'Picanha trans': pastor André Valadão faz publicação com teor transfóbico
por Clara Mariz /Estado de Minas /Correio Braziliense
O pastor André Valadão fez uma publicação de cunho transfóbico em suas redes sociais, na noite dessa quinta-feira (16/2). A publicação repercutiu na internet e gerou revolta entre os seguidores do líder da Igreja Batista da Lagoinha, que reside nos Estados Unidos.
Em seu instagram, Valadão postou uma montagem de uma placa de preço de supermercado escrito: “Picanha trans, nasceu coxão duro, mas se sente pica nha”. Na legenda, o pastor comentou que “tá desse jeito”. A publicação faz referência às pessoas transgênero, que se identificam ao gênero oposto ao do seu nascimento.
Apesar de fazer postagens de cunho conservador, parte dos seguidores não aprovaram o conteúdo do post. “Já parou ‘pra’ pensar se Jesus faria essa postagem? Já pensou em acolher e amar, ao invés de zombar? Cada dia percebo que você é uma pessoa oposta ao Jesus que você diz que segue. Uma pena”, disse uma seguidora.
“Sinceramente, essa postagem foi desnecessária. Como que quer ganhar essas vidas pra Jesus se fica zombando deles? Pode estar atacando pessoas que estão precisando ouvir somente uma palavra de amor, de cuidado, uma palavra de Jesus. As pessoas estão perdidas e quem seria usado por Deus para ajudá-las estão mais perdidas ainda”, disse outra pessoa.
Nikolas Ferreira apoia postagem
Entre os comentários a favor de Valadão, o do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o menino de 26 anos, que não namora, não noiva e não casa, se destaca. O parlamentar afirmou que não iria comentar a publicação por não “aguentar mais processo”.
No Dia Internacional da Mulher, Nikolas utilizou a tribuna do plenário da Câmara dos Deputados para fazer um discurso de teor transfóbico. Vestindo uma peruca loira, o deputado mais votado do país ironizou as mulheres trans e afirmou que, com o adereço, se "sentia mulher". Em determinado momento, também em tom jocoso, o parlamentar se autointitulou de "deputada Nikole".
"As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres", disse Nikolas, em parte do pronunciamento transfóbico, feito durante sessão que fez alusões ao Dia Internacional das Mulheres.
O discurso foi repudiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL): "O plenário da Câmara dos Deputados não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje”.
O deputado federal Guilherme Boulos (Psol-SP) rotulou Nikolas como “moleque de quinta série”. A também deputada Duda Salabert (PDT-MG) entrou com uma notícia-crime no Supremo Tribunal Federal para que o "parlamentar responda criminalmente pelas suas falas”. “Entendemos que imunidade parlamentar não blinda nenhum deputado de ato criminoso”, comentou.
Já a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) pediu ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspenda as redes sociais do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) por disseminação de desinformação sobre a população trans.
Caso o pedido de bloqueio das redes sociais não seja acatado, Erika pede a imediata exclusão das postagens com conteúdo transfóbico. Além disso, a deputada pede o impedimento da realização de novas publicações que incitem preconceito contra a população trans.
Sobre "o espaço para homens que se sentem mulheres”, disse Nicolas: “Me sinto mulher, deputada Nicole, e tenho algo muito interessante para poder falar" e fazer. Colocou peruca na tribuna da Câmara
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) usou o momento de fala, na tribuna do plenário da Câmara dos Deputados, para fazer um discurso transfóbico em pleno Dia Internacional da Mulher. Transfobia é um crime com pena prevista de até três anos de reclusão.
Na ocasião, o deputado utilizou-se de uma peruca para dizer que “se sente mulher”. “Me sinto mulher, deputada Nicole, e tenho algo muito interessante para poder falar. As mulheres estão perdendo o seu espaço para homens que se sentem mulheres”, disse.
“Deputada Nicole”
“E para terem ideia do perigo de tudo isso, estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é uma realidade. Eu posso ir para a cadeia caso seja condenado por transfobia, porque eu, no Dia Internacional das Mulheres, há dois anos, parabenizei as ‘mulheres XX’. Ou você concorda com o que estão dizendo ou, caso contrário, você é um transfóbico, um preconceituoso”, prosseguiu.
