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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Jul23

Falso garantismo ignora ataque ao STF e flerta com zorra institucional

Talis Andrade

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Agressores de Moraes tentaram impedir o livre exercício de um Poder

por Reinaldo Azevedo

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Ainda não vencemos o "bolsonarismo", entendida a palavra como ataque às instituições e a padrões mínimos de tolerância e vida civilizada. Por que isso? A imprensa está coalhada de um falso garantismo que foi sendo gestado nos quatro anos de mandato do "não-estupraria-porque-não-merece". Para alguns sábios, pelo visto, o mandado de busca e apreensão na residência de Andreia Munarão e Roberto Mantovani, o casal que investiu contra Alexandre de Moraes e sua família em Roma, ameaça o Estado de Direito mais do que as invectivas contra o ministro e a agressão a seu filho. É uma aberração.

Há ainda quem sustente que estão em curso desmandos similares aos da Lava Jato. É uma tolice que vem em curiosa embalagem: os que apontam a suposta semelhança em tom crítico atuaram, não raro, como esbirros da força-tarefa, inclusive no jornalismo. Volto ao ponto mais tarde.

Certamente não foram os Moraes a se incomodar com a presença dos Mantovanis. Se um juiz do Supremo é chamado, aos berros, em ambiente público, de "bandido, comunista e comprado" —tais palavras, note-se, são um selo de "Denominação de Origem Controlada"; é a "DOC" bolsonariana —, tem-se um agravo bem mais sério do que "injúria, ameaça e desacato", artigos 140, 147 e 331 do Código Penal.

Fosse só isso, as penas, somadas pelo topo, renderiam três anos de reclusão. Com atenuantes, dá para tomar uma champanhota com amigos e comemorar o feito. A impunidade sairia no xixi. Numa próxima, quem sabe um outro valentão aprimorasse a intervenção e, com furor patriótico, quebrasse a cara de um magistrado. Senti vergonha alheia ao ler as opiniões. Que não a tenham experimentado ao emiti-las, fazer o quê? Essa tal vergonha pode ser solipsista; o direito não.

O também presidente do TSE não virou alvo dos ataques —sendo expostos, ele e os seus, a riscos— porque os agressores sejam entusiastas de suas decisões ou apreciem a sua notável dedicação à defesa da legalidade. Ao contrário. Demonstraram que o livre exercício do Poder Judiciário não lhes serve. Incidiram no artigo 359-L do CP: "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". A pena também escala: de 4 a 8 anos.

"Oh, mas quiseram mesmo algo tão grave?" Convém, adicionalmente, reler o texto à luz da gramática. Em primeiro lugar, ele pune a "tentativa", não o fato consumado —hipótese em que seria o golpista a impor a sua vontade aos golpeados. Em segundo lugar, mas não menos relevante, atentem para os gerúndios "impedindo" e "restringindo". A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não reconhece, e estou entre os que consideram isso um erro, a existência da "oração subordinada adverbial modal". Obviamente, a forma nominal dos verbos "impedir e restringir" expressa o modo como se busca a abolição do regime. O erro da NGB perturba alguns gramáticos; já a leniência com o golpismo esgarça a gramática institucional.

Se o sistema judicial passar a considerar crime de menor potencial ofensivo o constrangimento, com motivação escancaradamente política, de integrante de uma corte superior, então a democracia já estará no abomaso, o quarto cômodo do estômago dos ruminantes.

Afirmar que a simples injúria não enseja um mandado de busca e apreensão não traduz uma opinião sobre a razoabilidade ou não de tal instrumento, mas emite um juízo —errado!— sobre o que se deu no aeroporto. Ignorar que a intimidação de um membro do STF pertence a uma cadeia de eventos em que se inscreve a vandalização da sede do próprio tribunal corresponde a exercitar o direito com as viseiras da ideologia, do interesse ou da alienação. Irresponsável teria sido não tomar a decisão, valendo por um pré-julgamento pela via da omissão. O bem que se quer proteger, com a medida, não se limita à honra do ministro. Conhecemos o custo de subestimar riscos.

Quanto a estarmos vivendo um novo lava-jatismo, observo: a falsa simetria é uma das formas mais preguiçosas de pensamento. Ignorado o que os distingue, Schopenhauer é igual a um dragão-de-komodo. As diferenças determinam a razão de ser de cada coisa.

Casos de hostilidade a ministros do STF

21
Jul23

PF prende um dos líderes dos atos golpistas de 8 de janeiro durante evento de direita no Rio de Janeiro

Talis Andrade
 
Diego Ventura é apontado como um dos lideres dos atos golpistas do 8 de janeir
Diego Ventura é apontado como um dos lideres dos atos golpistas do 8 de janeiro

 

Diego Ventura foi preso em Campos dos Goytacazes, durante a realização de um evento intitulado "assembleia nacional da direita brasileira"

 

A Polícia Federal efetuou na noite desta quinta-feira (20) a prisão de um dos principais suspeitos de comandar a intentona golpista do dia 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas e de extrema direita invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Segundo o G1, Diego Ventura foi capturado em Campos dos Goytacazes (RJ), durante a realização de um evento intitulado "assembleia nacional da direita brasileira”. A prisão preventiva do extremista foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. 

