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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

27
Mar23

Justiça e imprensa safadas sabiam desde o início que Gabriela Hardt era incompetente para investigar farsa contra Moro (vídeo)

Talis Andrade
 
 
 
Entenda plano do PCC para matar Moro e seus desdobramentos - 24/03/2023 -  Poder - Folha
 

por Sérgio Rodas /ConJur

A Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação sobre o suposto plano para sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo cabe à Justiça estadual.

E sequer cabe à Justiça paranaense, mas à paulista. Afinal, foi ela que iniciou a apuração. E os primeiros atos preparatórios para colocar o eventual projeto em prática foram praticados por integrantes do Primeiro Comando da Capital em cidades de São Paulo.

O processo que apura o suposto plano para sequestrar Moro está correndo na 9ª Vara Federal de Curitiba. A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná afirmou à revista eletrônica Consultor Jurídico que a competência é federal, e não estadual, porque a vítima é senador. O órgão citou a Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça. A norma estabelece que "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função".

Além disso, a assessoria de imprensa sustentou que a investigação tramita em Curitiba por ser o local onde Moro reside e onde o suposto sequestro seria colocado em prática. Os primeiros atos de execução do tal plano ocorreram em dezembro de 2022, quando ele já tinha sido eleito, mas não empossado.

Porém, o fato de Moro ser senador ou ter sido ministro da Justiça — cargo no qual tomou medidas que desagradaram ao PCC, segundo a juíza Gabriela Hardt — não atrai a competência da Justiça Federal, afirma Afrânio Silva Jardim, professor aposentado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Ele afirma que o fato de a vítima de crime contra a pessoa — como sequestro ou eventual homicídio, delitos que supostamente poderiam ser praticados contra Moro — ser funcionário público não é hipótese de atribuição do caso a juízes federais, conforme a Constituição.

O artigo 109, IV, da Carta Magna estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Jardim destaca que, no caso de sequestro, tentativa de sequestro ou homicídio, não houve início da execução. E levantar aspectos do cotidiano da eventual vítima não caracteriza começo da consumação do delito. De qualquer forma, seriam crimes praticados contra Sergio Moro pessoa física, não em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Portanto, a competência é da Justiça estadual, não da federal, opina o professor.

Se há um delito que já estava sendo praticado, destaca ele, é o de pertencimento a organização criminosa — que é de mera conduta e não tem vítima. Portanto, o fato de Moro ser senador e ter sido ministro da Justiça novamente não torna a Justiça Federal competente para conduzir a investigação.

Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que não é o caso de aplicação da Súmula 147 do STJ.

"A competência da Justiça Federal seria atraída se o crime fosse praticado contra servidor público no exercício das funções. Tem de ter atualidade do exercício. Ele (Moro) é senador hoje, mas os crimes não têm qualquer relação com isso. Não vejo justificativa para incidência da súmula, tampouco para competência federal. Inclusive, todas as restrições que o STF estabeleceu — na Questão de Ordem na Ação Penal 937 — precisam ser consideradas nessa discussão. Se um crime praticado pelo servidor, após a cessação da prerrogativa, não atrai a atuação do tribunal (ou seja, não tem prerrogativa alguma), isso também se aplica no sentido inverso", avalia Lopes Jr, que é colunista da ConJur.

No caso citado pelo professor, julgado em 2018, o Plenário do STF restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

 

Paraná ou São Paulo?


A investigação começou na Justiça estadual de São Paulo, estado onde os atos preparatórios para o suposto plano do PCC se iniciaram. Posteriormente, a parte que envolvia Sergio Moro foi cindida e enviada para a Justiça Federal do Paraná.

Se os atos preparatórios para o suposto plano se iniciaram em São Paulo, e a maioria das prisões e buscas e apreensões foi feita nesse estado, o caso deveria correr na Justiça estadual paulista.

Afrânio Silva Jardim menciona que, se a organização criminosa — o PCC — é sediada em São Paulo e começou a planejar o suposto sequestro em cidades paulistas, a competência é da Justiça estadual.

Com relação ao lugar, a competência é definida em função do crime mais grave, cita Aury Lopes Jr.. O suposto plano do PCC envolveria não apenas ataques a Moro, mas também ao promotor do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya. Ou seja, crimes de igual gravidade. Aí vale a regra da prevenção, segundo o professor. Assim, o processo deveria permanecer onde foi iniciado — na Justiça estadual de São Paulo, onde continua tramitando a apuração envolvendo o promotor.

 

Tacla Duran pode provar hoje que Moro e Lava Jato vendiam sentenças

 

 O advogado Rodrigo Tacla Duran irá prestar depoimento, nesta segunda-feira (27/3), ao juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Tacla Duran deve apresentar comprovante de que pagou US$ 613 mil a um advogado ligado ao ex-juiz Sergio Moro para não ser preso.

Tacla Duran, que foi advogado da Odebrecht, foi preso preventivamente na "lava jato", em 2016. Seis meses antes, ele tinha sido procurado pelo advogado Carlos Zucolotto Júnior, que era sócio de Rosângela Moro, mulher do ex-juiz.

Em conversa pelo aplicativo Wickr Me, Zucolotto ofereceu acordo de colaboração premiada, que seria fechado com a concordância de "DD" (iniciais do ex-procurador da República Deltan Dallagnol). Em troca, queria US$ 5 milhões de dólares. Zucolotto disse que os pagamentos deveriam ser feitos "por fora".

Um dia depois, seu advogado no caso recebeu uma minuta do acordo em papel timbrado do Ministério Público Federal, com o nome dos procuradores envolvidos e as condições negociadas com Zucolotto. Em 14 de julho de 2016, Tacla Duran fez transferência bancária para o escritório do advogado Marlus Arns, no valor de US$ 613 mil, o equivalente hoje a R$ 3,2 milhões. A transferência era a primeira parcela do pagamento pela delação. "Paguei para não ser preso", disse Tacla Durán em entrevista a Jamil Chade, do UOL. 

