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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

30
Set23

Fachin condena estado a indenizar familiares de bala perdida

Talis Andrade

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Para o ministro, diante da falta de investigação sobre a morte, o Estado deve ser responsabilizado

 

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (29) para obrigar os governos do Rio de Janeiro e federal a indenizar os familiares de uma vítima de bala perdida.

O caso envolve a morte de Vanderlei Conceição de Albuquerque, ocorrida em 2015, durante tiroteio entre traficantes e a força de pacificação do Exército no conjunto de favelas da Maré.

No entendimento do ministro, que é relator do caso, os familiares de Vanderlei devem receber R$ 300 mil de indenização, sendo R$ 200 mil para os pais e R$ 100 mil para o irmão, além de ressarcimento dos gastos com funeral e pensão vitalícia.

Para o ministro, diante da falta de investigação sobre a morte, o Estado deve ser responsabilizado. De acordo com o processo, não há informações sobre a finalização do inquérito, aberto em 2016, para apurar o caso.

"Sem perícia conclusiva que afaste o nexo, há responsabilidade do Estado pelas causalidades em operações de segurança pública", argumentou o ministro.

O voto do relator foi seguido pela ministra Rosa Weber. O placar do julgamento está com dois votos pela indenização.

O julgamento ocorre no plenário virtual e vai até 6 de outubro.

Pela modalidade virtual, os ministros inserem os votos no sistema eletrônico e não há deliberação presencial. O julgamento é aberto com o voto do relator. Em seguida, os demais ministros passam a votar até o horário limite estabelecido pelo sistema.

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24
Set23

"A fake news do banheiro unissex mostra que oposição não consegue debater os grandes temas do País"

Talis Andrade

lama fogo piche familia tradicional oleo.jpg

Nos tempos de Bolsonaro: casas sem banheiro, sem água potável, ruas sem saneamento, fogo nas florestas, rios envenenados, óleo nas praias, alimentos com agrotóxicos liberados

 

No governo Bolsonaro 5,5 milhões de pessoas viviam em locais sem um banheiro. E 35 milhões não tinham acesso à água potável e quase 100 milhões sofriam com a ausência de coleta de esgoto

 

No Brasil, no final do governo militar de Jair Bolsonaro, o número de residências sem acesso a banheiro era de 1,6 milhão, isto é, se considerarmos a média de 3,5 pessoas por residência são mais de 5,5 milhões de pessoas que vivem em locais sem um banheiro. Não obstante, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões sofrem com a ausência de coleta de esgoto – enquanto apenas 50,8% dos esgotos do país são tratados, ou seja, são mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento despejadas na natureza diariamente. 

Apesar desta triste realidade, fanáticos religiosos, candidatos conservadores da extrema direita, deputados e senadores bolsonaristas discutiam e discutem banheiro unissex, isto é, a construção de banheiros masculinos, femininos, trans, homossexuais, bissexuais e de lésbicas.

O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, concedeu entrevista ao programa Bom Dia 247 e repercutiu a ação do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, que irá enquadrar os deputados Felipe Barros, Nikolas Ferreira, além do senador e ex- juiz suspeito Sergio Moro e o ex-deputado Arthur do Val na Advocacia Geral da União (AGU), por propagação de notícias mentirosas ligadas ao governo sobre a criação de banheiros unissex nas escolas. >>> Silvio Almeida diz que Moro será investigado por espalhar fake news sobre banheiros unissex

“O grande desafio hoje é encontrar um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a integridade da informação. No G20, vamos defender que o Brasil lidere um grande esforço internacional pela integridade da informação e da democracia”, iniciou.

“Há determinados temas que indicam desespero da oposição. É o caso do banheiro unissex, que envolveu o ex-juiz Sergio Moro. Isso mostra que a oposição tem grande dificuldade para discutir grandes temas”, notadamente a triste, vergonhosa, anti-higiênica, anti-salutar, doentia, desumana realidade: 

Mais de 5 milhões de brasileiros não têm banheiros em suas residências

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No sábado, dia 19 de novembro, é celebrado o Dia Mundial do Banheiro. Em 2003, a data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o intuito de colocar em pauta o saneamento, visando estimular o debate e ações efetivas na busca soluções para universalizar os serviços básicos. Na “Agenda 30” criada pela ONU, entre  os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o número 6 da agenda propõe a meta de alcançar o acesso universal e equitativo de água potável e saneamento para todos

No Brasil, o número de residências sem acesso a banheiro são de 1,6 milhão, isto é, se considerarmos a média de 3,5 pessoas por residência no país, são mais de 5,5 milhões de pessoas que vivem em locais sem um banheiro. Não obstante, cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões sofrem com a ausência de coleta de esgoto – enquanto apenas 50,8% dos esgotos do país são tratados, ou seja, são mais de 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento despejadas na natureza diariamente. 

Tabela 1 – Indicadores de banheiros no Brasil, ano base 2019

Localidade

Moradias com banheiros (habitações)

Moradias sem banheiro (habitações)

População sem banheiro 

Brasil 

70.771.763

1.622.965

5.680.377,50

Norte 

4.878.186

531.449

1.860.071,50

Nordeste 

17.994.415

964.995

3.380.842,50

Sudeste 

31.436.466

82.703

289.460,50

Sul 

10.920.509

25.041

87.643,50

Centro-Oeste 

5.542.187

18.777

65.719,50

Fonte: Painel Saneamento Brasil

Entre as cinco regiões brasileiras que sofrem com a ausência de moradias sem banheiro, a situação mais preocupante é vista no Nordeste do país – cerca de 3,4 milhões dos habitantes não têm vaso sanitário, ou seja, quase 1 milhão de residências. Em seguida, na região Norte aproximadamente 1,2 milhão de moradores sem banheiro; no Sudeste são quase 290 mil nessas condições. Na região Sul a população que sofre com essa ausência é de 87 mil pessoas e no Centro-Oeste são 65 mil habitantes sem banheiros na residência.