Ainda conforme a reportagem, “a PF cumpriu três mandados expedidos pelo STF: um de prisão, um de busca pessoal e um de busca e apreensão. O aparelho celular de Diego foi apreendido. Ventura era líder de um grupo de extrema direita presente no acampamento do quartel-general do Exército em Brasília”.

Em dezembro, Ventura chegou a ser detido pela Polícia Militar do Distrito Federal  (PMDF) quando se dirigia para a sede do STF carregando itens como estilingues, rádios comunicadores e facas. Ele foi solto no mesmo dia. Em janeiro, câmeras de segurança flagraram Ventura chutando grades de contenção antes do início da invasão e dentro das instalações depredadas do prédio da Suprema Corte.

 

O TERRORISTA DA DIREITA VOLVER

 

Diego Ventura, considerado um dos líderes dos atos antidemocráticos em Brasília, o comerciante já havia sido detido pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), na véspera do Natal do ano passado. Ele e mais nove pessoas foram presos a caminho do Supremo, com estilingues, bolinhas de gude, facas, além de rádios transmissores. Todos foram detidos e conduzidos para a 5ª Delegacia de Polícia, na Asa Norte, e, posteriormente, liberados.

À época, Ventura e os outros detidos relataram aos militares que participariam de uma manifestação em frente ao Quartel-General do Exército contra a prisão do cacique José Acácio Serere Xavante, detido por atos antidemocráticos.

O indígena foi preso sob suspeita dos crimes de ameaça, perseguição e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O mandado de prisão sustenta que Serere Xavante usa sua posição como líder indígena para arregimentar pessoas a “cometer crimes, mediante a ameaça de agressão e perseguição do presidente eleito e dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso”.

Imagens divulgadas pelo UOL mostram Ventura, no dia 8 de janeiro, chutando grades de contenção do STF e, posteriormente, já dentro do prédio do Supremo, comemorando o que chamou de “missão cumprida”. O comerciante aparece ao lado de Ana Priscilla Azevedo, uma das organizadoras do acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, e de um grupo de extremistas no Telegram.


Ana Priscila Azevedo foi presa, nesta terça-feira, pela PF — Foto: Reprodução

Ana Priscila Azevedo foi presa pela PF 

 

O Estadão identificou a participação de 88 pessoas nas invasões e depredações dos espaços públicos. A convocação para os atos já tinha um propósito golpista estabelecido. “Nós vamos colapsar o sistema, nós vamos sitiar Brasília, nós vamos tomar o poder de assalto, o poder que nos pertence”, disse Ana Priscilla, numa live realizada em 5 de janeiro, no acampamento na capital federal.

O Jornal da Fórum analisa a prisão de Diego Ventura, pela Polícia Federal, de um dos líderes do 8 de janeiro. Os convidados são, por ordem de entrada, o escritor e militante trabalhista Leonel Brizola Neto, o cientista político Jorge Chaloub, o cientista político Fábio Kerche, o critico de cinema Pablo Villaça, o jurista Eugênio Aragão e o vereador Edson Santos (PT-RJ).

 

Golpista, Ana Priscila Azevedo, falava em ‘colapsar sistema’. Em depoimento, a bolsonarista relatou a participação de um coronel e um general na fuga dos golpistas.

18
Jul23

O terrorismo e o puxão de orelhas dado pelo professor (vídeos)

Talis Andrade

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Quem critica um discurso como o de Barroso tem moral para condenar a agressão ao ministro Moraes?

 

por Pepe Damasco

Dias atrás o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, passou praticamente uma tarde inteira nos estúdios da GloboNews, em Brasília, sendo entrevistado.

Não que eu tenha acompanhado a sabatina por todo esse tempo, afinal, meu ouvido não é penico, mas vez por outra sintonizava o canal de notícias só para ter uma noção do latifúndio de tempo oferecido a uma das figuras mais deploráveis da política brasileira.

Há gosto para tudo e a Globo entrevista quem quiser, pelo tempo que julgar conveniente, mesmo que seja para ouvir empulhações e mentiras em profusão. Mas o episódio serve para ilustrar como o jornalismo global prejudica a democracia ao tentar conferir um padrão de normalidade democrática aos movimentos políticos dos representantes do bolsonarismo.

Embora não se diga bolsonarista raiz, Waldemar é presidente do partido que abriga boa parte dos fascistas nativos e paga R$ 41 mil reais mensais a Bolsonaro, como presidente de honra da sigla. Se sua defesa do estado democrático de direito fosse genuína, a Globo pensaria duas vezes antes de dar palanque para o líder do partido oficial dos golpistas de 8 de janeiro.

