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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

31
Jul23

Chacina policial deixa pelo menos dez mortos no Guarujá e polícia ameaça matar 60 pessoas

Talis Andrade

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Houve relatos de moradores sobre tortura e execução. Governador Tarcísio bolsonarista defendeu a chacina

 

247 – Desde o início da megaoperação das forças de segurança na Baixada Santista, na última sexta-feira (28), a cidade de Guarujá, no litoral paulista, registrou ao menos dez mortes em decorrência de intervenção policial, de acordo com informações da Ouvidoria das Polícias, segundo informa o jornalista Tulio Kruse, da Folha de S. Paulo. Essa ação foi uma resposta ao assassinato de um soldado da Rota, ocorrido na mesma cidade na última quinta-feira (27), o qual gerou comoção entre os policiais. O responsável pelo disparo que resultou na morte do soldado foi detido no domingo, em São Paulo, conforme anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em seu perfil no Twitter, que defendeu a operação.

As vítimas fatais ainda não tiveram seus nomes oficialmente divulgados, mas o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva ressaltou que o número de mortos pode chegar a 12. Além das mortes, houve relatos de moradores sobre tortura e execução de, pelo menos, um homem pelas mãos de policiais militares, bem como uma ameaça de que 60 pessoas seriam mortas em comunidades da cidade. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que todas as denúncias serão investigadas, mas até o momento não foram constatados abusos policiais.

A megaoperação, denominada Operação Escudo, tem duração prevista de um mês e mobiliza agentes de todos os 15 batalhões de operações especiais do estado, totalizando cerca de 3.000 policiais militares, além de pelotões do Choque e efetivo local. Entre as vítimas está um vendedor ambulante, Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto com nove tiros na última sexta-feira. Relatos de moradores apontaram indícios de tortura antes de sua morte. A família de Nunes informou que ele tinha sido alertado pela polícia sobre a possibilidade de ser morto devido a passagens criminais anteriores.

Órgãos de direitos humanos, como a Ouvidoria das Polícias, a Defensoria Pública estadual, a comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, estão investigando as denúncias de abusos cometidos pela PM em Guarujá. Denúncias incluem relatos de moradores aterrorizados, favelas sitiadas pela polícia e invasões de casas com o uso de máscaras por parte dos policiais. A SSP ressaltou que a operação segue os protocolos da corporação e destacou que quatro suspeitos envolvidos no assassinato de um policial já foram detidos.

 

Dez mortos na chacina em Guarujá "é a barbárie patrocinada por Tarcísio"

 

O jornalista Fernando Barros e Silva, da revista Piauí, condenou duramente a chacina policial em Guarujá (SP), assim como o tratamento concedido pelas elites brasileiras ao governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas. "Pelo menos dez pessoas, nenhuma delas identificada oficialmente, foram assassinadas pela polícia no Guarujá desde sexta-feira. É, dizem as reportagens, uma 'resposta' da Rota ao policial da corporação assassinado na quinta. Há relatos de torturas, moradores pobres aterrorizados em casa. Mas a secretaria de Segurança Pública diz que 'até o momento não foram constatados abusos por parte da polícia'", postou Barros e Silva no Twitter. "É a barbárie patrocinada por Tarcísio de Freitas, o 'quadro técnico' do bolsonarismo que vem sendo apresentado como opção à presidência da República", conclui.

Desde o início da megaoperação das forças de segurança na Baixada Santista, na última sexta-feira (28), a cidade de Guarujá, no litoral paulista, registrou ao menos dez mortes em decorrência de intervenção policial, de acordo com informações da Ouvidoria das Polícias, segundo informa o jornalista Tulio Kruse, da Folha de S. Paulo. Essa ação foi uma resposta ao assassinato de um soldado da Rota, ocorrido na mesma cidade na última quinta-feira (27), o qual gerou comoção entre os policiais. O responsável pelo disparo que resultou na morte do soldado foi detido no domingo, em São Paulo, conforme anunciado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em seu perfil no Twitter, que defendeu a operação.

As vítimas fatais ainda não tiveram seus nomes oficialmente divulgados, mas o ouvidor Cláudio Aparecido da Silva ressaltou que o número de mortos pode chegar a 12. Além das mortes, houve relatos de moradores sobre tortura e execução de, pelo menos, um homem pelas mãos de policiais militares, bem como uma ameaça de que 60 pessoas seriam mortas em comunidades da cidade. A Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que todas as denúncias serão investigadas, mas até o momento não foram constatados abusos policiais.

A megaoperação, denominada Operação Escudo, tem duração prevista de um mês e mobiliza agentes de todos os 15 batalhões de operações especiais do estado, totalizando cerca de 3.000 policiais militares, além de pelotões do Choque e efetivo local. Entre as vítimas está um vendedor ambulante, Felipe Vieira Nunes, de 30 anos, morto com nove tiros na última sexta-feira. Relatos de moradores apontaram indícios de tortura antes de sua morte. A família de Nunes informou que ele tinha sido alertado pela polícia sobre a possibilidade de ser morto devido a passagens criminais anteriores.

Órgãos de direitos humanos, como a Ouvidoria das Polícias, a Defensoria Pública estadual, a comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, estão investigando as denúncias de abusos cometidos pela PM em Guarujá. Denúncias incluem relatos de moradores aterrorizados, favelas sitiadas pela polícia e invasões de casas com o uso de máscaras por parte dos policiais. A SSP ressaltou que a operação segue os protocolos da corporação e destacou que quatro suspeitos envolvidos no assassinato de um policial já foram detidos.

Suspeito de matar o soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) no Guarujá, litoral sul de São Paulo, foi preso neste domingo. Erickson David da Silva, conhecido como Deivinho, se entregou à polícia na zona sul de São Paulo.
 

O soldado Patrick Bastos Reis estava em patrulhamento quando criminosos atiraram contra a viatura. Como fazia a Gestapo, para cada soldado morto, dez civis fuzilados. 

27
Abr23

Na capa do El País, Lula defende que só quem está fora da guerra pode pará-la

Talis Andrade
www.brasil247.com - Vladimir Putin, Lula e Volodymyr Zelensky


'Não tenho dúvidas de que Bolsonaro tentou dar um golpe'




247 - Voz quase que solitária na real busca pelo fim da guerra entre Rússia e Ucrânia, o presidente Lula (PT) foi destaque nesta quinta-feira (27) na edição impressa do jornal espanhol El País. Lula esteve na Espanha nos últimos dias para agendas com empresários locais, com o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, e com o rei, Filipe VI.

Em destaque na capa, a frase do presidente: "só os que estão fora da guerra podem pará-la". Sempre que perguntado acerca da guerra, Lula reafirma que condena a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia, mas destaca ser necessário concentrar esforços para retomar o diálogo entre os dois países em conflito. O plano do presidente brasileiro é montar um clube de países neutros que possam intermedirar o fim da guerra. “Só quem está de fora pode ajudar a construir uma engenharia capaz de frear essa guerra”, afirmou o mandatário ao El País.

"O Brasil condena porque a Rússia não tem o direito de invadir o território ucraniano. Então os russos estão errados. Ou você alimenta a guerra ou tenta acabar com ela. Para mim é mais interessante falar sobre acabar com esta guerra. E ninguém fala de paz, só eu. Fui falar com Joe Biden, com Olaf Scholz, com Xi Jinping, com Emmanuel Macron. É preciso se encontrar para acabar com esse conflito. E isso só pode ser feito se dois negociarem em uma mesa. É o que eu defendo", detalhou Lula.

O presidente ainda sugeriu que o conflito russo-ucraniano possa estar ligado a "interesses eleitorais". "Putin acredita que tem razão, e Volodymyr Zelensky, invadido, tem o direito de se defender. Então, quem vai acabar com a guerra? Preocupa-me que esta guerra esteja ligada a interesses político-eleitorais. Isso já aconteceu outras vezes no mundo e não acho justo que haja uma guerra sem que ninguém construa a paz. Vou tentar fazer isso".
Lula
@LulaOficial
Bom dia. Hoje, na capa do Estamos trazendo o Brasil de volta ao mundo e dialogando por um planeta em paz. Com menos guerra e mais cooperação, desenvolvimento e combate à fome e às mudanças climáticas.
 
