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O CORRESPONDENTE

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17
Abr20

Covid-19: Como os asilos da França organizam visitas a pacientes em fim de vida (capas jornais hoje)

Talis Andrade

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Um paciente em um EHPAD, estabelecimento para pessoas idosas na França REUTERS/Regis Duvignau

 

"Alguns dos que nos deixaram morreram não da Covid-19, mas de tristeza”

A epidemia do novo coronavírus revela a falta crônica de pessoal nos asilos de idosos (conhecidos como “Ehpad”) na França, mas também uma solidariedade de todas as categorias de funcionários para cuidar dos velhos, com ações destinadas a proporcionar conforto e manter laços familiares. Entre as medidas autorizadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, para aliviar a pressão da população, consta a liberação de uma visita “em casos extremos” de familiares em casas de repouso, para darem o último adeus a infectados, quando a situação é irreversível.

Permitir que as famílias se despeçam de seus entes queridos no final de suas vidas. Esse processo muitas vezes doloroso é particularmente difícil durante a crise do coronavírus. Com a necessidade urgente de limitar os contatos e a restrição drástica de visitas a hospitais ou casas de repouso, as possibilidades de acompanhar um membro da família até a morte são muito limitadas.

Durante seu discurso televisionado na segunda-feira (13), Macron falou sobre esse problema, que muitas famílias enfrentam atualmente em quase todos os lugares do planeta. “Desejo que hospitais e asilos possam organizar, para os mais próximos, equipados com as proteções corretas, uma visita aos contaminados pelo coronavírus no final da vida, para que eles possam se despedir”, disse o presidente francês.

Como as visitas são organizadas na França? Na maioria dos hospitais, elas são proibidas, mas "já existem exceções, que permitem apoiar os entes queridos no final da vida", disse um representante do Ministério da Saúde francês, entrevistado pela rádio France Info. "Essas autorizações excepcionais ficam a critério dos diretores de cada estabelecimento”, como determinado por Macron.

A declaração do chefe de Estado visa os asilos, onde o isolamento é ainda mais rigoroso. Por decisão do governo, as visitas foram "totalmente suspensas" desde 11 de março, uma semana antes do confinamento em todo o país. Desde então, as autoridades de saúde têm tolerado exceções "concedidas pelo diretor do estabelecimento, após uma avaliação caso a caso".

Exceções podem ser abertas pelos seguintes motivos: "Uma situação clara de estado terminal, uma descompensação psicológica ou uma recusa em se alimentar que não consegue ser resolvida com os recursos do estabelecimento".

Na falta de pessoal, solidariedade

A estratégia lançada pelo governo  francês no início de março nos lares de idosos e estabelecimentos de saúde impôs uma mobilização "máxima" de profissionais diante da epidemia de Covid-19. Na prática, "a falta de pessoal já era flagrante antes do novo coronavírus, mas os estabelecimentos estão ainda mais afetados, com até 40% de absenteísmo em determinados locais", lamenta Malika Belarbi, auxiliar de enfermagem e representante do coletivo de cuidadores de idosos do sindicato nacional CGT, na França.

No entanto, "em um setor com pouco pessoal ao longo do ano, é importante demonstrar solidariedade, ainda mais em tempos de crise", acrescentou Romain Gizolme, diretor da Associação de Diretores de Serviços para Idosos (AD-PA).

A situação é "muito difícil", diz Marie-France, enfermeira em uma casa de repouso em Hauts-de-Seine (norte da região parisiense), designada para uma unidade de Covid-19. "Vemos a situação se deteriorar, nossos pacientes perderem peso, morrerem na nossa frente em poucas horas, somos impotentes". Só na quarta-feira (15), dois moradores de sua unidade morreram.

"Felizmente, os outros serviços estão lá: funcionários administrativos, pedicures, esteticistas, psicólogos nos ajudam. Eles estão na linha de frente para fortalecer as equipes. Não é o trabalho deles, mas o fazem por solidariedade e dedicação", insiste Malika Belarbi, que conta ter "se encontrado dois dias atrás com uma pedicure lavando a louça para 40 moradores".