Porém, depois o advogado deixou de fazer os pagamentos, e Sergio Moro decretou sua prisão preventiva. Contudo, Tacla Durán, já estava fora do Brasil. Ele acabaria preso em Madri.

Neste domingo (26/3), o influencer Thiago dos Reis divulgou o documento de transferência bancária para a conta de Marlus Arns. O advogado foi parceiro de Rosângela em ações da Federação da Apae no Paraná, e também na defesa da família Simão, um caso que ficou conhecido como "máfia das falências".

Tacla Duran vai falar no bojo da ação penal em que é réu pelo suposto crime de lavagem de dinheiro. O advogado chegou a ter a prisão preventiva decretada pelo ex-juiz titular da 13ª Vara Federal Sergio Moro, atualmente senador.

O pedido de preventiva foi revogado no último dia 17 por Appio. Na decisão, o magistrado lembrou que a previsão constitucional é a presunção de inocência, e não o inverso.

"Inverter a presunção de inocência significa, na prática, erodir os mais comezinhos princípios jurídicos de caráter civilizatório, impondo ao cidadão comum um dever de autovigilância permanente que pode, na melhor da hipóteses, conduzir a graves problemas psíquicos dos afetados pela ação do Estado e, na pior das hipóteses, na aceitação de um Estado de matriz policialesca/totalitária."

 

Moro fez de tudo para prender Tacla Duran e necas de pitibiriba

 

Tacla Duran não chegou a ser preso, já que não estava no país quando sua prisão foi decretada, em 2016. Ele atualmente vive na Espanha e acusa Moro de fazer "negociações paralelas" na condução da finada "lava jato".

O advogado foi incluído na lista de procurados da Interpol, mas teve seu nome retirado por decisão do Comitê de Controle de Arquivos, que considerou que ele teve seus direitos violados por Moro.

De acordo com a Interpol, a conduta do ex-juiz, responsável pela "lava jato" em Curitiba, lançou dúvidas sobre a existência de um julgamento justo contra o ex-funcionário da Odebrecht. A organização apontou violação de leis, princípios, tratados e normas do Direito internacional reconhecidos pelo Brasil.

Entre as evidências apresentadas pela defesa de Duran à Interpol estavam as reiteradas decisões de Moro de negar o arrolamento do advogado como testemunha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao fazê-lo, segundo o advogado de Duran, Sebastian Suarez, Moro desqualificou a fala de seu cliente antes mesmo de ouvi-la, como se a tivesse prejulgado.

Outra das evidências é a entrevista de Moro ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Nela, o magistrado fala abertamente sobre o processo, o que viola regras éticas da magistratura.

 
 

25
Mar23

Justiça Federal do Paraná é incompetente para investigar plano contra Sergio Moro (vídeo)

Talis Andrade

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Por Sérgio Rodas /ConJur

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A Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação sobre o suposto plano para sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo cabe à Justiça estadual.

E sequer cabe à Justiça paranaense, mas à paulista. Afinal, foi ela que iniciou a apuração. E os primeiros atos preparatórios para colocar o eventual projeto em prática foram praticados por integrantes do Primeiro Comando da Capital em cidades de São Paulo.

O processo que apura o suposto plano para sequestrar Moro está correndo na 9ª Vara Federal de Curitiba. A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná afirmou à revista eletrônica Consultor Jurídico que a competência é federal, e não estadual, porque a vítima é senador. O órgão citou a Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça. A norma estabelece que "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função".

Além disso, a assessoria de imprensa sustentou que a investigação tramita em Curitiba por ser o local onde Moro reside e onde o suposto sequestro seria colocado em prática. Os primeiros atos de execução do tal plano ocorreram em dezembro de 2022, quando ele já tinha sido eleito, mas não empossado.

Porém, o fato de Moro ser senador ou ter sido ministro da Justiça — cargo no qual tomou medidas que desagradaram ao PCC, segundo a juíza Gabriela Hardt — não atrai a competência da Justiça Federal, afirma Afrânio Silva Jardim, professor aposentado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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Ele afirma que o fato de a vítima de crime contra a pessoa — como sequestro ou eventual homicídio, delitos que supostamente poderiam ser praticados contra Moro — ser funcionário público não é hipótese de atribuição do caso a juízes federais, conforme a Constituição.

O artigo 109, IV, da Carta Magna estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

Jardim destaca que, no caso de sequestro, tentativa de sequestro ou homicídio, não houve início da execução. E levantar aspectos do cotidiano da eventual vítima não caracteriza começo da consumação do delito. De qualquer forma, seriam crimes praticados contra Sergio Moro pessoa física, não em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Portanto, a competência é da Justiça estadual, não da federal, opina o professor.

Se há um delito que já estava sendo praticado, destaca ele, é o de pertencimento a organização criminosa — que é de mera conduta e não tem vítima. Portanto, o fato de Moro ser senador e ter sido ministro da Justiça novamente não torna a Justiça Federal competente para conduzir a investigação.

Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que não é o caso de aplicação da Súmula 147 do STJ.

"A competência da Justiça Federal seria atraída se o crime fosse praticado contra servidor público no exercício das funções. Tem de ter atualidade do exercício. Ele (Moro) é senador hoje, mas os crimes não têm qualquer relação com isso. Não vejo justificativa para incidência da súmula, tampouco para competência federal. Inclusive, todas as restrições que o STF estabeleceu — na Questão de Ordem na Ação Penal 937 — precisam ser consideradas nessa discussão. Se um crime praticado pelo servidor, após a cessação da prerrogativa, não atrai a atuação do tribunal (ou seja, não tem prerrogativa alguma), isso também se aplica no sentido inverso", avalia Lopes Jr, que é colunista da ConJur.

