A Frente Parlamentar da Segurança Pública, mais conhecida como “Bancada da Bala”, cresceu na atual legislatura, chegando a uma centena de integrantes, surfando na onda armamentista promovida pelo governo passado. A maioria é de deputados egressos de carreiras policiais e militares, filiados a partidos de direita e extrema-direita, como o PL.
As principais linhas de atuação da bancada são: facilitar a posse, o porte e o comércio de armas, defender vantagens corporativas para policiais e militares, fragilizar a defesa dos direitos humanos e criminalizar usuários de drogas. Ela não aprofunda investigações e debates sobre o crime organizado, por exemplo. Parte dos seus eleitores é arregimentada por milícias e grupos radicais.
Em dezembro, às vésperas do recesso legislativo, a bancada conseguiu derrubar, na última rodada de votações da reforma tributária, um dispositivo que faria incidir o imposto seletivo sobre armas e munições. Para conseguir votos suficientes e beneficiar a indústria bélica, o grupo adotou demandas de outras frentes parlamentares, como o “marco temporal”, para limitar a demarcação de terras indígenas, e a isenção de imposto sobre rendas recebidas por pastores evangélicos.
A frente parlamentar finge que ignora que a facilitação da venda de armas fortalece os arsenais do crime organizado. Instituições policiais e militares existem para impor as leis e prover a segurança, sem que os cidadãos sejam levados a fazer justiça com as próprias mãos. É contraditório defender vantagens para policiais e militares expondo-os a criminosos melhor armados.
Candidatos e investigados
Apesar da retórica bélica contra a criminalidade comum, alguns dos membros da bancada estão atolados nela. O deputado federal Delegado da Cunha (PP-SP), por exemplo, está sendo investigado, em Santos (SP), por violência doméstica contra a própria esposa. Ele também responde a inquérito pelo uso político ilegal, por meio das suas redes sociais, de imagens produzidas pela Polícia Civil em operações oficiais.
Nem só de crimes comuns vive a bancada. O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que é delegado da Polícia Federal e foi diretor da Abin (Agência Brasileira de Informações) no governo passado, foi alvo de uma operação de busca e apreensão realizada pela PF, sob a suspeita de ter sido um dos principais responsáveis pela atuação da “Abin paralela”, constituída no governo passado para investigar, nos moldes dos regimes ditatoriais, adversários e desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos seus familiares.
Jair Bolsonaro cumprimenta Alexandre Ramagem na sua posse na direção da Abin, em 2019 | Valter Campanato / Agência Brasil
Com a condenação do general Braga Neto à inelegibilidade, pelo TSE, Ramagem passou a ser a aposta do PL e de Bolsonaro para a disputa pela prefeitura do Rio de Janeiro nas eleições de outubro. Ele tem o apoio do governador Cláudio Castro para impedir a reeleição de Eduardo Paes (PSD), que tem o apoio do presidente Lula.
É improvável que Ramagem seja impedido de se candidatar em decorrência das investigações, mas ele teme a divulgação dos nomes das pessoas ilegalmente monitoradas pelo esquema, e a inclusão, entre eles, de alguns dos seus principais apoiadores. Estamos falando de crime político.
Ramagem formará dupla com o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), que integra a bancada sem ser ex-policial ou ex-militar, é o atual líder da oposição na Câmara e será o candidato do PL à prefeitura de Niterói, também no Rio. Jordy também foi alvo de uma operação da PF, de busca e apreensão, sob a suspeita de ter sido sido um dos líderes ocultos da tentativa de golpe de Estado ocorrida em 8/1/23. Crime político.
Integrantes da frente parlamentar também pretendem disputar prefeituras em outras regiões. O deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM) quer ser candidato a prefeito de Manaus (AM) e disputa a indicação pelo PL e a preferência de Bolsonaro com o Coronel Menezes, que só não integra a bancada porque não conseguiu se eleger senador nas últimas eleições. E a bancada tem outros pré-candidatos Brasil afora.
Insegurança
O coordenador do grupo, deputado Capitão Augusto (PL-SP), foi eleito vice-presidente nacional do PL e pretende ser candidato à presidência da Câmara na sucessão de Arthur Lira (PP-AL). Em campanha, ele tem distribuído anéis de prata para os colegas que apoiam a criação de uma nova frente parlamentar, em defesa dos colecionadores de armas. Augusto não quer saber dos inquéritos que envolvem integrantes da bancada e não vai tomar providências para evitar abalos nas respectivas reputações. Ele alega que, mesmo havendo inquéritos diferentes, trata-se, apenas, de perseguição política.
