipo uma flechada no corpo. Gritava e corria pra aldeia, já sentindo sintoma, aquecendo o corpo dele. Parecia que queimava tudo por dentro. Demorava um pouco, morria. Sentia calor muito intenso. Ficava deitado, gritando, molhando o corpo com água. Em pouco tempo, morria. Pra nós é difícil entender qual arma foi usada”.

Para os Kinja tratou-se de maxi, uma palavra de sua língua que originalmente quer dizer feitiço ou veneno. Por causa dos massacres da ditadura, ela ganhou novos significados. A substância malévola que os atacantes manipulavam, diz o laudo, “vem desde então adquirindo significados mais precisos, à medida que se ampliam os conhecimentos a respeito do aparato industrial e tecnológico à disposição da sociedade não-indígena”. Hoje, os indígenas usam o termo maxi também para designar agrotóxicos e poluentes, além de armas químicas e biológicas.

Há evidências de pelo menos oito operações coordenadas do Exército, com despejo de armas químicas seguido de invasão por terra. Após examinar a dinâmica desses ataques às aldeias, o perito judicial concluiu que tudo parece indicar uma “guerra de ocupação”, com a finalidade de expulsar os Kinja de seu território.

 

Assistente técnico da AGU trata indígenas como ‘testemunhas inidôneas’

 

Na audiência judicial na TI Waimiri Atroari, enquanto Baré Bornaldo narrava como todos ao seu redor foram mortos pelo que veio do céu, um homem branco, vestido com trajes civis e sentado na plateia, balançava a cabeça, demonstrando contrariedade. Tratava-se do coronel reformado Hiram Reis e Silva, um militar alinhado à ideologia anti-indígena das Forças Armadas. Estava ali porque havia sido indicado pelo Exército à Advocacia-Geral da União como “assistente técnico” da defesa no processo. Designado em janeiro de 2019, o primeiro ano do governo do extremista de direita e capitão reformado Jair Bolsonaro, ele tinha como papel acompanhar a elaboração da perícia antropológica.

Apesar de Lula ter tomado posse em janeiro deste ano como presidente, até o fechamento desta reportagem o coronel reformado Reis e Silva seguia como representante do governo federal no processo. Após questionamentos de SUMAÚMA, a AGU passou a buscar um acordo com o MPF. Mas não pediu formalmente a retirada de Reis e Silva do caso.

O coronel reformado serviu no Batalhão de Engenharia de Construção do Exército na Amazônia, responsável por parte da obra da BR-174. Não durante o período dos ataques, contudo, mas mais de cinco anos depois, entre 1982 e 1983 . O militar de 72 anos também foi professor de matemática no Colégio Militar de Porto Alegre e diz ser presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (Sambras), uma ONG cujo CNPJ está registrado em nome da ambientalista gaúcha Hilda Wrasse Zimmermann, morta em 2012. Desde 2018, a Sambras é considerada inapta pela Receita Federal, por falta de documentação. O site da organização já não está no ar.

 

O MILITAR REFORMADO HIRAM REIS E SILVA, QUE FOI INDICADO PARA SER ASSISTENTE TÉCNICO DA DEFESA NO PROCESSO JUDICIAL, TEM ASSUMIDA POSTURA ANTI-INDÍGENA E DE OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA. FOTO: OMAR FREITAS/AGÊNCIA RBS (29/05/2015)

 

Foi graças a uma parceria entre o Colégio Militar e a Sambras que Reis e Silva diz ter percorrido, num caiaque, rios da bacia amazônica entre as cidades de Tabatinga, no Amazonas, e Belém, no Pará, durante os anos de 2008 e 2009. A partir de suas viagens pela Amazônia, o coronel escreveu vários livros, publicados por ele mesmo na internet. Em um deles, intitulado Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Branco Tomo III, afirma, a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em março de 2009: “A decisão [da demarcação] tem apenas um triste e melancólico significado – colocar a soberania brasileira em cheque (sic). O território pertence agora a uma ‘nação indígena’ e nela não poderão viver ou sequer transitar os chamados ‘não índios’, porque os facínoras do Conselho Indigenista de Roraima não os reconhecem como irmãos brasileiros”.

