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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Jan22

A escrita e a banda de Woden

Talis Andrade

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O Ano Novo começa com cartas, bilhetes, imeios, mensagens virtuais, mas sem os tradicionais e clássicos cartões de Natal que enfeitavam as caixas do correio de antigamente. Cartões quase todos coloridos, neve na paisagem e papai Noel passeando no seu trenó. Entre as cartas que caíram na minha bacia das almas no findar de 2021 tem uma que fala, exatamente, sobre o desaparecimento dos “Cartões de Natal e do Ano Novo”. É assinada pelo amigo Hortêncio Pereira de Brito Sobrinho, seridoense do Acari, há muitos anos vivendo em Goiás, o mesmo chão de Cora Coralina, J.J. Veiga, Carmo Bernardes, Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Élis, Gilberto Mendonça Teles, Maria Abadia Silva, nomes que enriquecem a literatura brasileira.

 

Chuva e Poesia

 

Além da cachacinha comemorei a chegada das chuvas recorrendo à poesia feminina no Rio Grande do Norte, leitura que molha a alma. Começo com Myrian Coeli:

 

“A água explode na convulsão das chuvas/guardada nos torreões das nuvens/e inunda os vales onde acampam os mares, os rios e os lagos. /Um hálito multiplica os gens nas primeiras emanações da vida. / Um frêmito percorre o móvel corpo fecundado” (Poema “Ode à Água”, do livro “Vivência sobre Vivência”).

 

Zila Mamede: “Nessas horas de exílio, o pensamento/vara as janelas grávidas de chuva/ e se antecipa longe, e se projeta/ uma gaivota ansiosa em pleno vôo // O dorso do horizonte é uma promessa/ negando a intensidade dessas águas/ tardias, rudes águas fatigadas”. (Poema “Chuva”, do livro “Salinas”).

 

 Diva Cunha: “Uma chuva fina/ balança a cortina/ que desaba no chão // aflitas virgens/ abrem felizes/ o seu roupão”. (Poema “Uma chuva fina”, no livro “Armadilha de Vidro”).

 

 Rizolete Fernandes: “No longo inverno de tua ausência/ chove além do que meu peito absorve // São os olhos do tempo/ chorando goteiras/ sem teu aconchego/ frio de geleiras/ Oro e sonho finda a inclemência/ até que o outro dia o contrário prove”. (Poema “Por quem a chuva cai”, do livro “Vento da Tarde”).

 

Anchiella Monte: “Está chovendo/ meu sangue oceânico se inclina para a chuva/ deslizo para a janela/ sacudindo as cortinas em ânsia”. (Poema “Chuva”, do livro “Peso e Penas”).

 

Jeanne Araújo: “Ando triste, permissiva, / com a dor lancinante. / Ontem, pus os pés/ no tacho de cobre / e meu pensamento/ na beira do abismo. / Sapos coaxam à noite. / Eu reviro a madrugada/ com pensamentos ruins. / Mas no dia em que chove / eu quase chego a amar. ” (Poema “Correnteza”, do livro “Monte de Vênus”).

 

Iracema Macedo: “Acabei o namoro com teus olhos/ O que esperar da luz entre treliças? / Chove a cântaros em Vila Rica/ e a janela está fechada há séculos” (Poema “Treliças”, do livro “Invenção de Eurídice”).

 

Para completar o coral, convoco Lisbeth Lima, poetisa paraibana com Doutorado em Literatura Comparada pela UFRN: “No telhado, chove. / Pingos esparsos formam a música/ que vai se acumulando com as águas. // A luz entra com a goteira. / Claro de sol no meio da noite. ” (Poema “Chuva”, do livro “Vasto”).