O deputado Carlos Jordy nega participação em tentativa de golpe | Bruno Spada / Câmara dos Deputados
Os integrantes da bancada têm o privilégio de andarem armados pelo Congresso, sem serem obrigados a se submeter aos detectores de metais, como ocorre com as demais pessoas. Flávio Dino, ex-ministro da Justiça e atual ministro do STF, recusou-se a atender uma convocação da Comissão de Segurança Pública da Câmara, alegando risco de vida. É uma galera da pesada!
Não cabe fazer, aqui, uma análise exaustiva das implicações criminais dos que integram a bancada. Assim como não cabe generalizar: deve haver parlamentares sérios, honestos, comprometidos com a segurança pública. Mas a sua postura coletiva diante dos envolvimentos criminais dos seus pares evidencia o seu desvio de função. A bancada tem muito de bala, e nada de Segurança Pública. O seu nome poderia ser: Frente Parlamentar da Bala e da Insegurança Pública.
Aflige aos cidadãos ver parcelas crescentes do território ‒ da Amazônia às metrópoles brasileiras ‒ sob o domínio de narcotraficantes, piratas e milicianos, enquanto a bancada, que deveria estar mobilizada para enfrentá-los, acovarda-se diante do que rola abaixo do seu nariz.
Os casos de desvios de conduta são cada vez mais frequentes, mas a bancada e suas igrejas não os condenam publicamente e, com frequência, os mantém como pastores
Suas prioridades se sobrepõem às dos demais setores da sociedade, seja restringindo direitos indígenas, afetando a saúde de vizinhos e de consumidores, ou ignorando as mudanças climáticas
Donos de 20 mil hectares, ao lado dos Lira, os Pereira criam gado em terra indígena e vendem carne para prefeituras controladas pela família; relatório “Arthur, o Fazendeiro” revela violências, despejos e uso político sistemático da máquina pública
O setor lixo da imprensa fez parceria informal c/ o esgoto bolsonarista p/ tentar vincular gov. Lula a Hamas. VAMOS À MEMÓRIA??? 1) Bolsonaro recebeu Beatrix von Storch, chefe de partido neonazista e neta do mais longevo ministro de Hitler. Mesmo depois do suicídio do ...
Reinaldo Azevedo
... genocida, ele tentou criar enclave nazista no norte da Alemanha. 2) Bolsonaro recebeu apoio de “ex-líder” da KKK, chefe real da seita; 3) um dos governantes mais próximos de Bolsonaro é o húngaro Viktor Orbán, antissemita fanático. Querem continuar? A memória instrui.
Depois do 8 de janeiro, quando assistimos ao ataque da horda vestindo camiseta amarela, é chegada a hora de considerar outras formas de ser do golpismo. Pode, por exemplo, se apresentar de gravata. Dois eventos nesta quarta merecem ser vistos mais de perto.
O primeiro: David Alcolumbre (União-AP), que preside a CCJ do Senado e é a verdadeira mão que balança o berço de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que o sucedeu no comando da Casa, quer voltar ao posto em fevereiro de 2025 — ainda está longe, mas essa gente é precavida. E transformar o Supremo em alvo é uma de suas ferramentas para atingir tal intento.
O segundo evento: o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), participou de uma homenagem aos 35 anos da Constituição e defendeu que cada Poder se mantenha nos seus limites constitucionais. Parte da imprensa sustentou — já com a boca torta de tanto usar o cachimbo da porrada — que se tratava de um "recado" ao tribunal. Não me parece. Fato: uma cadeia de porra-louquices fez o deputado parecer um moderado. E isso nos relata um tanto do atual estado de coisas.
ALCOLUMBRE Falemos de Alcolumbre. Presidiu o Senado em 2019 e 2020 e não pôde se recandidatar para a função porque a Constituição veda a recondução de um parlamentar ao mesmo cargo da Mesa por dois biênios seguidos numa só legislatura. Pacheco e Lira completarão dois mandatos seguidos porque os exerceram nos dois anos finais de uma legislatura e nos dois iniciais de outra. Aí pode.