A precariedade do saneamento básico vai além de apenas impactar a saúde, a falta do acesso à água e ao atendimento de esgotamento sanitário reforça até mesmo a desigualdade de gênero no país. Segundo um estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a BRK Ambiental, entre 2016 e 2019, o número de mulheres sem banheiro em casa cresceu 56,3% no período, passando de 1,6 milhão para 2,5 milhões. Ademais, a ausência de banheiros reforça a pobreza menstrual, um dos problemas agravados pelas más condições dos serviços básicos.

A Presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, aponta que o acesso ao banheiro deve estar presente nas políticas públicas, visando zerar o déficit de banheiros com a universalização do saneamento básico. “A partir das metas estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento, o país precisará disponibilizar água potável para 99% da população e 90% dos habitantes devem ter acesso ao esgotamento sanitário até 2033. Durante esse período, a universalização também passa pelo acesso digno aos mais de 5 milhões de habitantes que ainda sofrem com a ausência de banheiros em suas residências.”

Para esconder essa realidade de país do Terceiro Mundo, o Brasil quebrado, o governo militar dos marechais de contracheque, dos coronéis do Ministério da Saúde, do general Braga interventor Militar do Rio de Janeiro, dos pastores do Ministério da Educação, o Brasil da segunda maior concentração de renda espalhava os famosos fake news dos banheiros unissex, da mamadeira de piroca (denúncia da família Bolsonaro presidente, Flávio senador, Eduardo deputado federal, Carlos vereador, Renan lobista palaciano) as cartilhas crack (denunciada por Damares Alves ministra hoje senadora), e gay (denunciada por pastores da igreja de Michelle (rainha Ester) Bolsonaro, presidenta do PL Mulher de Valdemar da Costa Neto. 

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Após espalhar fake news e ser acionado na AGU, Moro ataca Silvio Almeida

O ex-juiz suspeito e atual senador Sérgio Moro criticou neste sábado (23) o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, por acionar a Advocacia Geral da União (AGU) contra o ex-juiz após espalhar a notícia falsa que o governo federal estaria impondo “banheiros unissex” nas escolas públicas do país. "Temos um Ministro dos Direitos Humanos que se cala quando seu chefe Lula adula Putin e Maduro, ataca o TPI e ignora a importância de mulheres no STF. Mas está com tempo para ameaçar parlamentares por criticarem o Governo", afirmou o ex-juiz suspeito.

O ministro Silvio Almeida disse que quem espalha desinformação deve sofrer o rigor da lei. “Quem usa a mentira como meio de fazer política, incentiva o ódio contra minorias e não se comporta de modo republicano tem que ser tratado com os rigores da lei. É assim que vai ser”, disse o ministro em uma rede social. 

Lugar certo

 

A notícia falsa começou a circular após a publicação, na sexta-feira (22), de uma resolução tratando de parâmetros para o acesso e permanência de pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, além de pessoas transmasculinas e não binárias, nos sistemas e instituições de ensino. A resolução é de autoria do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. O texto diz que as instituições de ensino - em qualquer nível - devem garantir, entre outros pontos, o uso do nome social nos formulários de matrícula, registro de frequência, avaliação e similares nos sistemas de informação utilizados pelas escolas. Além disso, a resolução estabelece que deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero de cada estudante.

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21
Ago23

O silêncio do Rio de Janeiro diante de crianças assassinadas

Talis Andrade

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Quando vi a foto de crianças chorando no velório de Thiago, 13, morto pela polícia, pensei em como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul pegariam seus filhos na aula sorridentes e não se sentiriam mal

 

por Nina Lemos

- - -

Na foto, crianças choram muito, sentidas, com dor. Elas estão fazendo o que nenhuma criança deveria ter que fazer: enterrando um amigo, o adolescente Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto durante operação policial na Cidade de Deus. Thiago foi morto enquanto andava na garupa da moto de um amigo. Segundo testemunhas, os tiros teriam sido disparados pela polícia.

Assim que ele foi baleado, a PM carioca postou nas redes sociais que um "jovem armado teria sido ferido em confronto". Imagens de câmeras de segurança e testemunhas mostraram que não foi nada disso. A informação foi apagada das redes.

Thiago era um garoto inocente, que gostava de jogar futebol. E, claro, mesmo se ele fosse envolvido com crime (o que repito, não era o caso) ele não poderia ser morto. Não existe pena de morte no Brasil. E muito menos a execução sumária, sem julgamentos, é prevista pela constituição.

Foi triste saber que Thiago foi morto dessa maneira, ver a dor dos seus pais e dos seus amigos. Mas nem deu tempo de secar as lágrimas.

 

Eloá, 5, morta com tiro no peito

 

No último sábado, Eloá da Silva dos Santos, de cinco anos, brincava de pular na cama na casa em que morava com os pais, na Ilha do Governador, Zona Oeste do Rio, quando foi atingida por uma bala no peito. Segundo moradores, os tiros teriam sido disparados por policiais. Ela chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Na mesma operação, o adolescente Wendell Eduardo, que estava na garupa de uma moto, também foi morto após levar um tiro. É triste, revoltante e desolador.

