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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

07
Ago21

A Irresponsabilidade do Executivo, a coragem do Judiciário e a omissão do Legislativo

Talis Andrade

 

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“Na minha terra há uma estrada tão larga que vai de uma berma a outra.
Feita tão de terra que parece que não foi construída. Simplesmente, descoberta.
Estrada tão comprida que um homem pode caminhar sozinho nela.
É uma estrada para onde não se vai e nem se volta.
Uma estrada feita apenas para desaparecermos.”
Mia Couto no poema Estrada de terra, na minha terra

Chegamos a um ponto de deterioração da política por parte do governo Bolsonaro que, muitas vezes, é difícil acreditar no que estamos vendo acontecer. Não é uma questão de disputa política e de ocupar espaços legítimos como sempre acontece nos regimes democráticos. O baixíssimo nível do Presidente da República dita o tom das ações do seu governo. A sua fixação por mentiras, que foi a tônica de toda sua campanha, é reproduzida como método de governo. Mentira e intimidação.Image

A propagada balela de que o Presidente poderia provar a fraude nas eleições e a pregação pelo voto impresso, sendo contrário às urnas eletrônicas, têm vários objetivos. Busca plantar uma dúvida nos seus seguidores, a absoluta maioria sem nenhuma capacidade de discernimento, para propiciar futura investida na anulação de uma eleição em que for derrotado. Também tem como meta colocar os tribunais em posição defensiva e, se possível, desacreditados.

Um Presidente fraco, sem prestígio na cúpula das forças armadas e malvisto internacionalmente, mas que conta com o apoio de grupos fanáticos e de boa parte da escória política. Busca a desmoralização das instituições, até para tentar puxar para o chão o discurso político. E, ele sabe, com uma iminente derrota política sua e do seu grupo, a possibilidade de eles serem responsabilizados criminalmente, após o mandato, é muito grande.

Daí, em parte, o desespero que o leva a agredir pessoalmente, abaixo do nível da cintura, os poderes constituídos e as autoridades. A provocação vulgar que o Presidente da República fez ao Ministro Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, com xingamentos pessoais, é não somente uma evidente quebra de decoro, mas uma forte tentativa de acuar e intimidar o Judiciário. O Presidente tem a informação de que, com o Congresso semicontrolado, ele sabe que ainda tem a CPI, é do Judiciário que podem vir as decisões que o levem às cordas. Um Congresso que não se situa à altura da grave crise pela qual passamos abre um espaço enorme para um Judiciário mais atuante.Ministro do TSE decide com o coração, não com o juízo ou com a lei

Luís Felipe Salomão

 

Por isso as surpreendentes, corretas e corajosas medidas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Numa demonstração de maturidade, responsabilidade institucional e compromisso com a democracia, reagindo às vis provocações, o corregedor-geral eleitoral, Ministro Luís Felipe Salomão, determinou a instauração no TSE de um inquérito administrativo para apurar a responsabilidade dos relatos e declarações sem comprovação de fraude no sistema eletrônico de votação com ataques à democracia.

O Tribunal, em boa hora, já se posiciona em defesa da legitimidade das eleições de 2022. Medida necessária, pois o Presidente da República descaradamente fala em não aceitar o resultado do pleito eleitoral. Como um siderado pode admitir que houve fraude até nas eleições nas quais ele saiu vitorioso. É um voo cego, uma grande quantidade de fake news e de acusações sem nenhuma credibilidade.

Em um movimento até ousado, mas com grande respaldo jurídico e com a consciência da responsabilidade de manter íntegra a democracia, as instituições e a paz social, o TSE, por unanimidade de votos e sob a liderança do seu presidente, o Ministro Luís Roberto Barroso, apresentou inédita notícia-crime junto ao Supremo Tribunal Federal para apurar possível responsabilidade criminal do Presidente da República em relação aos fatos investigados no Inquérito 4781/DF. Na linha do imortal Guimarães Rosa:

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”

Esse é o famoso inquérito que apura as fake news que, em março de 2019, desestabilizavam a segurança dos poderes, especialmente do Poder Judiciário e do STF. A história vai fazer justiça ao então presidente Dias Toffoli, que teve a coragem de determinar a instauração e de designar o Ministro Alexandre de Moraes para conduzilo. A competência técnica e o destemor do relator foram fundamentais para o enfrentamento daquele momento delicado. E que continua perigoso.