O político do Amapá, que sempre foi a sombra mais do que consentida de seu sucessor, quer voltar a ser o titular do cargo também de direito, não só de fato. E resolveu fazer mais do que política de boa vizinhança com o bolsonarismo. Está mesmo decidido a ganhar o seu podre coração. E tem conseguido. É um mestre do jogo ambíguo: caso se arranje com a "reacionarada", tentará transformar a candidatura em fato consumado, buscando impor-se também à base governista. Um verdadeiro pacificador, não é mesmo? Inclusive quando indica ministros...
E eis, então, que o homem resolveu voltar suas armas contra o STF. Nesta quarta, numa votação-relâmpago, de espantosos 42 segundos, a CCJ aprovou uma PEC do senador morista-bolsonarista Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que impõe limites a decisões monocráticas dos magistrados e uma disciplina para a devolução de votos-vista. A estrovenga passou pela CCJ, embora seja inconstitucional. Afinal, um Poder não pode regular a rotina de funcionamento de outro. Trata-se de matéria prevista no Regimento Interno daquela Casa de Leis, que foi recepcionado pela Constituição de 1988.
De resto, ainda que o troço fosse aprovado e que não tivesse a inconstitucionalidade declarada, versaria sobre matéria já arbitrada pela própria Corte, que impõe mais celeridade do que a porcaria aprovada na comissão. Não tem grande importância nem acho que prospere. O que se quis mesmo foi um pretexto para arreganhar os dentes para o tribunal, além de dar piscadelas à extrema-direita.
OUTRAS INICIATIVAS Outras iniciativas estão em curso, com o apoio de alguns bocós na imprensa que, não sendo extremistas de direita, são idiotas o suficiente para tratar os 11 magistrados o fator de desestabilização da democracia. O presidente do Senado resolveu apresentar uma PEC criminalizando o porte de droga, não importa qual, porque disse que os ministros estariam usurpando o papel dos parlamentares ao definir uma quantidade de maconha que caracterizaria tráfico. Para lembrar: a Lei 11.343 prevê cadeia apenas para o traficante, não para o consumidor. Ocorre que as evidências apontam que, na prática, o preto e pobre vai em cana porque quase sempre é considerado traficante, mesmo quando consumidor; o rico endinheirado se safa porque é quase sempre considerado consumidor, mesmo quando traficante. Será que juízes não devem se ocupar da questão?
Há mais: um certo Plínio Valério (PSDB-AM) não parece estar especialmente preocupado com a tragédia da seca e do desequilíbrio climático que castiga seu Estado. Tem outras ocupações. Quer uma emenda que defina um mandato de oito anos para os membros da Corte. Já escrevi aqui os sobre efeitos deletérios que teria um troço como esse. O atual presidente do Senado, que fala pelo ex, não pensa assim.
Roberto Barroso assumiu o comando do Supremo na quinta, 28 de setembro. Na segunda, 2 de outubro, lá estava o presidente do Senado a anunciar apoio à tese do mandato, como se o Brasil fosse uma dessas sólidas democracias parlamentares europeias. Numa entrevista, engrolou:
"Bom, essa é uma tese que eu já defendi publicamente. Continuo a defender. Acho que seria bom para o Poder Judiciário, para a Suprema Corte do nosso país. Seria bom para a sociedade brasileira termos uma limitação do mandato de ministro do Supremo. Agora que já resolverá a segunda vaga de responsabilidade do presidente Lula, eu acho que preenchida essa vaga, é o momento de nós iniciamos essa discussão no Senado Federal e buscarmos a elevação da idade mínima para ingresso no Supremo Tribunal Federal, a fixação de mandato na Suprema Corte, no tempo também que dê estabilidade jurídica até pra formação da jurisprudência do país. Essa é uma tese aplicada em outros países do mundo. É uma tese defendida por diversos segmentos, inclusive por ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, e eu acho que é uma tese possível de ser debatida e discutida no Senado Federal"
No dia 27 do mês passado, em sessão garbosamente conduzida por ele, seus pares aprovaram o despudorado projeto de lei, que já havia passado pela Câmara, que define o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, além de expor as áreas já demarcadas ao risco de exploração econômica mesmo sem a concordância dos ocupantes originários. O STF já havia decidido, por nove votos a dois, que o marco é inconstitucional. A aberração aprovada consegue ser ainda pior.
NO PAU DE ARARA Há uma óbvia aliança de bolsonaristas e moristas -- estes especialmente espalhados na imprensa --, organizados e conjurados para atacar o Poder de toga. Afinal, as primeiras condenações pelos atos golpistas estão em curso; todos sabem que Bolsonaro está na fila e que os crimes da dita força-tarefa começam a vir à superfície. Assim, a canalha precisa testar se o ódio que os sectários do dito "Capitão" devotam a pelo menos nove ministros se expande além da bolha. É nessas horas que entram os oportunistas, com suas alianças episódicas.