Em matéria assinada pelo jornalista Chico Alves, no Portal UOL, publicada em 16 de julho, o professor de literatura comparada da UERJ, João Cesar de Castro Rocha, fala de seu último livro, “Bolsonarismo – da guerra cultural ao terrorismo doméstico.”

Tomando como exemplo mais recente a agressão sofrida pelo ministro Alexandre de Moraes e seu filho, o professor chama atenção de que a agressividade dos bolsonaristas está passando do discurso para o enfrentamento físico.

“O bolsonarismo passou do limite da possibilidade de convivência na pólis. Ou nós reagimos agora, ou as consequências para o futuro serão funestas”, alerta.

Chico Alves destaca na reportagem que "a tese que o pesquisador defende no livro é que a extrema-direita liderada por Jair Bolsonaro deixou de lado a narrativa de guerra cultural e passou ao confronto real, que acontece de várias formas, como, por exemplo, a agressão ao ministro Moraes.”

João Cesar de Castro Rocha dá alguns puxões de orelha pertinentes na classe política e na imprensa comercial:

“Ou nós tomamos uma atitude em relação a deputados como Gustavo Gayer, André Fernandes, Abílio Brunini, Nikolas Ferreira e Carla Zambelli, ou o parlamento perderá totalmente a legitimidade.”

“E nós precisamos começar a dizer: não é tenente-coronel Mauro Cid, é tenente-coronel golpista Mauro Cid. Não é general Braga Netto, é general golpista Braga Netto. Não é general Augusto Heleno, é general golpista Augusto Heleno.”

Outro acontecimento recente – o discurso do ministro Barroso, no congresso da UNE, criticando o bolsonarismo - dá bem a medida da visão míope e contraditória da mídia em relação ao golpismo. Em geral, os analistas globais se somaram à direita e à extrema-direita na condenação à fala de Barroso.

O ministro, cujas posições no golpe contra Dilma Rousseff e na caçada e prisão ilegal de Lula mostram que ele não é flor que se cheire em termos de rigor democrático, apenas realçou a importância da derrota do extremismo golpista. Ou seja, não fez mais do que sua obrigação como integrante de um dos poderes da República.

Então, a pergunta que fica é: quem critica um discurso como o de Barroso tem moral para condenar a agressão ao ministro Moraes?

 

O grupo bolsonarista autodenominado "300 do Brasil" fez ontem em 31 de maio de 2020 um protesto em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) , depois de sua principal porta-voz, Sara Winter, ter sido alvo de mandado de busca e apreensão relacionado ao inquérito das fake news 

Imagens inéditas revelam invasão e depredação do STF em 8 de janeiro. Folha de S. Paulo divulga imagens do circuito interno do STF (Supremo Tribunal Federal) do momento dos ataques golpistas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no último dia 8, que mostram a Polícia Militar do Distrito Federal cedendo à passagem de manifestantes que invadiram a sede da corte. A invasão começou por volta das 15h30. Muitos estavam com máscaras e luvas e ignoraram as bombas de gás e de pimenta lançados pela Polícia Judicial.

17
Jul23

A Cara do Golpe, Capítulo 3: As narrativas que levaram ao 8 de janeiro

Talis Andrade
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Golpistas durante invasão e destruição do STF: extrema direita pintou o Judiciário como inimigo

 

Durante anos, o ecossistema de desinformação alimentou teorias que estimularam a ação dos golpistas

 

Como mostrado nos capítulos anteriores, os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro estavam convencidos de que a eleição de 2022 foi fraudada pelo próprio Judiciário e, ainda mais absurdo, que seria possível um golpe militar sem ferir a Constituição.

Mas como tantos brasileiros passaram a acreditar nesse delírio que não encontra nenhuma relação com a realidade? Hoje, quando se analisa o discurso construído pela extrema direita nos últimos anos, percebe-se que o 8 de Janeiro foi resultado de quatro narrativas mentirosas.

A primeira delas é a da Justiça como inimiga. Os ataques ao Poder Judiciário começaram antes mesmo de Jair Bolsonaro ser eleito. Em outubro de 2018, veio a público um vídeo no qual Eduardo Bolsonaro dizia não achar improvável que o Supremo tentasse impedir seu pai de tomar posse. Em seguida, ele dizia: “Se você quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe, cara, manda um soldado e um cabo”.

O próprio Jair Bolsonaro começou sua ofensiva antes de ser eleito. E, depois de se tornar presidente, não parou de criar conflitos e tensões com o STF e outros tribunais superiores. Em 2019, primeiro ano de mandato, disse várias vezes que o Supremo estava “legislando” e “errando demais”.

