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IV - Mariana Alvim entrevista Sérgio Abranches
BBC News Brasil - Essa aproximação do Centrão pode reverter um quadro que está caminhando para o impeachment?
Abranches - Não sei se o quadro está se encaminhando para o impeachment, eu acho que o quadro já bateu várias vezes na porta do impeachment e voltou.
Bolsonaro já deu sobejas razões para o impeachment, mas o fato de não ter corrido nenhum processo mostra que está longe de acontecer.
A aproximação deste tipo de Centrão é a turma dele. Ele sabe fazer esse jogo, o que esses caras gostam, o que eles querem.
Mas essa turma tem um tipo de demanda que é incompatível com o quadro atual — de austeridade imposto pela pandemia. Outro fator que dificulta o sucesso dessa empreitada é o problema com a equipe econômica, que odeia gasto público.
Por outro lado, é uma pequena política, não uma política que gere resultados macro. Não é uma política que permita construir projetos políticos. Não é uma coalizão, é um conluio — na verdade, o objetivo ali é proteger Bolsonaro do processo de impeachment.
Quando ele busca essa aliança, esse conluio, com a parte mais podre do Centrão — parlamentares já condenados, outros em vias de sê-lo —, não terá nenhum resultado macropolítico importante para o país. Ele não vai conseguir tomar qualquer decisão relevante com essa chamada base.
O governo está paralisado.No começo do governo, ele tinha dois pilares: a econômica, com Paulo Guedes (ministro da Economia); e da Lava-Jato, da luta contra a corrupção, com o Moro. Uma delas acabou (com a saída de Moro). A outra (econômica), balança mas não cai, pela quantidade de vezes que Bolsonaro sabota os projetos do Paulo Guedes.
O governo não tem projeto: os que são apresentados não andam; as medidas provisórias são rejeitadas. O pouco que consegue aprovar é porque o Congresso assume com dele a tarefa — faz alterações e aprova um outro projeto.
O modelo continua sendo o presidencialismo de coalizão. Se o presidente não tiver a maioria multipartidária sólida, consistente, no Congresso, ele não governa.
BBC News Brasil - Este governo trouxe a novidade de uma maior aposta nas bancadas temáticas, e não partidárias.
Abranches - Isso aí estava fadado a dar errado desde o princípio.
BBC News Brasil - Mas elas explicam estas pautas circunstanciais que avançaram no Congresso, certo?
Abranches - Só pauta que interessa a essas bancadas temáticas (avança).
Por exemplo, os ruralistas. Eles se dividem na maior parte das pautas que não sejam ruralistas.
A bancada da bala só consegue aprovar suas pautas, se divide em outras questões; como a bancada da Bíblia.
Você não consegue montar uma coalizão consistente, coerente, com as bancadas temáticas. Por isso ele (Bolsonaro) fracassou.
BBC News Brasil - Considerando seus estudos sobre os outros impeachments e o que está dizendo agora, daria para prever que um impeachment de Bolsonaro é hoje improvável?
Abranches - É difícil dizer, viu. Neste momento, o Rodrigo Maia já deu todas as demonstrações de que não está disposto a abrir um processo de impeachment, portanto ele (o processo) não está caminhando.
O processo pelo Supremo vai depender muito do Aras. Aí teríamos um primeiro teste. Nesse caso, é mais previsível — se o Aras denunciar, a possibilidade do Bolsonaro evitar uma autorização (do processo de impeachment) é baixa.
BBC News Brasil - O federalismo é um tema com o qual você trabalha bastante, destacando que no Brasil o governo federal centraliza muito do poder orçamentário e de gestão. Com o slogan "Mais Brasil, menos Brasília" durante sua campanha, Bolsonaro também parecia ter uma crítica nesse sentido...
Abranches - Era mentira do Bolsonaro, ele nunca acreditou nisso.
O Paulo Guedes é que acreditava, não acredita mais, porque na verdade fazer "Mais Brasil, menos Brasília" significa abrir mão de poder. Esse não é o projeto de Bolsonaro, ele quer mais poder.
BBC News Brasil - A atual pandemia inclusive exacerbou isto, com Bolsonaro fazendo acusações frequentes contra governadores e o STF tendo que se posicionar sobre as responsabilidades dos entes (o Supremo decidiu em abril que prefeitos e governadores têm autonomia para decidir suas políticas de isolamento social).
Abranches - Exatamente.
Os governadores têm alguma autonomia mas não têm os recursos. Para a maior parte dos Estados e municípios, o que conta mesmo (para seu caixa) são as transferências do Fundo de Participação de Estados e Municípios.
E quando você olha, tudo depende de autorização de Brasília, da orientação de Brasília, tem muita uniformidade na educação, na saúde, que não devia ter...
Qualquer governador, qualquer prefeito, sabe melhor do que sua população precisa do que qualquer tecnocrata de Brasília.
Todas as federações que eu conheço são descentralizadas e têm autonomia — todas elas funcionam melhor que a brasileira. Tanto as pequenas, como o Canadá, quando as grandes, como Estados Unidos.
BBC News Brasil - Voltando a algo que você já até mencionou no início da conversa, sobre a instabilidade na democracia a partir de 2014, que muita gente atribui ao questionamento pelo PSDB do resultado das eleições presidenciais (após derrota para a candidata do PT, Dilma Rousseff, o partido pediu ao Tribunal Superior Eleitoral naquele ano uma auditoria do processo para verificar sua lisura).
Abranches - Acho que foi um erro de comportamento sério do Aécio Neves contestar o resultado, porque era uma coisa incomum — as eleições vinham sendo consideradas razoáveis o tempo todo.
Não acho que seja o início da instabilidade, porque ela estava dada pela incapacidade de lidar com a coalizão da Dilma; e pelo declínio da economia.
Tem outro aspecto importante, observado também com Bolsonaro, que é frustrar o eleitor. Dilma se reelegeu prometendo crescimento econômico, e isso não aconteceu; ela soltou os preços da gasolina que tinha comprimido de forma artificial por razões puramente políticas, e produziu inflação.
Ou seja, exatamente o oposto do que ela prometeu ao eleitor — o eleitor não petista, pois o eleitor petista é mais fiel. Mas nenhum presidente petista se elegeu só com o voto do PT, e sim por uma coalizão eleitoral muito maior, reunido gente que tinha votado no Fernando Henrique.
Na verdade, uma parte dos que elegeram Fernando Henrique elegeu Lula, Dilma e elegeu Bolsonaro — é uma parte importante das eleições esse voto cambiante que tem no Brasil.
O Fernando Henrique também frustrou o eleitorado prometendo a estabilidade da moeda, teve a desvalorização e a inflação subiu. Ele perdeu popularidade para sempre — por causa da frustração. Não teve impeachment, mas ele perdeu a eleição, não fazendo sucessor.
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