A julgar pelo que publica no Facebook, Reis e Silva é um bolsonarista típico. Espalha memes que sugerem o desejo de atropelar Lula e os ministros do Supremo Tribunal Federal, vídeos com mensagens para “caso algum petista filho da puta alienado vier falar merda” e notícias tendenciosas segundo as quais “se o marco temporal [para a demarcação de terras indígenas, pauta cara aos ruralistas] cair, será o fim da propriedade privada”.

Se, na audiência na Terra Indígena Waimiri Atroari, o coronel reformado demonstrou sua contrariedade com o testemunho dos Kinja sobreviventes, dias depois tornou sua posição ainda mais explícita. Em documento disponível na internet, datado de março de 2019 e intitulado “Circo de Horrores”, ele afirma que a ação movida pelo MPF é “carregada de um viés puramente ideológico, baseado no testemunho de indivíduos inidôneos sem que sejam apresentadas quaisquer tipos de provas contundentes”. Além dos relatos dos anciões Kinja, a ação do MPF se baseia em testemunhos de indigenistas e antropólogos respeitados, entre eles Stephen Baines, atualmente professor da Universidade de Brasília, e Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

A atitude de Reis e Silva na audiência levou os Waimiri Atroari a pedirem – com sucesso – que ele fosse proibido de entrar em seu território para acompanhar o perito judicial. “As lideranças e demais membros da etnia presentes ao ato, muito observadores que são, perceberam o comportamento de expressão negativa do coronel Reis e Silva, fato que lhes deixou muito insatisfeitos”, afirma a petição dos advogados da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), apresentada à Justiça Federal do Amazonas em julho de 2022. “Os Kinja se sentiram tachados de mentirosos, o que para eles é muito grave, pois na cultura Kinja a mentira é algo impensável e rechaçada veementemente!”, prossegue a petição.

E então conclui: “[Os indígenas] não admitem que adentre em sua terra uma pessoa que se postou corporalmente de forma negativa quando um Guerreiro Kinja, ancião, prestava seu depoimento sob compromisso de verdade e que depois, ao falar com a imprensa, deu a entender que todos os depoimentos dados pelos Kinja não seriam verdadeiros”. O documento se refere a uma entrevista que Reis e Silva deu à agência de notícias Associated Press logo após a audiência, em que afirmava que teria “outra versão dos fatos”.

Diante do inconformismo dos Kinja, AGU e MPF cederam e, num acordo referendado por Raffaela Cássia de Souza, juíza substituta da 3a Vara Federal do Amazonas em julho de 2022, as duas instituições abriram mão de ter seus assistentes técnicos acompanhando a perícia.

Ao longo de mais de 40 dias, SUMAÚMA tentou de várias formas entrevistar Reis e Silva. Ele não respondeu ao e-mail enviado a um endereço disponível na internet nem às mensagens a seus perfis no Facebook. O Colégio Militar de Porto Alegre, onde o coronel aposentado deu aulas, se recusou a fornecer seu telefone. A pedido do setor de Comunicação Social, SUMAÚMA enviou então um e-mail à instituição, explicando do que tratava a reportagem e solicitando um contato com o coronel. O colégio disse não ter os contatos do ex-professor. Também foi enviado um e-mail a um endereço publicado na internet e mensagens a um telefone celular, ambos identificados como sendo da esposa de Reis e Silva. Não houve resposta.

Segundo a AGU, a indicação do coronel para acompanhar o caso — feita pelo Exército e aceita pela agência — “levou em consideração a dificuldade verificada para encontrar outros profissionais com conhecimento acerca do caso e capacidade de apresentar esclarecimentos úteis à solução da controvérsia, em especial em virtude do tempo transcorrido desde os fatos discutidos nos autos”.

O Exército, por sua vez, afirmou, em nota a SUMAÚMA, que havia indicado Reis e Silva “em função de sua capacitação técnica e experiência profissional, como engenheiro militar e conhecedor da região”, que desconhece “qualquer fato ou conduta do assistente técnico no sentido de desrespeitar indígenas durante audiência realizada em 2019” e que “o respeito aos povos originários está incorporado na cultura institucional do Exército desde sua gênese”.