No caso citado pelo professor, julgado em 2018, o Plenário do STF restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

Paraná ou São Paulo?

A investigação começou na Justiça estadual de São Paulo, estado onde os atos preparatórios para o suposto plano do PCC se iniciaram. Posteriormente, a parte que envolvia Sergio Moro foi cindida e enviada para a Justiça Federal do Paraná.

Se os atos preparatórios para o suposto plano se iniciaram em São Paulo, e a maioria das prisões e buscas e apreensões foi feita nesse estado, o caso deveria correr na Justiça estadual paulista.

Afrânio Silva Jardim menciona que, se a organização criminosa — o PCC — é sediada em São Paulo e começou a planejar o suposto sequestro em cidades paulistas, a competência é da Justiça estadual.

Com relação ao lugar, a competência é definida em função do crime mais grave, cita Aury Lopes Jr.. O suposto plano do PCC envolveria não apenas ataques a Moro, mas também ao promotor do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya. Ou seja, crimes de igual gravidade. Aí vale a regra da prevenção, segundo o professor. Assim, o processo deveria permanecer onde foi iniciado — na Justiça estadual de São Paulo, onde continua tramitando a apuração envolvendo o promotor.

25
Mar23

Adriano Argolo: 'Gabriela Hardt corrompeu o sistema de justiça brasileiro' (vídeo)

Talis Andrade
www.brasil247.com - Adriano Argolo, Gabriela Hardt e Sergio Moro
Adriano Argolo, Gabriela Hardt e Sergio Moro (Foto: Reprodução | Jonas Pereira/Agência Senado)

 

Segundo o jurista, a juíza Gabriela Hardt burlou 'a competência jurisdicional' no contexto da investigação sobre um suposto plano de criminosos para assassinar Sergio Moro

 

247 - O jurista Adriano Argolo afirmou que a juíza Gabriela Hardt, que da 9ª Vara Federal de Curitiba (PR), "corrompe" o sistema jurídico brasileiro. O advogado comentou a Operação Sequaz, da Polícia Federal (PF), que prendeu na última quarta-feira (22) suspeitos de planejar o assassinato do senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e outras autoridadades públicas. Juristas falaram em armação do parlamentar com o objetivo de prejudicar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gabriela suspendeu o sigilo da decisão que levou à operação da PF contra integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

"Lula está certo! Olha a armação aí, gente. Ela não tinha competência para decidir nada nesse fato jurídico e ela decidiu 35 minutos depois da fala do Lula", disse Argolo. "A competência jurisdicional de um juízo, talvez, seja a coisa mais importante do processo. É na competência que se decide o juízo, o MP, enfim, onde o estado de comprova competente para julgar as pessoas, ao burlar essa competência, a juíza Gabriela Hardt corrompe o sistema".

Na quinta-feira (23), o petista falou em "armação" de Moro contra o governo. "Eu não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro, mas eu quero ser cauteloso. Eu vou descobrir o que aconteceu", afirmou o presidente no Rio.

De acordo com Argolo, houve "armação da juíza que colocou o ex juiz corrupto Moro como sendo o principal alvo". "Grandes juristas estão dizendo abertamente que foi armação, eu concordo com eles!".
 
Vários juristas brasileiros defenderam Lula e criticaram Sergio Moro. Professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Aury Lopes Jr., disse que a "competência da Justiça Federal seria atraída se o crime fosse praticado contra servidor público no exercício das funções". "Tem de ter atualidade do exercício. Ele (Moro) é senador hoje, mas os crimes não têm qualquer relação com isso".
 

Um dos motivos para se falar em "armação" é que Moro, um dos principais opositores do governo Lula, já foi condenado em 2021 pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a suspeição do atual senador nos processos contra o petista no âmbito da Lava Jato, que teve o ex-juiz como responsável pelos processos em primeira instância jurídica na operação. 

Em 2022, quando tentava candidatura ao Senado, Moro foi derrotado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) por fraude em domicílio eleitoral e, como consequência, decidiu ser candidato pelo Paraná.

14
Mai21

Valor probatório da palavra do delator: delação por ouvir dizer?

Talis Andrade

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Por Aury Lopes Jr. e Vítor Paczek

A recente notícia de que a Polícia Federal pediu ao STF a abertura de investigação contra o Ministro Dias Toffoli – com base na delação de Sérgio Cabral – novamente traz à discussão o valor probatório da palavra do delator e os limites, acertadamente impostos, pela Lei 12.850. Mas o caso em questão remete a um elemento ainda mais estarrecedor: é uma delação de ‘ouvi dizer’. Ora, se a testemunha de ‘ouvi dizer’ (hearsay) deveria ser vedada, de proibida admissibilidade, o que dizer de uma delação a partir do que o “delator-ouviu-dizer”? Além da absoluta falta de credibilidade e, principalmente, valor epistêmico, a questão já foi tratada pelo STF no Inq. 4.244 e merece análise à luz dos últimos acontecimentos.

Em 19/3 o ministro Gilmar Mendes (Inq 4.244/STF, caso Aécio Neves/Furnas) determina o arquivamento da investigação preliminar a pedido do PGR. O caso se inicia em 2014 com a delação premiada de Alberto Youssef e é posteriormente arquivado. Com a delação do ex-senador Delcídio do Amaral, a investigação é reaberta em 2016, juntando-se também investigações em andamento contra Dimas Toledo, ex-parlamentar que estaria envolvido nos crimes e teria vínculo com Aécio, além do depoimento de Fernando Moura, um terceiro delator que tem seu acordo questionado por omissões e má-fé na atuação.