Segundo um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, a cada quatro dias, uma criança ou adolescente é baleado no Rio de Janeiro. Uma estatística de guerra. A nível de comparação, segundo números da organização Save the Children, três crianças/adolescentes ficam feridos ou são mortos por dia durante a guerra da Ucrânia. É terrível.

A diferença é que a Ucrânia é um país em guerra oficial, com milhões de refugiados pelo mundo. Já no caso do Rio de Janeiro, a guerra não é oficial e é muitas vezes ignorada. Nas favelas, moradores fazem manifestações contra a morte de suas crianças e a violência policial, mas a vida segue normal do outro lado do túnel, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde ficam aqueles cenários bonitos das novelas de Manoel Carlos.

Escrevo de Berlim, mas como sou carioca, não preciso estar lá para saber que a vida segue normal na minha cidade natal. Quando vi a foto das crianças chorando no velório de Thiago, pensei como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul carioca (aquelas que têm mensalidade mais de R$ 4 mil) pegariam seus filhos na escola sorridentes e não se sentiriam mal. Como passar um fim de semana feliz com sua criança pequena sabendo que Eloá foi morta dentro de casa?

 

Capacidade de "abstração" doentia

 

Não estou falando, claro, que nenhum branco de classe média sofra com esse horror. Mas sou carioca e conheço bem a capacidade de "abstração" doentia de meus compatriotas.

Ano passado, eu estava sentada do lado de fora em um café Humaitá (bairro de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro) quando ouvi barulho de tiros (sim, nós, cariocas, sabemos distinguir o que é barulho de bala). Levantei assustada e travei um diálogo bem carioca com as garçonetes: "isso é tiro, né? ". "É sim e parece ser perto". Eu e a garçonete entramos dentro do café e nos escondemos no fundo. Enquanto isso, para meu choque, todos os outros clientes continuaram do lado de fora, tranquilos, sentados tomando seus cafés caros, como se nada tivesse acontecendo. Juro.

Há dois anos, estava sentada na rua em uma mesa do mesmo café quando um menino tocou meu ombro e falou outra frase triste muito comum no Rio de Janeiro: "tia, me ajuda". Ele nem conseguiu completar a frase. Em poucos segundos, vi um segurança forte o afastando de mim pelos braços. Logo, ele passou a desferir tapas à luz do dia no menino (sim, era uma criança). Comecei a gritar para que ele parasse. Mais uma vez ninguém fez nada. Gritei sozinha. A rua onde fica esse café, preciso enfatizar, é frequentada principalmente por muitos brancos de classe média alta e progressistas. Não estou falando de um ambiente bolsonarista onde as pessoas bradam alto que "bandido bom é bandido morto".

Claro que ignorar a tragédia é também uma maneira de sobrevivência. Quando passo uma longa temporada no Rio, logo estou "ignorando" a miséria e ficando menos chocada com as crianças dormindo na rua. Com o tempo, todo mundo naturaliza um pouco o horror, inclusive para continuar vivendo. Mas tudo tem limite. Só neste ano, segundo o Instituto Fogo Cruzado, até o mês de julho, pelo menos 14 crianças e 26 adolescentes teriam sido baleados no Rio de Janeiro. Desses, cinco crianças e 11 adolescentes morreram. Thiago e Eloá se juntam a essas horríveis estatísticas. Ano passado, no mesmo período, quatro crianças foram baleadas. Ou seja, o horror cresce exponencialmente.

Não é possível que essas balas não furem a bolha. Como disse o Emicida na ocasião da morte do Thiago: "isso não é um país. Nunca foi um país. É uma máquina de moer pobre".

 

13
Ago23

'Tiraram um pedaço da minha vida', diz pai de Eloá, morta aos 5 anos pela polícia de Cláudio Castro 

Talis Andrade
Pai de Heloá, Gilgres Santos, chora morte da filha de 5 anos, assassinada com um tiro no peito
Pai de Heloá, Gilgres Santos, chora morte da filha de 5 anos, assassinada com um tiro no peito  pela polícia assassina do RJ

 

O presidente Lula condenou a expressão "bala perdida" após a morte de uma criança e de um adolescente em ação policial no Morro do Dendê, no Rio de Janeiro (vídeo)

 

247 - O pai da pequena Eloá Passos, de apenas 5 anos, compartilhou palavras de profunda tristeza em relação à morte de sua filha, que foi atingida por um disparo no peito na Ilha do Governador, região norte do Rio de Janeiro. Gilgres Santos expressou que nada poderá amenizar a dor que sente e que enfrentará o desafio de seguir adiante para cuidar de suas outras filhas.

"Infelizmente, tenho que continuar minha jornada e continuar cuidando das minhas filhas que estão em casa, pois minha filha foi levada de nós. Tenho duas outras para criar, vocês entendem?", disse ele em entrevista ao programa RJTV2, da TV Globo. Com os olhos marejados, ele adicionou: "Não há palavras suficientes para expressar a dor que estou sentindo. A perda da minha filha, que já se foi, é devastadora. Arrancaram um pedaço da minha vida, foi a minha filha".

A mãe da menina compartilhou que Eloá era uma criança extremamente alegre e amada por todos, destacando sua personalidade contagiante: "Ela chegava em qualquer lugar e conquistava a todos com sua alegria. Era uma criança muito radiante e generosa." Claudia da Silva de Souza, mãe de Eloá, expressou que a justiça que busca é a divina, deixando nas mãos de Deus o processo de justiça e equilíbrio.