Alcolumbre é poderoso, influente, mas está longe de ser o rei da popularidade entre os pares. Tenta se garantir com os bolsonaristas porque estes podem dar tração à sua candidatura; com eles, buscará se impor como fato consumado à base aliada. E, no melhor dos mundos, ainda posará de pacificador. Nem precisará de um Rogério Marinho (PL-RN) para vocalizar as pautas dos reaças. Estes, por sua vez, têm a esperança de que um tribunal eventualmente mais enfraquecido possa poupar Bolsonaro. O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) sonha até com a anistia. Outro dos delírios em voga, que tem um deputado como porta-voz — Domingos Sávio (PL-MG) — é transformar o Congresso em instância revisora do Supremo...
AINDA FALTA ARTHUR LIRA O presidente da Câmara, que prefere terçar armas com o Executivo, não com o Judiciário, se disse contrário à tese do mandato. Disse que aceita debater a limitação de decisões monocráticas, mas não mandato. Discursou nesta quarta em homenagem aos 35 anos da Constituição. Afirmou:
"A Constituição passou por várias emendas, mas preservou, lógico!, a sua essência. É útil, é pioneira e é desbravadora. Ilumina, ainda hoje, os caminhos por onde cada um dos integrantes deste Parlamento pode trilhar. Estabelece as balizas que delimitam o campo de ação de cada um dos Poderes do Estado, e é importante, sempre, que nós saibamos nos conter, cada Poder desta nação nos seus limites constitucionais. E eu tenho absolutamente certeza de que o Parlamento brasileiro os obedece, os cultiva e os respeita"
Não me parece, à diferença do que se tem dito por aí, que esteja, ele também, "mandando recados" ao Judiciário. De saída, rechaça a bobagem do "Congresso como revisor do STF". E já se sabe que não está disposto a flertar com mandatos para ministros. O que estou dizendo, meus caros, é que, dado o surto que toma o Senado, com as ambições fora do controle, o presidente da Câmara surge, na comparação ao menos, como um pacificador. E isso só chama a atenção para a figura de Pacheco como aquele destinado a ser o que efetivamente não foi. Ou que não foi o que poderia ter sido.
Para dupla Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, o pecador e o santo, o golpe branco, o exercício da majestade de todos os poderes da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal, com a volta do orçamento secreto e da pec do Apocalipse, assim entendem as raposas do baixo clero hoje chamado de centrão
Escreve Celso de Mello
A PEC 50/2023, formalizada por iniciativa parlamentar, tem por objetivo alterar "o artigo 49 da Constituição Federal para estabelecer competência ao Congresso Nacional para sustar, por maioria qualificada dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, decisão do Supremo Tribunal Federal transitada em julgado, que extrapole os limites constitucionais".
Essa proposta encontra clara inspiração em cláusula de nítido perfil autocrático inscrita na carta ditatorial do Estado Novo imposta ao país por Vargas, em 10 de novembro de 1937!
Com efeito, o parágrafo único do artigo 96 da Carta Constitucional de 1937 consagrou medida inédita em nosso constitucionalismo, consistente no denominado "recall" judicial, como se constata de seu texto normativo, "verbis":
"Art 96 - Só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República. Parágrafo único — No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal."
A medida consubstanciada em referida proposta de emenda constitucional (PEC), em claro retrocesso histórico e grave ofensa ao dogma da separação de poderes, atribui ao Congresso competência para sustar a eficácia de decisão do Supremo Tribunal Federal que, embora transitada em julgado, tenha, a critério do Parlamento, extrapolado os limites constitucionais que restringem a atividade jurisdicional!
Ou, em outras palavras, a PEC em questão confere aos órgãos legislativos o poder de superação legislativa ("power of legislative override") dos julgamentos realizados pela Suprema Corte, transformando o Congresso em anômala instância de revisão das decisões transitadas em julgado proferidas pelo STF!!!
O Congresso, caso venha a promulgar tal proposta, estará claramente infringindo um dos limites materiais — a separação de poderes — que o poder constituinte originário estabeleceu no catálogo dos temas protegidos por cláusula pétrea (CF, artigo 60, $ 4º, nº III).
