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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

29
Jan23

Acampamento golpista no quartel general no DF teve 73 crimes em dois meses

Talis Andrade

 

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De acordo com o documento, ocorreram furtos, lesões corporais, danos e até atos obscenos no acampamento no entorno do Quartel General do Exército (AP Photo/Bruna Prado)

por Paolla Serra

Desde a instalação até a desmobilização do acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília, foram registrados 73 crimes na região. A informação consta no relatório de intervenção sobre os atos antidemocráticos apresentado por Ricardo Capelli ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, nesta sexta-feira. O documento mostra que, entre 10 de novembro de 2022 e 9 de janeiro de 2033, ocorreram furtos, lesões corporais, danos e até atos obscenos na região.

De acordo com o relatório, neste período, foram 19 furtos, 20 crimes contra a honra, 13 por lesão corporal e vias de fato, 11 por dano, um por ato obsceno, além de outros não especificados.

O relatório apresentado aponta as provas de que houve "falha operacional" na atuação das forças policiais no dia 8 de janeiro. Segundo Ricardo Capelli, o documento também revela a ação "programada" de "profissionais treinados" na invasão às sedes dos Três Poderes da República em 8 de janeiro.

O relatório, que tem mais de 60 páginas, 17 anexos e um arquivo com imagens das câmeras de segurança do entorno da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, foi divulgado pelo Ministério da Justiça. O documento aponta que houve alerta de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, relatando ponteciais riscos de invasão de prédios públicos pelos manifestantes golpistas. Os relatórios, no entanto, não ensejaram um "desdobramento adequado" das forças de segurança, segundo o inteventor.

O documento elenca ainda comunicações feitas pelos comandantes da Polícia Militar do DF nos dias 6, 7 e 8 de janeiro. O interventor afirma que protocolos não foram respeitados. Um desses exemplos seria que nenhuma "ordem de serviço" convocando um reforço no efetivo previsto para a data foi expedida. No dia dos atentados, os policiais estavam de sobreaviso e não de prontidão nos batalhões — no primeiro caso, eles ficam em casa e só começam a trabalhar caso sejam acionados.

07
Out21

Bolsonaro "vai perder" as eleições e "deixará o poder", diz Lula em entrevista para jornal francês

Talis Andrade

O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva é a manchete de página inteira do jornal Libération desta quinta-feira (7).

 

O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva estampa, em foto de página inteira, a capa do jornal Libération desta quinta-feira (7). O líder do PT deu uma entrevista exclusiva para o diário que destaca que, a um ano das eleições presidenciais no Brasil, Lula domina as pesquisas de intenção de voto.

"Bolsonaro vai perder", essa é a manchete de capa do jornal Libération, que dedica cinco páginas e seu editorial à pré-campanha eleitoral brasileira. Em uma longa entrevista à Chantal Rayes, correspondente do diário em São Paulo, Lula garante que mesmo que o atual presidente não queira deixar o poder, "o povo vai decidir de outra forma". 

O líder do PT diz ao Libération que ainda não é candidato, mas está refletindo e debatendo com outros partidos e organizações de esquerda uma aliança para governar o país a partir de 2023. Ele garante que, apesar das ameaças, tem confiança nas intituições brasileiras para que as eleições sejam realizadas. Outra certeza é de que Bolsonaro será derrotado e "responderá diante dos tribunais por seus atos arbitrários", diz o ex-presidente.

Questionado sobre o enfraquecimento da imagem do Brasil no exterior, Lula afirma que Bolsonaro jogou a diplomacia "no lixo", tornando o Brasil um pária internacional. "Ninguém quer recebê-lo ou ser recebido por ele", diz. O líder petista também declara não se arrepender de classificar o presidente de genocida, diante da gestão da epidemia de Covid-19 no Brasil, que deixou quase 600 mil mortos. 

Lula também falou de seus projetos, como a ideia de criar um salário universal "para todos os que foram expulsos do mercado do trabalho pela nova economia", do papel da comunidade internacional na preservação da Amazônia, sobre a qual afirma que o Brasil tem soberania, e da necessidade do debate sobre a regulação das mídias, que, lembra, não deve ser confundida com censura.