Ao mesmo tempo, bolsonaristas construíram uma imagem do STF como um inimigo das pautas conservadoras, divulgando amplamente decisões como a do direito de interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo e a criminalização da homofobia e da transfobia.

As críticas viraram ataques. Influenciadores bolsonaristas passaram a pedir a prisão de ministros do STF e chegaram a realizar protesto em que fogos de artifício foram lançados sobre o tribunal. Ao reagir e passar a investigar atos antidemocráticos como esses, o Supremo passou a ser descrito, então, como um poder “de esquerda”, que busca censurar e perseguir a direita.

 

Suspeitas sobre as eleições

Paralelamente à campanha anti-Judiciário, Bolsonaro e seus cúmplices sempre tentaram desacreditar o processo eleitoral. O ex-presidente chegou a dizer, ainda em 2018, que só não venceria as eleições se houvesse fraude.

Em 9 de março de 2021, ele deixou de lado as insinuações e passou a fazer acusações. Naquele dia, durante viagem aos Estados Unidos, disse ter provas de que fraudes o impediram de vencer já no primeiro turno em 2018. Embora as provas nunca tenham sido apresentadas, ele repetiu essa história diversas vezes.

Ataque semelhante foi feito às urnas eletrônicas. Após declarações esporádicas sobre a falta de confiabilidade dos equipamentos, Bolsonaro e sua tropa passaram a defender o voto impresso como única forma de garantir eleições limpas. A ponto de, em agosto de 2021, tentarem aprovar uma emenda à Constituição implementando o voto impresso.

Mal-sucedidos nessa tentativa, os bolsonaristas passaram a reforçar o discurso de que a derrota de Bolsonaro em 2022 só ocorreria com fraudes. Ele chegou a convocar embaixadores para dizer que as urnas e o TSE não seriam confiáveis e repetiu, por diversas vezes, que só aceitaria o resultado de eleições confiáveis. Isso era o mesmo que se recusar a aceitar a derrota, já que, na narrativa criada, apenas o voto em papel seria confiável.

16
Jul23

Vídeos mostram escalada golpista do bolsonarismo das eleições até o 8 de Janeiro

Talis Andrade

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A CARA DO GOLPE FRUSTRADO

PARA A VOLTA DA TORTURA E

DA DITADURA MILITAR

 

Por mais que tentem, hoje, se afastar da tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro, Jair Bolsonaro e seus cúmplices deixaram suas impressões digitais não só no atentado às sedes dos Três Poderes como também em vários atos que antecederam e incitaram os ataques em Brasília, principalmente nas noites de terror do dia 12, e na armação de uma bomba de dinamites em um caminhão-tanque de combustível de  aeronaves no aeroporto no dia 24 de dezembro, na noite do Natal - a Capital em festa religiosa e dia de maior movimentação no Aeroporto de Brasília. 

E isso fica claro quando se recuperam as várias ações que o ex-presidente e comparsas tomaram desde a derrota nas urnas, em 30 de outubro de 2022. 

Veja como o 8 de Janeiro, na verdade, começou logo após o segundo turno das eleições, com Bolsonaro se recusando a reconhecer a derrota. 

Logo em seguida, vieram os bloqueios em estradas, os acampamentos pedindo intervenção militar, a sessão golpista realizada no Senado em 30 de novembro, a noite de terror em Brasília em 12 de dezembro e a tentativa de explodir uma bomba no aeroporto da capital federal.

Baixe também a Linha do Tempo detalhada em PDF e o Roteiro do Golpe, que descreve, dia a dia, como a extrema direita insuflou e apoiou o ataque à democracia. Assista os vídeos:

 

 

 

 

14
Jul23

As 4 bestas do apocalipse de Bolsonaro (segunda parte)

Talis Andrade

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Jair Bolsonaro foi um governo da fome, da peste (vide aqui verbetes).

E da guerra e da morte.

 

A morte. O jornalista Ricardo Noblat historiou:

Bolsonaro acreditou que a economia iria pelos ares e, com ela, seu governo, se combatesse a pandemia como Mandetta pedia. Então, preferiu associar-se à morte. Foram mais de 700 mil.

Se desejasse apenas se reeleger, não partiria para o confronto sangrento com a Justiça. O ápice foi no 7 de setembro de 2021, em comício na Avenida Paulista, quando ele explodiu:

“Acabou o tempo dele. Alexandre de Moraes: deixa de ser canalha. Eu quero dizer que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente nunca mais cumprirá. A paciência do nosso povo se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir seu boné e cuidar de sua vida. Ele para nós não existe mais.”   

Em live nas redes sociais, desafiou o ministro:

“Tu está (sic) pensando o quê da vida, que você pode tudo? E tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? É isso que passa pela tua cabeça?”

Quem quer pegar galinha não diz xô. A galinha dos ovos de ouro de Bolsonaro não era a reeleição, mas o golpe. Em legítima defesa do país e dela mesma, a Justiça decretou: “Chega! Basta! Fora!”

