Natália Vamos juntos


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por Fernando Brito
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O editorial de hoje do Estadão é duro, mas é insuficiente.
Duro, porque, finalmente, chama o comportamento de Jair Bolsonaro, ao conduzir as Forças Armadas para uma aventura golpista diante da eleição presidencial de outubro, “preparando um plano de fiscalização paralela para as eleições deste ano”:
O que o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo com o Ministério da Defesa é de enorme gravidade, a exigir imediata contenção. Além de afrontar as regras eleitorais, está em curso uma explícita subversão da ordem constitucional.
A configuração do Estado Democrático de Direito está desenhada para que as Forças Armadas estejam submetidas ao poder civil. É precisamente esse o papel institucional do Ministério da Defesa: assegurar que a condução política dos assuntos militares e da defesa esteja plenamente integrada à administração geral do Estado. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro vem fazendo o exato contrário. Está usando o poder civil para tentar desvirtuar o bom funcionamento das Forças Armadas.
Eis a loucura bolsonarista. Em vez de ser elemento de tranquilidade institucional, assegurando e confirmando o funcionamento constitucional das Forças Armadas, o Ministério da Defesa do governo Bolsonaro tem sido a fonte de tensões e embates com a Justiça Eleitoral. Sob o pretexto de ter sido convidado a integrar a Comissão de Transparência das Eleições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o órgão da administração federal relativo aos militares atribuiu a si mesmo o papel de revisor das eleições. Tal pretensão é rigorosamente inconstitucional.
O jornal, porém, dá uma passo adiante, e importante, que precisa ser seguido pela imprensa brasileira. Questiona, diretamente, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica diante a ameaça à Constituição.
Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro e o seu Ministério da Defesa vêm tentando inconstitucionalmente envolver as Forças Armadas em questões eleitorais – ação que constitui crime de responsabilidade (art. 7.º, incisos 4 e 7, da Lei 1.079/1950) –, é dever dos três comandantes das Forças Armadas reiterarem seu compromisso com a Constituição, bem como sua distância em relação às tramoias inconstitucionais daquele que, quando esteve no Exército, ameaçava colocar bomba nos quartéis. O perigo agora é imensamente maior.
E, em seguida, cobra reação do Ministério Público, pois “não cabe apatia perante tão grave ameaça”.
Ocorre, porém, que só o que se vê das instituições – com a ressalva do TSE, embora tímido e intimidado – é só apatia. E o mesmo se pode dizer da imprensa.
É preciso dar o nome merecido às coisas e o estigma do golpismo não pode deixar de ser aposto a quem faz estas ameaças.
É de golpista que se deve chamar quem faz as ameaças elencadas pelo Estadão e golpistas não merecem o tratamento respeitoso que se deve a qualquer um, militar ou civil, que age dentro de suas responsabilidades públicas, não aos que se afastam delas e menos ainda aos que tentam subvertê-las.
Presidente pediu que irmãos de Marcelo Arruda o defendam da imprensa “de esquerda”
Um homem morre assassinado, num crime brutal. Alguém invade uma festa por motivos políticos e atira no aniversariante até matar. A vítima deixa viúva e quatro filhos, o crime choca o país.
Pensando numa história como essa, seria de imaginar que, se o presidente da República ligou, foi para consolar a viúva, oferecer uma palavra de conforto, quem sabe para garantir que o Estado vai se empenhar para que Justiça seja feita. Mas lembre: o presidente é Bolsonaro.
De fato, houve um telefonema, mas não para a viúva. Bolsonaro soube que embora Marcelo Arruda, a vítima, fosse petista, seus irmãos têm uma visão política diferente. São bolsonaristas. E se não teve coragem de ligar para a viúva, ligou para seus eleitores.
A covardia, porém, não para por aí. Ao contrário do que se poderia esperar, Bolsonaro não ligou para oferecer consolo, mas sim para se aproveitar dos irmãos da vítima. Pelas costas da viúva, pediu que eles vão a Brasília e contem uma história diferente daquela que a viúva tem contado.
A vítima, na visão de Bolsonaro, é ele próprio, e não Marcelo Arruda. O crime não foi cometido por um bolsonarista alucinado que atirou num adversário político inocente. O crime é da imprensa, que quer “colocar o caso no colo” dele.
O telefonema não era uma ajuda, um conforto. Era um pedido de boia salva-vidas. E ao mesmo tempo um método para dar mais impulso à guerra do presidente contra a imprensa, contra a esquerda, contra as vítimas.
Se tudo der certo para Bolsonaro, os irmãos de Marcelo irão a Brasília e ele armará um circo para se defender e para atacar os adversários.
Se tudo der certo para Bolsonaro, a viúva será mais uma vez vitimizada.
Se tudo der certo para Bolsonaro, mais uma vez dará tudo errado para o Brasil.
EM APENAS 15 DIAS, a maior cidade do interior brasileiro, Campinas, foi alvo de dois ataques nazifascistas, um tipo de violência que cresce no país encorajado pelo discurso de ódio da extrema direita e de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Entre o final de abril e o começo de maio, o Instituto de Filosofia e Ciência Humanas da Unicamp foi pichado com símbolos nazistas e os trabalhadores e clientes de um bar próximo à universidade sofreram agressões físicas e insultos racistas. Um dos agressores chegou a atirar com arma de fogo, segundo testemunhas, e ostentava uma suástica.