O deputado bolsonarista finalizou a fala dizendo que as “mulheres não devem nada ao feminismo”. “O feminismo exalta mulheres que nada fizeram”, afirmou. Nikolas já responde judicialmente por transfobia contra a deputada Duda Salabert (PDT-MG), que é uma mulher trans.
“Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é”, afirmou Ferreira, na época em que ambos eram vereadores em Belo Horizonte (MG).
A fala transfóbica de Nikolas provocou reação de deputados alinhados à base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu que o parlamentar seja punido. “Passou da hora de agir, o deboche e o ultraje ocupam o plenário”, enfatizou.
Pr da Câmara @ArthurLira_ disse na 1a sessão que atos desrespeitosos seriam punidos. Passou da hora de agir, o deboche e o ultraje ocupam o plenário. Ontem um companheiro foi alvo de chacota, hoje um deputado colocou peruca pra zombar das mulheres, mulheres trans e do feminismo.
O deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG) fez uma encenação transfóbica no 8 de março, Dia Internacional da Mulher, para tentar tirar o foco das gravíssimas denúncias sobre as joias milionárias de Michelle Bolsonaro. Mas o provocadorzinho barato, chamado de “moleque” no plenário da Câmara Federal, pode se dar mal. Cresce a pressão no parlamento, no Judiciário e na sociedade pela cassação do seu mandato. Não dá para naturalizar as barbaridades desse deputado como se fez com outro fascista que depois chegou à presidência da República.
Entre os movimentos já em curso, o Ministério Público Federal (MPF) acionou o Congresso Nacional solicitando a imediata apuração do caso. “A procuradora Luciana Loureiro representou pelo encaminhamento de requerimento à Mesa Diretora da Câmara para averiguar ‘suposta violação ética’. Ela ressaltou que Nikolas Ferreira usou o tempo na tribuna para, ‘a pretexto de discursar sobre o Dia Internacional da Mulher, referir-se de forma desrespeitosa às mulheres em geral e ofensiva às mulheres trans em especial. A procuradora representou pela adoção de medidas de responsabilização cível (dano moral coletivo) e/ou criminal contra o parlamentar”, relata o site UOL.
Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no planeta
Já na Câmara Federal, parlamentares de vários partidos espinafraram o “moleque” fascistoide e anunciaram que vão pedir a cassação do seu mandato no Conselho de Ética. A deputada trans Duda Salabert (PDT-MG) foi uma das mais incisivas na crítica. Ela lembrou que “há 14 anos consecutivos, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no planeta, e que 80% desses assassinatos ocorreram e ocorrem com a violência exagerada”.
“Dificilmente uma travesti é morta com um tiro só no Brasil, só com uma facada. É crime de ódio, e é essa estrutura de ódio que nos exclui do mercado formal de trabalho, já que 90% das travestis estão na prostituição. É essa estrutura de ódio que nos exclui da sala de aula, porque 91% das travestis e transexuais não concluíram o ensino médio. É essa estrutura de ódio que nos exclui do espaço político. Mas eu digo para esses fascistas que querem nos ridicularizar, que nós somos o tamanho dos nossos desejos, nós somos o tamanho dos nossos sonhos... O seu ódio não foi capaz de frear que a deputada federal mais votada de Minas é uma travesti”, afirmou.
Já a também deputada trans Erika Hilton (Psol-SP) rechaçou a postura misógina e transfóbica de Nikolas Ferreira e reforçou a necessidade de que os direitos previstos na Constituição sejam “estendidos ao conjunto plural e diverso de todas as mulheres brasileiras... É preciso enfrentar a violência que nos acomete, lembrar que ainda vivemos no primeiro país do mundo que mais mata e mata de forma cruel e violenta mulheres como eu. Meninas como eu que aos 13, 14 anos, foram jogadas nas ruas, vivem da prostituição. É preciso que haja um esforço desta casa, da sociedade, para resgatar a nossa humanidade, para resgatar a nossa dignidade”.