O Ministro Alexandre de Moraes, no uso das suas atribuições e com a responsabilidade do seu cargo, determinou a imediata abertura do inquérito ressaltando que era imperioso apurar as condutas do Presidente da República. É importante ressaltar que o relator, expressamente, apontava que deveria ser investigado o “ modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado Democrático de Direito e a Democracia.”

A resposta do chefe do executivo é, de maneira mais uma vez desrespeitosa e golpista, a ameaça de agir fora das quatro linhas da Constituição. Ou seja, expressamente ameaça dar um golpe e quebrar a ordem constitucional. Tivesse o Presidente da República força para tal, esse propalado golpe já teria sido efetivado faz tempo. Remetenos ao grande Augusto dos Anjos, no poema O Deus Verme:

“ Fator universal do transformismo. Filho da teleológica matéria. Na superabundância ou na miséria. Verme – é seu nome de batismo.

Almoça a podridão das drupas agras. Janta hidrópicos, rói vísceras magras. E dos defuntos novos incha a mão…

Ah! Para ele é que a carne podre fica, e no inventário da matéria rica, cabe aos seus filhos a maior porção.”

E tudo isso com a CPI trabalhando para apurar as provas de crimes comuns e de responsabilidade. Inclusive com foco nos gabinetes paralelos que, parece, faziam dos espaços públicos ambientes privados com tenebrosas transações. Muito sintomática a determinação de manter em sigilo por 100 anos as informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome dos filhos do Presidente.

É necessária uma reflexão sobre a gravidade do momento. As ameaças de ruptura institucional e de golpe já não são mais veladas. Parece óbvio que os poderes constituídos devem reagir à altura. O Judiciário não tem faltado ao Brasil na defesa da Constituição e da estabilidade democrática. Embora com previsão constitucional, o caminho do TSE para o resgate da democracia, até com a cassação da chapa presidencial, parece ser a última saída. Sempre me angustia a hipótese de cassação pela justiça eleitoral de alguém eleito com milhões de votos. Embora possa vir a ser a opção possível para nos livrar do caos e da barbárie.

Tenho insistido na saída via Congresso Nacional. Tive a honra de, como advogado, assinar o que se convencionou chamar de “superpedido de impeachment”, uma compilação técnica das dezenas de pedidos que dormitam nas gavetas do Presidente da Câmara. Assim como assinei a petição, juntamente com a Comissão de juristas criada pelo Conselho Federal da Ordem, endereçada ao Procurador-Geral da República visando responsabilizar o Presidente da República por omissão no enfrentamento da crise da Covid e pela morte de milhares de brasileiros.

O impeachment, embora não deva ser banalizado, é plenamente justificado para enfrentar esse verdadeiro serial killer de crimes de responsabilidade. Já passa da hora de a sociedade cobrar uma postura do Congresso Nacional. O Poder Legislativo tem que sair do imobilismo. Ouvir a voz do povo. Sentir a presença dos mais de meio milhão de brasileiros que morreram, em parte pela irresponsabilidade do governo. Pensar nos milhares e milhares de órfãos fora da hora, de famílias desfeitas, de sonhos amputados e de um exército de solidão a vagar tristemente Brasil afora. É preciso sair do círculo de giz invisível que nos aprisiona e nos tira a voz. O medo do golpe não pode ser maior do que o nosso compromisso com a democracia.

Amparando-nos no poeta Boaventura Souza Santos:

“não gosto de ver tanta água reunida sei que é o mar mas nada é o que parece visto de Guantánamo o mar são grades de infinitas tessituras visto de Gorée é o marulhar multissecular de lágrimas exangues preferia que a água se dispersasse.”

24
Jul21

Serial killer faz escola e a democracia é ameaçada

Talis Andrade

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Urgência Democrática

“Esqueceram uma semente
Em algum canto de jardim…”

Chico Buarque, poema Tanto Mar

Era um dia de abril, 25, no ano de 1994. Eu estava prestes a tomar um copo pelo aniversário de 19 anos da Revolução dos Cravos, quando recebi a decisão do Ministro Celso de Mello no HC 71421. Um habeas corpus impetrado contra a Presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava um esquema de fraudes no INSS. Liminar básica que garantia o direito do depoente de permanecer calado e que não haveria qualquer ato de coação contrário ao seu status libertatis. Simples assim. Naquele tempo, eu já advogava nas CPIs em nome dos direitos e garantias constitucionais. Só esse fato tem 27 anos e eu, infelizmente, sou mais antigo.