E Noblat finaliza: 

O imexível e imbrochável capitão de fancaria acabou castrado, tornando-se também inelegível. Falta a canetada. Que não será uma canetada, mas um julgamento que obedeça aos ritos da lei.

É assim nas democracias que não são relativas, mas de verdade.

O que se pretendia com a invasao e a quebradeira de 8 janeiro em Brasilia senao uma resposta sangrenta da policia estadual do DF e das policias federais e das Forças Armadas. Bastaria uma morte para ser a bandeira do confronto, da guerra civil, pretendida na noite de vandalismo do dia 12, ou a explosao de uma bomba no Aeroporto de Brasilia com milhares e milhares de morte. (continua)

12
Jul23

A Cara do Golpe, Capítulo 1: A reunião preparatória

Talis Andrade

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Primeiro capítulo da série recupera audiência pública realizada no Senado um mês após as eleições e que serviu como estopim para os ataques de 8 de janeiro. Sâmia chama Girão de "terrorista" por envolvimento em ações golpistas

 

Em 30 de outubro de 2022, a maioria da população brasileira escolheu Lula como seu presidente. Derrotado nas urnas, Jair Bolsonaro se comportou como era de se esperar de alguém que não respeita a democracia e se recusou a telefonar para o candidato vitorioso, reconhecendo a derrota.

O silêncio do ex-capitão era a senha que seus seguidores mais fanáticos esperavam. No dia seguinte, eles começaram a bloquear estradas, tentando provocar o caos no país. E não demorou para que começassem a se fixar em frente a quartéis do Exército, pedindo por um golpe militar.

Reuniao golpista no Senado

Foi nesse clima de tensão e de clara ameaça à democracia que, em 30 de novembro de 2022, um mês após o segundo turno das eleições, o Senado abrigou uma audiência pública que, devido ao que se falou e às pessoas presentes, pode ser considerada uma reunião preparatória dos ataques terroristas e golpistas de 8 de janeiro.

Realizada na Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle (CTFC), a audiência foi proposta pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para “discutir o pleito no Brasil de 2022”. Mas “discutir” é um termo muito suave para o que de fato ocorreu.

No encontro, os presentes, em sua totalidade apoiadores de Jair Bolsonaro, se recusaram a aceitar o resultado das urnas. Segundo eles, a eleição havia sido “fraudada”, “injusta”, “discriminada”, “suspeita”, “parcial”, “maculada”, “não transparente”, “duvidosa”, “de mentirinha”.

O então deputado eleito Gustavo Gayer (PL-GO), por exemplo, afirmou que “simplesmente não houve eleição”. E o deputado Marcelo Moraes (PL-GO) disse haver “elementos suficientes para derrubar essa eleição”.

Tudo foi transmitido ao vivo em telões para golpistas acampados em frente aos quartéis Brasil afora. Inclusive o Quartel General em Brasília, que já abrigava — graças ao financiamento de empresários bolsonaristas que estão sendo identificados — os terroristas que atacaram os Três Poderes no dia 8.

Girão "terrorista" 

 

A sessão da CPI do MST desta quarta-feira (12) virou um intenso bate-boca após a deputada Samia Bomfim acusar Elieser Girão de "terrorista". O argumento da parlamentar surge após denúncias exclusivas da jornalista Denise Assis, do Brasil 247, apontando o envolvimento do deputado em ações golpistas.

Elieser Girão, coronel aposentado como general, foi flagrado trocando mensagens com o terrorista que tentou explodir o aeroporto de Brasília, George Washington. 

 

General anuncia semana de terror

Humor negro. O general aposentado deputado Girão anunciou a bomba no Aeroporto de Brasília como um presente de Natal. Inclusive divulgou a senha mórbida: coloque sapatinhos na janela. Veja vídeo reportagem dos jornalistas Marcelo Auler e Leonardo Attuch.

Tem outro general Girão, o senador, que promoveu a reunião doutrinária de 30 de novembro no Senado Federal, o que também nao deixou de ser uma piada macabra de quem pretende um golpe que vai depor um presidente eleito e fechar o Congresso. 

Os terroristas pretendiam no dia primeiro de janeiro matar o presidente Lula que derrotou Bolsonaro no primeiro turno. E no segundo. O plano falhou.

No dia 8 de janeiro prentendiam golpear o Brasil. O plano falhou.

 
Antigas fake news
 

Durante mais de 11 horas de audiência, antigas mentiras inventadas por eles mesmos foram repetidas para “comprovar” sua aloucada tese de eleição “fraudada”. O ex-ministro de Bolsonaro Fabio Wajngarten recuperou o factoide de que rádios deixaram de veicular a campanha do ex-presidente derrotado.