O fato investigado era corrupção passiva a partir do recebimento de vantagem por Aécio, oriundo das empresas contratadas pela estatal Furnas Centrais Elétricas S.A. Os recursos ilícitos seriam lavados por meio de pessoas jurídicas ligadas à irmã de Aécio (Andrea Neves), bem como pelo envio de recursos a contas no exterior, utilizando-se do serviço de doleiros.

A decisão é paradigmática porque reforça uma interpretação constitucionalmente adequada sobre o limite da narrativa do delator premiado: é imprestável o depoimento do delator sobre fatos de ‘ouvir dizer’. Conforme afirmou o Ministro Gilmar, as recentes alterações do art. 3º-C, §3º da Lei 12.850/13 introduzidas no “pacote anticrime” “vedaram expressamente a delação de fatos que não tenham contado com a participação direta do delator”. A decisão é um marco que deve ser aplaudido e replicado em todas as investigações criminais, pois contribui para redução do erro judiciário das delações premiadas como se verá na sequência.

O chamado hearsay testimony é a testemunha do ‘ouvi dizer’, ou seja, aquela pessoa que não viu ou presenciou o fato e tampouco teve contato direto com o que estava ocorrendo, senão que sabe através de alguém, por ter ouvido terceiro narrando ou contando o fato. No nosso sistema, esse tipo de depoimento não é proibido, mas deveria ser considerado imprestável em termos de valoração, na medida em que é frágil e com pouca credibilidade, impedindo na prática o direito ao confronto.

Explica Malan[1] em profundo estudo sobre o tema que o direito ao confronto é fundante da prova testemunhal e o depoimento indireto prejudica sobremaneira esse direito, na medida em que “(i) a declaração original com frequência é prestada sem qualquer solenidade ou formalidade, em especial o juramente de dizer a verdade; (ii) o declarante original não pode ser submetido ao exame cruzado da parte processual prejudicada pelo teor da declaração; (iii) o juiz e os jurados não podem observar o comportamento do declarante original no momento em que prestou as declarações”.

Trata-se de testemunho bastante manipulável e extremamente adequado para as colaborações premiadas, porque: (1) blinda a narrativa do delator de contradições, na medida em que o exame cruzado na audiência é cerceado e sem plena confrontação afinal, sobre o fato o delator nada sabe, apenas se limita a repetir o que ouviu e, eventualmente, fazer juízos de valor sobre isso (o que é vedado pela objetividade); e (2) retira o peso da incriminação caluniosa do delator, pois ele apenas teria ouvido de terceiro a incriminação, compartilhando o conhecimento calunioso. Fora o fato de que há ainda o imenso risco de existir uma verbalização ampliada, até para valorização do papel assumido como colaborador da justiça.

A testemunha de “ouvi dizer” nada presenciou e, portanto, não corresponde aos requisitos de objetividade e retrospectividade, na medida em que não teve a ‘experiência probatória’, não conheceu diretamente do fato objeto da discussão na dimensão de caso penal. A título de curiosidade, no sistema inglês existem três provas passíveis de exclusão (exclusionary rules) e proibição valoratória:

a) hearsay: testemunha de ‘ouvi dizer’;

b) Bad character: prova sobre o mau caráter. Importante para evitar o direito penal do autor (eis outra proibição de prova que poderíamos adotar, especialmente no tribunal do júri);

c) Prova ilegal: concepção tradicional de proibição de valoração probatória da prova ilícita.

Na experiência brasileira o STJ tem fixado uma ratio decidendi importantíssima a respeito dos limites de suficiência da decisão de pronúncia no procedimento do Júri. Quando os indícios de autoria sejam fundados exclusivamente em testemunhos de ouvir dizer, a exemplo do RESp 933436/SP (Rel. ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 13/10/2009) é vedada a pronúncia porque “tais elementos revelam-se precários, e dessa forma, não autorizam a sua submissão ao iudicium causae”. Em outro caso paradigma, REsp nº 1.444.372/RS (Rel. ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 25/02/2016) segue-se a mesma linha, proibindo a pronúncia com base em ouvir dizer.

Enfim, a testemunha de ‘ouvi dizer’ (hearsay) não é propriamente uma prova ilícita, mas deveria ser evitada pelos riscos a ela inerentes e, quando produzida, valorada com bastante cautela ou mesmo não valorada. Existe uma insuperável restrição de cognição, pois não se trata de uma testemunha presencial, daí decorrendo o completo desconhecimento do fato e, portanto, um elevadíssimo risco de indução, deturpação e contaminação, pois ela acaba sendo mera ‘repetidora’ de discurso alheio.

No âmbito das delações premiadas é correta a preocupação do Ministro Gilmar que foi incorporada pelo pacote anticrime, pois o delator deve provar o seu discurso para receber benefícios penais. Nesse momento é extremamente pertinente acusar com base em ouvir dizer, pois estar-se-ia incluindo fatos novos para ‘vender’ conhecimento delatado que não se tem. A decisão do Ministro Gilmar que limita a delação por ouvir dizer corretamente segue a linha de que se deve presumir a falta de credibilidade dos depoimentos e dos elementos de corroboração apresentados pelos delatores, pois são direcionados para contrapartidas penais (INQ nº 4419, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 11/9/2018).

Ademais, conforme pragmaticamente decidiu o Ministro Gilmar, constatada a omissão ou inverdade das informações prestadas pelo colaborador, ou a mudança de versões sobre fatos investigados que abalam a confiança do juízo sobre a credibilidade dos relatos, esses delatores devem ser impedidos de depor a partir do art. 214 do CPP, que fixa a regra da contradita da testemunha.