Em 2001, seguindo a mesma linha de preservação das garantias, cumpre ressaltar a decisão que conseguimos na CPI da CBF/Nike. Como advogado da CBF, fiz um enfrentamento democrático de forças opostas quando da votação do relatório final elaborado por aquela comissão. Esse é o jogo da democracia: vence quem tem mais voto. Criamos uma maioria contrária e o relatório não foi aprovado, pois não teve voto suficiente. Ou seja, a Câmara não concordou com a conclusão dos trabalhos de investigação realizados pela CPI! Isso também é democrático.

Fio-me no grande Ferreira Gullar, em seu poema Traduzir-se:

“Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim

pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?”

E o mais significativo, entrei com um mandado de segurança no Supremo (MS 24054), em nome da CBF, para que o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito ficasse impedido de usar o relatório. Em 18.09.2001, o Ministro Nelson Jobim deferiu a liminar proibindo o uso oficial do relatório da CPI da CBF/Nike. O relator determinou ao presidente da Câmara que era proibido “a remessa e divulgação de original ou cópia dos referidos documentos e dados como também do relatório não aprovado“. Imaginem isso hoje, prenderiam o ministro do Supremo!

Agora estamos passando por um momento delicado. A CPI da Covid tem que ter o nosso apoio incondicional. Desde o início, assegurei que apurar a responsabilidade por omissão na morte de milhares de brasileiros não podia ser nosso único objetivo. Que o Presidente é o responsável direto, junto com seus asseclas, pelo óbito de pelo menos um terço dos mais de meio milhão de vítimas é inquestionável. O próprio parecer da Comissão designada pela OAB Federal foi nesse sentido, propondo um aditamento à representação da OAB para Procurador-Geral Augusto Aras.

Devo, porém, registrar minha perplexidade, pois julguei que a proposta da nossa comissão da OAB Federal seria um tiro de morte no fascista. Mas ela sequer foi analisada pelo Procurador-Geral, não fomos levados a sério. Como o grande Augusto dos Anjos, no poema Psicologia de um vencido:

“Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!”

Mas é imprescindível fixar os nossos limites. É simples, basta cumprir a Constituição Federal. Tenho tentado discutir essas balizas. Sei que não estamos tratando de obviedades, ou mesmo de questões que tenham uma consequência lógica, na lógica vulgar do entendimento popular. Precisamos trabalhar com a hipótese de o fascismo não ter limites. É ele que desfaz, que torna líquida qualquer hipótese de resistência mínima que seja.

É o que nos resta, resistir ao básico e ao banal. Se nós entendíamos que seria dura uma resistência fundamentada em alguma base intelectual, é melhor nós nos acostumarmos com o completo nonsense. Para eles, a terra é plana, o livro é algo abominável, e o sexo, bem o sexo… haja armários para tantos enrustidos e horas de terapia para tantos frustrados e inseguros.

Pondero, é hora de a CPI elaborar um relatório parcial do que já foi levantado sobre a responsabilidade criminal: a política de não comprar as vacinas, o negacionismo que imobilizou o governo e os fatos que deram causa ao aprofundamento da catástrofe. Um relatório técnico e contundente, para que a sociedade e o Congresso Nacional possam cobrar uma posição sobre o impeachment e sobre um processo-crime no Supremo Tribunal. Não é mais possível que os poderes imperiais do Presidente da Câmara e do PGR se sobreponham a essa urgência democrática.

E, claro, continuaremos a acompanhar a nova vertente da investigação que agora se dedica a apurar a responsabilidade de quem mercadejou e ganhou dinheiro com o culto à morte. Desde o início causou estranheza a persistência em apoiar uma política contrária aos ditames da ciência. Não era pura obtusidade, era ganância, corrupção e prevaricação.

No meio desse caos, o serial killer que ocupa a presidência faz escola e a democracia é ameaçada por ninguém menos do que o Ministro da Defesa. Acostumamos a banalizar as bravatas do Presidente, que quase diariamente expõe as instituições a desgastes desnecessários e insulta impunemente autoridades e poderes constituídos. Num sistema presidencialista, a força simbólica do chefe do executivo é muito significativa. Se o Presidente da República não tem limites, os subordinados se sentem à vontade para afrontar a Constituição.