SUMAÚMA solicitou ao Exército, usando a Lei de Acesso à Informação, cópia da documentação em que a nomeação de Reis e Silva foi definida. A resposta foi negativa: “Tais documentações dizem respeito ao sigilo profissional cliente-advogado, referem-se à estratégia processual e não poderão ser divulgadas” (continua)

29
Jul23

AGU de Lula busca ‘solução conciliatória’ para o genocídio dos Waimiri Atroari na ditadura

Talis Andrade

INDÍGENAS DA TI WAIMIRI ATROARI SE REUNIRAM EM 2022 PARA REMEMORAR O GENOCÍDIO OCORRIDO QUASE 50 ANOS ANTES, QUANDO O EXÉRCITO DIZIMOU ALDEIAS COM PULVERIZAÇÃO DE ARMAS QUÍMICAS. ‘QUEIMAVA TUDO POR DENTRO’, DIZEM OS SOBREVIVENTES. PROCESSO MOVIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO PEDE QUE GOVERNO PAGUE 50 MILHÕES DE REAIS EM INDENIZAÇÃO PELO ATAQUE ÀS ALDEIAS DURANTE A DITADURA. NA IMAGEM DE 26 DE FEVEREIRO DE 2018 INDÍGENAS RECEBEM COMITIVA DA JUSTIÇA ITINERANTE. FOTO: RAPHAEL ALVES

 

28
Jul23

TSE proíbe saber da ‘experiência específica’ de ‘comer índio’

Talis Andrade

por Fernando Brito

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O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) proibiu a veiculação, na TV e nas redes sociais do trecho da entrevista de Jair Bolsonaro ao The New York Times em que e ele diz que, para saciar a sua curiosidade de ver um índio (ser humano, portanto) ser cozido, embora não o tenha feito porque seus companheiros de viagem (que ele chama de “comitiva”) recusaram-se pois, do contrário “comeria o índio, sem problema nenhum”.

Diz ele que “a reportagem se refere a uma experiência específica dentro de uma comunidade indígena, vivida de acordo com os valores e moralidade vigentes nessa sociedade”.

“Experiência específica”, ministro? Acaso estava Jair Bolsonaro perdido na selva e vivendo dentro de um comunidade indígena e, portanto, sendo levado, a partilhar “os valores e moralidade vigentes nessa sociedade”?

“Eu queria ver o índio sendo cozinhado”, a frase dita por Bolsonaro, não tem a ver com partilhar a cultura indígena, mas com a curiosidade mórbida do então deputado.

O vídeo não associa Bolsonaro à admissão da antropofagia, é o próprio ex-capitão quem o faz e com o objetivo nítido de arrogar-se “valentão”, alguém que “não corre da raia”.

Se é admissível ter “uma experiência específica” de ver uma pessoa sendo cozida e provar de sua carne, será legítimo, por exemplo, montar excursões para assistir isso? Quem sabe para dizer que estaria compartilhando “os valores e moralidade vigentes” de sociedades ancestrais?

Ou admitir que se fizessem tours à Arábia Saudita para assistir decapitações ou ao Ísis, para assistir degolas e até experimentar como seria fazer isso?

E pior, dizer que não se pode falar que alguém desejou participar desta “experiência específica”, ainda mais alguém que é e pretende ser, por mais quatro (e sabemos, ainda por muitos mais) o dirigente máximo do país.

Vamos falar sério: o ministro proibiu a exibição da gravação – e não duvido que o plenário do TSE vá fazer o mesmo – porque é demolidora, e com razão, na demonstração dos desvios mentais de um psicopata.

Em uma entrevista de 2016 Bolsonaro aparece dizendo que comeria a carne de um indígena morto, mas que perdeu essa oportunidade. A conversa era com um jornalista do New York Times e, na época, o vídeo foi postado pelo próprio presidente. Isso significa que, por mais grotesca que seja a notícia, Bolsonaro não tem como negá-la. 