Até Arthur Lira repreende o provocador
A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) chamou o provocador de “moleque” e informou que pedirá sua cassação e enviará notícia-crime contra ele ao Supremo Tribunal Federal. Ela lembrou que “transfobia é crime” e “ultrapassa a liberdade de discurso garantida pela imunidade parlamentar”. A prática é equiparada ao crime de racismo e passou a ser tratada como crime hediondo pelo STF em 2019, com pena prevista de três anos de prisão. Nikolas Ferreira já é alvo de duas ações no Supremo por transfobia. Desde fevereiro deste ano, ele também responde por injúria racial por agredir verbalmente a deputada Duda Salabert quando ambos eram vereadores em Belo Horizonte.
Até o presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira (PP-AL), repreendeu o fedelho bolsonarista. “Esse plenário não é palco para exibicionismo e muito menos para discursos preconceituosos. Não admitirei o desrespeito contra ninguém”, postou em suas redes sociais. “Deputados federais de PSB, PSOL, PDT e PCdoB decidiram enviar ao Conselho de Ética da Câmara dos Deputados representação contra o Nikolas Ferreira (PL-MG) pela suposta prática do crime de transfobia. Os signatários pedem que seu mandato seja cassado por quebra de decoro parlamentar”, relata Mônica Bergamo na Folha. O fascistinha pode até ser cassado e merecia ser preso!
Arthur Lira garantiu que todos que estiveram envolvidos no ato golpista serão responsabilizados, incluindo os parlamentares que minimizarem ou negarem a gravidade das ações terroristas contra a democracia
por Cecília Sóter
A Câmara dos Deputados divulgou, nesta terça-feira (17/1), imagens inéditas dos atos de vandalismos às sedes dos Três Poderes, em Brasília, ocorridos no último dia 8 de janeiro.
Nas imagens de câmeras de segurança, é possível ver o grupo de bolsonaristas radicais avançando pela Esplanada dos Ministérios, rompendo as barreiras da Polícia Militar e chegando ao gramado e à rampa do Congresso Nacional.
Os registros mostram, em meio a uma nuvem de fumaça, os esforços dos policiais legislativos para conter o avanço dos bolsonaristas já do lado de dentro do prédio. Os golpistas podem ser vistos atacando com sinalizadores, porretes e estilingues com bola de aço.
Um dos invasores é flagrado quebrando a porta da liderança do PT com um extintor de incêndio e fugindo em seguida. Outro golpista coloca fogo em uma instalação do sistema de informática da Câmara, mas as chamas são controladas por bombeiros antes de se alastrarem.
No Salão Verde, uma mulher arranca as torres da Câmara e do Senado da maquete tátil do Congresso e em seguida um grupo de homens derruba e quebra a mesa que sustenta a maquete.
No final das imagens, a polícia legislativa conduz golpistas presos por um corredor, já perto da meia-noite de domingo.
O presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP - AL), garantiu, nesta segunda-feira (16/1), que todos que estiveram envolvidos no ato golpista serão responsabilizados, incluindo os parlamentares que minimizarem ou negarem a gravidade das ações terroristas contra a democracia.
"Todos, todos que tiverem responsabilidade vão responder. Inclusive parlamentares que andam difamando e mentindo com vídeos dizendo que praticamente houve inverdades nas agressões que a Câmara dos Deputados sofreu no seu prédio. Então, esses deputados serão chamados à responsabilidade, porque todos viram, as cenas são terríveis, violentas, gravíssimas", disse Lira.
Queria falar hoje dos inimigos do governo Lula. São muitos, como se sabe, alguns abertos, outros nem tanto. Nelson Rodrigues falava dos “desconhecidos íntimos” que o abordavam na rua sem a menor cerimônia. Podemos falar, também, dos “inimigos íntimos”. É perceptível a sua presença no governo, estão lá infiltrados, instalados em posições importantes. Talvez “inimigos” seja uma palavra exagerada para alguns deles. Digamos “adversários”, no mínimo.
Começo pelos inimigos declarados: a extrema-direita, fascistóide, bolsonarista. Arrisco o seguinte comentário. A extrema-direita é inegavelmente forte, vide o resultado apertado da eleição presidencial e o sucesso bolsonarista nas eleições para vários Estados importantes e, também, para o Senado e a Câmara. Mas ela não derruba o governo. Atrapalha, tumultua, coloca vidas em risco, assassina, pratica o terrorismo, destrói patrimônio público. Só que não tem força, nem apoio interno ou internacional, para virar o jogo.