 
Imagem de capa do jornal El País. Em espanhol, o destaque traz o texto "Só os que estão fora da guerra podem pará-la". No centro, foto de Lula falando com as mãos unidas
 
"Tudo foi organizado por Bolsonaro e sua equipe", disse Lula sobre os atentados terroristas de 8 de janeiro em entrevista que estampa a capa do jornal espanhol desta quinta-feira
 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ao jornal espanhol El País que não tem dúvidas sobre a participação de Jair Bolsonaro (PL) na intentona golpista que culminou com os atentados terroristas do dia 8 de janeiro, quando militantes bolsonaristas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.

“Não tenho dúvidas de que ele tentou dar um golpe. Isso ia acontecer desde o primeiro dia da minha posse, mas como havia muita gente, ele esperou uma semana”, disse Lula na entrevista que estampa a capa do jornal espanhol nesta quinta-feira (27).

“Vi tudo na televisão, agrediram o Palácio do Planalto, houve negligência por parte de quem guardava e entrava no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio. Agora há pessoas na cadeia. Procuramos também quem financiou, quem pagou, por exemplo, os veículos que transportaram [os bolsonaristas]. Agora, o secretário de Segurança de Brasília [Anderson Torres] está preso”,  ressaltou o petista. 

Na entrevista, Lula disse estar convencido de que “tudo foi organizado por Bolsonaro e sua equipe. Ele foi alvo de 34 acusações e mais serão feitas, principalmente em processos internacionais. Ele é acusado da morte de mais de 300 mil pessoas, por causa das mais de 700 mil que morreram no Brasil [na pandemia], ele é responsável pela morte de mais da metade por não ter comprado as vacinas necessárias e por comprar medicamentos que são inúteis”.

O mandatário brasileiro também destacou ser preciso “salvar a democracia em todo o mundo” do avanço da extrema direita. “Não é só no Brasil. Temos de salvar a democracia em todo o mundo, porque há também a extrema direita na Espanha, em Portugal, na França, na Alemanha... Somente com a democracia o direito do povo de ir e vir pode ser estabelecido, somente com ela um metalúrgico pode se tornar presidente da República. A Espanha sabe o que é autoritarismo. Em Portugal havia apenas oito pessoas fazendo barulho nesse dia. Não sei como essas pessoas se sentiriam quando conversassem com seus filhos se os vissem na TV nesse papel ridículo. O que vemos às vezes com a extrema direita é barbárie, vimos isso com Hitler. Isso é fascismo e pode existir em qualquer país do mundo”, afirmou. 

17
Abr23

Qual é o papel do jornalismo frente à barbárie?

Talis Andrade
 

Álisson Coelho /ObjETHOS

As cenas beiram o surrealismo para os padrões brasileiros. Em um país marcado por tantas violências, ataques em massa em escolas pareciam não fazer parte da nossa realidade. Mais do que isso, causava alguma estranheza ver, vindas dos Estados Unidos, imagens de episódios como o de Columbine, massacre escolar ocorrido em 20 de abril de 1999 e que, portanto, nesta semana completa 24 anos. Os últimos anos mostraram que, ao contrário do que supúnhamos, somos cada vez mais vulneráveis. Um cenário de medo que, não raro, recebe contribuições de uma imprensa que ainda não sabe como cobrir esses casos.

O papel do jornalismo na cobertura da barbárie, da intolerância e do radicalismo é tema de um tópico da newsletter publicada pelo ObjETHOS na semana passada. Essa, no entanto, é uma discussão que precisa necessariamente ser ampliada, especialmente em um momento no qual a sociedade brasileira habituou-se a utilizar a violência como reposta-base para muitos dos nossos problemas. Mesmo essa disposição à violência, vista como respondemos aos nossos problemas coletivos, traz consigo uma responsabilidade da qual a mídia brasileira não pode fugir. As novas e as “velhas” mídias.

Uma mãe ouve a confissão do assassino da filha ao vivo e quase desmaia. No canal seguinte, um homem é levado por uma enchente, enquanto se afoga ao vivo em rede nacional. Helicópteros sobrevoam as capitais do Brasil e o objetivo é sempre o mesmo: encontrar a violência e transmiti-la com a maior dose de sensacionalismo possível. Quanto mais barbárie, mais audiência, em um ciclo que se retroalimenta e torna apresentadores celebridades com salários milionários. Tudo ao vivo, em televisão aberta, durante boa parte das tardes da família brasileira.

Em um dos podcasts mais ouvidos do Brasil o apresentador defende ao vivo que o país tenha um partido nazista legalizado. No Twitter, adolescentes falam abertamente sobre atacar escolas. No Litoral do Rio Grande do Sul, a polícia encontra o quarto de um adolescente de 14 anos repleto de símbolos nazistas e fascistas, com bandeiras e fotos de Hitler e Mussolini. Ele também estaria preparando um ataque.

Todos esses casos parecem não ter uma relação direta, mas compõem um cenário no qual a violência vende e o extremismo gera conexões. O sensacionalismo dos programas televisivos normalizou a barbárie, e estabeleceu que a resposta a ela passa, necessariamente, por mais violência, as redes transformaram o extremismo em um negócio ainda mais lucrativo. Nada engaja mais do que a violência, o extremismo e um ambiente em que a oferta algoritmizada de conteúdo busca justamente engajar.

Em comum, a “velha” e a “nova” mídia tem a falta de regulação e a baixa responsabilização de seus proprietários. Juntas, contribuem decisivamente para esse cenário extremo vivenciado nos últimos meses. Agora, suas responsabilidades precisam ser revistas. Mais do que pensar nas práticas passadas, é preciso analisar o presente e o futuro. A radicalização não é um traço unicamente brasileiro, mas a repetição de casos de violência coloca a todos em alerta.

Mudanças de rumos

Após os recentes ataques em escolas, parte da imprensa brasileira tradicional mudou de posicionamento na cobertura dos casos. Nomes dos agressores, imagens dos ataques e outros detalhes deixarão de ser veiculados. A decisão já foi refletida nas reportagens sobre o ataque ocorrido em Blumenau, no último dia 5 de abril. Globo e Band, dois dos principais canais de TV aberta do país, são alguns dos veículos que adotaram a nova postura. O grupo O Estado de S. Paulo foi na mesma linha. Mas, ainda é pouco.

O ressurgimento global do autoritarismo apresenta desafios muito mais significativos para a imprensa. Mais do que um enquadramento voltado ao factual, é preciso contextualizar a sociedade brasileira em torno do problema. Na entrevista que deu ao podcast Pauta Pública, a jornalista Marie Declercq, que estuda fenômenos correlacionados em grupos na internet, chama a atenção para o debate raso visto na imprensa.

A maior parte dos grupos radicalizados sequer são amplamente conhecidos. Esse silenciamento em torno do funcionamento deles, em um contexto de plataformas que estimulam a oferta de conteúdo a partir do engajamento que ele gera, faz do extremismo um fenômeno extremamente espraiado em rede, mas pouco discutido pelos brasileiros. É preciso inverter essa lógica.

Como jornalistas, nossa colaboração possível neste cenário vem com a arma mais forte que temos: a informação. Aprofundar o debate é fundamental para que pais, professores e autoridades estejam atentos. Investigação jornalística de qualidade, ampliação das fontes que falam sobre esses temas – para além do aparato da segurança pública e o mapeamento do radicalismo em rede são contribuições práticas que o jornalismo pode e deve oferecer.

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25
Mar23

Autonomia do Direito: um antídoto contra a barbárie

Talis Andrade
 
 
 
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por Jefferson de Carvalho Gomes /ConJur

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Recentemente o professor Lenio Streck nos brindou com duas importantes reflexões[2] sobre a tentativa do uso de uma roupagem jurídica para que se tente justificar todo e qualquer anseio autoritário que atente contra a democracia.

O cerne das importantes reflexões do professor caminham justamente no sentido de que todo ataque à ordem democrática, de natureza autoritária e totalitária, precede de uma pretensa maquiagem jurídica, com fins de legitimação do ilegitimável. Eis aí o motivo que tem feito com que o tema sobre o lawfare tenha crescido tanto nos últimos anos, pois é justamente a partir do sequestro semântico de conceitos jurídicos, que se tenta a todo o tempo aniquilar um pretenso inimigo — ou até mesmo o Direito — em nome de um pseudo "bem maior".

Em outro momento, neste mesmo espaço da Diário de Classe[3], tentei refletir um pouco sobre este fenômeno do lawfare. Ali, busquei tratar um pouco sobre o que seria isto — o lawfare e optei por filiar-me à concepção Streckiana acerca do conceito de lawfare[4], como "a construção fraudulenta do raciocínio jurídico para fins politicamente orientados".