Ou seja, ou reagimos ou estamos perdidos. Vamos nos apegar ao nosso amigo Charles Bukowski:

“bata na máquina
bata forte
faça disso um combate de pesos pesados
faça como um touro no momento do primeiro ataque
e lembre dos velhos cães
que brigavam tão bem:
Hemingway, Céline, Dotoiévski, Hamsun.
se você pensa que eles não ficaram loucos
em quartos apertados
assim como este em que agora você está
sem mulheres
sem comida
sem esperança
então você não está pronto.”Image

 
 
 
 
 
19
Jul21

A indústria da morte movimenta bilhões

Talis Andrade

Melhor prevenir do que remediar

Reinaldo Azevedo no Twitter

 
Reinaldo Azevedo
A Vitalmedic pagou os anúncios da tal Associação Médicos pelo Brasil, os “doutores” do falso tratamento precoce. No “kit”’, está a ivermectina. E a Vitalmedic é uma das principais produtoras de ivermectina . A venda passou de 5,7 milhões de cxs em 2019 para 75,8 milhões em 2020O caminho para salvar a economia
Bolsonaro é o presidente dos sonhos para certos setores. A venda aumentou 1.230%. Qtos tomaram, sentiram-se protegidos e saíram por aí? Os quase 550 mil mortos não são um acidente. São frutos de uma política deliberada. Que movimentou bilhões. Os bilhões da indústria da morte.ImageImage
Os “libertários” dirão: “O totalitarismo sanitário proíbe até de foder”. Errado! Não pode é foder os que não participaram da festinha. Como se sabe, o coronga é amoral. A tradicional família bolsonarista-cristã é muito permissiva em matéria de patógenos...Para Além do Cérebro: A visão da Vacina contra a Covid 19: A percepção da  população e a de Bolsonaro na charge de Miguel Paiva
 
A entrevista de Gilmar Mendes me leva a lembrar: governo federal ficou encarregado das vacinas. Só! Estados e municípios cuidaram do distanciamento. Ou teríamos mais de milhão de mortos. E o gov. Fed. fez o q fez. Vacina virou um mercadão de larápios. Eis o desgoverno Bolsonaro.

O Globo informa q André Mendonça quer beijar a mão do PT. Q o partido se lembre do poeta Augusto dos Anjos e das indicações q ele próprio fez ao STF: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro” (...) “escarra nessa boca que te beija”Image
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O gado resiste a tomar vacina contra o coronga. Alega que já se imunizou contra a febre aftosa. Faz sentido...
Os órgãos do corpo + parecidos são cérebro e intestino. Este concentra boa parte de neurotransmissores. Médicos lidam com ocorrência rara e contagiosa no país: doença ideológica faz o intestino nascer na crânio, e o cérebro no abdômen. A pessoa defeca pela boca e pensa pelo ânus.
Ora, por favor, é claro q eu me compadeço. Dor é dor. Como não se solidarizar com o sofrimento alheio? Afinal, quase 550 mil mortos sem direito a Vila Nova Star. Mas nem precisariam de tanto. Houve casos em q teria bastado oxigênio. Ou respirador. Ou um leito simples de hospital.Cresce mobilização nas redes sociais por impeachment 'urgente' de Bolsonaro
Como se nota, tudo como dantes na parceria cérebro-intestino. Bolsonaro insiste agora em outra droga milagrosa, alardeia resultados q ñ pode provar e diz ñ ter errado uma até agora. Verdade. A Vitalmedic, q patrocinou anuncio de pilantras defendendo drogas inúteis, vendeu 75,8 milhões de cxs de ivermectina no ano passado. Em 2019, apenas 5,7 milhões. Jamais descarto a hipótese psiquiátrica como coadjuvante do morticínio. Mas me parece ingênuo desprezar esses e outros números. A indústria da morte movimenta bilhões. O nome do pilantra abaixo é Jennings Ryan Staley. Contrabandeou hidroxicloroquina para os EUA para compor o ... Kit Covid-19. Já se declarou culpado. Pode pegar 20 anos de cadeia. Por aqui, cloroquinistas vão à CPI, contam mentiras e ainda se dizem vítimas.Image
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15
Ago20

Contei mais de 100.000 mortos com Augusto dos Anjos

Talis Andrade

Quadro de Portinari é roubado do Museu de Arte Contemporânea, em ...

 

Em diálogo com os versos do poeta punk-gótico da Paraíba, relembro como a “gripezinha” de Bolsonaro lascou o Brasil

por Xico Sá

Caríssimo Augusto dos Anjos, com a aritmética hedionda dos coveiros, fomos ouvindo os números diários. Gripezinha, diagnosticou o presidente desta República Federativa; estatísticas forjadas, invenção de comunista, gemeu o rebanho do WhatsApp; e até os enterros nas valas comuns dos cemitérios amazônicos eram vistos como notícias falsas pelos negacionistas.