O avô da menina, Fernando Santana, reforçou que o triste incidente ocorreu sem qualquer confronto no momento e criticou a ação da polícia, alegando que disparos foram efetuados sem necessidade. Ele revelou que Eloá foi baleada em seu quarto, ao lado da mãe, logo após acordar.

01
Jun23

Negritude, razão e afeto

Talis Andrade
Marcelo Guimarães Lima, Red and Blue Still-life, oil on canvas, 30 x 30 cm

 

Uma das sequelas mais perversas da escravidão – do racismo, por metonímia – é o embotamento afetivo que tão comumente nos cala

 

“Do fundo do meu coração \ Do mais profundo canto em meu interior, \ Pro mundo em decomposição \ Escrevo como quem manda cartas de amor”
(Emicida, “Cananéia, Iguape e Ilha Comprida”).

por Luciano Nascimento 

- - -

Minha filha adolescente me encostou contra a parede cobrando que eu demonstrasse sentir orgulho dela. Não era birra; a cobrança era justa.

Tenho orgulho dos meus três filhos. Naquele momento específico, um grande orgulho dela, que acabara de atuar com sucesso num evento na maior universidade federal do país, de cujo Programa de Iniciação Científica Júnior ela é estagiária, graças a um convênio interinstitucional UFRJ-CPII. Minha filha tem apenas quinze anos; foi lindo vê-la emoldurada pela fachada imponente do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista.

A fachada neoclássica construída durante o império por mãos negras escravizadas servindo de pano de fundo para a menina preta falar para criancinhas de todas as cores sobre a história daquela instituição e seu acervo museal. Foi lindo principalmente porque essa menina preta, minha filha, sabe de onde veio, se vangloria por ser preta, e não estava ali alienada. É óbvio que tive – que tenho – orgulho dela. Deles três, claro! Então, por que eu digo isso tão pouco a eles? Pode parecer só uma questão pessoal, mas não é.

Porque uma das sequelas mais perversas da escravidão – do racismo, por metonímia – é o embotamento afetivo que tão comumente nos cala (nos silencia, nos emociona e, principalmente, nos enche de calos). Porque não é fácil fruir sentimentos positivos em meio à luta sem trégua contra o fantasma quadricentenário da desumanização. Digo isso sem a pretensão de declinar uma verdade universal; reconheço algumas pessoas pretas (todas públicas) que parecem ser fontes de ternura, carinho, acolhimento, amor… enfim, tudo que o senso comum entende por afeto. Mas convivo (privadamente) com um número enorme de negres com tremendas dificuldades para expressarem – ou apenas lidarem intimamente com – sua própria afetividade. E os relatos (reais ou ficcionais) que ouço e leio sobre pessoas em condições semelhantes são inúmeros.

A demanda por “ser duas vezes melhor em tudo o tempo todo”, a certeza de que “qualquer escorregão seu vai virar tombo”, o medo constante de ser encontrado por alguma bala perdida, o pavor de passar pelo corredor do shopping que dá nas estatísticas dos milhares de “casos isolados de racismo” que acontecem por hora no Brasil, as corriqueiras agressões ao já milionário Vinícius Jr. nos estádios da Espanha… tudo isso nos coloca em alerta constante, sempre prontes para reagir e lutar pela própria vida.

Pior: prontes também para ensinar nosses filhes pretes a estarem sempre prontes para lutarem o tempo todo pelas deles. Sim: isso vira um looping, uma redução desumana de vidas inteiras à finalidade única de repetir diuturna e microfisicamente a busca pela própria sobrevivência. Numa só palavra, pais e mães pretes de filhes pretes vivemos a “neurose” de tentar não sucumbir à “neurose” a que o racismo diário quer nos acorrentar.

Em meio a esse brejo emocional, imersa nesse constante “Estado de podridão” (Cf. https://aterraeredonda.com.br/estado-de-podridao/), é quase antinatural brotar a flor singela do afeto positivo espontâneo. A dureza atávica é a face aparente da contínua necessidade de ser “antes de tudo, um forte”; o estoicismo é um luxo menos intelectual que espiritual. Para nós, navegar é preciso, e viver, mais ainda.

Mas “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só atirou hoje”. A pedra de hoje, a bronca que levei da minha filha (uma pretinha tão enfezada quanto doce), me levou a esta reflexão sobre nosso caminho até aqui. Uma reflexão que, sem nenhum romantismo, talvez tenha sido registrada em texto escrito submetido à avaliação profissional visando à publicação em veículo abalizado menos por altruísmo do que por um certo tipo de egocentrismo (mesmo se duvidoso) advindo da necessidade subjetiva de reconhecimento social. A alienação é capciosa…

De uma forma ou de outra, pensar sobre a bronca que levei me fez enxergar a “bruta flor” do tempo (de colher) bem diante do meu nariz: eu tinha trinta anos em 2004, quando pela primeira vez, já pai dos dois meninos mais velhos, me tornei aluno da UFRJ, no mestrado em Letras Vernáculas; estamos em 2023, minha filha tem só quinze e já frequenta a mesma universidade na condição de bolsista – coisa que eu nunca pude ser por, ironicamente, sempre estar trabalhando enquanto me pós-graduava. Sim, é muita informação, são muitos paradoxos. Mas, olhando com carinho, dá até para querer acreditar que “o mundo pode ser bão, Sebastião”…

De uma forma ou de outra, pensar sobre a bronca que levei esses dias da filha minha pretinha adolescente me fez enxergar a urgência de vencermos o embotamento afetivo e vivermos e declararmos nossos amores e orgulhos. Mesmo que esses gestos-sentimentos precisem ser mediados pela mais pura razão crítica.