A premissa de Streck sobre o lawfare é deveras importante para justamente compreender suas novas reflexões, trazidas no início deste texto. O mundo assistiu atônito aos lamentáveis episódios de depredação e tentativa de golpe de Estado, ocorridos em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023. A turba ensandecida entre tantos arroubos retóricos se julgava no Direito de se apossar dos espaços destinados ao Executivo, Legislativo e Judiciário, pois partiam de uma rasa concepção de que "Supremo é o povo", para usar uma entre tantas outras tentativas retóricas de justificar o injustificável.

Esta própria premissa, já parte de um grave equívoco interpretativo do parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição da República. Mas será mesmo que este equívoco se dá pelo simples fato de toda uma coletividade ler e interpretar errado ou porque estas ideias vão sendo trabalhadas e postas ponto a ponto na cabeça da coletividade, até o ponto então que uma turba se sinta legitimada a atentar contra a democracia, afinal estariam eles amparados "juridicamente"?

Pois bem, como disse dois parágrafos acima, a primeira máxima dita amiúde pelo povo desordeiro seria a de que supremo é povo, tal concepção parte da máxima constitucional de que todo poder emana do povo, eis então o suposto ponto de legitimação que transforma o desejo reprimido em manifestação de histeria. E esta histeria somente existe, porque antes, como bem lembrou o professor Streck, ao colocar o dedo na ferida, existiu alguém, com uma representação simbólica — de jurista, por exemplo — que em algum momento disse que os absurdos praticados no dia 8 de janeiro seriam legítimos.

Outro exemplo deste sequestro semântico dos significados constitucionais é o rotineiro pedido de intervenção das Forças Armadas nos poderes legalmente constituídos, sob o falso e errôneo argumento de que o artigo 142, da Constituição autorizaria tal barbárie. Ora, a primeira parte do texto do artigo 142, já seria suficiente para rechaçar qualquer tese ou teoria golpista, mas ainda assim tenha quem diga que a Constituição atribuiu um pretenso poder moderador às Forças Armadas, quando em verdade o objetivo central desta mesma Constituição é que jamais tenhamos qualquer possibilidade de viver sob um governo militar e/ou de exceção, como experimentado de 1964 até 1984.

Esta explanação é para que possamos falar do que é mais importante e caro a nós neste momento: a preservação da autonomia do Direito, enquanto instrumento de salvaguarda da ordem democrática. Gilberto Morbach[5] explica assim a autonomia do Direito a partir da CHD, de Lenio Streck

O que significa defender a autonomia do fenômeno jurídico? Hermeneuticamente, também aqui é interessante explicar a partir de nosso tempo.Vivemos em época de profundos desacordos morais. Se há poucos consensos em sociedade, paradoxalmente, um deles é precisamente o fato de que discordamos entre nós mesmos. Somos muitos, são muitos nossos desacordos e a tendência é que isso acabe por se acirrar cada vez mais, e sociedades cada vez mais divididas e fragmentadas. Daí a importância da autonomia do direito. Daí a relação direta entre direito, império da lei e democracia. Em tempos de desacordos profundos, qualquer alternativa que não prescinda dos ideais democráticos passa, necessariamente, pela ideia de que esses desacordos não podem ser resolvidos arbitrariamente. A coordenação social precisa respeitar princípios regulatórios. Como já dizia Ortega y Gasset, onde não há um acatamento de certas posições últimas, o resultado é a barbárie. Sem uma instância que os regule, nossos desacordos tornam nossa condição análoga àquela de que falava Matthew Arnold em Dover Beach: a de ignorant armies, clashing by night on a darkling plain [exércitos ignorantes a lutar em uma planície escura].

Neste sentido, Lenio Streck[6] afirma que:

a autonomia deve ser entendida como ordem de validade, representada pela força normativa de um direito produzido democraticamente e que institucionaliza (ess)as outras dimensões com ele intercambiáveis (portanto, a autonomia do direito não emerge apenas na sua perspectiva jurisprudencial, como acentua, v.g., Castanheira Neves — há algo que se coloca como condição de possibilidade ante essa perspectiva jurisprudencial: a Constituição entendida no seu todo principiológico), apontando para a Constituição como fio condutor dessa intermediação, cuja interpretação deve ser controlada hermeneuticamente, evitando-se que o sentido a ser atribuído ao seu texto e ao conjunto normativo infraconstitucional vá além ou fique aquém desse fundamento normativo.

É justamente a partir desta concepção de autonomia do Direito, que busca-se defender que jamais qualquer pessoa que tenha passado por uma faculdade de Direito, não importa qual seja a sua predileção político-ideológica seja capaz de afirmar que em algum momento o Direito é capaz de autorizar as barbáries que o país vivenciou no último dia 8 de janeiro, pois entre tantas funções nobres que a autonomia do Direito possui, talvez a mais importante seja colocar freio em nossos instintos mais selvagens e primitivos.

É dizer: existe um limite! Ou até mesmo como aprendemos quando assistimos as aulas, lemos e escutamos o professor Streck: o Direito está para corrigir a moral e não a moral que está para corrigir o Direito. Ou seja, pouco importa o que o pensa o jurista A, B ou C, o importante é o que o Direito diz ou veda sobre determinados temas, e diante de toda a história institucional e constitucional brasileira, não é difícil imaginar que não há em nenhuma letra sequer de nossa Constituição, que autorize qualquer atentado à democracia!

E mais, legitimar qualquer atentado à ordem democrática implica em grave desonra a todos que um dia juraram cumprir e obedecer a Constituição — ou será que a máxima de que quem jura mente está valendo!? Por vezes somos postos em cenários ao qual não concordamos. É normal que de quatro em quatro anos passemos por um momento de (re)avaliar os rumos do país e escolhermos entre o novo — ainda que já não seja tão novo assim — ou a manutenção de um projeto político, e aí é que está a magia do poder democrático que só se constitui com a autonomia do Direito: a certeza de que não importa qual seja o resultado, daqui a quatro anos teremos novas eleições e por conseguinte uma nova oportunidade de escolher nossos representantes.

Portanto, que se pare de ouvir a voz das ruas e passe a se ouvir a voz da Constituição, pois se um dia a voz das ruas vencessem, elas mesmo seriam caladas pela sua vitória, pois com a ruptura que pregam, já não haveria mais Constituição para defender o direito de ninguém e aí com quem reclamar? Por isso, que em tempos de carnaval, o samba pode nos levar a refletir sobre algo, pois é certo que “meninos mimados não podem reger a nação[7].

E o samba aqui é útil, justamente para dar a interdisciplinaridade que nos é cara ao Direito, como o diálogo com a arte e sobretudo com a literatura, como bem alerta a professora Luísa Giuliani Bernsts[8]

O argumento apresentado pelo professor Lenio de que "todo o golpista sempre terá um jurista para chamar de seu", parte de uma provocação literária e se constrói fitando a nossa história recente (os golpes de 64 e contra o governo de Dilma Rousseff), em que os limites interpretativos foram violados em nome de interesses políticos autoritários e/ou antiemancipatórios. Esse tipo de interpretação (inautêntica) é o que torna ilegalidades legais no Brasil. Mas, como bem explora o artigo em comento, ainda que diante de tamanhos "esforços hermenêuticos", golpes de Estado não precisam ser expressamente proibidos para serem incompatíveis com os princípios constitucionais e, portanto, com o Estado Democrático de Direito. Mesmo que alguns tentem garantir — para usar a provocação do professor Lenio — que determinada forma de quebrar ovos seja a única correta, ela só se sustentaria como tal a partir do peso das justificações invocadas na construção de seu sentido e não pelo cumprimento formal de um rito. Esse sentido é (ou deveria ser) edificado da mesma forma que as histórias são fabricadas.

Como escrevi linhas acima: por mais que eventualmente não gostemos de alguma decisão do Judiciário ou até mesmo do resultado de uma ou outra eleição, que bom que ainda temos o Direito para conter os instintos primitivos.

O Direito tem salvado a democracia nos últimos anos, e torço para que continue salvando. Tentaram por à prova o Direito, no dia 8 de janeiro, mas que bom que ele ainda resistiu, e nos salvou mais uma vez. E cabe a nós, que juramos cumprir e obedecer a Constituição, continuar colocando o sino no pescoço do gato, antes que seja tarde e o canto da sereia trague o que temos de melhor: a democracia!