Isso significa que emendas à Constituição também podem ser qualificadas como inconstitucionais, se e quando transgredirem os limites impostos ao poder reformador do Congresso (ADI 466/DF — ADI 926/DF — ADIN 939/DF , v.g.).
Há a considerar, também, no sistema institucional plasmado no texto de nossa Constituição, que o Supremo Tribunal Federal foi investido, por soberana deliberação da Assembleia Nacional Constituinte, da condição de guardião da intangibilidade da Lei Fundamental da República, o que lhe confere, em matéria de interpretação constitucional, "o monopólio da última palavra", na conhecida expressão de Gomes Canotilho!
Inegável reconhecer, por tal razão, que compete ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição indisputável de guardião da Lei Fundamental, o poder de interpretá-la e de seu texto extrair, nesse processo de indagação hermenêutica, a máxima eficácia possível, em atenção e respeito aos grandes princípios estruturantes que informam, como verdadeiros vetores interpretativos, o sistema de nossa Carta Política, em ordem a fazer prevalecer a força normativa da Constituição, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, por isso mesmo, hão de ser valorizados, em face de sua precedência, autoridade e grau hierárquico, como enfatizam autores eminentes (ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional", p. 109, item n. 2.8, 2a ed., 2003, Atlas; OSWALDO LUIZ PALU, "Controle de Constitucionalidade", p. 50/57, 1999, RT; RITINHA ALZIRA STEVENSON, TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. e MARIA HELENA DINIZ, "Constituição de 1988: Legitimidade, Vigência e Eficácia e Supremacia", p. 98/104, 1989, Atlas; ANDRÉ RAMOS TAVARES, "Tribunal e Jurisdição Constitucional", p. 08/11, item nº 2, 1998, Celso Bastos Editor; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, "A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro", p. 215/218, item nº 3, 1995, RT, v.g.).
Cabe destacar, bem por isso, tendo presente o contexto em questão, que assume papel de fundamental importância a interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pela Corte Suprema, cuja função institucional de "guarda da Constituição" (CF, artigo 102, "caput") confere-lhe — repita-se — o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental, como tem sido assinalado, com particular ênfase, pela jurisprudência do Supremo Tribunal:
"(...) A não-observância da decisão desta Corte debilita a força normativa da Constituição (...)" (RE 203.498-AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES).
A circunstância de o STF, na qualidade de "organo di chiusura", dispor de competência para interpretar o ordenamento constitucional, encerrando, em caráter definitivo, as controvérsias jurídicas a ele submetidas, não significa que suas decisões sejam imunes à crítica, à divergência e ao debate no âmbito da sociedade civil e no plano da comunidade acadêmica, especialmente se se considerar a afirmação de que se vive sob a égide de uma "sociedade aberta dos intérpretes livres da Constituição", como a ela se refere Peter Häberle.
Inquestionável, desse modo, o reconhecimento, em favor da generalidade das pessoas e das instituições, inclusive dos próprios Poderes da República, de verdadeira "abertura hermenêutica", que lhes permite discutir o alcance, o significado e a abrangência das cláusulas que compõem o "corpus" constitucional, não lhes sendo possível, contudo, desrespeitar as decisões judiciais, eis que o seu inconformismo com elas tem, no próprio sistema recursal, o meio adequado de buscar-lhes a reforma.
Com essa compreensão, é importante destacar, pluraliza-se o debate constitucional, confere-se expressão real e efetiva ao princípio democrático e permite-se que o Supremo disponha de todos os elementos necessários à resolução final da controvérsia, buscando-se alcançar, com tal abertura material, consoante assinala expressivo magistério doutrinário (GUSTAVO BINENBOJM, "A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira", 2ª ed., 2004, Renovar; ANDRÉ RAMOS TAVARES, "Tribunal e Jurisdição Constitucional", p. 71/94, 1998, Celso Bastos Editor; ALEXANDRE DE MORAES, "Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais", p. 64/81, 2000, Atlas; DAMARES MEDINA, "Amicus Curiae: Amigo da Corte ou Amigo da Parte?", 2010, Saraiva; GILMAR MENDES, "Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade", p. 503/504, 2a ed., 1999, Celso Bastos Editor; INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO, "As Ideias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro", "in" RDA 211/125-134, v.g.), a possibilidade de superação da grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas da Corte Suprema no exercício de seu extraordinário poder de efetuar, notadamente em abstrato, o controle de constitucionalidade.