Como ex-presidente, durante dois mandatos, o líder petista acredita ter "uma responsabilidade infinitamente maior do que aqueles candidatos que nunca governaram". "O Brasil precisa, mais do que nunca, de um partido como o PT e de alguém que tenha sensibilidade social e conheça a alma do povo", destaca.

Em editorial, Libération escreve que "Bolsonaro se tornou tão perigoso para o país que os brasileiros parecem prontos a recorrer a um veterano que todos acreditavam estar aposentado". O jornal critica a falta de renovação no PT, mas afirma que é urgente levar os brasileiros a adotar um líder que o país merece. 

 
 
28
Ago21

Esse seria um golpe com assassinos e torturadores?

Talis Andrade

 

tortura vaccari.jpg

 

por Moisés Mendes /Jornalistas pela Democracia

- - -
É razoável que muitos já se perguntem sobre os estragos e as crueldades de um golpe com Bolsonaro. Porque um golpe põe sempre um país em desordem e tudo na sequência passa a ser imprevisível.

Se um golpe tem desdobramentos incontroláveis, e mesmo que hoje não tenha os componentes de um golpe considerado clássico, o que se pode esperar e temer, se Bolsonaro for além do blefe?

Em 64, sabem os bem os que têm memória e os que se preocupam hoje em buscá-la em algum lugar, o golpe recrudesceu em 68, quando a ideia de ditadura se consolidou e ampliou tudo o que ‘legalizava’ a arbitrariedade.

Bolsonaro é um despreparado em qualquer área. Hoje, não tem quadros com um mínimo de sofisticação e reputação para amarrar base jurídica e política para que um golpe seja bem sustentado.

Alguns dirão que qualquer advogado medíocre, sendo ou não um poste da República, arranja base para um golpe, com estado de sítio, estado disso e daquilo, intervenções pontuais e portarias e decretos com a imposição de arbitrariedades.

Na hipótese mais frequente, a que considera como primeira agressão um ataque ao Supremo, o que Bolsonaro poderia fazer para conter o Judiciário que ameaça a família?
 
Em 64, muitos antes do AI-5, e logo depois da deposição de Jango, os militares fizeram o que Bolsonaro deve imaginar agora, mesmo que precariamente, na sua cabeça limitada e confusa.

Os militares baixaram o AI-1, dirigido ao Judiciário, e tiraram de qualquer juiz, em quaisquer instâncias, o acesso à apreciação de cassações e da suspensão de direitos em geral.

Meses depois, o AI-2 aumentou de 11 para 16 o número de ministros do Supremo e determinou que civis ‘subversivos’ seriam julgados pela Justiça Militar. E que processos contra governadores que atentassem contra a segurança nacional cairiam no Superior Tribunal Militar.

Mais adiante, já sob o AI-5, ministros do STF foram cassados e outros decidiram ir embora, e a Justiça passou ao controle total da ditadura.

É o que Bolsonaro poderá tentar de imediato? Mas como? Bolsonaro pode querer também amordaçar Congresso e imprensa.

Mas teria como imitar os atos institucionais ou produzir algum arremedo? Há ambiente para algo semelhante como medidas jurídicas de exceção?
 
Há como ter Bolsonaro como chefe de um golpe, mandando em generais fracos, ou o sujeito chefia apenas blefes para atiçar milicianos?

E surge então a questão mais preocupante, por envolver cidadãos comuns. Além de perseguir inimigos bem identificados, é possível que um golpe decida caçar também pessoas comuns, como fizeram a partir de 64?

A ditadura perseguiu, caçou (e cassou), prendeu, matou e determinou que ‘desaparecessem’ também pessoas sem expressão política, sem liderança relevante reconhecida.

É provável que um golpe sob o comando de Bolsonaro volte a provocar mortes e desaparecimentos, ou as perseguições serão pontuais e apenas desestabilizadoras da vida dos inimigos?