A decisão proferida no Inq 4244 é um standard de legalidade importante, que deve ser replicada nas demais investigações do país e o ‘hearsay’ precisa ser vedado como prova no processo penal.


[1]    MALAN, Diogo Rudge. Direito ao Confronto no Processo Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2009, p. 54 e ss.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico /Grupo Prerrogativas

 
 
 
 
 
05
Mar21

O lugar do juiz no processo penal: o “lavajatismo” que escancara o estado de natureza hermenêutico e a crise de identidade da jurisdição

Talis Andrade

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Por Leonardo Donato

Os recentes episódios envolvendo a divulgação de conversas que evidenciaram um verdadeiro consórcio entre “força-tarefa” do Ministério Público e o Juiz Sérgio Moro, no âmbito da denominada “operação Lava Jato”, são pano de fundo para uma necessária discussão acerca do lugar do juiz no processo penal. Para além da questão individual, que é caricata, o caso é sintoma de um contexto jurisdicional maior que antecede. Espelha um panorama macro. Se o teor dos conteúdos revelados não é suficiente para causar perplexidade em parte da comunidade jurídica e ganhar contornos de escândalo nos grandes jornais, é porque as condições de possibilidade para a normalização do anormal papel do juiz criminal estão aí de há muito.

 Para tratar do desvirtuamento da função do magistrado no processo penal, que, em última instancia, está ligado a um problema circular no Direito, que é a subjetividade, calha trazer à tona dois conceitos teóricos que auxiliam na correta dimensão e descrição da conjuntura.

O estado de natureza hermenêutico, conceito talhado pelo professor Lenio Streck, simboliza metaforicamente o grau do discricionarismo positivista alcançado no sistema jurídico pátrio. Trata-se, pois, de um ambiente que comporta relativismos e certa liberdade interpretativa, expressões de correntes ainda vinculadas ao esquema “sujeito-objeto”, ora a literalidade da lei servindo como espécie de panaceia para todos os males – filosofia da linguagem –, ora a mesma lei devendo ser superada por valores que o intérprete há de descobrir – filosofia da consciência. Dentro dele, se torna legítimo ao juiz fazer escolhas, ao invés de decidir, renegando-se uma doutrina de “responsabilidade política do julgador” (DWORKIN, 2010), de modo que não raras vezes se interpreta como se existisse um “grau zero de sentido” (STRECK, 2017, p. 21).

Na “guerra” entre os interpretes, na qual os sentidos são determinados solipsisticamente, cada qual com seus próprios métodos, justificativas, para chegar, muitas vezes, em respostas já estabelecidas de antemão – porque sujeitos interessados –, o Estado de Direito Democrático sai enfraquecido, uma vez que o Direito não mais se assenta na linguagem pública e intersubjetiva; não nos regramentos e compromissos democraticamente estabelecidos; não mais naquilo que foi exaustivamente debatido politicamente, fruto de um processo civilizatório de séculos, que servem em certa medida para colocar freios ao poder punitivo, mas nos domínios de sentido subjetivos de quem tem o poder para dizer o Direito por último.

A crise identitária da jurisdição, por sua vez, é uma das dimensões daquilo que o professor Aury Lopes Jr. denomina de “crise do processo penal […] instituidora de todo o problema, na medida em que vai se refletir nas demais” (2020, p. 91). Aproximando categorias teóricas, pode-se dizer que é espécie que deriva do conceito geral talhado por Streck, pois identifica a postura proativa, de protagonismo do julgador, no processo penal. Trata-se de um verdadeiro deslocamento estrutural em que a toga não mais “induz ao recato” (CARNELUTTI, 2009), em que o magistrado não mais é espectador, mas, ator, comprometendo o princípio supremo do processo, que é o da imparcialidade; “o juiz se coloca em posição de ‘corresponder às expectativas sociais ou midiáticas criadas’ e assume um papel próximo à de justiceiro” (LOPES JR, 2020, p. 118). Para tanto, emprega-se os mais diversos mecanismos, transferindo-se a gestão/iniciativa probatória, desrespeitando-se a tipicidade processual e a legalidade estrita, limitando-se garantias a pretexto de “eficiência”, “busca da verdade”, “pacificação social” ou standards performativos e retóricos desse jaez, que escondem, em sua essência, o “decido conforme minha consciência” (STRECK, 2015).

A postura jurisdicional adotada na “Lava Jato” retrata o que já acontecia e acontece em maior ou menor escala nos mais diversos rincões do país, a saber, o deslocamento do polo de atuação do juiz: não mais um sujeito garantidor dos direitos fundamentais do cidadão (FERRAJOLI, 2002), mas um terceiro interessado; interessado, pois, não só escolhe um lado, como se acha legitimado a assim fazê-lo. O juiz se sente autorizado a agir como instrumento de segurança pública (CASARA, 2015), longa manus da polícia, e supridor das eventuais deficiências do Ministério Público, ancorando-se, na maior parte das vezes, na pretensa “busca por uma verdade dos fatos”, que nada mais é do que um argumento falacioso que perpassou séculos, chancelador de verdadeiras devassas, em patente incompatibilidade com a finalidade limitadora do processo. Em nome da verdade se cometeram e se cometem as maiores arbitrariedades (COUTINHO, 2020), sendo, na realidade, muitas vezes o subterfúgio empregado para justificar atos e posturas impróprias, manejando-se o poder da caneta para tornar o Poder Judiciário uma espécie de “superego” da sociedade.