Já o youtuber argentino de extrema direita Fernando Cerimedo ganhou espaço para repetir sua já desmoralizada denúncia sobre indícios de fraude nas urnas eletrônicas.

Outras “provas” seriam o “fato” de os institutos de pesquisa manipularem dados e a fake news de que o ex-presidente do TSE Roberto Barroso teria dito que “eleição não se ganha, eleição se toma”. Desmentida desde agosto (veja vídeo abaixo), essa frase foi citada como sendo verdade ao menos quatro vezes.

No fim, o quadro pintado era o de que o Brasil vivia um estado de exceção, expressão empregada mais de 20 vezes por diferentes participantes. E o culpado por essa “ditadura” era o Poder Judiciário, que não só interferira no processo eleitoral como estaria “perseguindo” e “censurando” a direita brasileira.

Dando força a essa tese, o advogado e professor Ives Gandra Martins, espécie de guru jurídico dos que defendem a tomada de poder pelos militares, ganhou espaço de destaque na audiência, para criticar a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao cidadão, disseram os participantes, caberia resistir e defender a democracia, em uma completa inversão da realidade. “Não podem voltar ao poder. Faremos de tudo o que for necessário. (…) Vocês que estão protestando – e é legítimo – e nós faremos a nossa parte. Estamos juntos nessa empreitada, até o fim”, atiçou o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS).

Enquanto a sessão transcorria, mensagens explodiam na caixa de comentários no canal da TV Senado no YouTube. “SOS Forças Armadas”, “GLO (Garantia da Lei e da Ordem)”, “Artigo 142” eram algumas das expressões mais comuns. Todas, um claro apoio a um golpe militar.

Efeito imediato: queima de Brasília

O incentivo à turba acampada em frente aos quartéis surtiu efeito e foi como gasolina lançada sobre uma fogueira que estava acesa desde a derrota de Jair Bolsonaro (baixe aqui a Linha do Tempo e o Roteiro do Golpe).

A temperatura golpista subiu em Brasília após a reunião no Senado. Três dias depois, bolsonaristas invadiram um shopping da capital federal aos gritos, pedindo “liberdade” e a prisão de Lula. Ação semelhante se repetiu na semana seguinte. E indígenas apoiadores de Bolsonaro surgiram como protagonistas de protestos contra o resultado das eleições e o STF.

O tom agressivo se transformou em violência de fato em 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula e Geraldo Alckmin como presidente e vice eleitos. Terroristas incendiaram veículos, levaram o pânico às ruas de Brasília e tentaram invadir a sede da Polícia Federal.

A escalada insana continuou. Em 24 de dezembro, um atentado a bomba, que mirava o aeroporto de Brasília, foi evitado pela Polícia Militar do Distrito Federal. E, por fim, em 8 de janeiro de 2023, um ataque golpista e terrorista atingiu as sedes dos Três Poderes da República.

Golpistas estavam no Senado

Não coincidentemente, os protagonistas desses ataques estavam na audiência de 30 de novembro no Senado. O cacique Rony Pareci, que ao lado do cacique Tserere liderou protestos contra as eleições e o STF, estava lá.

O empresário George Washington de Oliveira Sousa, hoje um dos condenados pela tentativa de explodir o aeroporto de Brasília, também estava lá.

O blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio – apontado como um dos principais articuladores do 8 de Janeiro e que, em 12 de dezembro, após a prisão de Tserere, refugiou-se no Palácio da Alvorada, ainda ocupado por Bolsonaro – não só estava como também discursou na audiência.

Além dos três, estavam ou foram citados na reunião do dia 30 várias outras pessoas que, nos últimos anos, ajudaram a criar no Brasil um verdadeiro ecossistema de desinformação. São nomes que vão de juristas a parlamentares de extrema direita, como Bia Kicis e Daniel Silveira, passando por blogueiros e canais de YouTube, a exemplo do foragido Allan dos Santos e seu Terça Livre e o Brasil Paralelo.

Muitas dessas pessoas, que formam essa organização criminosa, já eram citadas ou tinham sido punidas no inquérito das fake news, que investiga atos antidemocráticos no país. Mesmo assim, insistiram não só na continuidade do crime como também premeditaram os atos terroristas de 8 de janeiro, que ameaçaram e ainda ameaçam a democracia brasileira.

Mostrar os principais atores e a origem desse ecossistema de mentiras e seus desdobramentos é o objetivo desta série.

Bolsonaristas espalharam botijões e atacaram viaturas; ninguém foi preso 

10
Jun23

Damares rejeita indicação de Zanin: fere o ‘princípio constitucional da impessoalidade’

Talis Andrade

Senadora nega explicar porquê sua primeira-dama pulou e vibrou no anúncio da aprovação de Mendonça para o STF; veja vídeos

 

Michelle Bolsonaroo comemorou a aprovação pelo Senado da indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). Damares Alves também dançou e cantou.