Então, meus filhos, que vocês (e o mundo) saibam que eu me orgulho de vocês. Da “chorridente” sensibilidade destemida da minha caçula; da serena habilidade do meu mais velho para, com a sua música, fazer as pessoas sorrirem; e do dom do meu filho do meio de, simplesmente, ser sorriso. Eu, “gauche na vida” sem ser “Carlos”, me envaideço, sobretudo, pelo fato de vocês três serem Gente – com inegociável inicial maiúscula –, honrando a presença edificante da sua mãe que, inclusive, sempre declara em nome de nós dois o orgulho que eu e ela sentimos de vocês três. Também por isso as palavras “orgulho” e “vaidade” não comportam a felicidade de ter uma companheira assim.

Enfim, por agora enxergar e conseguir dizer tudo isso a vocês, acabo me orgulhando também um pouco de mim. Hoje e ontem. Tomara que amanhã também. Ainda que, pelo menos por enquanto, só a razão permita a este preto dizer isso de si mesmo e cogitar, neste momento, que talvez a razão seja o componente essencial da pedra atemporal de Exu… Quem sabe?

Mas, sem dúvida, quem põe essa pedra em movimento é o afeto.

20
Mai22

23 DECLARAÇÕES CHOCANTES FEITAS POR SERIAL KILLERS

Talis Andrade

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beckertimes on Twitter: "Porque tem charges que precisam ser divulgadas.  https://t.co/bzdnFzlak2 https://t.co/thJsW9naaw" / TwitterRememorando.. charge de 2014 – Duas Bandas e Um CujuntinhoRUIVO LOPES: Bancada da bala: um bunker para homenagear a Rota na Câmara  Municipal de SP

 

Você votaria em um serial killer para a bancada da bala? Ou já votou em vereador, prefeito, deputado homicidas? 

No Brasil do genocídio dos povos indígenas, dos jovens negros, matar não é crime nem pecado. Agora mesmo o presidente Bolsonaro propõe o excludente de ilicitude, para resolver os problemas de pobreza no Brasil, ou permitir a invasão de terras indígenas. 

Serial killers participam das chacinas, dos massacres que acontecem nas favelas, nas periferias, no campo, que a morte em massa no Brasil tem cor. É coisa da supremacia branca, dos que se acreditam limpos de sangue.

por Mega Curioso

Não existe uma fórmula que determine um serial killer, mas suas ações, atitudes, seu histórico na infância e suas declarações podem ajudar a montar o quebra-cabeça que é entender a mente desse criminoso. Confira 23 declarações impressionantes e entre na mente de famosos assassinos em série:

1. “Nós, serial killers, somos seus filhos, somos seus maridos, estamos em toda parte. E haverá mais de suas crianças mortas amanhã” – Ted Bundy

2. “Você sente o último suspiro deixando seus corpos. Você as olha nos olhos. Uma pessoa nessa situação é Deus” – Ted Bundy

3. “Às vezes sinto-me como um vampiro” – Ted Bundy 

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Ted Bundy foi um dos mais temíveis assassinos em série da história dos Estados Unidos, fazendo entre 30 e 36 vítimas na década de 70.  

4. “Durante minha vida, assassinei 21 seres humanos. Eu cometi milhares de arrombamentos, furtos, roubos, incêndios criminosos e, por último mas não menos importante, pratiquei sodomia com mil homens. Eu não tenho o mínimo arrependimento por tudo isso” – Carl Panzram

5. “Desejo que todos tenham um pescoço e eu tenha minhas mãos nele” – Carl Panzram

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Aos 11 anos, Carl Panzram foi levado a um reformatório, onde apanhou e foi sodomizado várias vezes, inclusive por líderes religiosos.

6. “Eu adoro o cheiro doce, rude e espesso de homicídio em lugar fechado. É a única maneira que eu tenho para me lembrar de que ainda estou vivo” – Dr. Michael Swango

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Estima-se que Swango esteve envolvido em cerca de 60 envenenamentos fatais de pacientes e colegas, embora ele só tenha admitido causar quatro mortes.

7. “Eu tirei seu sutiã e sua calcinha e fiz sexo com ela. Essa é uma dessas coisas que penso terem feito parte da minha vida... Ter relações sexuais com os mortos” – Henry Lee Lucas

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Henry Lee Lucas confessou que ele e seu parceiro, Ottis Toole, estavam envolvidos em cerca de 600 assassinatos.

8. “Eu não consegui encontrar nenhum sentido para minha vida enquanto estive lá fora, tenho certeza absoluta de que não o encontrei aqui (na Winsconsin Columbia Correctional Institution). Este é o grand finale de uma vida miseravelmente vivida, e o resultado final é apenas esmagadoramente deprimente... É apenas uma história de vida triste, patética, desprezível, infeliz, isso é tudo o que ela é. Como isso pode ajudar alguém, eu não sei” – Jeffrey Dahmer

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Jeffrey Dahmer assassinou 17 homens e garotos entre 1978 e 1991, além de cometer estupro, necrofilia e canibalismo.

9. “Os demônios estavam bramindo por sangue” – David Berkowitz

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Também conhecido como o Filho de Sam e o Assassino da Calibre .44, ao ser preso, David Berkowitz confessou o assassinato de seis pessoas. 