O principal efeito político da agitação da extrema-direita talvez seja enfraquecer Lula, pelo menos um pouco, na disputa com outras forças internas hostis. Refiro-me aos militares, ao centrão e, em especial, ao bloco formado pelo capital financeiro (o chamado “mercado”) e o seu puxadinho, a mídia tradicional. Não é fácil lutar contra tudo isso ao mesmo tempo. Deixo de lado hoje os inimigos ou adversários externos do governo, que têm menos peso do que os internos e que só podem influir decisivamente, num país da dimensão do Brasil, em aliança com eles.
Se o “mercado” e a mídia tradicional estão pessimistas e até desesperados, como se noticia, isto se deve provavelmente ao fato de que Lula compôs ou tenta compor com o centrão, por intermédio de Arthur Lira e outros líderes políticos, e com os militares, por meio do ministro da Defesa, José Múcio, deixando, entretanto, o “mercado” e adjacências basicamente ao relento.
Assim me parece. O Presidente fez e ainda fará concessões ao capital financeiro, mas não atendeu muito esses interesses na escalação da área econômica – ou não tanto quanto eles esperavam. Diferentemente do que aconteceu no primeiro mandato de Lula, período em que Antônio Palocci, de triste memória, foi ministro da Fazenda, a turma da bufunfa não tem hegemonia. Dispõe, é verdade, do comando do Banco Central, garantido pela lei de autonomia, mas queria mais, sobretudo no Ministério da Fazenda, o mais importante dos que resultaram da subdivisão do Ministério da Economia.
Vou pegar um desses economistas para Cristo: Armínio Fraga, que foi por um longo período presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso. Em entrevista de página inteira àFolha de S.Paulo(8/1/2023),Fraga combinou arrogância com argumentos falhos. A entrevista é longa, dou apenas alguns exemplos. Ele se declarou, primeiramente, altamente preocupado com a economia. Os sinais, disse ele, não são bons e podem levar a um “desastre econômico”. O governo ainda não completara uma semana, leitor, mas o economista já falava em “desastre” …
O entrevistado lamentou que o governo não esteja caminhando para o modelo do primeiro mandato de Lula, período em que prevaleceu a ortodoxia econômica: “Depois do Palocci, a estratégia mudou radicalmente – e foi esse erro que desembocou no colapso da economia.” A sua visão da evolução da economia brasileira é altamente distorcida, para não usar palavra mais forte. Fraga atribui o colapso da economia em 2015 e 2016 ao “buraco fiscal que começou em 2014 e 2015”. E, acrescenta a essa afirmação, sem fazer sentido algum: que “hoje, parte da herança que o presidente Lula recebe veio dele próprio”. Ligeiro problema com as datas. O segundo mandato de Lula terminou em 2010. Como responsabilizá-lo por um “buraco fiscal iniciado em 2014 e 2015”?
A política fiscal talvez tenha sido mesmo excessivamente expansionista em 2014, como costuma ocorrer em anos de eleição. Mas, em 2015, a gestão foi do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que fez um forte e fracassado ajustamento ortodoxo – ponto omitido por Fraga, talvez para proteger um outro membro da tribo de funcionários do status quo.
Seja como for, pode-se atribuir o colapso da economia em 2015 e 2016 exclusiva ou mesmo preponderantemente a erros de política econômica do governo Dilma? Como não mencionar, por exemplo, os efeitos desastrosos da crise política desencadeada para derrubar a presidente Dilma? Quem pode negar o grande impacto sobre a economia das pautas bombas no Congresso e da operação Lava Jato?
O economista pede “humildade” a Lula e espera que petistas e economistas reconheçam seus erros passados. Ok, autocrítica não faz mal a ninguém. Porém, Fraga não fez até hoje, que eu saiba, autocrítica da gestão econômica da qual participou em posição de destaque. Fernando Henrique Cardoso entregou a economia aos pedaços a Lula em 2002, mas Fraga não teve aparentemente nada a ver com isso…
Para contextualizar e entender o ataque de militantes radicais bolsonaristas à Praça dos Três Poderes nesse domingo (8), a historiadora francesa Juliette Dumont, professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) da Universidade Sorbonne Nouvelle de Paris, volta ao fim da Ditadura Militar. Ela ressalta a Lei da Anistia, essa “tradição de impunidade”, “esse pecado original da redemocratização”.