"As barreiras hierárquicas estão caindo" 

"Quando um confinamento se impõe, felizmente a equipe de enfermagem e a equipe de limpeza ajudam a de catering a distribuir refeições na sala", diz Romain Gizolme. "Os agentes administrativos, os secretários nos ajudam a fazer os idosos comerem; tenho um colega da Bretanha (noroeste) que veio ajudar. Isso nos faz muito bem", explica Marie-France.

Aicha, que trabalha no departamento de admissões de um lar de idosos em Asnières (Hauts-de-Seine), ofereceu-se para dar apoio a seus colegas de enfermagem. "Eu os libero de suas tarefas administrativas, como organizar a partida de um falecido”. Ela descreve uma "cadeia de solidariedade" que a envia "ao campo todos os dias". "Existe o envolvimento de todos. Nunca vi tanta solidariedade entre as equipes", confirma Raphael Berhaiel, delegado central do sindicato CFDT dentro do grupo Korian, o número um na Europa entre os lares de idosos.

"Antes, havia um certo individualismo. Terminávamos o trabalho e íamos para casa. Hoje, recebemos notícias. Há um desejo de cuidar bem um do outro. Até as barreiras hierárquicas caem", acrescenta Berhaiel. Os funcionários geralmente se esforçam para manter contato com os entes queridos. "Equipes foram criadas para dar notícias diárias às famílias", disse o cuidador.

"No meu estabelecimento, sessões de videoconferência via Skype são organizadas", diz Marie-France. "Tentamos reservar um tempo, o máximo possível com os moradores para dar suporte. Alguns dos que nos deixaram morreram não da Covid-19, mas de tristeza”, acredita. Para Romain Gizolme, "essa crise revela o melhor, o grande comprometimento dos profissionais, às vezes à custa de sua saúde. E também o pior, mostrando como o setor está com falta de pessoal", conclui o profissional.

Com informações da AFP

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31
Mai18

Fome mata 13 idosos por dia

Talis Andrade

 

UMA SILENCIOSA EPIDEMIA MATA DE FOME

QUASE 5 MIL IDOSOS POR ANO NO BRASIL

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por Rafael Moro Martins, Alexsandro Ribeiro, José Lazaro alertam:



FAZ MAIS DE 25 anos que a desnutrição mata mais idosos do que crianças no Brasil, apontam dados do Datasus, um banco de dados do Sistema Único de Saúde alimentado com informações sobre doenças, epidemias e mortalidade. Pelo menos quase 5 mil pessoas com mais de 60 anos de idade morreram de fome em 2016, número que vem se repetindo há uma década – e não se falou disso até agora. As informações foram coletadas pelo Livre.jor, agência de jornalismo especializada em dados públicos, para o The Intercept Brasil.

 

Em 1980, morriam 58 crianças por desnutrição a cada 100 mil habitantes. Trinta e cinco anos depois, em 2015, esse número caiu para menos de duas, enquanto o total de idosos mortos de fome pulou de quase 15 para mais de 21 a cada 100 mil, no mesmo período. Em 1991, quando Fernando Collor de Mello ainda era presidente do Brasil, os idosos que morriam por falta de comida já haviam ultrapassado as crianças.

 

Nas últimas três décadas, o Brasil vem conseguindo reduzir a morte de crianças por desnutrição – a queda foi de impressionantes 97% entre 1980 e 2015. Mas pouco se fez para conter a fome dos idosos. O número de brasileiros com mais de 60 anos cresceu 231% nesses anos, e as mortes por falta de nutrição adequada, entre eles, subiram 365%.

 

Os números do Datasus devem ser olhados com cautela. Entre 1979 e 2016, o sistema compilou pouco menos de 287 mil mortes por fome. É certamente um número em muito subestimado, disseram especialistas ouvidos pela reportagem – a desnutrição não é uma causa de óbito de notificação obrigatória. Apenas a grande seca que castigou o Nordeste entre 1979 e 1985 pode ter ceifado 3,5 milhões de vidas, estimou à época a Sudene (autarquia federal que deveria fomentar a economia na região).