Com efeito, para dar conta de uma sensação de aumento da criminalidade e impunidade, a cultura inquisitória (LOPES JR., 2020) é propícia para que o magistrado que não compreende o seu papel se poste como forma de ultima ratio no “combate à delinquência”. O sistema punitivo passa a ser visto como “capaz de evitar novos crimes e vê o processo penal como mero fim para alcançar a pena” (FERNANDES, 2020, p. 02). Ao agir com essa pretensão, isto é, de ser parte integrante de um sistema repressivo, de ser responsável por “afagar as dores da sociedade”, o horizonte de compreensão do juiz acerca do seu lugar em um processo penal se inverte e se distorce. A imparcialidade já não é constituidora de sentidos; não é mais a condição de possibilidade para a jurisdição, mas um mero capricho, que, a depender do contexto, do crime ou, principalmente, da pessoa imputada, pode ser relativizada e preterida. Chico Buarque tem razão, filha do medo, a raiva é mãe da covardia.

 Cumpre, nessa toada, afirmar que uma postura parcial da judicatura, necessariamente, advém da discricionariedade. Nessa acepção, o comprometimento da imparcialidade, pedra de toque para um processo justo – no sentido de observância às formalidades – resulta do comprometimento ideológico com uma carga tensionatória cognitiva voltada à punição. Se há um óbice ao devido distanciamento objetivo por parte do julgador, já há, na largada, um prejuízo difícil de se contornar pela defesa, que muito provavelmente afetará cada ato processual, maculando o lastro que confere legitimidade a eventual punição. É que a imparcialidade é condição sine qua non para um processo democrático e acusatório, pois é a condição de possibilidade para concretização dos demais direitos. Não havendo a preservação do “valor imparcialidade”, inevitavelmente o juiz já estará deslocado de suas balizas programáticas, pois o que deveria ser o interesse em evitar o erro judiciário, transforma-se em interesse que presta deferência tão somente à pura e simples vontade pessoal.

O que se quer demonstrar, aqui, é, em suma, que o favorecimento, a simpatia, o comprometimento, enfim, ao “combate ao crime”, na condição de juiz, implica, no limite, no deslocamento de sua atuação constitucional, pois o ingresso no processo já se dá de forma enviesada. O resultado que decorre dessa postura acaba sendo, inexoravelmente, a parcialidade, afetando os atos decisórios subsequentes que forem tomados sob essa perspectiva. Se assim ocorre, é porque há certa complacência com o poder discricionário da judicatura, já que, por vinculação ao programa constitucional, sua fonte normativa de legitimidade, o juiz não estaria autorizado a agir com esse mister. Assim sendo, configura-se forma de ativismo judicial, que é aquela que deriva da quebra da imparcialidade do julgador que se desloca do lugar que lhe era cabido em um processo penal democrático.

Voto importante e rico que vai mais ou menos nessa linha foi o do Ministro Gilmar Mendes no AgRg no RHC 144.615/PR, em que reconheceu a quebra da imparcialidade do julgador que foge de sua posição legitimamente demarcada no campo processual penal, unindo-se ao polo acusatório e desequilibrando a balança da paridade de armas.

Nessa altura, cumpre questionar: Qual é, então, o lugar e a função do juiz em um processo penal acusatório? É, em síntese, cumprir o instrumento fonte de sua legitimidade, isto significa garantir e tutelar, de acordo com o Direito, e com a absoluta imparcialidade e distanciamento, em todas as decisões emanadas, os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, especialmente do acusado, que é o débil e sofre o poder e a violência do Estado enquanto sujeito processual (FERRAJOLI, 2002). Simples e complexo. E o cumprimento de sua função se dá e se controla por meio da decisão judicial, locus pelo qual se “diz o Direito”. em que a prestação jurisdicional se concretiza.

O juiz é um ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2000), naturalmente terá suas preferências ideológicas, valorativas, seu senso de justiça, enfim. O óbvio às vezes não deixa de ser oportuno: não se está a falar aqui em neutralidade. O fato é que a imparcialidade subjetiva é de difícil aferição; não há, efetivamente, como “acessar a cabeça do juiz”. No entanto, se o magistrado parte da premissa inadequada e do lugar descabido no processo, essas tendências, cedo ou tarde, hão de se manifestar objetivamente no processo, especialmente nos momentos decisórios, e é controlável a partir da intersubjetividade da linguagem, característica notável após o giro ontológico-linguístico (STRECK, 2017). O ponto nevrálgico é ter elementos para oferecer critérios preventivos aptos a mitigar a discricionariedade – ou, na pior das hipóteses, em atuação reparatória, conseguir identificá-la e corrigi-la – porque é dela que irá advir uma postura que retira o magistrado do seu lugar de garantidor para levá-lo a agir por interesses metajurídicos, lastreados em argumentos inidôneos. Assim sendo, para que não se fique dependente simplesmente do autorreferimento do julgador, ao estabelecer uma teoria decisória para auxiliar a maximização do agir imparcial, se os pressupostos estiverem corretos, é possível, a partir dela, o efetivo controle dos atos e posturas judiciais. Nesse sentido, a teoria da decisão que prega a Crítica Hermenêutica do Direito parece instrumento útil e adequado.

Influenciado por essa postura crítica, em matéria penal, parece necessário estabelecer ainda alguns outros marcos deontológicos. O primeiro, é o desapego da noção de “busca da verdade”, pois ao se desafeiçoar por este desiderato, evita-se visões moralizantes na marcha processual e assume-se outro horizonte. Assim, “a verdade, no processo, deve ser produzida analogicamente sob a forma narrativa e não encontrada no processo de forma correspondente” (KHALED JR., 2016, p. 501), muito menos, de forma “real”. Nesse sentido, importa destacar que, sendo a verdade algo que se reconstrói narrativamente – ou seja, por meio da linguagem, passível de diversas contingências –, sob o signo do análogo, “isso significa que a verdade é algo essencialmente contingente: ao final restará apenas representância, o que só pode significar que a ênfase deve residir nas regras do jogo e na contenção ritualizada do poder punitivo através do devido processo legal” (KHALED JR., 2016, p. 521).