Segundo Juliette Dumont,a invasão de Brasíliamostra “que essa impunidade leva ao caos e a uma anomia”.
A comparação com o ataque ao Capitólio por militantes trumpistasé pertinente, mas ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil houve “leniência” das forças de segurança, diz a professora do IHEAL. A exemplo de vários intelectuais e políticos brasileiros, a historiadora francesa pede que, desta vez, não haja anistia e que os responsáveis por esse ataque anunciado à democracia brasileira sejam punidos, com rigor.
RFI: Qual é a sua reação após a invasão de militantes radicais bolsonaristas contra a Praça dos Três Poderes, em Brasília?
Juliette Dumont: É uma dupla reação. Primeiro o espanto diante de cenas totalmente alucinantes e, ao mesmo tempo, a sensação de que isso era muito previsível. Faz meses que, como historiadora, comentarista do que está acontecendo no Brasil, eu e meus colegas dizemos que um cenário como o do ataque ao Capitólio, nos Estados Unidos, era possível. Tudo o que aconteceu desde o dia 12 de dezembro, com a diplomação de Lula e as violências por parte de bolsonaristas em Brasília, que não foram punidas pela Polícia Militar, a tentativa de atentado no aeroporto de Brasília, a movimentação dos bolsonaristas em direção da capital, os acampamentos diante dos quartéis do Exército, tudo isso mostrava uma agitação muito forte.
Além disso, sabíamos, com as eleições e a margem muito curta com o que o Lula ganhou, as eleições também no Congresso e nos governos estaduais, que o bolsonarismo estava bem instalado. Então, claro, não foi uma surpresa, mas uma consternação. Uma tristeza imensa também de ver tamanho ataque às instituições da República brasileira como as destruições feitas ao patrimônio brasileiro, obras de artes, prédios de arquitetos famosos. Consternação, tristeza e também certa angústia com os dias e os meses que virão.
Quais são as responsabilidades do ex-presidente Bolsonaro e de outras personalidades por esse crime anunciado contra a democracia?
JD: Faz mais de um ano que o Jair Bolsonaro anunciava como presidente que se ele não ganhasse as eleições, ele iria contestar o resultado; que se ele não ganhasse, era prova de fraude. Essa retórica ele manteve quase o tempo todo, até o segundo turno das eleições. Esse discurso, que também foi respaldado por outros políticos, outros responsáveis nas redes sociais, criou realmente a crença nos militantes bolsonaristas de que as eleições foram fraudadas, assim como o Trump fez nos Estados Unidos.A primeira responsabilidade é sim de Jair Bolsonaroque, como presidente, nunca legitimou as instituições democráticas. Mas também penso no procurador-geral da República, Augusto Aras, que também tem uma responsabilidade forte porque, como procurador-geral, nunca tomou as providências necessárias contra as violências por parte dos bolsonaristas. Responsabilidade também de personalidades como Sérgio Moro, agora senador da República, que no início dessa tarde de domingo, ainda dizia que o novo governo estava mais preocupado em fazer repressão aos oponentes que a governar. Dizendo repressão aos oponentes, ele coloca essas manifestações, esses acampamentos e essa truculência, como normais, como democráticas.
A segunda responsabilidade, a meu ver, é essa leniência, uma palavra que volta muito (a ser usada) desde ontem. O fato de considerar que ataques à democracia, que seja nas redes sociais, na rua ou no Congresso, por parte de políticos, é uma coisa que banaliza totalmente os ataques à democracia. Há a responsabilidade da Polícia Militar, do governo do Distrito Federal, do secretário da Segurança Pública do governo do Distrito Federal. Ou houve negligência ou houve cumplicidade. Os vídeos de policiais militares que fazem selfies e não impedem os manifestantes, ou melhor, os terroristas, de entrar na Praça dos Três Poderes são muito reveladores do problema que existe com a Polícia Militar no Brasil. E é um problema que não é de hoje. Não é simplesmente o resultado de quatro anos de bolsonarismo, mas de uma impunidade que data desde a redemocratização e a falta de processos de condenação das ações da Polícia Militar durante a ditadura militar. Então é toda uma cultura também democrática, que não existe entre a maioria dos policiais militares, que também está em jogo aqui.