10. “Eu me lembro de que havia quase uma verdadeira excitação sexual... Você ouve aquele pequeno estouro e tira suas cabeças e as segura pelo cabelo, arrancando suas cabeças, seus corpos sentados lá. Eu tinha um orgasmo” – Edmund Kemper, falando sobre brincar com as bonecas de sua irmã quando era um garotinho.

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Edmund Kemper foi acusado de 10 assassinatos, incluindo o de sua própria mãe, Clarnell Strandberg-Kemper.

11. “Eu adoro matar pessoas. Eu adoro vê-las morrer. Eu atiro em suas cabeças, e elas se balançam e se contorcem por todo o lugar e depois simplesmente param. Ou as corto com uma faca e vejo seus rostos ficarem muito brancos. Eu amo todo aquele sangue. Eu falei para uma mulher me dar todo seu dinheiro. Ela disse ‘não’, então eu a cortei e arranquei seus olhos” – Richard Ramírez

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Richard Ramírez era fã da banda AC/DC e, de acordo com fontes policiais, vestiu uma camiseta do grupo durante alguns dos crimes que cometeu.  

12. “Se você ama alguém, deixe-o ir. Se ele não retornar, cace-o e o mate” – Leonard Lake

13. “Deus destinou as mulheres para cozinhar, limpar a casa e para o sexo. Quando elas não estão em uso, devem ser presas” – Leonard Lake

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Leonard Lake e Charles Ng sequestraram mulheres e as usaram de escravas sexuais. Depois, as matavam e suas famílias.

14. “Ralé da América! Sejam estuprados!” – Aileen Wuornos para o júri que a condenou por assassinato.

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Aileen Wuornos foi uma prostituta considerada a primeira mulher assassina em série dos Estados Unidos.

15. “Eu perdi minha inocência aos 8 anos, então decidi fazer o mesmo ao maior número de garotas que conseguisse" – Pedro López

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Pedro Alonso López é um assassino em série colombiano acusado de ter matado e estuprado mais de 300 pessoas.

16. “Bem, divertir-se é uma razão tão boa como qualquer outra” – Dennis Nilsen, sobre o porquê de matar.

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Dennis Nilsen é britânico e matou pelo menos 15 homens entre 1978 e 1983.

17. “No caso de Ohliger, eu também suguei o sangue do seu ferimento na têmpora, e, de Scheer, da facada no pescoço. Da garota Schulte apenas lambi o sangue de suas mãos. O mesmo ocorreu com o cisne no Hofgarten (parque da cidade de Munique, Alemanha). Eu costumava vagar à noite pelo Hofgarten com bastante frequência, e, na primavera de 1930, notei um cisne dormindo na beira do lago. Eu cortei sua garganta. O sangue jorrou para o alto e o bebi sugando-o pelo corte” – Peter Kürten

18. “Toda a família sofria durante a sua bebedeira, pois, quando bebia, meu pai era terrível. Eu, sendo o mais velho, tinha que sofrer mais. Como você pode imaginar, sofríamos com a pobreza extrema, tudo porque os salários eram gastos em bebida. Todos nós morávamos em um único cômodo, e você perceberá qual o efeito isso teve sexualmente sobre mim” - Peter Kürten

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Peter Kürten foi um assassino em série alemão conhecido pela alcunha de "Vampiro de Düsseldorf".

19. “Quatro ou cinco camaradas e eu entramos em uma casa chinesa e prendemos todos no guarda-roupas. Nós roubamos as joias e estupramos as mulheres. Nós até ferimos uma grávida com a baioneta e arrancamos o feto por seu estômago” – Yoshio Kodaira

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Yoshio Kodaira nasceu em 1905 e foi um estuprador e serial killer japonês.

20. “O que eu fiz não foi por prazer sexual. Mais do que isso, trouxe-me certa paz de espírito” – Andrei Chikatilo

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Andrei Romanovich Chikatilo foi um assassino em série ucraniano, também conhecido como Açougueiro de Rostov, O Estripador Vermelho e O Estripador de Rostov. Matou 53 pessoas entre 1978 e 1990.

21. “Eu obrigo uma mulher a ir aonde eu quero e quando chego lá digo: ‘Sabe de uma coisa? Eu fui ferido, então vou fazer isso agora.’ Então eu as mato” – Moses Sithole

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Moses Sithole fez 38 vítimas em apenas 10 meses (cerca de 4 por mês), se tornando um dos mais sanguinários da África do Sul.

22. “Eu escolhi prostitutas porque pensei que poderia matar quantas delas eu quisesse sem ser pego. Eu também as escolhi como vítimas porque elas eram fáceis de serem apanhadas sem serem notadas” – Gary Ridgway

23. “Eu gostava de dirigir pelos bolsões ao redor do país e pensar nas mulheres que eu depositei lá. Eu matei tantas mulheres que não consigo precisar quantas” – Gary Ridgway

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Gary Leon Ridgway, também conhecido como o “Assassino do Rio Verde”, era um pai de família, casado três vezes, com filhos e emprego fixo e foi condenado por 48 assassinatos confessados por ele.