A repercussão dos ataques estimulou 22 dos 33 vereadores campineiros a criarem uma Comissão Parlamentar de Inquérito, batizada de CPI Antifascista. Ela foi instalada em 6 de junho.
“A gente está falando de grupos que pregam o extermínio, fazem ações violentas e têm crescido no Brasil. A gente precisa dar uma resposta política, achar o nexo entre as coisas”, me disse a vereadora Mariana Conti, do Psol, eleita presidente da CPI.
A comissão investiga as estruturas, membros, atuação dos grupos extremistas e, principalmente, se eles mantêm vínculos com partidos políticos e movimentos de extrema direita.
Em entrevista ao Intercept, a parlamentar avaliou que esses grupos saíram das sombras e se organizam em um movimento reacionário contra o avanço da representatividade de lideranças LGBTQIA+, feministas e negras.
“O bolsonarismo fez isso. Bolsonaro organizou isso, porque ele canaliza e organiza politicamente esse conjunto de grupos que têm diferentes formas de manifestação na extrema direita”, afirmou Conti.
A CPI deve se apoiar nos estudos da pesquisadora Adriana Dias, uma das principais especialistas no tema. Foi ela quem encontrou uma carta do então deputado Jair Bolsonaro replicada em um site nazista, como o Intercept revelou no ano passado.
Pelas regras da Câmara de Campinas, a CPI não tem poder de realizar quebras de sigilo ou determinar busca e apreensão. Por isso, irá buscar o apoio das polícias e do Ministério Público.
A gente sabe que existe essa tendência no Brasil [da violência], mas com o governo Bolsonaro isso tem respaldo institucional
Apesar de reconhecer que terá dificuldades devido à contaminação desses órgãos pelo bolsonarismo, Conti falou que mantém contato com policiais dispostos a apoiar a investigação e que estabelecerá uma relação institucional com as forças de segurança. A CPI é composta por sete vereadores e tem duração de 90 dias, que podem ser prorrogados por igual período.
No último dia 22 de junho, após a entrevista e na véspera da primeira audiência da CPI, um homem ligou para o gabinete da vereadora para ameaçar a parlamentar e suas auxiliares. Segundo ela, o agressor costuma frequentar a Câmara. Ela suspeita que ele tenha transtornos mentais e faça ameaças orientado por vereadores da extrema direita. Conti me disse que, por orientação de sua advogada, não revelaria o nome do agressor e dos parlamentares com que ele tem relação.
“Ele ligou no gabinete e fez as ameaças, falando que se não parasse de falar mal do Bolsonaro o bicho ia pegar para o meu lado”, disse a vereadora. Como esta mesma pessoa já ameaçou o gabinete de Conti, ela estuda quais medidas legais tomará.
Guilherme Mazieiro entrevista Mariana Conti
Intercept – A CPI foi criada para investigar grupos neonazistas e fascistas em Campinas, autores de ataques na Unicamp. O que significam esses atos?
Mariana Conti – Essas ações não são isoladas. Campinas tem um histórico de outras ações, de pichação no Taquaral [principal parque da cidade] de símbolos que remetem ao nazismo e fascismo, muitas vezes menos conhecidos. Essa é uma estratégia que os grupos têm adotado, ao invés da suástica, que é o símbolo mais conhecido. A gente já teve pichações na própria Unicamp, em 2018, na biblioteca do IEL [Instituto de Estudos de Linguagem].
As pesquisas da professora Adriana Dias têm mostrado e mapeado o aumento desses grupos. Para além disso, houve situações na Câmara. Durante uma manifestação antivacina [no ano passado], a gente viu cartazes com símbolos do QAnon, um grupo supremacista branco [dos Estados Unidos], racista. A gente sabe que o fascismo e nazismo tem esse conteúdo. É uma miríade de elementos que se organizam nesses grupos de extrema direita. Não são movimentos desorganizados. Eles têm ideologia, sentido, pauta. Isso é o que queremos averiguar, achar o nexo entre essas ações e as possíveis relações políticas que existem entre esses grupos e partidos e figuras da política campineira.
Por que os alvos são a Unicamp e locais próximos de uma das principais universidades do país?
O conteúdo desses grupos têm vários elementos, mas existem pontos em comum: o ataque à esquerda, o anticomunismo, o ataque a grupos sociais como os da negritude, os LGBTQIA+, as mulheres. Na universidade, onde houve um grande movimento para adotar cotas raciais, há um processo de popularização e diversificação da comunidade. Isso faz dela um alvo na medida em que se torna mais plural. O fato de a universidade ter movimento por cotas [para pessoas] trans diversifica o ambiente da universidade e traz grupos sociais que são marginalizados para o protagonismo. Isso incomoda grupos que, na verdade, pregam o extermínio de quem veem como inimigos: mulheres, pessoas LGBTQIA+, migrantes, imigrantes, negros, indígenas. Não é à toa que o ataque [a tiros] no Bar do Ademir, em frente à moradia estudantil, foi dirigido contra trabalhadores que atuam no bar e são imigrantes haitianos. Os relatos que temos é de que as pessoas [autoras dos ataques] imitaram macacos. São ataques racistas. É um movimento reacionário ao fato de que, graças ao processo de luta, de organização, a universidade está passando por um processo de diversificação e dando protagonismo a esses grupos sociais.
