
Segundo investigações, a omissão da mineradora ocorreu por mais de uma década. O Banco Central comprou escondido 129 toneladas de ouro. Falta dizer se no exterior, se na Amazönia Legal ou nos garimpos dos rios envenenados. Na Vale não vale
Comissões parlamentares de inquérito (CPIs) acusam a gigante brasileira do setor de mineração, Vale, de vender ouro para estrangeiros sem pagar os devidos royalties. A prática teria ocorrido por pelo menos dez anos. As informações foram publicadas pelo Uol, nesta quinta-feira (13).
Segundo as investigações, a mineradora declarou a exploração e venda de ouro em seus balanços, mas não em seus relatórios de produção. Já para fins fiscais, o ouro foi registrado como “subproduto do cobre”.
Com isso, a Vale teria deixado de pagar mais de R$ 400 milhões aos cofres públicos, referente ao minério extraído da mina do Salobo, em Marabá, e na mina do Sossego, em Canaã dos Carajás. Ambas localizadas no sudeste paraense.
Os dados foram levantados pela CPI da Vale, da Assembleia Legislativa do Pará, que concluiu os trabalhos em maio deste ano. E também pela CPI do Salobo, da Câmara dos Vereadores de Marabá, instalada em novembro de 2021 e que teve os trabalhos prorrogados até dezembro deste ano.
A mineradora nega as irregularidades.
Prejuízo bilionário
De acordo com as CPIs, a Vale não contabilizou a exploração do ouro nas duas cidades e, com isso, deixou de pagar R$ 446,7 milhões referentes à Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), conhecido como royalty da mineração, cobrado pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
Para chegar a essas conclusões, a CPI da Vale contratou uma consultoria para analisar os relatórios de produção, os balanços financeiros e as informações prestadas pela mineradora ao Sistema Integrado de Comércio Exterior da Receita Federal (Siscomex).
Segundo esse estudo, a mineradora declarou a exploração e venda de ouro em seus balanços, mas não em seus relatórios de produção. Já para fins fiscais, o relatório parcial da CPI do Salobo concluiu que o ouro foi registrado como “subproduto do cobre”.
Com isso, os vereadores de Marabá chegaram ao valor da dívida de mais de R$ 400 milhões, contabilizado a partir da cotação do ouro no mercado financeiro caso o minério não tivesse sido registrado como “subproduto do cobre”.
As CPIs do Pará ainda calculam que a omissão das vendas do ouro pela Vale resultou numa diferença de R$ 20 bilhões na balança comercial brasileira.
R$ 19 bi em incentivos fiscais
A Vale afirmou ao Uol que “o produto final das minas do Sossego (Canaã dos Carajás) e Salobo (Marabá) é o concentrado de cobre”, que “efetua regularmente o recolhimento dos tributos e impostos” e a CFEM é paga “de acordo com a legislação específica do tema e se baseia na precificação desse concentrado”.
Já a ANM, por sua vez, disse que “desconhece a situação”. “Existem diversos processos de cobrança de CFEM no âmbito administrativo tendo como polo passivo a Vale”, mas nenhum trata da exploração de ouro em Marabá e Canaã dos Carajás, afirmou a agência.
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por Olyntho Contente*
Imprensa SeebRio
Na terça-feira 7 de fevereiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes intimou o Banco Central e a Agência Nacional de Mineração a prestarem esclarecimentos sobre a comercialização de ouro do garimpo ilegal na Amazônia. As DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), instituições financeiras especializadas na venda e compra de ouro, dependem de autorização do BC para funcionar. Gilmar deu um prazo de três dias para que os dois órgãos se manifestem.
A intimação atende a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelo Partido Verde (PV) no STF, com pedido de medida cautelar, contra a lei federal 12.844/2013. Esta lei reduz a responsabilidade das Distribuidoras de Valores Mobiliários, ao possibilitar que elas comprem ouro com base no princípio da boa-fé, com informações prestadas apenas pelos vendedores.
Roberto Campos puxou ao avö, o lanterna na popa
A intimação pode colocar em xeque o presidente do BC, Roberto Campos Neto. Isto porque o Banco Central comprou em sigilo, no mês de maio de 2021, 11,7 toneladas de ouro, após dez anos desde sua última aquisição. Em junho do mesmo ano, foram compradas mais 41,8 toneladas do metal, além de mais 8,5 toneladas no mês seguinte.
Com isso, o BC adquiriu, em apenas três meses, a maior quantidade de ouro desde 2000. O país fechou o ano de 2021 com sua maior quantidade de ouro em posse desde novembro de 1999, totalizando 129 toneladas do metal. O valor corresponde a R$ 39 bilhões.
Em nota, o PV afirmou: "Esperamos que os esclarecimentos que estes órgãos irão prestar à Justiça também expliquem por que o Banco Central brasileiro foi o terceiro do mundo que mais comprou ouro em 2021, atrás apenas da Hungria e da Tailândia, e por que tentou manter a operação em sigilo. Foi a maior aquisição de ouro das últimas duas décadas em apenas três meses: 129 toneladas”.
Compra foi secreta
Estas aquisições foram feitas em paralelo ao incentivo de Bolsonaro ao garimpo ilegal em terras da Amazônia. A imprensa, em 2021, procurou o presidente do BC para explicar as compras, mas o banco ignorou a Lei de Acesso à Informação, e optou por não responder aos questionamentos sobre a exacerbada compra de ouro.
Ao ser questionado sobre as aquisições, o BC alegou a necessidade do sigilo bancário, que lhe garantiu carta branca para segurar informações de interesse público.
Legalização do ouro clandestino
Uma reportagem publicada pela Folha de S. Paulo mostrou que o ouro extraído de lavras clandestinas é legalizado no sistema financeiro por apenas cinco DTVMs, instituições financeiras especializadas na venda e compra de ouro que dependem de autorização do BC. Uma delas, a FD Gold, pertence a um ex-filiado ao PSDB, Dirceu Santos Frederico Sobrinho, que concorreu ao Senado em 2018 como primeiro suplente de Flexa Ribeiro. Ele não foi reeleito.
Próximo ao ex-vice-presidente e atual senador general Hamilton Mourão, Sobrinho admitiu ser o proprietário de uma carga de 77 quilos de ouro apreendida pela Polícia Federal em Itu em maio do ano passado.
Citado na reportagem, o levantamento ‘Boletim de Ouro’, publicado pela UFMG, identificou que 7 toneladas de ouro ilegal produzidas entre janeiro de 2021 e 2022 foram "esquentadas" por estas cinco DTVMs e um laboratório. Outro levantamento, o ‘Raio-X do Ouro’, aponta que quatro DTVMs seriam responsáveis por um terço de todo o volume de ouro com indícios de ilegalidade: 79 toneladas. "Isso significa que 87% de suas operações são duvidosas", diz o estudo.
*Com informações do Metrópoles, BP Money, Revista Fórum e Folha de S. Paulo.