A indicação de Mendonça foi aprovada por 47 votos a 32. Com isso, ele se tornou o segundo indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para o Supremo - o primeiro foi o ministro Kassio Nunes com K.

Evangélica, a primeira-dama Michelle Bolsonaro comemorou aos pulos, orando, gemendo a língua dos anjos e cantando a aprovação do nome do ex-ministro e pastor André Mendonça pelo Senado. Michelle e Damares se reuniram no gabinete do senador goiano Luiz do Carmo MDB), também pastor, para acompanhar a votação que ocorria no plenário.

André agradeceu com uma expressão que ficou conhecida na voz de um dos adversários de Jair Bolsonaro em 2018, o ex-deputado Cabo Daciolo (Patriota). “Glória a Deus”, exclamou o novo ministro.

Veja a alegria de Michelle assim que foi anunciada a aprovação de Mendonça:

 

Neste sábado (10), a senadora Damares Alves utilizou suas redes sociais para expressar seu posicionamento contrário à indicação do advogado Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal STFF) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu tuíte, a senadora deixou claro que seu voto será um "não", e afirmou que nada ou ninguém será capaz fazê-la mudar de ideia.

No comunicado, Damares dirigiu-se a amigos, irmãos, correligionários e até mesmo aos adversários políticos, pedindo para não insistirem em dialogar com ela sobre a indicação de Zanin. A senadora, da extrema direita, afirmou que só falará com o indicado antes da votação se for realmente necessário e mediante solicitação de seu partido, em uma reunião formal com a presença de demais parlamentares. Para Damares, tem senador, senadora, nos partidos bolsonaristas, que não merece uma fala a dois.

Damares Alves justificou seu posicionamento contrário à indicação de Zanin ao alegar que acredita que ela fere o princípio constitucional da impessoalidade. Para a senadora, essa indicação vai de encontro a esse princípio fundamental e, por esse motivo, ela não pode aceitá-la.

Jesus da goiabeira falou para Damaress da extrema e íntima pessoalidade ou santidade da escolha de Mendonça.

 

Intolerância

 

Em uma rede social, a primeira-dama reclamou do que ela classificou como manifestações de intolerância religiosa após a divulgação do vídeo.

 A postagem de Michelle, que tem como título "Desrespeito", mostra a imagem de uma notícia que afirma que ela havia virado "chacota na web após comemorar aprovação de Mendonça". Que ela foi a primeira a saber. Bolsonaro afirmou que cumpria promessa feita de indicar um ministro "terrivelmente evangélico". Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, em Brasília. Igreja frequentada por Michelle.

Em seguida, a primeira-dama cita uma passagem bíblica para, segundo ela, "responder a intolerância religiosa e o desamor de muitos a meu respeito, por celebrar a vitória do meu irmão em Cristo André Mendonça."

17
Mai23

Bolsonaro afirma à PF que não pediu inserção de dados falsos sobre vacina

Talis Andrade
 

O Pântano

 

Por Rafa Santos /ConJur

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em depoimento à Polícia Federal, nesta terça-feira (16/5), que não pediu a inserção de dados falsos sobre vacinação contra a Covid-19 na base de dados do Ministério da Saúde. 

Bolsonaro sempre disse não ter se vacinado. Além disso, costuma criticar, sem provas, a vacina contra a Covid-19. A PF apura houve a inserção de informações falsas no sistema da Saúde para que o ex-presidente pudesse emitir certificado de vacinação para viajar para os EUA.

Quando questionado se o seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, havia arquitetado e capitaneado a inserção de dados falsos sobre a imunização contra à Covid-19, Bolsonaro disse acreditar que Cid não tenha cometido crime algum e que, se cometeu, foi à sua revelia.

Cid tem relação muito próxima com Bolsonaro e está no centro de outra apuração da PF, que envolve as joias avaliadas em mais de R$ 16 milhões recebidas pelo ex-presidente como presente do governo da Arábia Saudita. O presente acabou confiscado pela Receita Federal, mas Cid tentou, por duas vezes, retirá-las no aeroporto internacional de Guarulhos. 

O ex-mandatário também alegou que só ficou sabendo da inserção dos dados falsos no dia em que a PF cumpriu mandado de busca e apreensão em sua casa. Bolsonaro respondeu a 60 perguntas dos agentes. 

Em todas as suas respostas, Bolsonaro negou qualquer participação na inserção de dados falsos sobre a vacinação no seu cartão e de sua filha e afirmou que não conhece o secretário municipal de Duque de Caxias (RJ) João Carlos de Sousa Brecha, que foi preso por supostamente inserir as informações falsas no sistema do Ministério da Saúde. 

Ele também garantiu não ter relação com o sargento Luis Marcos dos Reis, apesar dele ser subordinado ao tenente-coronel Mauro Cid e compor a equipe presidencial. 