É provável que a tortura seja um recurso à disposição dos golpistas, com a execução das violências a cargo das polícias e dos militares, como aconteceu nos anos 60 e 70? 

Não são perguntas sem fundamento. Nada mais é sem fundamento num país em que o presidente pede que as pessoas, ao invés de comprarem feijão, comprem fuzis.

Também não é absurdo pensar que o sonho de Bolsonaro talvez seja o de ter réplicas fiéis de Brilhante Ustra sob o seu comando.

a divina e trágica comédia brasileira flavio t

14
Jul20

Um Nuremberg para Bolsonaro

Talis Andrade

 

Por Marcio Sotelo Felippe/ Revista Cult

Em 16 de outubro de 1998 o senador Augusto Pinochet encontrava-se tranquilamente em Londres para tratamento médico. Foi preso pela Scotland Yard em cumprimento a um pedido de extradição emitido pelo juiz espanhol Baltazar Garzon por crimes contra a humanidade.

A ditadura de Pinochet deixou 40 mil mortos segundo dados oficiais, mas estima-se que o número real seja próximo de 100 mil. Entregou o poder em 1989, mas manteve o controle das Forças Armadas e, em 1998, tornou-se senador vitalício.

Nenhum dos crimes foi cometido na Espanha ou na Inglaterra. Embora houvesse menção a cidadãos espanhóis vítimas da ditadura chilena no pedido acatado por Garzon, isso não era relevante. O pedido de extradição e sua observância  pelo Estado inglês naquele momento tinham como fundamento a regra da jurisdição universal dos crimes contra a humanidade. Não importa a nacionalidade das vítimas, o lugar em que os crimes foram cometidos; não importam as regras típicas do Direito comum e interno sobre competência. Por força de uma norma vinculante (diz-se “cogente”) de Direito Internacional, todo Estado  tem jurisdição nos  crimes contra a humanidade.

Nada de novo. Desde o início da Idade Moderna, por volta do século 16, a pirataria está sujeita à jurisdição universal. O primeiro escritor do Direito Internacional, Grocio, em 1624, escreveu que “reis têm o direito de punir não apenas por ofensas contra si ou seus súditos, mas também nas graves violações das leis da natureza (…) porque devem cuidar da sociedade humana em geral” (De Jure Belli ac Pacis).

No episódio, o Estado inglês deu decisões contraditórias, em alguns momentos reconhecendo a jurisdição universal. A resistência liderada por Margaret Thatcher, que gostava  de Pinochet porque combateu o comunismo, fez com que o ditador não fosse extraditado para a Espanha e pudesse retornar para o Chile por razões de saúde.

Faria bem a Bolsonaro refletir sobre Pinochet. Ou sobre Eichmann, condenado por um Estado que sequer existia quando seus crimes foram cometidos. Um dia, quem sabe, ao pisar em algum aeroporto em algum lugar do mundo, o presidente poderá ser surpreendido por um mandado de prisão.

O colunista da Folha de S.Paulo Bruno Boghossian fez a revelação mais chocante sobre a conduta de Bolsonaro na crise da pandemia. Deveria ter sido manchete em todos os jornais, mas passou algo despercebido em meio à coleção de loucuras perpetradas por ele desde o início da crise. Boghossian afirma que o ex-secretário do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, contou à repórter Natalia Cancian que o Palácio do Planalto foi avisado em março que a estimativa de mortos pela pandemia seria de 100 mil pessoas em seis meses. No momento em que escrevo, quatro meses depois, ultrapassamos 70 mil mortos. A projeção está sendo certeira. Sabendo dela, Bolsonaro disse no final de março que “alguns vão morrer, é a vida” e que os mortos “não passariam de 800”.