A segunda questão é absoluto comprometimento com o distanciamento objetivo e o desinteresse pelo protagonismo do processo, deixando que as partes tenham o encargo de trazer os rastros, que possibilitam de forma aproximada rastrear o passado, muito embora jamais consigam preencher o déficit de veracidade presente em uma produção narrativa (KHALED JR., 2016). Se a noção de busca da verdade for renegada, entrega-se automaticamente a gestão da prova nas mãos do Ministério Público e da defesa, homenageando o caráter eminentemente acusatório que o sistema deve possuir, em um autêntico “processo penal de partes” (COUTINHO, 2001, p. 07). Trata-se do dever do magistrado de se manifestar nos limites dos rastros e dos pontos suscitados pelos outros sujeitos processuais. Assim, possibilita-se salvaguardar a função de garante do magistrado, além de viabilizar uma construção intersubjetiva das decisões, com a capacidade de as partes interferirem, quantitiva e qualitavamente, no deslinde das resoluções.

Nessa perspectiva, alguns padrões hermenêuticos podem atuar para auxiliar o agir processual por princípio do magistrado, auxiliando o fechamento de sentidos na interpretação das regras, norteando a postura equidistante que deve almejar. Identifica-se do que já foi dito até aqui a possibilidade de formulação de cinco perguntas fundamentais pelo próprio magistrado que devem orientar a sua jurisdição; (1) se está diante de um ato decisório tomado a partir do desinteresse com a busca da verdade e despido de pretensões metajurídicas? (2) se está diante de um ato decisório assentado com base em argumentos de Direito? (3) se está diante de um ato decisório que está respeitando a acusatoriedade do sistema, proporcionando isonomia e igualdade às partes? (4) se está diante de um ato decisório que está sendo tomado com a efetiva contribuição intersubjetiva das partes, no limite do que foi alegado pela acusação e de acordo com os rastros carreados ao processo? (5) se está diante de um ato decisório que pode superar as dimensões da presunção de inocência (regra de tratamento; regra do Estado; regra de juízo)?

É preciso que haja a correta compreensão do magistrado da nobreza que a sua função lhe distingue: ser o terceiro efetivamente imparcial e desinteressado.  Trata-se, sobretudo, de uma postura crítica, algo para que, como adverte Galeano (1996), “não se deixe de caminhar”, a todo momento buscando suplantar o sujeito solipsista, visando reconstruir o melhor sentido do Direito e do Processo Penal a partir da Constituição. Nessa senda, o caminho é melhor que a pousada (ORTEGA y GASSET, 2017), e a responsabilidade de ter olhos implica em não só ver, mas, também, reparar (SARAMAGO, 1995), afinal, como bem lembra Darcy Ribeiro, “só há duas opções nesta vida: se resignar ou indignar”. A resignação frente ao arbítrio significa condescendência. Resta, então, a indignação, que deve ser dirigida à utopia de um processo penal democrático que pode ser. Há de ser.

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Referências:

CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. São Paulo: Ed. Pillares, 2009.

CASARA, Rubens. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. In: Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3ª ed. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2010.

GALEANO, Eduardo. As palavras andantes‎. Porto Alegre: L&PM, 1994.

FERNANDES, Maíra. Uma janela sobre a utopia: o modelo penal garantista. In: Consultor Jurídico – ago. 2020, disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-ago-05/escritos-mulher-janela-utopia-modelo-penal-garantista>. Acesso em: 23, ago. 2020.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes, 2000.

KHALED JÚNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2016.

LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do Processo Penal – Introdução Crítica. São Paulo: Saraiva, 2020.

ORTEGA Y GASSET, José. La rebelión de las masas. Barcelona: Austral, 2017

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de hermenêutica: quarenta temais fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2017.

____. O que é isto – decido conforme minha consciência? 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

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25
Fev20

Novo presidente do TJ-BA prega transparência para resgatar o tribunal mais antigo das Américas

Talis Andrade

 

Eleito em disputa apertada, desembargador Lourival Trindade se mostra um entusiasta do juiz das garantias e da humanização do sistema prisional

 

Por Rafa Santos

O Tribunal de Justiça da Bahia foi acometido de uma crise até agora sem precedentes e de proporções desconhecidas. O inquérito que apura um esquema de fraude e grilagem em disputa de terras em uma área de mais de 300 mil hectares no oeste do estado teve como desdobramento afastamentose até prisões de magistrados. As medidas foram autorizadas pelo ministro Og Fernandes e ratificadas pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

Um caso rumoroso que envolve denúncias graves de fraude, dois assassinatos e uma ressurreição e que já foi classificado aqui mesmo na ConJur como o enredo de um romance de Balzac, mas que se assemelha também ao universo do realismo fantástico de Gabriel García Márquez.

Eleito em uma disputa renhida, o novo presidente da corte baiana, desembargador Lourival Trindade, com certeza poderia apontar mais semelhanças com grandes obras da ficção. Erudito, o magistrado fez questão de lembrar já no discurso de posse que o TJ da Bahia é o primeiro das Américas, criado no Brasil Colônia em 1587, mas só implantado em 1609.

"Os melhores operadores da história do direito têm ensinado, criticamente, que Portugal, ao instalar o primeiro Tribunal das Américas, aqui, em nosso estado, em verdade, 'pretendeu formar uma burocracia profissionalizada, na colônia, a fim de proteger os seus interesses e sufocar as pretensões locais'. Quer dizer não era oportuno à metrópole que aqui se formasse uma organização independente de governo, que privilegiasse os interesses locais. Pois, por certo, essa organização procuraria, por todos os meios, desvincular-se das diretivas impostas pelo colonizador", lembrou já na posse.