Por fim, Bolsonaro negou que tenha dado qualquer orientação para insurreição contra o Estado Democrático de Direito ou contra ministros do Supremo Tribunal Federal. 

Clique aqui para ler o depoimento

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Mai23

Judiciário atacado, democracia em risco

Talis Andrade

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por José Anselmo de Oliveira

Ao longo dos anos, a carreira da magistratura vem sofrendo ataques injustos de parte da imprensa, ora por questões processuais — e que na maioria das vezes são analisadas por pessoas não habilitadas tecnicamente —, ora quanto a questões salariais — e que sempre são apontadas como excessos —, e algumas outras vezes quando uma minoria é acusada de comportamento inadequado, sendo submetida a processo ético-disciplinar.

Certo é que a maioria dos jornalistas que cobre o Judiciário não conhece a história do Judiciário brasileiro e, por vezes, também não sabe distinguir as competências e funções entre os operadores do Direito, como o magistrado, o membro do Ministério Público e até mesmo o advogado. Daí a confusão que fazem quanto ao poder de decidir do juiz e o parecer do Ministério Público, trazendo a informação incorreta de que o magistrado "deu parecer" quando em verdade ele decidiu; ou que o Ministério Público "determinou" quando este requer e dá parecer.

O Judiciário brasileiro, e sua autonomia como Poder, é recente na história política e institucional do Brasil. Podemos dizer que o maior avanço foi com a Constituição de 1988, na qual foi consagrada a forma do concurso público para ingresso na carreira, sem os vícios antigos dos concursos e as nomeações dos magistrados pelos governadores, que na maioria das vezes não obedeciam a ordem de classificação e nomeavam os apaniguados e protegidos politicamente.

Embora tenha havido uma melhora significativa no acesso ao cargo de magistrado no primeiro grau, continua existindo uma disfuncionalidade, que é o "quinto constitucional" nos tribunais do estados, regionais federais e regionais do trabalho, e nos tribunais superiores — à exceção do Supremo Tribunal Federal, onde todos os seus membros são de livre escolha do presidente da República.

O quinto constitucional contempla advogados e membros do Ministério Público Federal, do Trabalho e estadual, carreiras nas quais os seus membros passaram um bom tempo do outro lado da mesa da Justiça e que, num piscar de olhos, se transformam em julgadores de segundo e terceiro graus, com o poder de modificar decisões e julgados de magistrados que passaram toda uma vida julgando.

Os juízes do Império até a Velha República eram representantes da elite política e econômica do país e, portanto, escolhidos não pelo critério da competência, mas pela competência de quem indicava e nomeava os magistrados, e estes tinham um compromisso com as demandas das elites que representavam, como a escravidão, os privilégios dos mais ricos e a manutenção da desigualdade que garantia a manutenção de ordem que se amoldava aos interesses das elites.

O acesso à magistratura por parte de bacharéis pobres ou pretos, se ocorria, era porque estes tinham se comprometido em não ameaçar o "status quo" das elites, e a presença das mulheres, ainda que competentes, sequer era imaginada.

Com a redemocratização do Brasil, a partir do retorno das eleições diretas e da Assembleia Nacional Constituinte que escreveu a Carta Política de 1988, uma luz no fim do túnel se acendeu e, aos poucos, alguns poucos foram ingressando na magistratura pela porta do concurso público, notadamente os oriundos das classes mais pobres, os pretos e as mulheres.

Também é com a nova Constituição que o Poder Judiciário ganha autonomia e papel preponderante na defesa da cidadania e na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, o que por certo não agradou, e ainda não agrada, e nem deve agradar nunca, uma elite acostumada a ver no magistrado o defensor dos seus privilégios e na manutenção de uma ordem que não contrarie os seus interesses.

Narrativas que desinformam e que tratam mentiras como verdades buscam enfraquecer o Judiciário. Por isso, é comum vermos alegações falsas de que os magistrados recebem auxílio de tudo que é jeito, o que não é verdade. Sou magistrado estadual há 33 anos e nunca recebi auxílio-paletó, auxílio-livro, nunca tive carro à disposição e nem auxílio-combustível. Porém, pago 14% de previdência social e 27,5% de imposto de renda na fonte, e pago plano de saúde.

Parece mesmo que uma parte da sociedade e da imprensa deseja que voltemos aos tempos do Império, quando ser magistrado era honorífico e se prestava a garantir os interesses da elite. Os seus membros necessitavam apenas do poder para usar em benefício de sua classe e de seus iguais.

O resultado de um enfraquecimento da carreira da magistratura se revela um retrocesso, afastando vocações e pessoas que, sem poder econômico, sem patrimônio, não poderão viver com dignidade enquanto exercem o munus de magistrado ou magistrada.

Caso seja essa a finalidade, a maioria da sociedade estará em risco. A democracia estará em risco. Os direitos fundamentais estarão em risco.

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