Desde então aglomerou-se sem máscaras. Afirmou tratar-se de uma gripezinha. Defendeu o uso de remédios sem comprovação científica. Fez carga contra os governadores e prefeitos que tomaram as necessárias e sãs medidas sanitárias restritivas. Usou a si mesmo como exemplo de saúde por ser “atleta”, escancarado a eugenia da sua conduta (os idosos, frágeis e portadores de comorbidades não importavam). Quis liberar academias e salões de beleza das restrições. Quis impedir o uso de máscaras em presídios, templos religiosos e em lojas. Demitiu dois ministros da saúde porque não seguiram a sua política criminosa. O Ministério da Saúde é ocupado por um militar interino. Nunca houve plano, estratégias ou esforço coordenado de combate à doença por parte do governo federal. Dos 40 milhões de reais previstos para enfrentar o novo coronavírus, o governou gastou apenas 12 milhões.

Para cúmulo e remate, vetou pontos de projeto aprovado pelo Congresso que garantiam a comunidades e aldeias indígenas acesso universal a água potável, distribuição gratuita de materiais de higiene, de limpeza e  desinfecção de superfícies, oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva, ventiladores, máquinas de oxigenação sanguínea e recursos para resguardar a saúde indígena. Cerca de nove mil estão contaminados e 190 morreram. Sentenças de morte para indígenas. A recusa em proteger presidiários e indígenas são, mais uma vez, criminosas políticas eugenistas.

O Estatuto de Roma, que rege o Tribunal Penal Internacional, estabelece como crime contra a humanidade, entre outros, homicídios e atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental, cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil.

O dispositivo é, na verdade, uma consolidação de normas imperativas, obrigatórias, de Direito Internacional, fixadas desde Nuremberg, cujas fontes são o costume, o reconhecimento ao longo do tempo, os princípios gerais de direito. No caso dos crimes contra a humanidade, o conceito e as regras de aplicação foram solidificadas pela Comissão de Direito Internacional da ONU, em 1950, e contemplavam a mesma norma: assassinato, extermínio, escravização, deportação e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil.

Convém estabelecer a distinção entre normas costumeiras, imperativas de Direito Internacional e normas convencionais estabelecidas por tratados, acordos firmados entre Estados. É que as primeiras têm vigência e eficácia acima das segundas. Isto é expresso na Convenção de Viena sobre tratados: “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.

O Brasil assinou o Estatuto de Roma. Não tivesse assinado continuaria, como todos os países que não o firmaram (como os Estados Unidos), ainda sujeito às normas costumeiras imperativas de Direito Internacional Penal, à categoria crime contra a humanidade. A prisão de Pinochet não se deu sob a égide do Estatuto de Roma, que somente se aplica aos signatários e por atos posteriores à sua vigência. Deveu-se a tais normas imperativas de Direito Internacional, assim como a condenação de Eichmann, o processo de Klaus Barbie e de tantos outros criminosos nazistas desde o fim da  II Guerra.

Teria Bolsonaro, seja pelo Estatuto de Roma, seja pelas normas imperativas de Direito Internacional, cometido crime contra a humanidade na crise da pandemia, devendo ser responsabilizado por milhares de mortes? A resposta é inapelavelmente sim.

Não é qualquer violação de direitos humanos que pode ser caracterizada como crime contra a humanidade. Exige-se o “elemento internacional”, que está presente quando dois requisitos são satisfeitos: uma política de Estado e a gravidade das violações. Sem tais requisitos a conduta está sujeita apenas aos ordenamentos internos. Por isso a Máfia ou o PCC não podem ser responsabilizados por crimes contra a humanidade. Somente pelos que estão à frente ou são executores de ações de Estado (embora se admita que organizações políticas não estatais, mas poderosas, possam ser sujeitos das violações, como Al-Qaeda, por exemplo).

Que a conduta de Bolsonaro seja uma política de Estado não pode haver dúvida razoável. Ela é explícita, confessa. Toda a sua trajetória no trato da pandemia grita isso. Ao criticar a absurda interinidade de um militar sem formação médica no Ministério da Saúde, há meses, enquanto morrem todos os dias mais de mil pessoas, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o “o exército está se associando ao genocídio”. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse ter havido “um desmanche do Ministério da Saúde no meio da maior pandemia do século”. Todo o corpo técnico do Ministério foi trocado. Uma política selvagem e fascista.