Quando muitas personalidades dizem que não deve ter anistia e que o Brasil tem de parar com essa tradição da anistia, eu acho muito justo, muito importante, porque tem uma tradição sim, de anistia, de impunidade. O que mostra a invasão de Brasília ontem é que essa impunidade leva ao caos e a uma anomia. Não se pode falar de um golpe de Estado. Não é uma ação muito bem organizada para tomar o poder, mas uma estratégia de caos e de acabar com a legitimação dos poderes e das instituições da democracia brasileira.
A historiadora Juliette DumontRFI
Com essa estratégia de caos, se apostava numa ação do Exército Brasileiro. Como você analisa a posição do Exército Brasileiro nesse momento?
JD: Uma posição muito ambígua. Primeiro, porque há acampamentos em frente a prédios do Exército desde o segundo turno, sabemos muito bem que muitas personalidades, muitas pessoas do exército se beneficiaram dos quatro anos de bolsonarismo e que alguns pregavam uma intervenção do Exército, que agiram contra a democracia e o jogo das instituições. Então tem uma investigação que tem de ser feita e responsabilidades também têm de ser identificadas no Exército. O silêncio dos principais responsáveis do Exército desde ontem revela essa ambiguidade. Então eu acho que vai ter que observar de maneira muito fina o que vai acontecer e como o governo, o Executivo, mas também o Legislativo e o Poder Judiciário podem agir com o Exército, mas também contra o Exército. E o que vemos é a dificuldade do novo governo, que só tem uma semana, de não se confrontar de maneira direta tanto ao Exército como os acampamentos de bolsonaristas, com medo de que isso seja visto como revanchismo ou com o medo que isso possa gerar uma tentativa de desestabilização por parte de certas pessoas do Exército face ao novo governo.
Você lembrou a invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021. Essa comparação com a invasão ontem em Brasília continua pertinente?
JD:Sim, mesmo se há diferenças importantes, continua pertinente. Primeiro porque o próprio Jair Bolsonaro, quando houve a invasão do Capitólio, parabenizou o Trump e os que invadiram o Capitólio dizendo que era o povo que estava se expressando para retomar seus direitos. Ele nunca escondeu que se ele perdesse um cenário como a invasão do Capitólio, seria possível. E vemos isso. E vemos também os manifestantes, vândalos, terroristas que estão com uma “raiva de destruição”. As cenas que assistimos ontem foi isso, as de destruição de todos os símbolos.
Agora as diferenças. Primeiro que no Capitólio, as forças de segurança de segurança realmente resistiram. Não houve essa benevolência, essa leniência, das forças de segurança que observamos com a Polícia Militar do governo do Distrito Federal. Nos Estados Unidos, só foi o Capitólio que foi que foi atacado e não os três poderes ao mesmo tempo. E, para voltar nesse papel da Polícia Militar e o que há de diferente com os Estados Unidos, é realmente essa história da segurança pública no Brasil desde a redemocratização. Esse pecado original da redemocratização, de não ter apurado o funcionamento e a cultura da Polícia Militar e de instituições do Estado que reprimem e violentam o próprio povo. Então isso, a meu ver, é uma diferença muito grande entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que aconteceu ontem no Brasil.
Você falou que está preocupada, inquieta com o futuro. Quais os desdobramentos você vê dessa crise brasileira?
JD:A questão é saber se o novo governo vai poder realmente ter uma margem de manobra. Já falei da questão do Exército. Como é que o Exército vai ou não vai cumprir as diretivas do novo governo do presidente Lula? Assistimos ontem a uma união sagrada dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Quanto tempo essa união sagrada vai perdurar? Sabemos que o Congresso, tanto o Senado como a Câmara dos Deputados, hoje tem uma maioria de deputados de direita, de extrema direita, ligada ao bolsonarismo. Como esses deputados e senadores vão se empenhar para realmente defender e fortalecer a democracia? Como esses deputados e senadores vão contribuir para reconstruir as instituições do Estado brasileiro que realmente foram muito enfraquecidas durante esses quatro anos do Bolsonaro?