 

Mas os mesmos especialistas confirmam a tendência apontada pelos dados que estão no Datasus: se cada vez menos crianças morrem por desnutrição, em grande parte graças a políticas públicas bem sucedidas implementadas sobretudo nos últimos 15 anos, é cada vez maior o número de idosos que perecem por não ingerir nutrientes em quantidade suficiente.

 

Dito de outra forma: há uma silenciosa epidemia de desnutrição matando milhares de idosos por ano – uma média de 13 casos por dia. E falamos, é bom repetir, de números enormemente subestimados.

 

As causas para a desnutrição entre idosos vão do abandono pela família à exploração econômica deles – normalmente, por pessoas próximas. “Não é incomum que idosos sejam abandonados por famílias sem condições de sustentá-los”, disse Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, a ong fundada pelo sociólogo e ativista de direitos humanos Herbert de Souza, o Betinho.

Morte de idosos por fome cresce enquanto média nacional de óbitos por desnutrição cai.

 

Morte de idosos por fome cresce enquanto média nacional de óbitos por desnutrição cai.

 

Gráfico: Livre.jor

“A maior causa identificada de desnutrição entre os idosos que acompanhamos é o abuso financeiro. Muitos têm mais da metade da aposentadoria comprometida com empréstimos consignados, feitos para parentes. A prioridade para o dinheiro que sobra são os remédios”, explicou Terezinha Tortelli, uma freira que coordena a Pastoral da Pessoa Idosa, ong vinculada à igreja católica.

 

Ela fala com conhecimento de causa – a Pastoral monitora mensalmente quase 150 mil idosos que vivem em situação muito precária em 911 municípios nos 27 estados brasileiros. “Também é alto o percentual de idosos que convivem com filhos adultos ou netos dependentes de drogas, e são roubados. Não sobra nem o mínimo necessário para a subsistência.”

 

Estado, o grande culpado

É do Estado a responsabilidade pela mortandade crescente de idosos por falta de nutrição adequada. Fundamentais no combate à desnutrição infantil, programas como o Bolsa Família – que vincula o pagamento do benefício à vacinação e ao acompanhamento das crianças por equipes de saúde – simplesmente não têm equivalentes que ofereçam a mesma segurança a quem já não tem condições de dar conta do próprio sustento.

 

“A política de bolsas certamente ajuda a explicar a melhora dos índices [de mortalidade por desnutrição] entre as crianças. Mas elas não existem para pessoas com 60, 65 anos de idade que estão inativas e precisam de assistência para tudo”, disse Afonso.

 

“Não temos dúvidas de que a desnutrição está aumentando entre os idosos, relatou o médico José Elias Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. “Nem que é subnotificada. O idoso raramente tem uma só doença. Há o que chamamos de comorbidade, em que problemas como demência, diabetes, doença degenerativa predispõem à desnutrição – ou a mascaram.”

 

“Quando o Brasil vai acordar para o fato de que envelhece a passos acelerados, sem que se veja a construção de políticas públicas para dar conta disso?”, questionou Tortelli.

 

A Constituição brasileira determina que é da família, do Estado e da sociedade, nessa ordem, dar condições adequadas de vida aos idosos. Quando a família não tem condições – ou falha –, seria a vez do Estado atuar.

 

“O Estado faz muito pouco. Se limita a fiscalizar e punir. Fiscaliza as instituições e as pune, com regras pesadas de Vigilância Sanitária, uma lista enorme de exigências. E quem subsidia isso?”, questionou Tortelli. “Os serviços disponíveis hoje para os idosos, a rigor, são os mesmos de 100 anos atrás: os asilos. Só mudaram de nome, para instituições de longa permanência”, cravou a religiosa.

 

“Em teoria, a política brasileira para o idoso no Brasil é fantástica, o Estatuto do Idoso [um conjunto de leis que remonta a 1994] é fantástico. O problema é que não foi posta em prática”, concordou Pinheiro. Os centros-dia, por exemplo, planejados para serem lugares em que os idosos passariam o dia supervisionados por profissionais de saúde, para retornar para casa à noite, mantendo o convívio familiar, são ainda hoje uma quimera. Os poucos que existem são, via de regra, privados.