A Unicamp mostrou disposição em colaborar com a CPI? Os casos que aconteceram ali podem ser de autoria de alunos da própria universidade?
Uma das deliberações da CPI foi fazer uma conversa institucional com a reitoria e com a Comissão de Direitos Humanos da Unicamp. Pessoalmente, penso que a Unicamp precisa ser mais incisiva na posição que ela assume com relação a esses ataques. É bem possível que sejam de membros da comunidade universitária. Porque a gente sabe que ela é plural, tem uma série de posições políticas.
Vocês partem de uma lista de nomes de organizações suspeitas para começar este trabalho?
A gente parte das pesquisas que já existem. Queremos chamar uma série de grupos para estarem com a gente, o movimento negro, dos terreiros, dos LGBTQIA+, grupos feministas, comunidades haitianas, nordestinas, ciganas. Queremos convidar, inclusive, a comunidade judaica.
A CPI vai se debruçar sobre o financiamento desses grupos de ódio?
Sim, e também como eles conseguem estar nas redes sociais, como acontece o recrutamento, quem são as pessoas recrutadas. E colaborar com as investigações que já existem no Ministério Público e na Polícia Civil.
Há limitações jurídicas e legais para a atuação da CPI. Por isso é importante o apoio das polícias e do Ministério Público, dois órgãos muito contaminados pelo bolsonarismo. Vocês já tiveram contato com essas autoridades? Há dificuldades ou ajuda?
Uma CPI municipal não tem o poder de fazer quebra de sigilo telefônico e de sigilo bancário. Isso dificulta o trabalho, porque vai exigir que pensemos estratégias de atuação. Ao mesmo tempo, se tivéssemos esse poder, penso que seria muito difícil aprovar uma CPI com esse caráter. Tanto que é inédito, não vi outro lugar em que tenha sido instalada uma CPI para investigar grupos fascistas, embora a gente saiba que [casos] acontecem no Brasil inteiro.
Mas que tipo de apoio vocês esperam das polícias e do Ministério Público?
A gente sabe que houve uma grande contaminação das forças de segurança em geral pela ideologia da extrema direita. O bolsonarismo fez isso. Bolsonaro canaliza e organiza politicamente esse conjunto de grupos que têm diferentes formas de manifestação na extrema direita. A gente sabe que existe essa tendência no Brasil [da violência], mas com o governo Bolsonaro isso tem respaldo institucional.
Isso pode ser uma dificuldade para CPI?
Pode, com certeza. Mas conhecemos e temos relações com grupos de policiais antifascistas. E é claro que policiais que discordam dessa abordagem, que questionam, se incomodam com essa ação de violência, estão em uma posição defensiva internamente na corporação. Existem perseguições e uma série de coisas que acontecem dentro das corporações. Vamos ter que elaborar uma estratégia de fazer uma relação institucional com a Polícia Civil, vamos procurar o delegado responsável pelos casos, fazer uma visita institucional. A extrema direita não é uma unanimidade. A polícia que mais mata é também a que mais morre no mundo.
Para fazer a CPI, vocês conseguiram a assinatura de 22 dos 33 vereadores campineiros. Por que um terço deles não assinou o requerimento?
Muitas vezes não tem justificativa, né? Teve um argumento de que vereador não é investigador de polícia. A manifestação pública que aconteceu contra a CPI foi de um vereador, o Marcelo Silva, que é declaradamente bolsonarista. Ele falou que era uma propaganda da esquerda.
É curioso que ele [o vereador Marcelo] é de origem judaica. Usou isso como argumento, como se só ele tivesse legitimidade para fazer algo. A professora Adriana Dias, que também é de descendência judaica, já explicou que esse argumento é usado como forma de se legitimar.
A extrema direita é o ponto do espectro político em que fascistas e neonazistas se encaixam. Em Campinas, há uma representação muito forte da extrema direita, principalmente com a família Santini, que tem um secretário [do Ministério da Justiça] em Brasília e tinha um vereador na cidade. Esses grupos de extrema direita ligados ao bolsonarismo trabalharam contra a criação da CPI?
Os vereadores declaradamente bolsonaristas não assinaram a CPI. São três: Major Jaime [do Progressistas], Marcelo Silva e Nelson Hossri [ambos do PSD]. E o Marcelo falou contra a CPI na tribuna. Mas foi curioso, um acaso, que no dia em que o requerimento da CPI foi lido, havia um ato organizado pelos bolsonaristas contra o passaporte sanitário. A esquerda foi xingada. Eles estavam raivosos, protestaram, xingaram, mas a CPI foi instalada.
A gente vê que o movimento antivacina, organizado e orquestrado pelo governo Bolsonaro, serviu como elemento de organização da extrema direita. E isso que precisamos identificar: existe vínculo entre grupos que estão cometendo violência fascistas, usando símbolos nazistas, com esses grupos? Estão se organizando politicamente para disputar pautas na cidade? Existe vínculo? Qual é?
Com a extrema direita é dado que esses grupos são identificados, mas com grupos políticos mais tradicionais, conservadores, já é possível identificar ligações?
São hipóteses, isso que a gente quer verificar.
As hipóteses levam a esses grupos conservadores, bolsonaristas?