Outra questão também é a questão da mídia, da grande mídia, que teve um papel importante desde 2013 e, sobretudo, a partir de 2016 e do impeachment contra Dilma Rousseff. Eu lembro de uma capa da Veja, em novembro de 2017, com uma foto do Lula e do Bolsonaro dizendo “os políticos que nos assombram”. Esse paralelo feito sempre entre extrema direita e esquerda, de criminalização da esquerda, é o discurso que permanece tanto nas palavras, por exemplo, do Jair Bolsonaro no Twitter ontem, ou do Silas Malafaia, ou de alguém como o Sérgio Moro, mas também na grande mídia, dizendo bom, houve ataques de bolsonaristas, mas, por exemplo, o MST tem práticas de vandalismo, de ocupação, etc... Eu assisti as lives da Folha, da GloboNews, da CNN Brasil, e o que me chamou a atenção foi o fato de os jornalistas passarem rapidamente a chamar as pessoas que invadiram a Praça dos Três Poderes de terroristas e vândalos. Eu realmente espero que esse choque seja forte o suficiente para parar com essa narrativa equidistante entre extrema direita e esquerda, que é uma banalização de uma certa maneira da retórica da extrema direita.
Outra coisa vai ser a como os inquéritos, os julgamentos, as prisões que o presidente Lula prometeu, que o Flávio Dino também prometeu, que o Arthur Lira chamou de necessários, o Alexandre de Moraes também, como isso vai ser possível num estado que realmente está enfraquecido e num estado onde os partidários do Bolsonaro ainda são muito numerosos? E como o Lula vai conciliar o seu discurso de unidade e de pacificação da sociedade brasileira com uma necessária resposta muito firme e punitiva diante do que aconteceu? Os atos que aconteceram são muito graves. Cabe ao presidente Lula, ao seu governo, mas também aos outros poderes, manterem essa linha muito firme de não perdoar e não fazer a anistia tanto contra as pessoas que estavam na Praça dos Três Poderes como os responsáveis pela invasão. Responsáveis tanto intelectuais, vamos dizer, políticos, como as pessoas que financiaram a possibilidade dessa invasão.
Atenção: não foi Valdemar Costa Neto, o presidente do PL quem tomoua exemplar multa de R$ 22,9 milhõespor usar de má-fé na tentativa de anular o voto de 60% dos eleitores brasileiros com o único objetivo de sustentar o golpismo de Jair Bolsonaro, inconformado com a derrota eleitoral.
A ação fraudulenta foi impetrada pela Coligação “Pelo bem do Brasil”, formada também pelo PP e pelo Republicanos, que também tiveram bloqueados seus fundos partidários, como se lê nadecisão de Alexandre de Moraes:
Assim, nos termos do art. 81, caput, do CPC, CONDENO A AUTORA POR LITIGÂNCIA DE MÁFÉ, À MULTA DE R$ 22.991.544,60 (vinte e dois milhões, novecentos e noventa e um mil, quinhentos e quarenta e quatro reais e sessenta centavos), correspondentes a 2% (dois por cento) do valor da causa aqui arbitrado. DETERMINO, ainda, à Secretaria Judiciária e à Coordenadoria de Execução Orçamentária e Financeira, ambas desse TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, os IMEDIATOS BLOQUEIOS E SUSPENSÕES DOS FUNDOS PARTIDÁRIOS DOS PARTIDOS DA COLIGAÇÃO REQUERENTE até efetivo pagamento da multa imposta, com depósito dos respectivos valores em conta judicial.
Portanto, também o PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira e o Republicanos do pastor Marcos Pereira, a partir de agora, não podem acessar mais os valores de suas contas. Ao menos enquanto não conseguirem que a usurpação de seus direitos de representação foi, também, feita de forma fraudulenta pelo PL.
Deve-se imaginar o estado de felicidade que devem estar vivendo com a decisão de Valdemar Costa Neto, por ordem de Jair Bolsonaro, ter se metido nesta aventura. O bolso é, muitas vezes, um grande argumento “ideológico”.
Foi Arthur Lira, jagunço de Bolsonaro na Câmara, quem deu a senha. Ao reconhecer a eleição de Lula, disse que não aceita “revanchismo ou perseguições, seja de que lado for” e que “agora, é olhar adiante”. Traduzindo, vamos passar uma borracha em todos os crimes cometidos por Bolsonaro e a gente (o centrão) não inferniza o governo Lula como Eduardo Cunha fez com Dilma.