A única — e fundamental — diferença que existe entre a atuação de nossa Corte Suprema nos processos em que profere o seu julgamento e a possibilidade democrática de ampla discussão social em torno da Constituição, passando, inclusive, pelo "diálogo institucional" entre os órgãos e Poderes constituídos, reside no fato, jurídica e processualmente relevante, de que a interpretação dada pelo Supremo revestir-se-á de definitividade nas causas que julgar, pondo termo ao litígio nelas instaurado, seja com efeito "inter partes" (controle incidental ou difuso de constitucionalidade), seja com efeito "erga omnes" e eficácia vinculante (controle normativo abstrato de constitucionalidade).
É por isso que se atribui ao STF, como precedentemente já realçado, o "monopólio da última palavra" em matéria de interpretação constitucional efetuada pela Suprema Corte nos processos submetidos a seu julgamento, valendo destacar, quanto a esse ponto, no que concerne à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos em tema de exegese da Constituição, a lição do eminente ministro LUÍS ROBERTO BARROSO ("O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro", p. 392, item n. 2, 7a ed., 2016, Saraiva), no sentido de que "Cabe aos três Poderes interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela. Mas, em caso de divergência, a palavra final é do Judiciário", sempre que se cuidar de matéria sujeita à esfera de competência jurisdicional.
Tais observações enfatizam a circunstância — que assume absoluto relevo — de que não se pode minimizar o papel do Supremo Tribunal Federal e de suas decisões em matéria constitucional, pois tais decisões, em última análise, dão expressão concreta ao texto da própria Constituição.
Cumpre ter sempre em perspectiva que o exercício da jurisdição constitucional, por nossa Suprema Corte, tem por objetivo único preservar a supremacia da Constituição, o que põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo — compreendida a expressão "dimensão política" em seu sentido helênico (como apropriadamente a ela referiu-se a eminente ministra CÁRMEN LÚCIA em outra oportunidade) —, pois, no processo de indagação constitucional, reside a magna prerrogativa outorgada à Corte Suprema de decidir, em caráter final, sobre a própria substância do poder.
É preciso, pois, reafirmar a soberania da Constituição, proclamando-lhe a superioridade sobre todos os atos do Poder Público e sobre todas as instituições do Estado, civis ou militares, o que permite reconhecer, no contexto do Estado democrático de Direito, a plena validade da atuação do Poder Judiciário na restauração da ordem jurídica lesada e, em particular — insista-se — , a inteira legitimidade da intervenção do STF, que detém, em tema de interpretação constitucional, e por força de expressa delegação que lhe foi atribuída pela própria Assembleia Nacional Constituinte, o monopólio da última palavra, de que já falava RUI BARBOSA em discurso parlamentar que proferiu, como senador da República, em 29 de dezembro de 1914, em resposta ao senador gaúcho Pinheiro Machado, quando, definindo com precisão o poder de nossa Suprema Corte em matéria constitucional ("Obras Completas de Rui Barbosa", vol. XLI, tomo III, p. 255/261, Fundação Casa de Rui Barbosa), deixou assentadas as seguintes conclusões:
"A Justiça, como a nossa Constituição a criou no art. 59, é quem traça definitivamente aos dois podêres políticos as suas órbitas respectivas. (...). No art. 59, é categórica a letra constitucional, estatuindo de acôrdo com a praxe geral (...) que o Supremo Tribunal conhecerá, em última instância, das causas em que se contestar a validade, assim dos atos do Poder Executivo, como do Poder Legislativo perante a Constituição. Por esta disposição constitucional, a nossa justiça suprema é quem define quando os atos do Poder Legislativo estão dentro ou fora da Constituição, isto é, quando os atos de cada um dêsses dois podêres se acham dentro da órbita que a cada um dêsses dois podêres a Constituição traçou. Êle é o poder regulador, não conhecendo do assunto por medida geral, por deliberação ampla, resolvendo apenas dos casos submetidos ao seu julgamento, mediante a ação regular; mas quando aí decide, julgando em última instância, não há, sob qualquer pretexto dêste mundo, recurso para para outro qualquer poder constituído. (…) Bem conheço o pretexto. A evasiva das causas políticas é um princípio verdadeiro, quando entendido como se deve entender. Indubitàvelmente a justiça não pode conhecer dos casos que forem exclusivos e absolutamente políticos, mas a autoridade competente para definir quais são os casos políticos e casos não políticos é justamente essa justiça suprema, cujas sentenças agora se contestam. (…) Em tôdas as organizações políticas ou judiciais há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. Acaso V. Ex.as poderiam convir nessa infalibilidade que agora se arroga de poder qualquer dêsses ramos da administração pública, o Legislativo ou o Executivo, dizer quando erra e quando acerta o Supremo Tribunal Federal? O Supremo Tribunal Federal, Senhores, não sendo infalível, pode errar, mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, de decidir por último, de dizer alguma cousa que deva ser considerada como êrro ou como verdade."