A gente parte do mapeamento que a professora Adriana Dias colocou. E ela mesma disse, em uma entrevista ao Intercept, que encontrou um site de cunho neofascista que tinha um banner para o site do Bolsonaro. O que acho surpreendente é como essas questões são tratadas como menores, não é dada a devida importância para esses fatos da política, das instituições. Um dos motivos pelo qual pedi a abertura dessa CPI é porque incomoda muito que você não tenha respostas políticas. A gente está falando de grupos que pregam extermínio, fazem ações violentas e têm crescido no Brasil. As aproximações deles com grupos políticos organizados, com canais legais, está aí. A gente precisa dar uma resposta política, achar o nexo entre as coisas. As instituições não respondem, esse silêncio é muito grave.
Vai ser um desafio a gente caminhar nesse sentido. Com as limitações legais que tem uma CPI municipal, com as resistências que existem, ameaças e intimidações.
Em Campinas, está a Escola de Cadetes do Exército, onde Bolsonaro estudou por algum tempo e boa parte dos militares estudam antes de ir à Academia das Agulhas Negras. De alguma maneira a CPI tem interesse em olhar para o Exército? Vai procurar ouvir a Escola de Cadetes?
É uma hipótese, não havíamos pensado nisso ainda. Mas é uma possibilidade. A gente sabe que no Exército há núcleos de extrema direita. O próprio Bolsonaro é de um grupo que não queria o fim da ditadura, que atuou contra a transição, a anistia, faz saudações à tortura, a torturadores. A gente sabe que ali é vespeiro. Vamos ver o que a gente consegue.
Paulo Sergio Nogueira "usa o cargo de ministro da defesa para intimidar o Judiciário e ameaçar a democracia", diz o jornalista Bernardo Melo Franco
247 - Em sua coluna publicada no jornal O Globo, o jornalista Bernardo Melo Franco diz que "o ministro da Defesa apontou a espada para o pescoço da Justiça Eleitoral".
por Mônica Bergamo
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O relator especial para a Independência de Juízes e Advogados da ONU, Diego Garcia, recebeu na noite de terça-feira (17) um documento em que cerca de 80 professores e juristas brasileiros alertam para "uma campanha sem precedentes de desconfiança e ameaças" contra cortes superiores no país.
O texto afirma que a independência judicial no Brasil enfrenta desafios não vistos desde a redemocratização pós-ditadura militar (1964-1985). Diz, ainda, que as eleições deste ano e a continuidade democrática estão ameaçadas diante dos ataques promovidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados.
O ofício foi elaborado pelo Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil (Demos), integrado por pesquisadores do direito e da ciência política como Emílio Peluso Neder Meyer, Clara Iglesias Keller, Estefânia Maria de Queiroz Barboza e Diego Werneck Arguelhes.
"Bolsonaro tem investido fortemente para deslegitimar as eleições. Ele tem afirmado repetidamente sem nunca fornecer nenhuma evidência que o sistema de votação eletrônica que o país adotou nos anos 1990 está aberto à manipulação deliberada", afirmam os pesquisadores.
"Aqueles que acreditam que a democracia no Brasil está suficientemente garantida e protegida e que as instituições estão perfeitamente funcionando estão enganados. Não é exatamente fácil ver quando a linha entre democracia e ditadura foi atravessada, e o Brasil pode estar cruzando essa linha nos próximos meses", seguem.
O documento pede à ONU que realize uma visita oficial ao Brasil para mapear os ataques à independência judicial e ouvir magistrados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), além de membros da sociedade civil. E solicita que sejam cobradas explicações do governo brasileiro.
Assinam o ofício nomes como Fernando Limongi, Gisele Cittadino, Christian Lynch, Conrado Hübner Mendes, Fábio Shecaira, Katya Kozicki, Lenio Luiz Strek, Marcos Nobre, Natalia Pires de Vasconcelos, Rachel Herdy, Rafael Mafei, Thomas Bustamante e Vera Karam de Chueiri.
A iniciativa ainda é apoiada por 28 entidades e grupos de pesquisa, como o Washington Brazil Office, o Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (Laut) e o Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa da UFRJ.
Os signatários também relatam à ONU que o governo Jair Bolsonaro incentiva ataques públicos a instituições e violência contra adversários políticos, além de minar a resolução pacífica de conflitos eleitorais.
Eles lembram que as eleições brasileiras são fiscalizadas pela Justiça Eleitoral desde a década de 1930, e que, entre 2018 e 2021, o país caiu cinco pontos no índice geral da Freedom House, organização de defesa de direitos humanos que mede a liberdade política em territórios do mundo inteiro.
"Bolsonaro testa os limites das instituições, incentivando seus apoiadores a agir contra os tribunais e seus juízes, erodindo o apoio às instituições de uma forma que fortalece sua própria agenda iliberal e autoritária", alertam.
"Bolsonaro tem apoiado a desinformação e as falsas acusações de fraudes nas eleições de 2018, mesmo que ele próprio tenha sido o vencedor", destacam.
O documento relembra episódios como os atos golpistas do 7 de Setembro, que ocorreram no ano passado e contaram com ampla participação do presidente, e o indulto concedido por ele ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) após condenação pelo Supremo.