12
Jul23

A Cara do Golpe, Capítulo 1: A reunião preparatória

Talis Andrade

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Primeiro capítulo da série recupera audiência pública realizada no Senado um mês após as eleições e que serviu como estopim para os ataques de 8 de janeiro. Sâmia chama Girão de "terrorista" por envolvimento em ações golpistas

 

Em 30 de outubro de 2022, a maioria da população brasileira escolheu Lula como seu presidente. Derrotado nas urnas, Jair Bolsonaro se comportou como era de se esperar de alguém que não respeita a democracia e se recusou a telefonar para o candidato vitorioso, reconhecendo a derrota.

O silêncio do ex-capitão era a senha que seus seguidores mais fanáticos esperavam. No dia seguinte, eles começaram a bloquear estradas, tentando provocar o caos no país. E não demorou para que começassem a se fixar em frente a quartéis do Exército, pedindo por um golpe militar.

Reuniao golpista no Senado

Foi nesse clima de tensão e de clara ameaça à democracia que, em 30 de novembro de 2022, um mês após o segundo turno das eleições, o Senado abrigou uma audiência pública que, devido ao que se falou e às pessoas presentes, pode ser considerada uma reunião preparatória dos ataques terroristas e golpistas de 8 de janeiro.

Realizada na Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), a audiência foi proposta pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para “discutir o pleito no Brasil de 2022”. Mas “discutir” é um termo muito suave para o que de fato ocorreu.

No encontro, os presentes, em sua totalidade apoiadores de Jair Bolsonaro, se recusaram a aceitar o resultado das urnas. Segundo eles, a eleição havia sido “fraudada”, “injusta”, “discriminada”, “suspeita”, “parcial”, “maculada”, “não transparente”, “duvidosa”, “de mentirinha”.

O então deputado eleito Gustavo Gayer (PL-GO), por exemplo, afirmou que “simplesmente não houve eleição”. E o deputado Marcelo Moraes (PL-GO) disse haver “elementos suficientes para derrubar essa eleição”.

Tudo foi transmitido ao vivo em telões para golpistas acampados em frente aos quartéis Brasil afora. Inclusive o Quartel General em Brasília, que já abrigava — graças ao financiamento de empresários bolsonaristas que estão sendo identificados — os terroristas que atacaram os Três Poderes no dia 8.

Girão "terrorista" 

 

A sessão da CPI do MST desta quarta-feira (12) virou um intenso bate-boca após a deputada Samia Bomfim acusar Elieser Girão de "terrorista". O argumento da parlamentar surge após denúncias exclusivas da jornalista Denise Assis, do Brasil 247, apontando o envolvimento do deputado em ações golpistas.

Elieser Girão, coronel aposentado como general, foi flagrado trocando mensagens com o terrorista que tentou explodir o aeroporto de Brasília, George Washington. 

 

General anuncia semana de terror

Humor negro. O general aposentado deputado Girão anunciou a bomba no Aeroporto de Brasília como um presente de Natal. Inclusive divulgou a senha mórbida: coloque sapatinhos na janela. Veja vídeo reportagem dos jornalistas Marcelo Auler e Leonardo Attuch.

Tem outro general Girão, o senador, que promoveu a reunião doutrinária de 30 de novembro no Senado Federal, o que também nao deixou de ser uma piada macabra de quem pretende um golpe que vai depor um presidente eleito e fechar o Congresso. 

Os terroristas pretendiam no dia primeiro de janeiro matar o presidente Lula que derrotou Bolsonaro no primeiro turno. E no segundo. O plano falhou.

No dia 8 de janeiro prentendiam golpear o Brasil. O plano falhou.

 
Antigas fake news
 

Durante mais de 11 horas de audiência, antigas mentiras inventadas por eles mesmos foram repetidas para “comprovar” sua aloucada tese de eleição “fraudada”. O ex-ministro de Bolsonaro Fabio Wajngarten recuperou o factoide de que rádios deixaram de veicular a campanha do ex-presidente derrotado.

Já o youtuber argentino de extrema direita Fernando Cerimedo ganhou espaço para repetir sua já desmoralizada denúncia sobre indícios de fraude nas urnas eletrônicas.