 

[Gostoso ler Woden. Eu tinha uma foto de Woden e  Márcio Marinho recrutas fardados na caserna. Vivi uns tempos na casa de Woden, quando ele era solteiro. Eu retirante na querida Natal. Ele tinha um palacete na Praça das Mães. Idem saudades da vivência com Myrian e Zila] 

09
Jan22

O Canto Livre de Nara

Talis Andrade

www.brasil247.com -

 

Por Miguel Paiva /Jornalistas pela Democracia

Confesso que fui um dos que achava que Nara Leão cantava mal, que era desafinada. Depois de um tempo refiz meu julgamento e passei a curtir a Nara como ela era. Forte, apesar de parecer frágil, potente, apesar de insegura e militante, apesar de vir da classe média de Copacabana. O documentário O Canto Livre de Nara, da Globoplay ajuda a entender esse fenômeno. Nele vemos, por exemplo, o quanto a Nara passou pelos diversos movimentos da nossa música. Começou antes da bossa-nova, mudou para o samba, inaugurou a MPB e acabou naquele lugar onde o que você cantar está legal. Além disso mostra um Rio meio mágico, moderno, vivendo uma era de crescimento, de afirmação democrática e de grande criatividade.

Na época em que criticava Nara ainda não havia desenvolvido em mim o chamado senso crítico alternativo. Era um purista que jamais aceitaria, por exemplo, Nara gravar Roberto e Erasmo num lindo disco. Mas que bom que isso acontece e passa. A Nara política do show opinião, do Zé Kéti, do João do Vale é a Nara que cabia perfeitamente nela, naquele momento da nossa história. Com isso ela desloca aquela classe média pequeno burguesa para a realidade das favelas e do interior do Brasil.

O documentário nos mostra uma Nara sempre avançada, sempre moderna e muita vezes segregada por conta disso. Ela não ligava muito, mas era evidente o que acontecia. A Nara do samba também me faz tentar entender o que houve com o Rio de Janeiro.

Naqueles anos 60 o Rio era a Zona Sul que dividia o espaço de cidade com o subúrbio e a zona norte. Isso incluía a Mangueira, as favelas e o resto da cidade de origem pobre que convivia com a dita cidade rica. O que acontecia de fato? Não tínhamos informação sobre a zona norte? A zona norte e as favelas faziam parte de um folclore que esses artistas fizeram existir? A grande imprensa filtrava as informações e só líamos sobre o lado bom de tudo.

Nara e o espetáculo Opinião, além de terem sido politicamente importantes, abriram uma espécie de Túnel Rebouças, antes mesmo do túnel em si, para o que acontecia do outro lado do Corcovado. E mais, abriu a estrada para o resto do Brasil, completamente ignorado pela burguesia dominante, seja ela autoritária e fechada com o regime militar, ou bem pensante, morando na zona sul e cantando João Gilberto.

Mas o que aconteceu com o Rio é o que mais me intriga. Essa divisão ficou mais acentuada justamente depois do regime militar. Os pobres foram recolocados nos seus lugares de origem e o país foi preparado para ser conduzido e saboreado pelos ricos.

As favelas já delimitavam essa diferença e passaram a ser, depois de conduzidas e estabelecidas bem longe da zona sul, como uma espécie de campo de concentração da classe trabalhadora. Mas a arte acabou sendo mais forte e quebrando essa barreira. O Rio meio que se entregou a esse comando miliciano, mas a arte resistiu nas favelas, nas escolas de samba e hoje nas periferias.

A internet instrumentalizada ajudou a divulgar e ao mesmo tempo demonizar o que vinha de lá. O funk é o retrato de um Brasil pobre e orgulhoso. O samba resiste sempre ameaçado pela institucionalização e a nossa história vai sendo contada, e ainda bem, para que possamos ter na memória o que de fato aconteceu.

Numa época que o documentário Get Back sobre os Beatles vira fenômeno de audiência e nos ajudar e recompor essa memória, assistir O Canto Livre de Nara também ajuda. Eu, na época me aventurando com meu amigo e parceiro Zé Rodrix na carreira de compositor, fiquei extremamente feliz ao saber que uma versão que havíamos feito para um sucesso dos irmãos Gerswhin, Someone to Watch Over me, seria gravado por Nara no que acabou sendo seu último disco, My Foolish Heart, onde ela só cantava versões para grandes sucessos americanos. Eu e Zé estamos lá com “Alguém que Olhe Por Mim”. Muita alegria que até hoje me emociona.

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