Bancada negra da Câmara de Porto Alegre denuncia assassinato brutal no Carrefour (vídeo)
Para a bancada negra eleita à Câmara de Porto Alegre, crime revela dimensão do racismo estrutural na cidade e no país
Marcelo Ferreira — Brasil de Fato
Na véspera do Dia da Consciência Negra, o Brasil se depara com mais um brutal assassinato de uma pessoa negra.
João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi agredido até a morte em uma unidade do supermercado Carrefour localizado no bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre, na noite desta quinta-feira (19)
Os agressores, dois homens brancos, um segurança privado do estabelecimento e um integrante da Brigada Militar, foram presos em flagrante e são investigados por homicídio qualificado.
A bancada negra eleita à Câmara de Vereadores de Porto Alegre concedeu uma coletiva de imprensa onde repudiou o crime.
Bancada negra eleita repudia crime
Na manhã deste Dia da Consciência Negra, a bancada negra eleita para a Câmara de Vereadores de Porto Alegre alterou sua agenda, frente ao ocorrido, e concedeu uma entrevista coletiva a respeito do caso, em frente ao supermercado.
Os cinco vereadores eleitos manifestaram solidariedade à família de Beto e repudiaram o crime, destacando que o caso não é isolado e revela a dimensão do racismo estrutural na cidade e no país.
“Era para ser um dia que a gente se apresentava para a cidade que elegeu cinco jovens negros, a primeira bancada negra da história da Câmara de Vereadores e a gente é pego de surpresa numa noite em que a gente acorda e tem mais um dos nossos corpos atirado no chão”, disse Bruna Rodrigues (PCdoB), ressaltando que o Estado e o Carrefour precisam assumir suas responsabilidades.
Segundo a vereadora eleita, o grupo foi até o local para cobrar respostas e para dizer que todos os dias da bancada serão de luta.
“Enquanto tiver um corpo nosso atirado pela cidade a gente vai estar junto e lutando para que isso se encerre”, afirma.
“Infelizmente esses corpos pretos precisam lutar para existir”, conclui.
“Resolvemos transferir a coletiva para cá e usar essa coletiva como denúncia contra a violência policial contra negros e negras no Brasil”, explica Laura Sito (PT).
Ela também aponta que a morte do Beto não é um caso isolado.
“Nós, inclusive, nesse ano de 2020, testemunhamos vários casos, desde o menino Miguel [assassinado] por um PM até tantos jovens negros assassinados pela força do Estado ou por negligência racista de terceiros. Infelizmente a cena que nós vimos ontem é mais uma dessas”, lamenta.
A vereadora eleita destaca que essa primeira ação foi de denúncia e que os cinco se colocaram à disposição da família para o que precisarem.
“Nossa principal tarefa, que o povo nos designou, é estar nas ruas lutando por dignidade e justiça e nós nos manteremos, não só hoje, mas ao longo do próximo período.”
Matheus Gomes (PSOL) lamenta as cenas horríveis.
“As imagens dele sendo espancado dentro do supermercado estão girando o Brasil e o mundo e está nítido o que aconteceu ali, quem é homem e quem é mulher negra sabe o quão inseguro é andar dentro de um supermercado ou qualquer estabelecimento comercial”, destaca.
“Nós nunca vimos uma cena de tamanha brutalidade e desumanidade acontecer em nosso país com um corpo que não seja o nosso”, reflete.
“Essa é a dinâmica de racismo no Brasil, nenhum dia de sossego, nenhum dia de paz para a população negra da periferia”, afirma o vereador eleito. Para ele, é dever não só da população de Porto Alegre, mas de todo o Brasil, reagir ao caso.
“A gente precisa mostrar que esse tipo de ação não vai ser naturalizada, banalizada, a gente tem que reagir a essa situação. O Carrefour é o primeiro a ser responsabilizado, é reincidente em situações como essa de violência, aconteceu na dependência dessa multinacional que precisa ser responsabilizada.”
A vereadora Karen Santos (PSOL) descreve o caso como horrível, em meio à euforia da eleição da primeira bancada negra.
“Nosso papel lá dentro [da Câmara] é inclusive esse, estar ao lado, dane-se a agenda formal do 20 de novembro, não é um dia de festa, de comemoração. Não é de hoje que a gente marcha por nossos mortos porque isso é cotidiano, a gente sente. Infelizmente, mais um foi assassinado dentro de uma instituição privada, racista, pra gente conseguir mostrar de novo a importância da gente ter política”, afirma.
Para ela, o que aconteceu não pode ser naturalizado como um acidente ou uma morte qualquer.
“É um crime que acontece todos os dias dentro de shopping center, dentro de outros supermercados, é o racismo institucional e a gente precisa ter pauta para que isso não aconteça.”
Por isso, pede que prefeitura e governo do estado se responsabilizem e lancem medidas de criminalização.
“Não dá para colocar só nas costas dos seguranças, isso é algo reincidente dentro da rede Carrefour, então mais do que nunca, pensar o racismo institucional e como a gente vai cobrar como esse tipo de conduta seja tida como um crime e não como um fato isolado ou acidente.”
Para Daiana Santos (PCdoB), o caso demonstra o racismo estrutural da sociedade brasileira.
“É muito simbólico que nesse 20 de novembro, mesma semana que elegemos cinco jovens negros para a Câmara de Vereadores da cidade, tenhamos que estar aqui vendo mais um de nossos corpos tombarem.”
“Isso é muito um retrato do Brasil que nós temos hoje. Acho que no último domingo, de norte a sul do Brasil, nós mostramos que queremos ter voz e queremos denunciar e combater o racismo”, avalia a vereadora eleita.
“Uma agenda antirracista para o Brasil e Porto Alegre é o que nós vamos avançar no próximo período”, conclui.
Justiça por Beto
Um ato pedindo por justiça para Beto está convocado para às 18h desta sexta-feira (20), em frente à unidade do Carrefour Passo D’Areia, onde ocorreu o crime.
O protesto terá transmissão online pelas páginas no Facebook do Brasil de Fato RS e da Rede Soberania.
“Estaremos aqui por empatia e solidariedade, o que aconteceu com George Floyd aconteceu aqui dentro do nosso território, a cidade de Porto Alegre, a mais racista e segregada do Brasil, e cabe a nós também estar aqui na rua prestando solidariedade e mostrando para a sociedade que não vai passar”, afirma a vereadora Karen Santos.
Beto foi espancado na entrada da loja
O caso ganhou rapidamente as rede sociais após clientes filmarem o crime. Os vídeos circulam amplamente nas redes sociais, mostrando Beto, como era conhecido o homem, sendo espancado após ser levado para a entrada da loja.
Os agressores desferiram uma série de socos no rosto e chutes pelo corpo, deixando o homem desacordado.
Beto foi socorrido por uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que tentou reanimá-lo sem sucesso.
O Carrefour emitiu uma nota lamentando o ocorrido e classificando o ato como criminoso.
Diz estar tomando providências para que os responsáveis sejam punidos e anunciou o rompimento do contrato com a empresa terceirizada de segurança.
Entretanto, o supermercado carrega um histórico de violência e descaso envolvendo clientes e os próprios funcionários.
Também em nota, a Brigada Militar informou que prendeu os envolvidos após ser acionada e que o policial envolvido na agressão é “temporário, cuja conduta fora do horário de trabalho será avaliada com todos os rigores da lei”.