O mais recente impasse entre o TSE e as Forças Armadas em torno do pleito de 2022 também é relatado à ONU.
por Letícia Sallorenzo /Jornal GGN
A delegada Denisse Ribeiro, até agora responsável pela apuração dos inquéritos das Fake News e dos ataques ao estado democrático de direito, está saindo de licença maternidade e entregou ao ministro Alexandre de Moraes um relatório parcial das investigações até aqui conduzidas. O relatório da delegada entrou no sistema do STF às 21:45 desta quinta-feira, e está disponível no site do Estadão (veja arquivo aqui). E já vou avisando que o que interessa está a partir da página 40.
(Mentira. O PDF traz o depoimento do General Heleno, e a “associação estável” entre Jair Renan e outro indivíduo identificado no contato do celular dele como “Allan stf”, no “recebimento de vantagens de empresários com interesses, vínculos e contratos com a Administração Pública Federal e Distrital sem aparente contraprestação justificável dos atos de graciosidade”. Segundo aponta a PF, “o núcleo empresarial apresenta cerne em conglomerado minerário/agropecuário, empresa de publicidade e outros empresários”, nas palavras (da decisão) do próprio ministro Alexandre de Moraes. E isso foi só pra compartilhamento de informação com outra parte do inquérito. É eita atrás de vixe.)
Ali dentro tem tiro, porrada, bomba, dinossauro, ratos, baratas e tudo o que pode fazer os sismógrafos da UnB tremerem um pouquinho nos próximos dias. Em pouco menos de 50 páginas tem informação pra arrepiar a alma, e a gente fica imaginando que tipo de informação não tem na parte sigilosa do inquérito (Oi, ansiedade! Você por aqui?).
A delegada descreve de forma genérica (mas imagino que tenha como desenhar essa descrição a partir do material colhido por ela) o processo de operação do que o inquérito chama de milícias digitais (e essa expressão não é pouca coisa, não, senhores. Não sei quem resolveu batizar a quadrilha dessa forma, mas tá de parabéns pela escolha a dedo da palavra “milícia”).
As milícias digitais seriam, e aqui eu cito o relatório da delegada Denisse, “uma suposta organização criminosa voltada à criação, publicação e difusão de mensagens com conteúdos que incidem em tipos penais (calúnia, difamação, injúria, violação de sigilo funcional, entre outros), com o objetivo de assegurar vantagens financeiras e/ou político partidárias aos envolvidos”.
Trata-se de uma organização “de forma estruturalmente ordenada, com unidade de desígnios e divisão de tarefas (produção, difusão e financiamento), com o objetivo de obter vantagens financeiras e/ou político-partidárias por meio da produção e divulgação de informações (texto, imagem e vídeo) em meios de comunicação (redes sociais ou canais de comunicação), de notícias fraudulentas [sic], falsas comunicações de crimes, violação de sigilo funcional, ameaças e crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), lesando ou expondo a perigo de lesão o Estado democrático de direito e a independência e a harmonia entre os Poderes, ocultando ou dissimulando a natureza, origem, movimentação ou propriedades de valores decorrentes da atividade criminosa.”
Como informa o trecho acima, a estrutura é altamente profissional e com trabalho meticulosamente planejado. Escolhem os “espantalhos” (que é como os milicianos digitais chamam os alvos) a serem almejados. A seguir, rola uma separação de tarefas entre os envolvidos, para que se prepare o material a ser divulgado contra aquela pessoa/instituição, bem como os canais pelos quais tal conteúdo será disseminado / amplificado.
O ataque consiste na divulgação de diversas postagens com o conteúdo ofensivo, inverídico ou deturpado, que vai se amplificando à medida que é transmitido / retransmitido a integrantes do grupo que possuem vários seguidores. O material, finalmente, é reverberado a partir de novas retransmissões complementadas ou não com novos elementos agregados. Essas retransmissões são feitas por autoridades públicas ou mesmo pelos meios de comunicação tradicionais (e tradicionalmente ligados a Bolsonaro. Não vou citar nomes aqui, mas espero que você esteja fazendo conexões de nomes e pessoas que integram essa rede).
A delegada Denisse Ribeiro descreve esse processo de difusão a partir da definição de firehosing, tema que eu já abordei aqui no GGN.
O firehosing é um modus operandi. É interessante entendê-lo como o processo macro de disseminação, do qual aquilo que se convencionou chamar de Fake News é o aspecto micro. Ou, nas palavras da delegada (também adotadas pelo ministro Alexandre em seus despachos), trata-se da transmissão da (des)informação com as seguintes características:
“a) em “alto volume” e por multicanais, implicando em variedade e grande quantidade de fontes; b) rápida, continua e repetitiva, focada na formação de uma primeira impressão duradoura no receptor, a qual gera familiaridade com a informação e, consequentemente, sua aceitação; c) sem compromisso com a verdade; e d) sem compromisso com a consistência do discurso ao longo do tempo (i.e., uma nova difusão pode contrariar absolutamente a anterior sem que isso gere perda de credibilidade do emissor).”
Segundo a delegada Denisse, “O estado atual da investigação traz um conjunto de elementos que indicam um modo de agir bem delineado e coerente (…). Identifica-se a atuação de uma estrutura que opera especialmente por meio de um autodenominado “gabinete do ódio”: um grupo que produz conteúdos e/ou promove postagens em redes sociais atacando os chamados “espantalhos”.