Os dois países com maior número de mortes têm presidentes negacionistas. Estados Unidos, com 140 mil, Brasil, com 70 mil, em curvas ascendentes. A China, com equivalentes dimensões continentais e 1,3 bilhão de habitantes, controlou a pandemia com 4.600 mortes. Trata-se, portanto, de violação grave, maciça, do direito à vida, à saúde, à integridade física, em decorrência de uma política de Estado.

O conceito de crime contra a humanidade contém a expressão “ataque generalizado ou sistemático”. A palavra “ataque” pode à primeira vista significar apenas uma conduta ativa, ou como se diz no jargão jurídico, “comissiva”, vindo à mente a ideia de ataque armado, de um pogrom, de um ato ostensivo de violência. No entanto, homicídios ou atos desumanos podem ser ataques cometidos por omissão, como no exemplo clássico da mãe que, tendo o dever jurídico de zelar pela vida do filho, deixa de alimentá-lo ou se omite dos cuidados necessários. Ou do salva-vidas que se omite diante de pessoas se afogando. Basta que o agente tenha o dever jurídico específico de evitar a morte para que se caracterize o homicídio por omissão. Se assim é em casos singulares, assim é quando as vítimas são milhares e os omissos têm, como agentes de Estado, dever jurídico de salvaguardar a vida dos cidadãos. No Holocausto, parte das milhões de vítimas morreram por maus tratos, condições desumanas de trabalho ou ausência de cuidados médicos, e não só pelo assassinato dito comissivo, “positivo”. Igualmente no genocídio armênio, em que parte da população foi morta por condições desumanas impostas no curso de um deslocamento territorial cujo objetivo era efetivamente o extermínio.

A morte de milhares de cidadãos brasileiros teria sido evitada se a política de Estado do governo Bolsonaro não tivesse sido a omissão, motivada por interesses políticos mesquinhos, pela eugenia e a indiferença à vida, como é próprio do fascismo. Isso diante de dados que vinham de todo o mundo desde o começo do ano, e da informação de que 100 mil pessoas morreriam no Brasil em seis meses.

Considerar isso tudo um fato da política ou mera gestão passível de crítica política é afastar-se de qualquer patamar civilizatório. É permitir, ignorando toda a construção jurídica moderna, que chefes ou agentes de Estado possam ser criminosos em massa, desde que com meios implícitos ou por omissão.

A vigência de uma norma jurídica e o reconhecimento de sua obrigatoriedade, dita “cogência”, não significam, claro, a sua eficácia. Os Estados Unidos foram responsáveis por inúmeros crimes contra a humanidade no século 20, e ainda no século corrente, apoiando ditaduras terroristas ou praticando atos terroristas de mão própria que causaram  milhares de mortos. Não se pode razoavelmente esperar que a política  perca do Direito na maior parte das vezes. Ela ganha, praticamente sempre.  Supor que algum presidente norte-americano encontre seu Nuremberg não é realista.

No entanto, que Bolsonaro, tal como Pinochet, encontre em algum aeroporto do mundo um mandado de prisão é um sonho civilizatório possível. Poderia Mussolini imaginar, no auge de seu poderio, que terminaria seus dias enforcado em praça pública e pendurado de ponta cabeça em um posto de gasolina?

Melhor do que elucubrações éticas duvidosas e cerebrinas, como desejar a sua morte, são o impeachment e a responsabilização jurídica. Desejar a morte não tem, até onde se sabe, qualquer eficácia, além de ser um dilema moral inútil no discurso público, a menos que seja um incitamento ao assassinato. Já Bolsonaro encontrar um Nuremberg seria um avanço civilizatório. Que se sente no banco dos réus em Haia, no Tribunal Penal Internacional, ou em qualquer lugar do mundo em que houver um juiz que tenha a coragem e o compromisso que um dia tiveram os acusadores  espanhóis e o juiz Garzon.

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