 
 
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Bibliografia:

BERNSTS, Luísa Giuliani. Fabricando a nossa (melhor) história: a narrativa literária e o Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-11/diario-classe-fabricando-nossa-melhor-historia-narrativa-literaria-direito

CARVALHO GOMES, Jefferson. Lawfare: Quando a lei (ou seu uso estratégico) aniquila o Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-21/diario-classe-lawfare-quando-lei-ou-uso-estrategico-aniquila-direito;

CRIOLO. Menino Mimado. Disponível em: https://www.letras.mus.br/criolo/menino-mimado/;

MORBACH, Gilberto. Autonomia do direito e teoria da decisão: a CHD de Streck. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-07/autonomia-direito-teoria-decisao-chd-streck

STRECK, LENIO LUIZ. No Brasil, todo golpista tem um jurista pra chamar de seu. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/02/no-brasil-todo-golpista-tem-um-jurista-para-chamar-de-seu.shtml

_____________________. Jurista de estimação. Folha de S.Paulo. Caderno Ilustrada Ilustríssima. C8. Publicado em 12/02/2023.

_____________________. Enciclopédia do golpe - Vol. 1. Bauru: Canal 6, 2017. p. 119.

_____________________. Autonomia do direito e decisão judicial. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/autonomia-direito-decisao-judicial/

[2] Cf. No Brasil, todo golpista tem um jurista pra chamar de seu. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/02/no-brasil-todo-golpista-tem-um-jurista-para-chamar-de-seu.shtml. Cf. Jurista de estimação. Folha de São Paulo. Caderno Ilustrada Ilustríssima. C8. Publicado em 12/02/2023.

[3] CARVALHO GOMES, Jefferson. Lawfare: Quando a lei (ou seu uso estratégico) aniquila o Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-ago-21/diario-classe-lawfare-quando-lei-ou-uso-estrategico-aniquila-direito

[4] STRECK, Lenio Luiz. Enciclopédia do golpe - Vol. 1. Bauru: Canal 6, 2017. p. 119.

[5] MORBACH, Gilberto. Autonomia do direito e teoria da decisão: a CHD de Streck. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-set-07/autonomia-direito-teoria-decisao-chd-streck

[6] STRECK, Lenio Luiz. Autonomia do direito e decisão judicial. Disponível em: https://estadodaarte.estadao.com.br/autonomia-direito-decisao-judicial/

[7] CRIOLO. Menino Mimado. Disponível em: https://www.letras.mus.br/criolo/menino-mimado/

[8] BERNSTS, Luísa Giuliani. Fabricando a nossa (melhor) história: a narrativa literária e o Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-11/diario-classe-fabricando-nossa-melhor-historia-narrativa-literaria-direito

 
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11
Jan23

Alexandre de Moraes determina prisão de Anderson Torres

Talis Andrade

Por Valdo Cruz, Isabela Camargo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira (10) a prisão do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Viaturas da Polícia Federal foram vistas em frente à casa de Torres, em Brasília.

Após deixar o Ministério da Justiça, com o fim do governo Jair Bolsonaro, Torres reassumiu a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Ele era o responsável pela pasta quando alguns bolsonaristas terroristas invadiram os prédios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, neste domingo (8).

 

Quem exonerou Torres foi Ibaneis Rocha, pouco antes de ser afastado do cargo de governador por ordem de Moraes, por 90 dias. O ministro entendeu que houve omissão das autoridades do DF nos atentados.

O pedido de prisão de Torres, acolhido por Moraes, foi feito pela PF. O ex-ministro está de férias em Orlando, nos Estados Unidos, mesma cidade onde está Bolsonaro.

"Lamento profundamente que sejam levantadas hipóteses absurdas de qualquer tipo de conivência minha com as barbáries que assistimos", escreveu em rede social.

 

Argumentos da PGR

 

Em ofício enviado à Justiça, a Procuradoria-Geral da República afirmou que, "no mínimo", "houve criminosa omissão do Governador do Distrito Federal, que terá anuído e concorrido, de maneira consciente e voluntária, para os gravíssimos crimes verificados em 8 de janeiro de 2023, em Brasília".

A PGR afirmou também que, junto com Ibaneis, têm responsabilidade sobre os fatos, "em tese", Anderson Torres; o secretário interino de Segurança (já que Torres está nos Estados Unidos), Fernando de Sousa Oliveira; e o comandante-geral da Polícia Militar do DF, Fabio Augusto.

 
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres — Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres — Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

 

Nomeação e polêmica

 

Antes de ser ministro do governo Bolsonaro, Anderson Torres foi secretário de Segurança Pública do DF, entre 2019 e 2021. Após deixar o governo federal, ele voltou ao cargo e foi nomeado por Ibaneis Rocha em 2 de janeiro, um dia após a posse.

Segundo apuração da colunista do g1 Andreia Sadi, o pedido para retornar à pasta partiu do próprio Anderson Torres, e causou reações em integrantes do governo Lula (PT) e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), já que o ex-ministro era considerado "homem forte" de Bolsonaro, e a escolha ocorreu em meio a uma escalada de tensões.

10
Jan23

Visão do Correio: Vitória da democracia

Talis Andrade

O Brasil já demonstrou, desde que saiu da ditadura militar, que jamais se renderá novamente às ações daqueles que afrontam o Estado de direito

Editorial - Correio Braziliense

A democracia brasileira venceu. Isso está claro. Por mais violentos que tenham sido os ataques às sedes dos Três Poderes, no domingo, o país continua de pé, as instituições estão em pleno funcionamento e os terroristas, submetidos às leis. É fundamental que, a partir de agora, para que atos que afrontem a Constituição não se repitam, agentes públicos e sociedade firmem um acordo tácito que protejam todas as conquistas democráticas. O Brasil já demonstrou, desde que saiu da ditadura militar, que jamais se renderá novamente às ações daqueles que afrontam o Estado de direito. A maioria dos brasileiros é democrata.

A resposta das autoridades aos terroristas terá de ser dura, com responsabilidade penal. Não só em relação aos mais de 1,5 mil detidos pelas forças policiais, mas, também, aos que organizaram e financiaram os movimentos golpistas. Está claro que a invasão do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) foi bancada por um grupo de empresários que acreditam estar acima da lei, a ponto de questionarem o legítimo resultado das eleições, vencidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As urnas foram claras. Cabe aos derrotados esperarem as próximas disputas para se submeterem à vontade popular. Qualquer ação fora desse caminho é crime e deve ser punida com o devido rigor.

Também será vital ao país uma reestruturação profunda das forças de segurança, que estão contaminadas pelo que há de pior da política. Ao compactuarem com os golpistas, inclusive abrindo passagem para que os vândalos invadissem os prédios símbolos da democracia, policiais desrespeitaram o papel constitucional que lhes cabe. A estreita ligação daqueles que devem garantir o cumprimento da lei com bandidos que atentam contra a democracia é perigosa demais. E isso não se restringe a Brasília. É visível a cooptação das policias militares de todos os estados pela extrema-direita e todo o seu radicalismo. Desarmar esse elo exigirá muita prudência dos governadores, aos quais as forças de segurança estão submetidas.

No caso das Forças Armadas, os três atuais comandantes têm demonstrado compromissos com a Constituição. É o mínimo que se espera deles, cuja principal missão, daqui por diante, será tirar a política dos quartéis. Não é mais aceitável que os militares sejam motivo de tensionamento, alimentando teorias conspiratórias. O primeiro e importante passo nesse sentido foi o desmonte dos acampamentos em frente aos quartéis-generais do Exército. Espera-se que descalabros como esse não se repitam. Essas ocupações se tornaram ponto central para a organização dos atos terroristas que começaram em 12 de outubro, com o ateamento de fogo em carros e ônibus, passando pela colocação de uma bomba em frente ao Aeroporto de Brasília e culminando com a invasão de prédios públicos.

Os desafios, portanto, são muitos e nada triviais. A manifestação conjunta dos chefes dos Três Poderes, rejeitando atos de "terrorismo, vandalismo, criminosos, golpistas" foi fundamental para acalmar a sociedade e sinalizar que as instituições, mesmo nesse período de anormalidade, estão em pleno funcionamento e prontas para agir. O país clama pela pacificação. Há tanto por se fazer em favor dos brasileiros, em especial, dos mais carentes. Contundo, é impossível levar adiante políticas públicas consistentes numa nação conflagrada. Desperdiça-se todas as energias tentando conter fanáticos, quando 33 milhões de pessoas passam fome, milhares de crianças estão fora das escolas e o sistema de saúde não atende às demandas dos que dele dependem.