Cada evento deve ser interpretado num macrocontexto, ou então não faz sentido. Uma vez entendido e percebido esse macrocontexto, as diversas comunicações entre os integrantes da organização, o cruzamento de dados adquiridos em quebras de sigilo legal, enfim, todo o material levantado pela investigação, conectado de forma coesa e coerente, permite identificar a estrutura montada, os papéis de cada membro e os objetivos buscados. O relatório indica uma ação orquestrada para difundir desinformação, criando ou deturpando dados para obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos para diversos canais. Há o nítido propósito de manipular a audiência a partir da distorção de dados, induzindo o público a erro e “induzindo-o a aceitar como verdade aquilo que não possui lastro na realidade”.
A milícia digital, segundo o relatório da delegada Denisse, atua no limite entre o crime e a liberdade de opinião, com evidente má-fé, e destaca: “é justamente para proteger o discurso livre e aberto que se torna necessário estabelecer a ‘nota de corte’ a partir da qual se encerra a liberdade de expressão e se inicia a prática ilícita. É o que ocorre quando a pessoa, consciente e voluntariamente, produz ou divulga um conteúdo que sabidamente se destina a desinformar, a atacar a honra de alguém ou a desacreditá-la. https://jornalggn.com.br/editoria/justica/bolsonaro-tem-que-explicar-vazamento-de-investigacao-sigilosa-de-ataque-ao-tse/ ”
O relatório associa a esse modus operandi descrito à disseminação de informações falsas referentes tanto à integridade das urnas eletrônicas como com relação ao chamado tratamento precoce contra a Covid.
A notinha de rodapé nº 6, que está na página 5 do relatório (pág. 45 do PDF), cita um único exemplo de um trechinho do relatório que deve estar sob sigilo, mas é tão deliciosa que eu recomendo que você vá pegar um cafezinho antes de prosseguir com esta leitura. Pegou? Então, vamos lá:
“Como exemplo, vide trechos extraídos de diálogo entre OTÁVIO FAKHOURY e ANGELA MASÍLIA LOPES (fl. 516 e ss – Relatório de análise no 001/2022): “Qdo eu tava no PSL SP com o Duda, eu tinha lá uma pessoa que era meu cão farejador. Raphael Enohata. (…) Um japones crânio engenheiro da Poli que fazia levantamentos e dossiês de todos que apareciam nas nominatas. (…) O cara é craque. Ele trabalhava com a Letícia Catel na Apex. Ele fazia os dossiês e ela ai demitindo e afastando (…)”; “Está com o PR ja. O lance da Carla [Zambelli]”; “Estou atrás de coisas sobre a Peppa e o Moro é a Rosângela” (sic). Da mesma forma, o trecho: “Bendito dia em que puseram esse Ramagem na ABIN! Eh o jeito de fazer esse país andar. Investigar todos e pôr todo mundo na parede”.
Isto posto, concluo que:
– O ministro Alexandre de Moraes vai ter que dar uma movimentada nesses inquéritos agora.
– Assim como eu, muitos Bolsonaros não dormiram nesta madrugada. A diferença é que eu fiquei tão elétrica com o conteúdo do relatório que fiz este texto aqui pra vocês (inclusive, de nada). Enquanto isso, no Palácio do Planalto, eu não arriscaria a dizer como foi a noite do seu messias e seus quatro filhos.
– A delegada Denisse alinhavou em seis páginas o que eu pretendia estudar a fundo para a minha tese de doutorado. Espero que ela não tenha aniquilado minha pergunta de pesquisa. Tenho muito o que conversar com a minha orientadora.
– Estava trocando figurinha com Eliara Santana a respeito do conteúdo desse relatório, e concluímos que se houvesse verba para comprar os softwares de pesquisa desse material, eu e ela já teríamos adiantado boa parte desse trabalho, e com detalhes meticulosos que só a análise do discurso e a linguística cognitiva nos brindam.
– Na manhã desta quinta-feira, Bolsonaro falou em “ditadura da caneta” perpetrada por alguns “canalhas”, e que “nos próximos dias vai acontecer algo que vai nos salvar”. Não sei você, mas eu estou apreensiva com a soma de todas essas informações.
por Jeferson Miola
Na assembléia geral de bandidos de 17 de março de 2016 presidida pelo bandido Eduardo Cunha, como um jornalista português se referiu à sessão do impeachment fraudulento da Dilma, Bolsonaro dedicou seu voto ao facínora e torturador Brilhante Ustra, “o terror de Dilma Rousseff”. Em outra circunstância, ele também definiu critérios para mulheres que “merecem” ser estupradas.
Bolsonaro também criticou a ditadura por não ter assassinado mais de 30 mil opositores e disse que o governo militar que hoje preside não veio para construir algo, “mas viemos para desconstruir muita coisa”.
Ele, enfim, já disse e diz tanta coisa aberrante, incivilizada e dantesca que fomos nos acostumando a não levá-lo a sério. Acostumamo-nos a tratá-lo como um fanfarrão; como um ser abjeto, irresponsável e inconsequente. Como uma figura folclórica e bizarra.
Há quem o considere, além de sociopata, uma pessoa mentalmente incapaz, que deveria estar interditada e ser afastada da presidência da República.