Outras “provas” seriam o “fato” de os institutos de pesquisa manipularem dados e a fake news de que o ex-presidente do TSE Roberto Barroso teria dito que “eleição não se ganha, eleição se toma”. Desmentida desde agosto (veja vídeo abaixo), essa frase foi citada como sendo verdade ao menos quatro vezes.

No fim, o quadro pintado era o de que o Brasil vivia um estado de exceção, expressão empregada mais de 20 vezes por diferentes participantes. E o culpado por essa “ditadura” era o Poder Judiciário, que não só interferira no processo eleitoral como estaria “perseguindo” e “censurando” a direita brasileira.

Dando força a essa tese, o advogado e professor Ives Gandra Martins, espécie de guru jurídico dos que defendem a tomada de poder pelos militares, ganhou espaço de destaque na audiência, para criticar a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao cidadão, disseram os participantes, caberia resistir e defender a democracia, em uma completa inversão da realidade. “Não podem voltar ao poder. Faremos de tudo o que for necessário. (…) Vocês que estão protestando – e é legítimo – e nós faremos a nossa parte. Estamos juntos nessa empreitada, até o fim”, atiçou o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).

Enquanto a sessão transcorria, mensagens explodiam na caixa de comentários no canal da TV Senado no YouTube. “SOS Forças Armadas”, “GLO (Garantia da Lei e da Ordem)”, “Artigo 142” eram algumas das expressões mais comuns. Todas, um claro apoio a um golpe militar.

Efeito imediato: queima de Brasília

O incentivo à turba acampada em frente aos quartéis surtiu efeito e foi como gasolina lançada sobre uma fogueira que estava acesa desde a derrota de Jair Bolsonaro (baixe aqui a Linha do Tempo e o Roteiro do Golpe).

A temperatura golpista subiu em Brasília após a reunião no Senado. Três dias depois, bolsonaristas invadiram um shopping da capital federal aos gritos, pedindo “liberdade” e a prisão de Lula. Ação semelhante se repetiu na semana seguinte. E indígenas apoiadores de Bolsonaro surgiram como protagonistas de protestos contra o resultado das eleições e o STF.

O tom agressivo se transformou em violência de fato em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e Geraldo Alckmin como presidente e vice eleitos. Terroristas incendiaram veículos, levaram o pânico às ruas de Brasília e tentaram invadir a sede da Polícia Federal.

A escalada insana continuou. Em 24 de dezembro, um atentado a bomba, que mirava o aeroporto de Brasília, foi evitado pela Polícia Militar do Distrito Federal. E, por fim, em 8 de janeiro de 2023, um ataque golpista e terrorista atingiu as sedes dos Três Poderes da República.

Golpistas estavam no Senado

Não coincidentemente, os protagonistas desses ataques estavam na audiência de 30 de novembro no Senado. O cacique Rony Pareci, que ao lado do cacique Tserere liderou protestos contra as eleições e o STF, estava lá.

O empresário George Washington de Oliveira Sousa, hoje um dos condenados pela tentativa de explodir o aeroporto de Brasília, também estava lá.

O blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio – apontado como um dos principais articuladores do 8 de Janeiro e que, em 12 de dezembro, após a prisão de Tserere, refugiou-se no Palácio da Alvorada, ainda ocupado por Bolsonaro – não só estava como também discursou na audiência.

Além dos três, estavam ou foram citados na reunião do dia 30 várias outras pessoas que, nos últimos anos, ajudaram a criar no Brasil um verdadeiro ecossistema de desinformação. São nomes que vão de juristas a parlamentares de extrema direita, como Bia Kicis e Daniel Silveira, passando por blogueiros e canais de YouTube, a exemplo do foragido Allan dos Santos e seu Terça Livre e o Brasil Paralelo.

Muitas dessas pessoas, que formam essa organização criminosa, já eram citadas ou tinham sido punidas no inquérito das fake news, que investiga atos antidemocráticos no país. Mesmo assim, insistiram não só na continuidade do crime como também premeditaram os atos terroristas de 8 de janeiro, que ameaçaram e ainda ameaçam a democracia brasileira.