 

19
Jun21

Ventres da pátria hostil

Talis Andrade

Artistas e amigos criam grafites em homenagem a Kathlen Romeu em comunidade  do Lins de Vasconcelos - Plantão dos LagosRio de Janeiro: Kathlen e seu bebê, mais duas vidas negras interrompidas no  Brasil | Atualidade | EL PAÍS BrasilBurial of Kathlen Romeu, 24-year-old black girl, four months pregnant...  News Photo - Getty ImagesCobrando justiça, familiares enterram Kathlen Romeu na tarde desta  quarta-feira | Voz das Comunidades

PERVERSO INSTINTO ANIMAL. Doze policiais militares, armados de fuzis, de tocaia em um beco, atiraram em Kethlen Romeu que caminhava com a avó. Eles ficaram espantados com a beleza da jovem. Eles ficaram escandalizados com a gravidez da negrinha

 

O racismo foi implacável com Kathlen Romeu, mulher negra e grávida que foi vítima de uma ação policial. Não bastou matá-la com uma “bala perdida”. Um tipo de violência para o qual não há indignação que baste

 

Por Ynaê Lopes dos Santos, Deutsche Welle

Quem já esteve grávida sabe que esse é um estado de sublimação extrema, sobretudo quando ele é fruto de uma escolha da mulher. A centelha de uma revolução que começa imperceptível, e que no espaço de 40 semanas (aproximadamente) toma todo o ventre, transforma um corpo inteiro, para que outro corpo possa nascer. E tamanha transformação é acompanhada pelo enfrentamento de muitos medos. Alguns que nem sabíamos que existiam, outros que estavam escondidos há muito tempo, e que imaginávamos ser apenas lembrança.

A morte é algo que ganha outra dimensão para as grávidas. Não só porque todo parto é um renascimento – e, por isso, é também um tipo de morte –, mas porque sabemos não estar mais sozinhas. Sabemos que a vida, aquela vida guardada no útero, depende de nós.

Mas esse “nós” não é uma condição equânime entre as grávidas. Porque neste “nós” está aquilo que somos: o que comemos, onde moramos, nossa cor de pele, nossa classe social. E o que testemunhamos nas últimas semanas é que até mesmo a gravidez sucumbe ao racismo.

Kathlen Romeu era uma jovem mulher negra e grávida que morreu em decorrência da ação do Estado brasileiro. Não, ela não foi vítima de violência obstétrica ou de negligência médica na hora do parto. Ela não pôde parir porque foi morta em decorrência de uma ação policial que ceifou sua vida e a do filho que carregava no ventre. Um tipo de violência que não tem nome, para a qual não tem dor que dê conta nem indignação que baste.

Segundo levantamento da plataforma de dados Fogo Cruzado, 15 grávidas foram baleadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro desde 2017, quatro delas em meio a ações policiais, e oito morreram. Houve ainda dez bebês baleados quando ainda estavam nos ventres de suas mães, e só um deles sobreviveu.

As ações policiais que atingiram Kathlen Romeu e outras mulheres grávidas obviamente não as tinham como vítimas potenciais. Tampouco se preocuparam em evitar suas mortes. Viraram estatística. Daquelas tristes, que dão um nó na garganta e que podem causar algum tipo de constrangimento dentre os responsáveis pela segurança pública no Brasil – mas muitas vezes, nem isso.

Afinal de contas, eram mulheres, e provavelmente muitas delas eram negras. As mesmas que recebem menos anestesia na hora do parto, ou que têm um pré-natal menos criterioso, pois são tidas como “boas parideiras”, “mulheres de ancas largas” que aguentam a dor do parto e todas as demais. Argumentos ao mesmo tempo infundados e amplamente difundidos por uma ideologia falaciosa que acredita na existência de raças humanas e da desigualdade biológica entre elas.

Só que o racismo não mata só uma vez. Ele mata duas, às vezes três vezes a mesma pessoa. Mata quando tira a vida, mata quando esfrega na cara que a vida tirada não importa. E mata quando tenta lucrar com essa morte.

O racismo foi implacável com Kathlen Romeu, uma mulher negra do Rio de Janeiro e que circulava em espaços destinados às classes dominantes. Não bastou matá-la com uma “bala perdida” quando ela ia visitar sua família numa comunidade na zona norte da cidade. Transformou sua morte num código de venda da loja em que ela trabalhava, sob o pretexto de que 3,5% do valor das peças compradas iriam para a família de Kathlen (o mesmo percentual que ela ganhava de comissão). Isso mesmo que você leu: a morte da Kathlen viralizou nas redes sociais, e a marca para a qual ela trabalhava achou que poderia unir o útil ao agradável, fazendo uma “boa ação” ao mesmo tempo que, literalmente, lucrava com a morte de uma mulher grávida.

Para uma historiadora, é impossível não traçar um paralelo entre a ação de marketing dessa empresa e todo o embate político que esteve por trás da Lei do Ventre Livre – que em 2021 ano completa 150 anos. A lei, aprovada em setembro de 1871, representou um verdadeiro divisor de águas na luta abolicionista brasileira. Dentre os ganhos, estava a definição de que, a partir daquela data, os filhos e filhas das mulheres escravizadas estariam livres. Com uma condição: a liberdade do ventre só ocorreria depois que o proprietário da mãe fosse indenizado.

Essa compensação poderia ser feita de duas formas: ou a escravizada pagava 600$000 réis, ou seu filho e/ou filha teria que trabalhar como escravizado até os 21 anos de idade. A liberdade estava garantida, contanto que os proprietários ainda pudessem lucrar. Uma lei emancipacionista, mas que assegurava uma sobrevida de 50 a 60 anos para a escravidão. Bem a cara da nossa elite escravocrata e do Brasil de hoje, que não soube e não quis rever seu passado escravista.