 

“Faltam serviços, mas acima disso falta orçamento, e isso é básico”, exasperou-se Tortelli. A própria Pastoral é um exemplo disso. Ela recebeu dinheiro do orçamento federal até 2010, quando o governo passou a exigir um documento chamado Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social na Área de Saúde, conhecido no meio pela sigla Cebas. Além de exigi-lo, o Ministério da Saúde também é o responsável pela emissão do Cebas. “Ficamos numa fila com 10 mil entidades à frente. O nosso só saiu em fevereiro de 2017″, contou a freira.

 

Não que a Pastoral pedisse muito. “Nossa conta são R$ 2 por idoso por mês, o que dá cerca de R$ 300 mil, ou R$ 3,6 milhões anuais. É o que custa capacitar os nossos 20 mil voluntários”, ela disse.

 

“É um cenário trágico. O terceiro setor luta para tentar ajudar, mas é um beija-flor apagando incêndio na floresta. Precisamos de políticas públicas”, cobrou Afonso, da Ação da Cidadania.

 

Mais cortes

Se já não é boa, a situação tende a piorar nos próximos anos, graças à explosiva combinação entre uma população que envelhece a cada ano, a crise econômica aguda em que o país está metido há algum tempo e o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, determinado em 2016 por uma emenda constitucional proposta pelo governo Temer que ficou conhecida como PEC do Teto.

 

“A rede de proteção que tínhamos vem sendo desmontada, estamos entrando num período de desproteção social. Além dos gastos que estão congelados, o contingenciamento [a retenção de dinheiro, pelo governo federal, previsto no orçamento] é bastante elevado nas áreas de políticas sociais. Então, há pouco dinheiro, e parte dele ou não sai ou sai muito tarde”, avaliou o economista Francisco Menezes.

 

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Menezes foi co-autor de um estudo que vê grandes chances do Brasil voltar ao Mapa da Fome elaborado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO. Elaborado desde 1990, o Mapa lista os países com mais de 5% da população em situação de insegurança alimentar. O Brasil deixou a lista dos países nessa situação em 2013, mas pode voltar.

 

“Nossa constatação empírica é de que já voltamos”, disse Afonso, antes de explicar sua impressão. “Em 2014, segundo o IBGE, tínhamos 7 milhões de pessoas nessa situação, com um desemprego de 4% [da população economicamente ativa]. Hoje, ele está na casa dos 15%. Como acreditar que a situação não tenha piorado substancialmente desde então? Insegurança alimentar e pobreza absoluta são muito proximamente ligados”, alertou Afonso.

 

Para que se tenha certeza disso, porém, a ong que ele comanda aguarda que o IBGE refaça o censo da insegurança alimentar, cuja última edição saiu em 2014. Há alguns meses, Afonso transmitiu sua impressão de que a fome se agravava no país ao então ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, atualmente de volta à Câmara – é deputado federal pelo MDB gaúcho. “Ele me disse que isso era tudo campanha do PT”, ouviu como resposta.

 

Nova onda de mortalidade infantil

E, se o país ainda não abriu os olhos para a epidemia de desnutrição que mata 13 idosos por dia, agora terá que lidar com o fantasma da mortalidade infantil. Na última terça, a revista científica PLoS Medicine publicou um artigo de pesquisadores da Fiocruz alertando para o risco da progressiva redução da mortalidade infantil sofrer um revés.

 

Aplicando modelos matemáticos elaborados a partir de notas técnicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e do Banco Mundial, os seis pesquisadores constataram que o impacto negativo da PEC do Fim do Mundo sobre os orçamentos da Saúde e da Assistência Social, no cenário econômico mais favorável, fará com que 19 mil mortes de crianças, até 2030, não sejam evitadas.

 

A estimativa é baseada na correlação entre políticas sociais e redução da mortalidade infantil – “congelados”, os programas Bolsa Família e Estratégia de Saúde da Família, num cenário de expansão da pobreza no Brasil, e sob efeito da PEC, não cresceriam na velocidade necessária para fazer frente ao problema.

 

Foto em destaque: Fome mata 13 idosos por dia no Brasil.

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