100.000 vítimas, debite-se na conta do coronavírus e acrescente a chacota oficial de um governo sem ministro da Saúde. Ah, estimado poeta punk das sombras, preciso amplificar teus versos para maldizer tais autoridades: bando de filhos do carbono e do amoníaco, monstros de escuridão e rutilância.

Somente os vermes ― estes operários das ruínas ― seriam capazes de responder, no momento, à falta de empatia de tais autoridades de Brasília. Consciências de morcego, definirias em teus agouros ainda sob o tamarindo do Engenho Pau D´Arco, Paraíba. Presidente da febre do rato, do istampô calango, da bubônica, da moléstia dos cachorros.

De profundíssimamente hipocondríaco, passei a radicalmente indignado.

Os frios números ganharam rostos e histórias. Primeiro morreu o Zito, batismo de craque do Santos, um conhecido cearense do Parque São Rafael (SP), a minha primeira chegada nesta cidade ― da laje da casa da tia Nina e do tio Alberto, rua Martins Lumbria, antiga rua 28, lá eu botava dentro dos meus olhos as chamas de um terminal da Petrobras ao longe e uma saudade da gota serena que não cabia no álbum duplo “Physical Graffiti” do Led Zeppelin. Ave sangria, ave Maria, amém.

Depois morreria mais um conterrâneo de Sapopemba (SP), Naldo, outro amigo também da Zona Leste paulistana. No que veio o assombro, vixe, lascou geral a lira. Em tempos normais acenderíamos as fogueiras juninas e cantaríamos “olha pro céu, meu amor/ olha como ele está lindo”. Esquece o fogaréu deste ano.

Haja cerimônias sem adeus, com choro distante, velas queimando fora de hora.

Restaria chorar sozinho pelo Sérgio Sant´Anna (poxa, perder seu escritor predileto em plena forma na porrada política e na arte do conto, que sacanagem!), dias depois um morador do bloco B do condomínio, um parente distante, um primo chegado, um galho da pesada árvore genealógica em plena safra das mangas, a vó da minha mulher, a bisa da Irene (minha filha), a dona Sara que fez a ponte entre a Polônia e o Crato... Viva a Cratóvia!

E tantos lutos com retratos nas minibiografias do Santinho e dos Inumeráveis.

Quando morreu o Aldir Blanc, deveras me arrombei, que número ele seria nessas 100.000 mortes? Juro que jogaria na milhar do bicho, Aldir Blanc dá sorte. Jogaria porra nenhuma, quando ele se foi eu não acertaria o caminho da banca, nem mesmo daquela esquina da Bolívar com a Nossa Senhora de Copacabana ― lá, juro pelo Castor de Andrade, eu ganhei uma fortuna no cachorro na dezena 17, o resto da milhar não revelo, ora bolas.

Ninguém sabe o número de nenhum morrente nessa conta, que vergonha que isso não dê em impeachment ― afinal da soma o governo facilitou para que a desgraça chegasse na soma ―, que genocídio, só me resta cantar de novo aquela desconhecida que eu mais amo, do Aldir, óbvio, “Vida noturna”, sabe? Era assim que eu saía cantando e chutando tampinhas na cidade do Rio de Janeiro. Desculpa aí pelo gerúndio, caro João Antônio, sei que você não trabalha com esse tempo verbal a essa altura da sinuca brasileira.

“Acendo um cigarro molhado de chuva até os ossos E alguém me pede fogo ― é um dos nossos Eu sigo na chuva de mão no bolso e sorrio Eu estou de bem comigo e isto é difícil”.

Vida e morte nordestina, velho Augusto, no que te convido a uma visita à cidade do Crato, no meu Cariri de nascença, onde a enchente de março arrastou caixões e cadáveres do cemitério Nossa Senhora da Piedade ― parecia um aviso para o que viria logo depois, premonição que desembesta na ladainha futurista. Repare. Nunca se viu tanto defunto desde os tempos do cólera. Pelo menos 70 caixões enviados pela covid-19 até esta data. No mesmo campo santo, requiescat in pace, vi chegar muitos corpos, vestidos apenas em redes, a madeira funerária ainda era luxo durante brabas estiagens, era como se os corpos já nascessem vestidos de terra.

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Quadro Enterro, de Portinari, foi roubado do MAC de Olinda 

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