No governo, porém, Bolsonaro tem sido coerente com sua visão de mundo criminosa e anti-civilizatória. Ele materializa esta cosmovisão por meio de políticas racistas, genocidas, ecocidas, totalitárias e destrutivas, como temos visto e padecido.
É preciso, por isso, abrir os olhos, desentupir os ouvidos e levar a sério o que Bolsonaro diz e faz. Como, por exemplo, quando ele disse que “nunca uma outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será tão importante quanto esse próximo 7 de setembro”.
Nos atos antidemocráticos e inconstitucionais que promoveu no 7 de setembro em Brasília e em São Paulo financiados com dinheiro público e de empresários e latifundiários bandidos, Bolsonaro mostrou sua absoluta incompatibilidade com a democracia e com o Estado de Direito e deu o assobio para a matilha fascista avançar na guerra contra o pouco que ainda resta de democracia no Brasil.
No dia seguinte aos ataques terroristas dele à democracia, e com 24 horas de atraso, o presidente do STF foi tíbio, o presidente da Câmara subiu no muro, o presidente do Senado se aferrou ao seu barroquismo retórico e o procurador-geral elogiou a “festa cívica” [sic].
Enquanto os próceres da República refestelavam-se com esta verborragia vazia, hipócrita e historicamente covarde, nesta 4ª feira [8/9] uma horda fascista ameaçava invadir os prédios do Supremo e do Congresso com possantes caminhões dos “agro” que não são nada pop.
Ao mesmo tempo, fora da capital federal, outra horda fascista atua aos moldes chilenos, ou seja, promove um locaute de empresários de transporte que já atinge, no dia de hoje [8/9], 14 estados da federação.
O governo, ao invés de se preocupar com as consequências do desabastecimento e da crise que a sabotagem dos empresários pode provocar, estimula o movimento e não intervém para normalizar a situação, como todo governo responsável faria.
Não se observa, por exemplo, nenhuma ação da PRF ou alguma reação oficial para tentar regularizar o transporte e o abastecimento que já prejudica a população. Na realidade, o governo fica inerte porque quer ver o circo pegar fogo.
Neste 7 de setembro Bolsonaro esgarçou a tampa da cloaca e liberou ainda mais energia fascista do esgoto.
Bolsonaro fez do 7 de setembro um ensaio geral para o “Capitólio de Brasília” de 2022; um capítulo da espiral de violência política que marca este período que vai até a eleição de outubro de 2022 e que marcará os próximos – e, espera-se, nem tão longos – anos pela frente.
Ao que parece, o pesadelo do 7 de setembro ainda não acabou; recém começou.
Bolsonaro e os militares criam um simulacro de crise institucional para fabricar um caos funcional aos atentados terroristas contra a democracia e a Constituição para escalarem um empreendimento ditatorial de recorte fascista-militar no país [aqui].
Moro influenciou, "de forma direta e relevante", no impeachment que derrubou Dilma, e "no resultado da disputa eleitoral" que elegeu Bolsonaro
MPF - O Ministério Público Federal (MPF) em Mossoró (RN) apresentou uma ação civil pública (ACP) contra a União por danos morais coletivos causados pela atuação antidemocrática do ex-juiz Sérgio Fernando Moro na condução da chamada Operação Lava Jato. A ACP destaca que o magistrado atuou de modo parcial e inquisitivo, demonstrando interesse em influenciar indevidamente as eleições presidenciais de 2018, após a qual foi nomeado ministro da Justiça. Destaca, ainda, que a operação como um todo, da maneira como desenvolvida em Curitiba, influenciou de modo inconstitucional o processo de impeachment de 2016
A ACP foi ajuizada na Justiça Federal em Mossoró e os seus autores, os procuradores da República Emanuel Ferreira e Camões Boaventura, ressaltam que, enquanto juiz federal, Sérgio Moro apresentou comportamento que revela “sistemática atuação em violação à necessária separação entre as funções de julgar e investigar” e praticou reiteradas ofensas contra o regime democrático.
Os autores requerem que a União promova a educação cívica para a democracia no âmbito das Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAN) e da Escola Nacional do Ministério Público (ESMPU), a fim de prevenir que agentes do sistema de justiça atuem em prol de novos retrocessos constitucionais.
O objetivo é incentivar “a promoção de cursos, pesquisas, congressos, conferências, seminários, palestras, encontros e outros eventos técnicos, científicos e culturais periódicos com magistrados e membros do Ministério Público abordando os temas da democracia militante, erosão constitucional e democrática e das novas formas de autoritarismo de tipo fascista e populista, a fim de qualificar os respectivos profissionais nas novas tarefas a serem desempenhadas em prol da proteção do regime democrático e em respeito ao sistema acusatório”.
Delação – Às vésperas das eleições presidenciais de 2018, Sérgio Moro determinou, por iniciativa própria, a inclusão nos autos da colaboração premiada de Antônio Palocci e imediatamente autorizou sua divulgação. Naquele momento, o prazo para juntar provas (instrução processual) já havia se encerrado e o próprio magistrado reconheceu que a delação não poderia ser levada em conta quando da sentença.
Essa atitude tomada seis dias antes do primeiro turno, sem qualquer efeito jurídico, foi motivo de críticas de membros do STF. De acordo com o ministro Ricardo Lewandowski, essa iniciativa, “para além de influenciar, de forma direta e relevante, o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando um comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o ex-Presidente Lula -, violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.”