Nada mais brasileiro na política, no pior sentido: o acordão, o conchavo, os panos quentes que livram a cara da bandidagem de terno e gravata. Bolsonaro deixará o governo arrastando a mais extensa “capivara” de que se tem notícia no Brasil democrático. De delitos eleitorais a crimes contra a democracia e a saúde pública, como charlatanismo e epidemia com resultado de morte.
Qualquer tentativa de perdão a Bolsonaro é apostar no fracasso da democracia, na falência das instituições e na frustração das expectativas de que o país consiga se reerguer. Justiça não é vingança ou revanchismo. É o alicerce que reforça a crença do cidadão na democracia. Sem ela, o que sobra é impunidade e o encorajamento ao vale-tudo, exatamente o que se vê nas estradas e portas de quartéis com legiões fanatizadas.
No Brasil, a perversa tradição dos arranjos espúrios tem seu exemplo máximo na Lei de Anistia que, até hoje, protege assassinos e torturadores da ditadura. Nisso, temos muito a aprender com a Argentina, que soube levar ao banco dos réus e à prisão os responsáveis pela barbárie do regime militar que lá vigorou de 1976 a 1983.
Na belíssima peça de acusação, o promotor Julio César Strassera, referindo-se aos crimes dos ditadores, traça as linhas divisórias da civilização: “O sadismo não é uma ideologia política nem uma estratégia bélica. É uma perversão moral”. É disso que se trata: a consciência moral de um país é inegociável. Deveria valer para os crimes da ditadura e para os crimes de Bolsonaro. Falta dizer aqui o que os argentinos disseram lá: “Nunca más!”.
Paula Marisa alega que todas as aparições recentes do petista são fotos ou vídeos antigos; ela diz que se ele não aparecer hoje irá criar teorias conspiratórias.
Paula Marisa aprendeu a mentir com Bolsonaro. Todo bolsonarista fanático mente. Bolsonaro mente mais que o filho senador, que mente mais que o irmão deputado federal, que mente mais que o irmão vereador federal, que mente mais que o irmão lobista
"Um presidente da república pode errar, mas ele não pode mentir. Essa eleição foi a disputa entre um candidato e a máquina do Estado, porque ela foi utilizada na sua totalidade", @LulaOficial em reunião com parlamentares.
Orçamento Secreto foi criado para eleger Bolsonaro e deputados da curriola de Arthur Lira. Sobre esta caverna de Ali Babá e os 40 ladrões escreve Matheus Pichonelli:
Pires é autor de uma extensa reportagem publicada na edição de julho da revista e que deveria servir de roteiro para qualquer autoridade minimamente interessada em seguir o dinheiro e entender para onde vão os recursos do orçamento secreto.
A apuração já mostrava que esses recursos alimentavam fraudes escancaradas em prefeituras do interior do Maranhão, que inflavam dados de atendimento médico para obter recursos do seu, do meu, do nosso SUS, o Sistema Único de Saúde.
A estratégia era grosseira. Para receber as verbas, os gestores municipais registravam atendimentos médicos e consultas que jamais foram realizados. Uma das prefeituras informou, por exemplo, que realizou mais exames para detecção do vírus HIV do que toda a cidade de São Paulo em um ano.
Outra registrou tantas extrações dentárias que, se os procedimentos tivessem mesmo sido realizados, todos os seus habitantes teriam hoje em média 19 dentes a menos.
Esses recursos só alimentavam esquemas do tipo porque contavam com padrinhos em Brasília: os deputados que viram nas sombras do orçamento secreto uma forma de roubar sem deixar as digitais.
Tudo sob as bênçãos dos líderes do Congresso e do presidente Jair Bolsonaro (PL), que deixou o orçamento ser dragado por neoaliados em troca de governabilidade e agora finge que o problema não é com ele.
Até o momento, duas pessoas foram presas sob suspeita de integrarem a rede criminosa: os irmãos Roberto e Renato Rodrigues de Lima.
Outros endereços são alvo de busca e apreensão.
Segundo a “piauí”, a operação desta sexta-feira é só a primeira a colocar a PF nas ruas.