A barbárie arreganhou os dentes, mas o Brasil se mostrou mais forte. A hora é de se consolidar a tão valiosa democracia, de se trabalhar por um país mais justo, de substituir o ódio pela boa convivência, como sempre foi característica desta nação. Não se trata de desejo, mas de obrigação de todas as autoridades constituídas. O mandato foi dado pela maioria dos brasileiros. Aos que insistirem em saírem das quatro linhas da Constituição, os tribunais.

 
03
Jan23

Os redentores do Império e o sangue de Deus

Talis Andrade

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(Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21.com.br)

 

É através da distorção do cenário bíblico do Antigo Testamento que pregadores punitivistas argumentam a favor da pena de morte no Brasil

 

Por André Kanasiro | Revista Opera

O governo que assola nosso país desde 2018 tem feito aflorar o que muitos chamam de viúvas da ditadura — pessoas que, por falta de conhecimento ou excesso de ódio, sentem falta dos gorilas que mataram seus irmãos e desafetos a partir de 1964. Mas ele faz aflorar, dos ralos da História, ainda outro grupo: as viúvas do Pentateuco, que sentem falta de sua própria versão distorcida do Antigo Testamento. Enxergando em Moisés a repressão e a impiedade que envenenam suas próprias almas, pregam aos quatro ventos que a receita para superar o que consideram “a decadência do Ocidente” é seguir princípios supostamente divinos que, através de um endurecimento radical de nosso sistema penal, seriam capazes de colocar ordem na casa brasileira. Os semeadores de ervas daninhas encontram aqui um terreno especialmente fértil para suas mentiras, nossas mentes já aradas pelo sensacionalismo criminal de apresentadores de televisão, e tornam cada vez mais hegemônica a imagem de um Deus sociopata, que se alegra com o sangue do pobre escorrido pelas ruas.

Para enfrentar essas mentiras não basta nos apegarmos ao Novo Testamento, alegando que Cristo anulou todo o resto, e ignorar os séculos de tradição semita que o precederam. Temos que compreender o raciocínio e os princípios subjacentes ao que realmente está escrito no texto mosaico, para só então nos perguntarmos: o que isso tem a ver com o Brasil do século XXI?

Go’el: compreendendo os papéis do redentor

Um dos principais versos utilizados por nossas viúvas do Pentateuco precede o nascimento de Israel e está em Gênesis 9:6, no que seria uma prescrição universal à humanidade: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.”

Esse verso é um dos muitos que transmite um postulado teológico básico da Bíblia Hebraica: o sangue da violência e do homicídio poluem a terra, que clama a Deus e exige sua purificação para a aproximação da divindade. É a terra que engole o sangue de Abel derramado por Caim (Gn 4), o primeiro homicida, e é também a terra que a partir daí se nega a dar sua força ao assassino. É a violência que corrompe a terra até o ponto de não-retorno e motiva Deus a purificá-la com o Dilúvio (Gn 6). O homicídio não é só um crime contra o próximo, mas contra a própria natureza: o derramamento de sangue inocente introduz um desequilíbrio no cosmo, que só será restaurado à harmonia com o derramamento do sangue culpado.

Tal teologia não é exclusiva da religião de Israel; pelo contrário, variantes podem ser encontradas em várias de suas religiões contemporâneas no Antigo Oriente Médio (AOE). O mesmo se aplica à solução encontrada. A instituição da vingança de sangue, segundo a qual o parente mais próximo de uma vítima de assassinato tem o dever de matar o homicida e restaurar equilíbrio à terra em que habita, pode ser encontrada em todo o AOE. Mas é na Bíblia Hebraica que esta encontra um ápice em seu desenvolvimento teológico e, paradoxalmente, em sua adequação aos princípios divinos de misericórdia.

O vingador de sangue bíblico é uma das muitas faces do go’el, o redentor, que é responsável por restaurar o equilíbrio em diversas situações do dia-a-dia israelita: ele redime a descendência de seu parente que morreu sem deixar filhos ao casar-se com sua viúva, e redime seu irmão hebreu ao encontrá-lo escravizado  — comprando sua liberdade e até as propriedades que este perdeu. O próprio Deus de Israel é o go’el de seu povo, pois o redimiu da escravidão no Egito (Is. 41:14). O redentor restaura a descendência, liberdade e justiça à sociedade em que habita; e, apesar de por vezes trazer a morte, traz vida e liberdade ao seu povo.

Mas mesmo quando deve trazer a morte o redentor encontra um problema: o Deus bíblico é misericordioso demais. Caim, o primeiro homicida e alvo potencial de redentores, lamenta-se com Deus que “todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:14). Deus responde colocando-lhe uma marca, “para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4:15). A regra radicaliza a exceção: em Números 35, ao tratar da legislação penal na futura Terra Prometida, Deus introduz cidades de refúgio para as quais podem fugir os homicidas. Uma vez nestas cidades, o assassino não poderia ser morto por seu redentor, que deveria esperar pelo julgamento a ser feito na assembleia dos líderes de Israel. Caso o homicídio fosse julgado doloso, o redentor atuaria como o carrasco do Estado israelita; mas caso o homicídio fosse julgado culposo, o redentor não poderia matá-lo. O homicida então viveria na cidade de refúgio até que o sangue que ele derramara fosse redimido pelo redentor e expiador de Israel por excelência — é o sumo-sacerdote que, ao morrer, redime a culpa do homicida e permite que este volte pra casa.

A legislação israelita parte de seus paralelos no AOE, mas não sem antes subvertê-los a favor da misericórdia: ao mesmo tempo em que valoriza a vida a ponto de não reconhecer o pagamento de indenizações pela família do homicida à família da vítima, institucionaliza a justiça de forma a conter a espiral de violência. Ao contrário de outras nações da sua época, o redentor não pode restaurar o equilíbrio matando outros membros na família do homicida, e seu testemunho não é o bastante para culpabilizar o réu em julgamento. A justiça penal israelita tem suas próprias contradições, mas possivelmente representou progresso histórico e humanizador ao mundo de sua época.

O Brasil contemporâneo e a redenção da barbárie

É através da distorção desse cenário bíblico que os pregadores punitivistas argumentam a favor da instituição da pena de morte no Brasil, assim como de um sistema penal mais duro que diminua a ocorrência de crimes através do medo. Ignoram, porém, que a falta de justiça em nosso sistema penal só tende a ser exacerbada por tais medidas: a despeito de nossas instituições policiais quebradas e ineficientes, que até 2013 arquivavam quase metade das ocorrências de homicídios sem sequer investigá-las, temos a terceira maior população carcerária do mundo, com pelo menos 812 mil pessoas vivendo em condições subumanas em nossas prisões. Destes presos, mais de 40% sequer foram julgados para estarem ali, e 63% se declaram pretos ou pardos. Entre 2009 e 2013, por exemplo, 65% dos presos não usavam armas, não faziam parte de organizações criminosas, e foram presos em flagrante pelo uso ou pela negociação de substâncias ilícitas. Passarão anos em seus campos de concentração, aguardando julgamento em celas superlotadas enquanto muitos outros crimes sequer são investigados.

Como a radicalização de um sistema ineficiente e racista como esse, herança colonial de uma nação escravista e antipobres, poderia restaurar equilíbrio e justiça às terras da América Latina? Os pregadores não dizem, pois não lhes importa o equilíbrio — multiplicar a violência e a injustiça, ver o sangue dos pobres correndo pelas ruas, e clamar por um novo Dilúvio que os mate com toda a humanidade é o que os importa. Não redimem o sangue de vítimas, e sim a barbárie, pregando a guerra de um Estado contra seu próprio povo. Pregam a solução final — e matam dia após dia nosso grande sumo-sacerdote, Jesus Cristo, que expiou a humanidade e purificou toda a Terra ao derramar seu próprio sangue. Morreu, ironicamente, pelas mãos de um Estado que matava seus súditos e odiava seus pobres. Nossos piedosos pregadores não defendem a Cristo. Defendem o Império e seu direito de matar nosso Deus.