Mostrar os principais atores e a origem desse ecossistema de mentiras e seus desdobramentos é o objetivo desta série.

Bolsonaristas espalharam botijões e atacaram viaturas; ninguém foi preso 

11
Mar23

Destruir ianomamis sempre foi obsessão para Bolsonaro

Talis Andrade

por Fernando Brito /Tijolaço

Ótima reportagem de Lira Neto, publicada hoje no Diário do Nordeste,(leia aqui) documenta a história que é indispensável para entender a tragédia que se passa na reserva ianomami, onde pessoas estão morrendo como moscas por conta da devastação e do envenenamento dos rios provocados pelo garimpo ilegal estimulado durante o governo Jair Bolsonaro.

É a trajetória do Projeto de Decreto Legislativo apresentado pelo então deputado de primeiro mandato, em 1993, pretendendo anular a demarcação das terras indígenas para aquela etnia, assinado um ano antes, por Fernando Collor, sob o argumento que não se poderia destinar áreas de fronteira para reservas e, entre outras razões, que a área era “riquíssima em madeiras nobres e minerais raros”.

O projeto chegou a ir a plenário, para votação em urgência, recusada pela maioria da Câmara.

Bolsonaro jamais desistiu de tirar a terra dos índios e, em 2003, conseguiu desarquivar seu projeto, para ser novamente rejeitado quatro anos depois.

Sempre foi sua ideia fixa, uma espécie de Mein Kampf, ao ponto de ser objeto de 44 pronunciamentos em seus mandatos. Em 2015, ele bradava:

“A reserva ianomâmi, lá em Roraima, e um pedacinho no Amazonas, tem duas vezes o tamanho do Rio de Janeiro, para 9 mil índios! Isso é um crime! O Brasil tem que ser nosso!

É possível acreditar que o desastre humanitário que está sendo revelado agora é resultado apenas de desídia ou incompetência deste homem?

Os antecedentes mostram que a destruição daqueles índigenas – aliás na mesma região onde ele disse ter se interessado em “ver o índio sendo cozinhado” – sempre foi uma obsessão de Bolsonaro.

É uma questão de honra para o nosso país levar esta monstruosidade aos tribunais. E não é possível fugir, desta vez, da palavra infamante: genocídio.

 

 

 

17
Out22

A nova barbaridade de Bolsonaro

Talis Andrade

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por Fernando Brito

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A declaração de Jair Bolsonaro, em sua live de ontem, viralizou na Internet. Neste momento, “pintou um clima“. 

“Bolsonaro pervertido” e “Bolsonaro pedófilo” estão nos trending tops do Twitter, por causa da declaração, em vídeo ao final do post.



Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. 

Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para que? Ganhar a vida. Você quer isso para a sua filha que está nos ouvindo agora?”

 


O “pintou um clima”, algo dito por ele próprio, é também uma “insinuação” de que Bolsonaro estava movido por “interesse sociológico” ao voltar de moto na casa da meninas? Ele por acaso acionou o Ministério da Família de Damares Alves para averiguar um possível caso de prostituição infantil? Não há qualquer menção a isso em sua fala.

Se o amigo leitor estiver passeando e encontrar “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade” vai “pintar um clima” e você vai lá na casa delas, pedir para entrar?

Sua companheira vai acreditar se você contar que foi lá apenas por “curiosidade”, como daquela vez em que você foi chamado a assistir um índio sendo cozido – carne que você comeria “sem problema nenhum” – e que só não aconteceu porque seus amigos não quiseram ir?

Tarados como este senhor, que querem sexo com adolescentes há muitos. Também há, infelizmente, usam isso para tentar se mostrar machos, imbrocháveis.

Mas um cidadão destes proclamar-se emissário de Deus no Brasil e pretender, em nome disso, ser presidente da República, é algo que só a irracionalidade reinante no Brasil torna possível.

Será que a nossa imprensa “limpinha e cheirosa” acha que fazer o que ela não faz, chamando a atenção para o tipo de apetites que tem Jair é “baixaria”?

E os homens e mulheres que votam Bolsonaro “em nome de Deus” vão passar pano dizendo que o “clima” era o de converter aquelas probrezinhas?