A ACP tramita na 10a Vara da Justiça Federal no RN, em Mossoró, sob o número 0801513-73.2021.4.05.8401.
por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira /Grupo Prerrogativas /O Estado de S. Paulo.
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Esse é um bem comum. Não se pode querê-la apenas para alguns e negá-la para outros
Todos a querem para si, mas poucos a reconhecem também como um direito do outro. Querem-na na exata medida de sua vontade, de suas pretensões, pouco se importando com a liberdade alheia. Poucos a entendem e uma mínima parcela a exerce com sabedoria e espírito coletivo.
Talvez nunca na História do Brasil se tenha falado tanto em liberdade como agora. Aliás, o que é grave, fala-se dela sem pudor e sem escrúpulos para pregar o seu extermínio. Reivindicam a liberdade para operar a sua extinção. E os seguidores do discurso oficial disseminador do ódio e da destruição das instituições não escondem a sua intenção. Agora mesmo se fala da necessidade de “se tomar a liberdade, pois ela não se ganha, se toma”. Pergunta-se: tomar de onde? Tomar de quem? Tomar para quem e para o quê?
Aí o sentido do verbo tomar é o de arrancar, subjugar, apoderar, capturar, dominar, por um ato de força. Essas condutas são exatamente a antítese da própria liberdade.
É de fácil percepção que não são defensores da liberdade aqueles que acham que ela deve ser “tomada”, pois não aceitam que o outro a tenha. Dizem ainda que ela não se “ganha”, se “toma”. Liberdade se ganha, sim. Ela é conquistada, e jamais de forma truculenta.
Há uma única situação em que ela deve ser obtida de qualquer forma: no caso em que ela tenha sido abolida à força. Nessa hipótese, são legítimos todos os meios aptos a recuperá-la, retirando-a de quem a usurpou: o déspota, o ditador, o governante autoritário, aqueles que só reconhecem um tipo de liberdade: a de governar sem os limites impostos pela lei, pelos direitos individuais e pela própria vontade popular.
Está se tornando voz corrente a pregação em prol da liberdade de opinião e de crítica como um direito sem peias, sem limites, sem controle de qualquer natureza ou espécie.
Sabemos que o homem é um animal gregário, necessita viver em comunhão com outros homens. Ademais, é ele dotado de aspirações, anseios, interesses que nem sempre podem ser satisfeitos, pois esbarram, se chocam com interesses de terceiros. O conflito daí surgido só pode ser resolvido pelo Poder Judiciário, por meio da aplicação da lei adequada. Em todos os setores e situações da vida em sociedade podem surgir e surgem conflitos.
O fenômeno conflituoso, verdadeira crise que atinge a paz e a harmonia sociais, em inúmeras situações tem como centro, como cerne, a liberdade. Disputa-se a prevalência da liberdade por vezes posta em confronto com direitos subjetivos, de igual relevância.
Em face de abusos da liberdade de expressão, que atingem a honra alheia ou põem em risco a normalidade institucional, o Poder Judiciário é acionado para apurar responsabilidades e eventualmente aplicar as sanções previstas, tanto na esfera cível quanto na penal. Atualmente, vem se assistindo a uma maior atenção e um maior cuidado por parte da imprensa escrita para, no exercício da liberdade que lhe é essencial, não extrapolar o seu direito à livre manifestação, não ferindo a honorabilidade alheia.
No entanto, não é isso que se percebe quando informações, opiniões e críticas são divulgadas pelas redes sociais. Aí se perde completamente o respeito pelo próximo e pelas instituições, não se teme punição de nenhuma espécie e não se tem nenhum escrúpulo para evitar ofensas – ofensas que extrapolam em muito os limites do próprio tema abordado.
Xinga-se, utiliza-se de um tosco e grosseiro linguajar absolutamente desnecessário para ilustrar a opinião emitida. Faltam a decência e o pudor de se colocar no lugar do outro para avaliar o sofrimento causado. O mesmo se dá em relação às instituições democráticas. Usa-se a liberdade de opinião para pregar a sua destruição.
Eu me referi às falas e aos escritos com autoria identificada. O que dizer, então, da covarde canalhice do anonimato que serve de escudo para a impunidade?
Sob o abrigo da liberdade de opinião prega-se a violência social, a destruição das instituições, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Parlamento, o banimento de garantias, a destituição de autoridades do Judiciário de seus cargos e outras violências do mesmo jaez. Liberdade como alvará de permissividade, como licença da prática de crimes de lesa-pátria e lesa-democracia.
Causa muita estranheza juristas da maior envergadura estarem entendendo que o Supremo e os demais tribunais não devem interferir. Pergunta-se: quem pode no País pôr fim aos conflitos senão o Judiciário? É incrível que as críticas à conduta dos magistrados, que são chamados a atuar, não sejam apenas do leigo, mas dos homens da lei. Os juízes podem errar, podem acertar, mas não podem ser objeto de repreensão porque estão cumprindo o seu dever de dizer o direito e tentar pôr fim aos conflitos.
É preciso que se entenda: a liberdade é um bem comum. Não se pode querer a liberdade apenas para alguns e negá-la para outros nas mesmas situações. Eu posso falar o que quiser, você, não, só o que eu consentir. Não existe liberdade sob medida e ninguém é seu proprietário.
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