23
Dez22

A confirmação da vitória de Lula só poderá ocorrer o peso da lei penal cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos

Talis Andrade

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por Tarso Genro /A Terra É Redonda

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No dia 12 de dezembro de 2022, enquanto o presidente Lula era diplomado numa histórica sessão do Tribunal Superior Eleitoral, ouvindo um épico discurso do ministro Alexandre de Moraes, milicianos bolsonaristas atacaram a sede da Polícia Federal e incendiaram alguns veículos em Brasília. Era a nossa Cervejaria de Munich, um “putsch” para um golpe que faliu e um protesto pela sua derrota nas eleições presidenciais, onde toda sujeira que nela emergiu veio das suas estrebarias de “fake news”, dos órgãos de Estado aparelhados, das ações ilegais da Polícia Rodoviária Federal e dos escaninhos bandidos do orçamento secreto. Estas ações da direita bolsonarista mostram que a vitória de Lula e da democracia ainda pendem de um forte processo político de afastamento dos restos da tragédia ancorados no porto da nossa história recente.

Votado pela base do governo num gesto escandaloso que se tornou uma vergonha planetária da nossa decadência democrática, que se orgulhava do seu isolamento internacional, do negacionismo genocida e dos ataques sistemáticos às instituições da Constituição de 1988, este “orçamento” só poderia ser composto por uma aliança marginal das religiões do dinheiro com o que tem de pior no fisiologismo das elites empresariais do país. Foi a unidade da barbárie contra a democracia, do fisiologismo com o espírito miliciano, de grande parte das classes médias com as instituições “sacras” do espírito-santo monetarizado na corrupção política.

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Assim ele foi votado, para arrasar a paridade de armas nas eleições, em que o surpreendente foi a vitória de um homem supostamente aniquilado por uma conspiração midiático-judicial, que voltou com coragem e energia moral para reerguer um país dilacerado pelo ódio, obra de arte do fascismo que já percorreu no mínimo dois séculos da história ocidental. Aqui ele assumiu abertamente – com Jair Bolsonaro – a paixão necrófila do negacionismo e a naturalização da dor alheia pelo deboche planejado. Milicianismo e grupos políticos, milicianos e religiões do dinheiro: armas e gestos, assassinatos e naturalização da morte, do racismo e da misoginia, compuseram o dicionário da enciclopédia fascista nacional que quase nos levou ao suicídio.

O fascismo e o nazismo são siameses, ora acolhidos pela maioria das classes dominantes e das classes populares manipuladas pela política da extrema direita. Ambos são anti-sistema, propõe revoluções “pelo alto e “por baixo”, que reconhecem na barbárie uma substância permanente contida no Humano: “não um acidente infeliz da história” (…), como disse Simone Weil, mas “o bárbaro lamaçal da alma”, “um caráter permanente e universal da natureza humana”, esperando as oportunidades críticas para se manifestarem pela violência e pela negação da solidariedade e da justiça. (A barbárie interior, Jean-François Mattei, Unesp).

O livro Casta – as origens do nosso mal-estar, de Isabel Wilkerson (Zahar), lança luzes potentes sobre a formação da sociedade americana e sobre a sua estrutura de poder institucionalizada a partir do século XIX. As castas organicamente montadas em torno das “plantations” e a criação da identidade “negra” – como coisa – em contraposição à identidade branca dos colonos europeus, liberaram uma épica forma de exploração do trabalho. Ali se formavam as novas bases de acumulação – material e cultural – especificidades de um novo sistema capitalista em expansão, cujas tendências hegemônicas em escala global já eram visíveis.

Modernização e barbárie, ciência e técnica, política e ideologia, assim estão harmonizadas: moldam o império que se torna – ao mesmo tempo – exemplo do liberalismo político e também exemplo de convívio das suas liberdades com a barbárie. O Século XX condensa e integra, promove cisões e repulsas, na nação em crescimento, que são vividas tanto nos “partidos” da barbárie como entre os “partidos” da democracia moderna, moderadores da violência, cuja tendência seria adjudicar ao Estado normas mínimas de civilidade, que realizadas bloqueariam os excessos impeditivos de formação da nação.

O impulso da democracia americana, todavia, permanece atado ao sistema de castas, já orgânicas nas classes sociais em renovação, cuja política – a partir do Estado – promoveu tanto a democracia como o martírio de milhões, para a glória da civilização ocidental. Este conflito entre barbárie e civilidade democrática está expresso, também, nas lutas de resistência – vitoriosas ou derrotadas – contra o nazismo e o fascismo. E na luta entre as ditaduras e os defensores das bases constitucionais das democracias na América Latina, hoje uniformemente assediadas pelo fascismo, que retorna com diversos modelos formais em escala planetária

Não é muito divulgado na historiografia do racismo e do “apartheid” americano, que os intelectuais e cientistas “sociais” do Partido Nazista estudaram com muito interesse as estratégias de purificação social e racial nos EUA, tais como as zonas proibidas para a comunidade negra – tanto no espaço social como geográfico – bem como a proibição dos casamentos entre brancos e negros, nas origens da formação democrática americana. A eleição do presidente Joe Biden, que é o oposto de Donald Trump e da Klan nesta matéria, permite uma reflexão mais ampla e profunda sobre este tema vital do futuro das Américas.

Na verdade, a afirmação do modelo americano dentro do sistema de poder mundial foi um gigantesco laboratório de conciliação entre barbárie e humanismo moderno, no qual a força da barbárie que está viva e forte, foi recentemente testada na tentativa de golpe do presidente Donald Trump no assalto ao Capitólio. A escolha do local ocupado pelos milicianos bem remunerados não foi gratuita, pois ali estava o símbolo da democracia liberal que incorporou, processualmente, a vasta comunidade negra do país nas proteções do Estado de direito que foram formalizadas nas leis, como ideia que a nação queria fazer de si mesma.

Comparar a situação de ascensão do fascismo, na Itália, com os episódios políticos nacionais que foram gradativamente dando forma política legítima ao bolsonarismo (protofascismo), que vai lentamente se unificando com estratos relevantes do capital financeiro e com os setores mais marginais da burguesia mais “aventureira”, faz sentido: trata-se de compreender o processo de sucessão, entre as suas “elites”, que refletirá tanto na estratégia política dos setores populares, como nas mudanças necessárias para adaptação do capitalismo a um novo ciclo de acumulação.

Antonio Gramsci no cárcere em 1926, quase dois anos depois de eleito deputado  escreveu em plena era fascista que “os elementos da nova cultura e do novo modo de vida (…) são apenas as primeiras tentativas (…) iniciativa superficial e simiesca”, para interferir no que hoje “seria chamado de americanismo”: é crítica preventiva dos “velhos estratos que serão descartados” (…) “e que já estão tomados por uma onda de pânico social, reação inconsciente de quem é impotente” (Americanismo e fordismo”, Hedra), para alavancar – nos processos de mudança do sistema do capital – os aspectos que lhe interessam. O fascismo seria, assim, uma vitória reacionária com aparência de revolução.

A grande síntese histórica deste complicado processo político de formação do Estado americano, dentro dos parâmetros da modernidade liberal democrática – um Estado imperial e de ocupações militares no seu exterior “vital” – está refletida em dois fatos históricos exemplares na atualidade, que dizem respeito ao que ocorre em nosso país: de um lado, o Exército americano negando-se, formalmente, a participar de um golpe contra as instituições da democracia liberal; e de outra, seu ex-presidente tentando descaradamente este golpe, manipulando suas marionetes fascistas no Brasil, para comporem um arco de alianças na extrema direita dos EUA, que vitoriosa refletiria seu poder fascista e racista em toda a América Latina.

A diplomação do presidente Lula foi a vitória de uma ampla frente democrática, que tem demandas diferentes sobre o Estado e diversas pretensões de futuro. Ela encerra um ciclo heroico de resistência e ofensiva democrática, pautada pela unidade em torno do Estado de Direito. E ela não foi somente civil, pois a falta de apoio majoritário ao golpismo de Jair Bolsonaro dentro das nossas instituições armadas, pode estar indicando um novo ciclo virtuoso da nossa história republicana.

Sua confirmação só poderá ocorrer, todavia, se o peso da lei penal – dentro dos rituais democráticos do Estado de Direito – cair por inteiro sobre os fascistas, os milicianos e os seus dirigentes políticos, que ainda no dia de ontem mostraram que o terror e a barbárie são suas armas principais contra a República e a democracia. Quem viver verá: vivemos e veremos!