Parem de nos matar, JUSTIÇA para Kathlen Romeu! - PSOL Carioca

12
Jun21

Pare a máquina, Kathlen é morta

Talis Andrade

Kathlen Romeu - Projeto Colabora

por Thiago Amparo

- - -

Parem as máquinas, pois Kathlen Romeu é assassinada. Assim mesmo: no tempo presente. Eu me recuso a escrever sobre mortes negras no passado, porque vivemos num grande presente a se repetir e repetir; no qual o futuro é uma obra afrofuturista. Ser negro no Brasil é viver uma constante dissonância cognitiva: nosso corpo está aqui e agora, mas contra esse corpo é aplicada, e reaplicada, a mesma tortura há séculos.

Kathlen Romeu, 24 anos, grávida de quatro meses, não foi morta em confronto, porque morticínio não é confronto, é barbárie. Kathlen Romeu não foi alvo de bala perdida, porque a bala é sempre certeira contra os mesmos endereços e a mesma cor: 700 mulheres foram baleadas no RJ desde 2017; sendo 15 delas grávidas, como Kathlen; dez bebês foram baleados ainda na barriga da mãe, segundo dados do Fogo Cruzado.

O que está em curso no RJ é, tecnicamente, genocídio: destruição intencional de um grupo étnico-racial. E quero que vá às favas quem ache que isso seja calunioso, posto que falso não é: governo e polícias do Rio de Janeiro têm as mãos sujas do sangue que derramam. Qual democracia sobrevive após ser esmagada pela queda do corpo que nunca pesa? Por que coisificamos mortes negras em mais um post preto e as transformamos em códigos de desconto?

Toda morte é política, porque fomos nós, a pólis, que produzimos o governo da morte. Que o incendiemos. Parem a grande máquina do mundo, pois Kathlen não sorri mais.

Joel Luiz Costa on Twitter: "JUSTIÇA POR KATHLEN ROMEU! ELES MATAM NOSSOS  FILHOS E NOSSAS MÃES O movimento Favelas Na Luta vem a público, mais uma  vez, pedir justiça pela vida de

09
Jun21

Ministro do STJ lamenta morte de Kathlen: “Quando isso vai parar?”

Talis Andrade

 

Sebastião Reis falou que não há "nenhuma preocupação real por parte das autoridades" com mortes durante operações policiais

 

 
Durante sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta quarta-feira (9/6), o ministro Sebastião Reis se solidarizou com a família de Kathlen Romeu, jovem negra – que estava grávida – e morreu baleada durante uma operação policial no Rio de Janeiro. “Quando isso vai parar”, questionou, emocionado.
 

O magistrado prosseguiu dizendo que não tem a resposta e “certamente ninguém tem”. “Considerando que não vejo nenhuma preocupação real por parte das autoridades responsáveis com tais atos”, falou.

Sebastião disse que o fato não é isolado e que é rara a semana em que não chegam ao conhecimento da população notícias de brasileiros, em sua esmagadora maioria, negros, vítimas de balas perdidas. “São homens, mulheres, crianças… não há um alvo preferido”, declarou.

O ministro disse que é preciso preocupação com o aparelhamento material e humano da Justiça, do Ministério Público e da polícia.

“Enquanto não nos preocuparmos com a ressocialização dos condenados, enquanto não discutirmos seriamente a descriminalização das drogas, enquanto não nos preocuparmos em dar educação, saúde e emprego aos milhares de brasileiros que se encontram na faixa da pobreza, o quadro atual só tende a piorar”, finalizou.homenagem a Kathlen

Fachin manda Rio e MPRJ explicarem sigilo sobre operações policiais

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O ministro também quer que seja apurado se houve descumprimento da decisão do STF que restringiu ações policiais em comunidades do estado

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou o governo do Rio de Janeiro e o Ministério Público do estado (MPRJ) explicarem, no prazo de 10 dias, a imposição de sigilo sobre os dados das operações policiais ocorridas em comunidades, após a decisão da Corte de barrá-las.
 

O pedido faz referência à ação assinada por 19 integrantes de movimentos em defesa dos direitos humanos, incluindo a Defensoria Pública do Rio, depois da morte de 28 pessoas, há um mês, durante operação no Jacarezinho, Zona Norte no Rio de Janeiro.

09
Jun21

Oito grávidas foram mortas a tiros no Rio de Janeiro desde 2017

Talis Andrade

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Entre 15 baleadas, quatro mulheres estavam ‘em meio a ações policiais’, segundo levantamento da plataforma Fogo Cruzado

A morte de Kathlen Romeu, mulher grávida de 24 anos baleada nesta terça-feira 0 em uma operação da Polícia Militar no Rio de Janeiro, não é exceção.

A afirmação é da plataforma Fogo Cruzado, que compila dados referentes a tiroteios nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco.

Segundo o levantamento, iniciado em 2017, 15 grávidas foram baleadas na região da Grande Rio, sendo que oito morreram. Do total, quatro mulheres foram baleadas “em meio a ações policiais”, diz publicação da plataforma nas redes sociais.

 

Dentre os 15 casos, 9 bebês não resistiram, incluindo o filho de Kathlen. O último caso registrado até esta terça é de 2020, quando uma gestante foi baleada no pé por estar próxima a uma briga em um bar.

Em nota, a Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou que Kathlen “foi baleada durante um confronto entre traficantes e policiais militares”.

“Testemunhas serão ouvidas e diligências realizadas para esclarecer todos os fatos e identificar de onde partiu o tiro que atingiu a vítima”, finaliza o comunicado.

Publicado originalmente na Carta Capital.

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