Bolsonaro e a menina de 14 anos

 
 
14
Out22

Foto de Bolsonaro em caminhão "canibal" viraliza após declaração sobre "comer índio"

Talis Andrade

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Registro é do fotojornalista parceiro da Fórum, Eduardo Matysiak, feito na Marcha Para Jesus de Curitiba; presidente foi ao TSE para censurar vídeo em que aparece dando declaração absurda. Charges de Marcio Vaccari

 

por Ivan Longo

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O vídeo resgatado por internautas esta semana que mostra Jair Bolsonaro (PL) falando em "comer índio" segue repercutindo e, nesta sexta-feira (7), uma imagem viralizou graças ao assunto. 

Trata-se de uma foto que mostra o presidente em um caminhão de som com a inscrição "canibal". O registro foi feito pelo fotojornalista Eduardo Matysiak, parceiro da Fórum, durante a Marcha Para Jesus de Curitiba (PR), em 21 de maio deste ano.

 

Confira

Bolsonaro: Problema é PT e tipo de gente saída de rincões - 16/09/2022 -  Poder - Folha

 

Entenda 

O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em entrevista ao jornal americano The New York Times, em 2016, na época em que ainda era deputado federal, que só não comeu carne humana de um indígena em Surucucu porque ninguém quis ir com ele.

Além disso, ele disse também que só não teve relações sexuais com mulheres famintas no Haiti por falta de higiene. O vídeo com a íntegra da entrevista está no canal do YouTube do presidente.

 

Assista

 

Tentativa de censura 

A campanha de Bolsonaro entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que o vídeo da campanha de Lula (PT), onde o presidente fala que comeria carne humana, seja retirado do ar. 

O vídeo em questão é uma entrevista de Bolsonaro para o The New York Times onde, o então deputado federal Jair Bolsonaro (PL) declara ao jornalista Simon Romero que só não comeu a carne humana de um indígena porque ninguém quis acompanhá-lo. 

Irritada, a direção da campanha de Bolsonaro declarou que a frase do presidente "foi tirada de contexto" e alegam que na entrevista Bolsonaro fala sobre a sobrevivência na selva e que, às vezes, é necessário comer "carne humana, de índio, de animal, de qualquer coisa". 

Bolsonaro diz o seguinte ao jornalista do NYT: "Eu queria ver o índio ser cozinhado. Daí o cara: se for, tem que comer. Eu como [...] morreu um índio e eles estão cozinhando [...] eles cozinham o índio, é a cultura deles. Cozinha por três dias e come com banana [...] eu comeria o índio sem problema nenhum".

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11
Out22

Alguém precisa parar Damares Alves

Talis Andrade

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E o povo, já pergunta com maldade/onde está a normalidade?/Onde está a normalidade?  

 

por Denise Assis

- - -

Peço licença ao mestre Noel Rosa para parodiar a sua magistral composição: “Onde está a honestidade?”. Primeiro, porque perguntar pela honestidade a esta altura desse governo é jogar palavras ao vento. Segundo que, sim, há algo de anormal nas figuras que compõem ou compuseram esse governo que aí está e quer continuar, mesmo que as pesquisas apontem que 51% da população o rejeite.  

Lamentavelmente, os 49% que o toleram, o fazem a tal ponto que passam por cima de situações inarredáveis: o potencial canibalismo do chefe de governo e a perversão de sua ex-ministra da família, da mulher, ou seja lá do que for que ela não deveria conduzir, (Damares Alves foi Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) porque não tinha, não tem e não terá nunca perfil para a pasta. A ex-ministra, independente dos traumas sofridos – e principalmente por eles – deveria estar em tratamento psicanalítico, a fim de fechar suas feridas, e não contaminando discursos públicos com suas neuroses advindas dos abusos na infância. (Relatados pela própria).