A luta antirracista é um tema urgente e universal que atravessa a pauta do Instituto Brasil-Israel (IBI) e remete a um diálogo entre judeus e negros que encontra raízes históricas, especialmente nos EUA. A noção de casta proposta por Isabel Wilkerson desnuda pontos de contato entre a escravidão norte-americana, o nazismo alemão e o sistema indiano, e como essas hierarquias rígidas e arbitrárias dividem grupos sociais ainda hoje. Apesar do livro focar nos EUA e nos afro-americanos, entendemos que sua leitura pode auxiliar na compreensão do racismo brasileiro, sempre negado, mas profundamente internalizado. E podemos também expandir o raciocínio para todos os grupos marginalizados e colocados como párias em uma sociedade, fazendo-se a crítica à “supremacia branca”. A proposta da mesa é promover uma conversa sobre as principais ideias presentes no livro, em especial a noção de casta como categoria para a compreensão e enfrentamento do racismo. Além disso, pretende-se estabelecer aproximações com o Brasil. PARTICIPANTES Lilia Schwarcz, professora titular no Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), Brasil: uma Biografia (com Heloisa Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia). Thiago Amparo, advogado, professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste). Michel Gherman, professor de História na Universidade Federal Fluminense, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, pesquisador da Ben Gurion University e Diretor Acadêmico do Instituto Brasil-Israel.

27
Out22

Que destino queremos: a barbárie ou a democracia?

Talis Andrade

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Bolsonaro no primeiro comício da campanha presidencial em 2018. Hoje ele não faz mais arminha com a mão

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Bolsonarista que lambeu cano de arma e pediu golpe foi investigado por  ameaça a Lula | Eleições 2022 | O Globo

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Que destino poderá conhecer o país nas próximas eleições

 

 

por Leonardo Boff /A Terra É Redonda 

Excetuando a classe dominante que se enriquece com regimes autoritários e de ultradireita, como o atual, vigora, na grande maioria, a consciência de que assim como o Brasil está não pode continuar. Deve haver uma mudança para melhor. Para isso penso que devem ser atendidos alguns quesitos básicos. Elenco alguns.

(1) Refazer o “contrato social”. Este significa o consenso de todos, expresso pela constituição e pelo ordenamento jurídico de que queremos conviver como cidadãos livres que se aceitam mutuamente, para além das diferenças de pensamento, de classe social, de religião e de cor da pele. Ora, com o atual governo rompeu-se o contrato social. Dilacerou-se o tecido social. O executivo faz pouco caso da constituição, passa por cima das leis, menospreza as instituições democráticas, mesmo as mais altas como o STF.

Em razão dessa revolução ao revés, autoritária, de viés ultraconservador e fascista, apoiada por setores significativos da sociedade tradicionalmente conservadora, as pessoas se cindiram, nas famílias e entre amigos e até se odeiam, quando não cometem assassinatos por razões políticas. Se não refizermos o contrato social, voltaremos ao regime de força, do autoritarismo e da ditadura, com as consequências inerentes: repressão, perseguições, prisões, torturas e mortes. Da civilização estaremos a um passo da barbárie.

(2) Resgatar a “civilidade”. Quer dizer, deve prevalecer a cidadania. Esta é um processo histórico-social em que a massa humana forja uma consciência de sua situação subalterna, se permite elaborar um projeto e práticas no sentido de deixar de ser massa e passar a ser povo, protagonista de seu destino. Isso não é outorgado pelo Estado. É conquistado pelo próprio povo na medida em que se organiza enfrenta as classes do atraso e até o Estado classista.

Ora, este processo sempre foi impedido pela classe dominante. Visa a manter as massas na ignorância para melhor manipulá-las e impedir, com violência, que ergam a cabeça e se mobilizem. A ignorância e o analfabetismo são politicamente queridos. Os 10% mais ricos que chegam a responder por 75% da riqueza nacional, fizeram um projeto para si, de conciliação entre eles, sempre com exclusão das grandes maiorias. Carecemos de um projeto nacional que a todos insira. Isso continua até os dias de hoje. É talvez nosso maior flagelo pois se desconhecem os 54% de afrodescendentes, os quilombolas, os indígenas e os milhões de covardemente marginalizados. Sem cidadania não há democracia.

(3) Recuperar a “democracia mínima”. Nunca houve em nosso país uma verdadeira democracia representativa consolidada, na qual estivessem presentes os interesses gerais da nação. Os eleitos representam os interesses particulares de seu segmento (bancada evangélica, do gado, da bala, do agronegócio, da mineração, dos bancos, do ensino particular etc.) ou dos que financiaram as suas campanhas. Poucos pensam num projeto de país para todos, com a superação da brutal desigualdade, herdada da colonização e principalmente do escravagismo.

Sob o atual governo, como poucas vezes em nossa história, a democracia se mostrou como farsa, um conluio dos referidos políticos com um executivo que governa para os seus eleitores e não para todos, inventando até um vergonhoso orçamento secreto, sem qualquer transparência, destinado, primordialmente, para compra de voto da reeleição de um executivo que usa a mentira, a fake news como política de governo, a brutalização da linguagem e dos comportamentos, vive ameaçando de golpe de estado, desmontando as principais instituições nacionais como a educação, a saúde, a segurança (permitindo mais de um milhão de armas nas mãos de cidadãos afeitos à violência).

É urgente recuperar a democracia representativa mínima, para podermos, depois, aprofundá-la, fazê-la participativa e sócio-ecológica. Sem essa democracia mínima não há como fazer funcionar, com a devida isenção, a justiça e o direito; fragilizam-se as instituições nacionais, especialmente a saúde coletiva, a educação para todos e a segurança cujos corpos policiais executam com frequência jovens da periferia, negros e pobres.

(4) Fomentar a “educação, a ciência e a tecnologia”. Vivemos numa sociedade complexa que para atender suas demandas precisa de educação, fomento à ciência e à tecnologia. Tudo isso foi descurado e combatido pelo atual governo. A continuar, seremos conduzidos ao mundo pré-moderno, destruindo nosso incipiente parque industrial (o maior dos países em desenvolvimento),nossa educação que estava ganhando qualidade e universalidade em todos os níveis, especialmente beneficiando estudantes do ensino básico, alimentados pela agricultura familiar e orgânica, o acesso de pobres, por cotas, ao ensino superior, às escolas técnicas e às novas Universidades.

Podemos nos informar a vida inteira nos advertia a grande filósofa Hannah Arendt, sem nunca nos educarmos, vale dizer, sem aprender a pensar criticamente, construir nossa própria identidade e exercer praticamente nossa cidadania. Se não recuperarmos o tempo perdido, poderemos nos transformar num num país pária, marginalizado do curso geral do mundo.

(5) Conscientizarmo-nos de nossa importância única no tema da “ecologia integral” para ajudarmos a salvar a vida no planeta. O consumismo atual demanda mais de uma Terra e meia que não temos (Sobrecarga da Terra). Devemos ademais assumir como fato científico assegurado, de que já estamos dentro do novo regime climático da Terra. Com o acumulado de gases de efeito estufa na atmosfera não poderemos mais evitar fatais eventos extremos graves: prolongadas estiagens, imensas nevascas e inundações, perda da biodiversidade, de safras, migrações de milhares que não conseguem se adaptar e submetidos à fome e aos novos vírus que virão (vorosfera).

Haverá grande escassez mundial de água, de alimentos, de solos férteis. Neste contexto, o Brasil poderá desempenhar uma verdadeira função salvadora já que é a potência mundial de água doce, pela extensão de solos férteis e pela Amazônia que, preservada, poderá sequestrar milhões de toneladas de CO2, devolver-nos oxigênio, fornecer umidade a regiões a milhares de quilômetros de distância e por sua riqueza geobioecológica poderá atender às necessidades de milhões de pessoas do mundo.

Nossos governantes possuem escassa consciência desta relevância e fraquíssima consciência na população. Possivelmente teremos que aprender com o sofrimento que sobrevirá e que já se manifestou entre nós pelas desastrosas enchentes, ocorridas em vários estados neste ano de 2022. Ou todos no planeta Terra colaboramos e nos demos as mãos ou então engrossaremos o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura, nos advertiu Sigmunt Bauman pouco antes de morrer. Nas palavras do Papa Francisco: “estamos no mesmo barco, ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”. A questão essencial não reside na economia, na política e na ideologia, mas na sobrevivência da espécie humana, realmente, ameaçada. Todas as instâncias, saberes e religiões devem dar sua contribuição, se ainda quisermos viver sobre este pequeno e belo planeta Terra.