Mais do que citações literatas, Trindade encabeça um audacioso plano de resgate da imagem do Poder Judiciário na Bahia. Para isso, avisa que vai mirar seus esforços em mais transparência, valorização da jurisdição de 1º grau, investimento em tecnologia e criação e aperfeiçoamento de ferramentas de controle e fiscalização.

Em entrevista à ConJur, o magistrado fala sobre seus projetos, os desafios que deve enfrentar e se mostra um entusiasta do instituto do juiz das garantias e da humanização do sistema prisional.

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ConJur — O senhor foi eleito com uma diferença mínima de votos. Espera ter uma oposição aguerrida em sua gestão?
Lourival Trindade — Foi um pleito renhido. O tribunal saiu das eleições literalmente dividido ao meio. Sem nenhum exagero. Só que a nossa intenção a partir do nosso discurso de posse é reunificar o tribunal na medida do possível. Queremos uma gestão compartilhada e sabemos que a instituição é maior do que qualquer personalismo. E me parece que os colegas já estão envolvidos com o mesmo propósito.

 

ConJur — Como o senhor gostaria que sua gestão fosse lembrada?
Lourival Trindade
 —
É difícil fazer esse exercício de futurologia. O que posso dizer é que minha gestão será pautada estritamente por princípios éticos. Tenho como meta fazer com que o tribunal seja transparente e aumente a sua produtividade. Queremos a sociedade do nosso lado. Os jurisdicionados tem que ser basicamente o destino de nossas ações. Também queremos valorizar o 1º grau de jurisdição, pois ali está o ponto de estrangulamento. Estamos com o Poder Judiciário baiano estrangulado. Precisamos nomear novos juízes e esse será o nosso foco para melhorar nossa prestação jurisdicional.

 

ConJur — O TJ da Bahia foi duramente afetado pelo escândalo desencadeado pela operação "faroeste", da Polícia Federal. Como resgatar a imagem do judiciário baiano?
Lourival Trindade — Os acontecimentos recentes mancharam muito a imagem de nosso Judiciário. Isso é de uma evidência que me deixa até pouco à vontade de falar sobre isso.

O que posso dizer é que a transparência é uma de nossas metas na construção de um Judiciário que a população possa acreditar. A minha eleição surgiu em nome do soerguimento do Judiciário, e não vamos separar o discurso da realidade. Também vamos implementar ferramentas fiscalizadoras e investir em tecnologia.

Mas, sobre os magistrados acusados, não pretendo falar, já que eu acredito que nós temos a nosso favor a presunção de inocência. Não vou fazer juízo de valor sobre a conduta de nenhum colega.

 

ConJur — O senhor sempre se mostrou sensível ao estado de coisas inconstitucional, que é o sistema carcerário brasileiro. O que pretende fazer em sua gestão para contribuir para a melhora do sistema prisional baiano?
Lourival Trindade — A realidade carcerária brasileira é muito triste e nos envergonha. O nosso sistema carcerário é dos piores e dos mais calamitosos no mundo. E na Bahia não é diferente.

Para se ter uma ideia, nós temos 15.134 presos entre provisórios e cumprindo sentença definitiva. Existe um excedente de 3 mil presos desse montante. É uma verdadeira tragédia. Estamos criando grupos de monitoramento e queremos fazer mutirões carcerários.

Também iremos acompanhar a construção de novas unidades prisionais. Vamos trabalhar para amenizar essa crise aguda. Essa realidade que deteriora tanto a dignidade do ser humano que comete um crime e é esquecido pelo poder público. Infelizmente tem sido assim. Uma vez na fase de execução, o preso também é condenado ao esquecimento pelo Estado.

 

ConJur — O senhor já afirmou em outras entrevistas que, enquanto não houver mais justiça social, não haverá melhora dos índices de criminalidade. Chegou a dizer que o consideram sonhador por isso, mas sempre ressaltou que não pode perder essa perspectiva do que é Justiça. Essa perspectiva tem se perdido no país, somos muito punitivistas?
Lourival Trindade — Essa é a minha posição. Me considero um garantista. Nosso sistema penal é de um punitivismo exacerbado e está a serviço das elites. Ninguém pode ignorar essa realidade, ainda que discordem da minha posição. Quem não quer ver essa realidade se engana. Eu prefiro enfrentar essa realidade.

A minha opinião é que precisamos mais de justiça social e menos de Direito Penal.

 

ConJur — Como estão os números do TJ da Bahia em relação às audiências de custódia? O senhor é a favor do instituto do juiz de garantias?
Lourival Trindade —
 Vem funcionando razoavelmente, mas temos que melhorar muito. Já trabalhamos dentro da perspectiva da implantação da figura do juiz das garantias. Sei que o debate é acirrado, mas sou a favor do instituto.

Comungo das ideias de processualistas que reputo do maior quilate intelectual como Aury Lopes Junior [colunista da ConJur], que vem desenvolvendo isso em seus livros.

O que ele traz intelectualmente falando são argumentos irrespondíveis. É evidente que vão existir dificuldades na implantação do juiz das garantias, mas fique certo de que na Bahia será feito todo o possível. Já estamos formando grupos de estudo para isso.

 

ConJur — Como começou sua história no Direito? Como encara a oportunidade de ser o gestor de ser um dos tribunais mais importantes do país?
Lourival Trindade —
 Me apaixonei já no Ginásio de Parnamirim, que era uma das grandes escolas da época. Minha paixão pelo Direito começou ali. Sobre a oportunidade de ser o gestor de um dos tribunais mais antigos da América, encaro como um desafio. Citei Fernando Pessoa no meu discurso de posse: "Não tenho medo do desafio. Aprendi a desafiar o próprio desafio". É assim que eu encaro.

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