Ao contrário disso, lhe deram poder para falar a uma plateia onde havia crianças. Sem o menor equilíbrio, usando de fantasias que são suas, (e não da esquerda, como atribui), poluiu a ingenuidade e a pureza das crianças presentes, descortinando para elas um mundo de perversidades (e perversões que são suas), prematuramente. Quantas delas chegaram em casa querendo saber dos pais o que era aquilo que ouviram? Quantas não saíram de lá apavoradas, com medo de perder os dentes para o tal do “sexo oral”? Quantas irão espremer os pais em busca de uma explicação precoce para essas novidades de que jamais tiveram notícia?  

O que estou aqui falando tem base em relatos pessoais. Tanto do presidente quanto de sua ministra. Há registros das falas de Damares e vídeos da revelação de Bolsonaro. Portanto, TSE, sua decisão (de mandar a campanha do PT retirar do seu programa o vídeo a respeito), embora deva ser acatada, é o que diz a lei, é questionável porque cassa o direito dos cidadãos de saberem como pensa e quais os valores do seu governante.

E o que é a normalidade? Haverão de me perguntar. Não sei. Só sei é que deveria haver decoro e regras para se ocupar cargos no alto escalão, compatíveis com o comportamento médio da população.

E se aqui a fala de Bolsonaro não reverberou, lá fora estarreceu editores dos grandes veículos, que estamparam em suas páginas o potencial canibalismo do presidente do Brasil. O fato de ter admitido que poderia fazer um gesto de tal natureza, já bastaria para ser, sim, notícia, e não “fake News”, como quer o TSE. Fake News, senhores do TSE, é deixar alguém atribuir a outros as suas fantasias sexuais ou fazer acusações sem provas. Aliás, mais que fake News, é a perversidade sendo esparramada indistintamente. 

Alguém precisa parar Damares Alves, pelo bem das nossas crianças, às vésperas de comemorar o seu dia. Moralismo? Não. Prudência.   

09
Out22

Delírio antropofágico de Bolsonaro é informação, tem de ser público (vídeos)

Talis Andrade

 

 

por Fernando Brito

- - -

Muito mais que à campanha de Lula, era dever da imprensa ter noticiado o que agora, finalmente, está em algumas ( e só algumas) das homepages dos grandes jornais e sites de notícias, porque foi ao ar na televisão: a declaração de Jair Bolsonaro dizendo que queria “ver o índio sendo cozinhado” em Roraima e teria pedido para ir a um ritual mesmo tendo, para isso, de comer carne humana: “Comeria o índio sem problema nenhum”, disse, em entrevista de 2016, a Simon Romero, do The New York Times, que está em seu próprio site (ou estava, nem fui verificar pois a tenho gravada).

Jair Bolsonaro foi ao TSE pedir a proibição da veiculação do vídeo, alegando que tira de contexto a fala do presidente. Não tira e qualquer um pode conferir isto assistindo os nauseantes minutos em que ele fala do assunto.

Os jornais estão – e isso vem sendo dito aqui, há dois dias – se omitindo criminosamente. O fato de que a entrevista seria “antiga” – e não é tanto assim, é de 2016, quando Jair Bolsonaro era deputado e tinha responsabilidades públicas absolutamente diversas de um “contado de vantagens” (vantagens na visão dele). O vídeo era público e estava no próprio canal do atual presidente. Não há nenhuma dúvida de sua veracidade e a entrevista ao NYT realmente ocorreu.

Isso não tem interesse jornalístico?

Para verificar, basta imaginar o que aconteceria se fosse Lula quem tivesse dito estas abjeções.

Bolsonaro, claro, não está sendo acusado de canibalismo (ou de antropofagia, mais especificamente), até porque não consumou o “comeria o índio”. Mas é, evidentemente, um psicopata, que se orgulha da compulsão mórbida de ver um ser humano ser cozinhado!

Está mentindo, até porque os yanomamis, índios aos quais se refere (aldeia Surucucus) não tem sequer tradições antropfágicas ancestrais.

Saber dos desvios mentais de Bolsonaro é relevante para que as pessoas tomem a sua decisão sobre quem presidirá o país. Mostrar o que este homem disse, apenas dois anos antes de se tornar presidente, é informação.

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O jornalismo não pode omitir informação, real e devidamente checada, como é esta, ou será cúmplice de uma mentira.

Aí está, de novo, o vídeo, para que se veja que não foi uma manipulação.

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