(6) Por fim, deixando de lado outros aspectos importantes, devemos criar as condições para uma “nova forma de habitar a Terra”. A dominante até agora, aquela que nos fazia donos e senhores da natureza, submetendo-a a nossos propósitos de crescimento ilimitado, sem sentirmo-nos parte dela, esgotou suas virtualidades. Trouxe grandes benefícios para a vida comum, mas também criou o princípio de auto-destruição com todo tipo de armas letais. Devemos fazer a travessia para outra forma na qual todos se reconhecerão como irmãos e irmãs entre os humanos e também com a natureza (os vivos têm o mesmo código genético de base), sentindo-nos parte dela e eticamente responsáveis por sua perpetuidade. Será uma biocivilização em função da qual estarão a economia e a política e as virtudes do cuidado, da relação suave, da justa medida e do laço afetivo com a natureza e com todos os seus seres.

Para que se criem tais condições em nosso país para essa “civilização da boa esperança”, precisamos derrotar a política do ódio, da mentira e das relações desumanas que se instauraram em nosso país. E fazer triunfar aquelas forças que se propõe recuperar a democracia mínima, a civilidade, a decência nas relações sociais e um sentido profundo de pertença e de responsabilidade pela nossa Casa Comum. As próximas eleição significarão um plebiscito sobre que tipo de país nós queremos: o da barbárie ou da democracia.

Sem essa democracia mínima não há como fazer funcionar, com a devida isenção, a justiça e o direito; fragilizam-se as instituições nacionais, especialmente a saúde coletiva, a educação para todos e a segurança cujos corpos policiais executam com frequência jovens da periferia, negros e pobres.

 

O teólogo Leonardo Boff afirmou no programa 20 MINUTOS ENTREVISTA com Breno Altman desta sexta-feira (10/06/2022) que o Papa Francisco mantém viva a Teologia da Libertação e que o movimento social, do qual é figura de referência, representa o futuro da Igreja Católica.

O teólogo espera do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem visitou na prisão, uma aproximação íntima com os valores caros à Teologia da Libertação num eventual próximo mandato. “Ele me disse que chegar de novo à Presidência é a última chance de sua vida em fazer uma grande revolução, e que vai fazer. Fará um discurso político para manter a unidade nacional, mas a prática vai ser radical a favor dos pobres, oprimidos, indígenas, mulheres, LGBTs e todos os que são violados diuturnamente”, narra. Por outro lado, Boff se opõe frontalmente ao presidente Jair Bolsonaro, a quem só se refere como “o inominável”. A postura religiosa do direitista é um dos alvos de sua crítica.

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21
Out22

Jornalistas fazem ato em defesa da democracia e debate sobre voto evangélico (charges curralzinho)

Talis Andrade

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A relevância nestas eleições do voto evangélico e a defesa do jornalismo e da democracia são temas de dois eventos, organizados por entidades de jornalistas relacionados às eleições. O primeiro deles, pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, avaliará em que proporção a população evangélica está no centro do debate eleitoral deste ano. Isso em razão da sua relevância numérica e, principalmente, por ser por ela que a extrema direita se aproveita da chamada pauta de costumes para implementar sua agenda ultraconservadora.

A organização do debate avalia que as eleições deste ano podem ser definidas como “um plebiscito entre a civilização e a barbárie”. “(A população evangélica foi) decisiva em 2018, na eleição que alçou o fascista Jair Bolsonaro ao poder impulsionada por uma impiedosa máquina de mentiras e desinformação fortemente calcada em temas como costumes e religião, a escolha eleitoral de milhões de brasileiros pode não estar selada como antes”, afirma o Barão, em nota.

Três especialistas participaram do debate sobre o voto evangélico: A pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), Romi Bencke; o sociólogo e líder ecumênico metodista Anivaldo Padilha; e o repórter autor do livro O Reino – A história de Edir Macedo e uma biografia da Igreja Universal, vencedor de 10 prêmios de jornalismo pelo conjunto de sua obra, Gilberto Nascimento

 

O reino: A história de Edir Macedo e uma radiografia da Igreja Universal  (Portuguese Edition) eBook : Nascimento, Gilberto: Amazon.de: Kindle-Shop

 

Jornalismo e democracia

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Entidades jornalísticas e organizações que defendem a liberdade de imprensa e os direitos humanos, entre elas a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), realizaram, na noite desta terça-feira (27/09), um ato em defesa das e dos profissionais de imprensa e da Democracia, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), na zona oeste de São Paulo.

“Estamos reunidos aqui hoje porque o jornalismo e a própria democracia estão sob forte ataque nos últimos anos. E essa gravíssima situação chegou agora ao ápice. Estamos aqui juntos para dizer que basta!”, afirmou Paulo Zocchi, vice-presidente da FENAJ, que discursou em nome das 16 entidades organizadores do evento.

“Em situações normais, o jornalismo não é, nem poderia ser, uma profissão de risco. Mas no Brasil, nos últimos anos, a violência contra profissionais é preocupação constante e crescente de nossa categoria”, disse Zocchi.

Segundo Zocchi, os profissionais são agredidos pelo poder de Estado, notadamente pela Polícia Militar; são perseguidos judicialmente, e aí se inclui infelizmente até mesmo o Supremo Tribunal Federal; e também são agredidos, em grande medida, por Bolsonaro e por apoiadores incentivados pelas ações do presidente.

O dirigente sindical citou levantamento da FENAJ de acordo com o qual, em 2018, foram registrados 135 casos de agressões a jornalistas, contra 430 em 2021. “Com Bolsonaro no governo, há três vezes mais agressões a jornalistas do que havia antes. É mais do que uma por dia! Desde que chegou à Presidência, ele é o principal agressor: em 2021, Bolsonaro realizou 147 agressões a jornalistas, 34% do total nacional”, destacou.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) registrou 353 ataques a jornalistas entre o início deste ano e a semana passada. Outra entidade do setor, a Repórteres Sem Fronteiras, contabilizou no primeiro mês de campanha eleitoral mais de 2,8 milhões postagens com conteúdos ofensivos a jornalistas brasileiros.

 

A repórter da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, participou do evento e fez relatos sobre as agressões que tem sofrido nos últimos anos. Ela foi vítima de ataques sexistas de Bolsonaro.

Patrícia é autora de uma série de reportagens que revelou um esquema de contratação de empresas para realizar disparos em massa durante as eleições de 2018, que fizeram dela alvo preferencial de bolsonaristas nas redes sociais.

“É muito estranho que, desde 2018, nós jornalistas, nós repórteres, tenhamo-nos transformado em alvo. Em um país democrático, supostamente democrático, que tem um governo eleito democraticamente, mas que a imprensa se transformou em um alvo, especialmente as mulheres”, disse Patrícia.

Ela lembrou os ataques que recebeu, entre eles, ligações, e ameaças de agressão física. Ela também recebeu muitas mensagens com conteúdo pornográfico.

O Negócio do Jair - Juliana Dal Piva - Grupo Companhia das Letras

Além de Patrícia, Bianca Santana, Juliana dal Piva, Flávia Oliveira, Carla Vilhena e outras jornalistas de diversos veículos de todo o Brasil participaram do evento com depoimentos em vídeo.

As profissionais contaram alguns dos casos de ataques sofridos e falaram sobre as consequências das agressões. Medo de exercer a profissão, depressão, e danos a saúde mental, foram alguns dos efeitos relatados.

Daniela Cristóvão, da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB, também esteve no evento e afirmou que quando um jornalista é ameaçado no desenvolvimento da sua profissão a cidadania de todos está ameaçada.

Na mesma linha ocorreu a participação de Ana Amélia, advogada e membro do grupo Prerrogativas. “A liberdade de imprensa é essencial ao jornalismo. Não existe democracia sem a liberdade de imprensa e sem o papel essencial, sério, informativo do jornalista”, disse.

“A principal aliada é a imprensa na luta pelos direitos humanos”, disse Ariel de Castro, do Tortura Nunca Mais. “Imagina o que acontece com os jornalistas que estão na periferia, no interior, que não estão em grandes órgãos de imprensa. E o assédio judicial?”, questiona.

O evento foi organizado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), FENAJ, Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Abraji, Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Repórteres sem Fronteiras (RSF), Instituto Vladimir Herzog, Associação Profissão Jornalista (ApJor), Barão de Itararé, Intervozes, Fotógrafas e Fotógrafos Pela Democracia, Associação Paulista dos Jornalistas Veteranos, Centro Acadêmico Vladimir Herzog e Centro Acadêmico Benevides Paixão.

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