Impende registrar, ainda, a precisa e valiosa lição do eminente e saudoso ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI ("Ação Rescisória em Matéria Constitucional", "in" Revista de Direito Renovar, vol. 27/153-174, 159-165, 2003) , reveladora do papel institucional que se atribuiu ao STF em sua condição político-jurídica de guardião maior da supremacia e da intangibilidade da Constituição e de órgão de encerramento ("organo di chiusura") das causas decididas pela Corte Suprema:
"O STF é o guardião da Constituição. Ele é o órgão autorizado pela própria Constituição a dar a palavra final em temas constitucionais. A Constituição, destarte, é o que o STF diz que ela é. (...). Contrariar o precedente tem o mesmo significado, o mesmo alcance, pragmaticamente considerado, que os de violar a Constituição (...). É nessa perspectiva, pois, que se deve aquilatar o peso institucional dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, mesmo em controle difuso."
Esse papel do Poder Judiciário, fortalecido pelo monopólio da última palavra de que dispõe o STF em matéria de interpretação constitucional, nada mais representa senão o resultado da expressiva ampliação das funções institucionais conferidas ao próprio Judiciário pela vigente Constituição, que converteu juízes e tribunais em árbitros dos conflitos que se registram no domínio social e na arena política, consideradas as relevantíssimas atribuições que lhes foram deferidas, notadamente as outorgadas à Suprema Corte, em tema de jurisdição constitucional, como o revela, p. ex., o seguinte julgado:
"A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. – O exercício da jurisdição constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição, põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. – No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que ‘A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la’. Doutrina. Precedentes. – A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal — a quem se atribuiu a função eminente de 'guarda da Constituição' (CF, art. 102, 'caput') — assume papel de fundamental importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso país conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental." (MS 26.603/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Não custa relembrar, neste ponto, considerada a essencialidade do princípio constitucional da separação de poderes, a advertência histórica de ALEXANDER HAMILTON ("Publius"), em "O Federalista" ("The Federalist Papers", nº 78), que acentuava a necessidade de proteger-se o Poder Judiciário ("the least dangerous of the branches of government") contra a inaceitável submissão institucional a outros Poderes do Estado, em situações aptas a comprometer a própria independência orgânica dos corpos judiciários e a liberdade decisória de seus magistrados.
Todo poder ao Centrão, a velha política do baixo clero
O presidente da Câmara dos Deputado Arthur Lira (PP-AL), latifundiário bolsonarista, instalou a CPI que busca investigar a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A iniciativa ocorre em meio às ações do movimento neste ano e à crescente pressão da bancada ruralista pela instalação da comissão. Parlamentares presentes no plenário da Câmara aplaudiram após a leitura de Lira.
Essa CPI tende a ser mais uma dor de cabeça para o governo Lula (PT), por atingir um aliado estratégico e também por obrigá-lo a mobilizar parte de uma base ainda reduzida e não formada no Congresso.
De quem partiu a ideia da CPI, como ela será composta e qual seu objetivo? indaga a Folha de S. Paulo, que informa: A CPI partiu de um requerimento do deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), com apoio de membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mais conhecida como bancada ruralista.
A CPI possui 27 membros titulares e 27 suplentes. O primeiro passo para a criação da comissão foi a leitura do requerimento, ocorrida no dia 26 de abril. A instalação, porém, deu-se apenas na primeira sessão da comissão, em 17 de maio.
Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é o relator da CPI, enquanto a presidência ficou com o deputado Zucco, e a vice-presidência, com Kim Kataguiri (União Brasil-SP).
O objetivo da CPI é investigar as invasões de terra pelo MST, como seus objetivos e fonte de financiamento. Na prática, um dos objetivos é apontar o vínculo do movimento com o governo Lula, já que a frente que se mobiliza para a comissão é formada por apoiadores de Bolsonaro.
O que diz o MST sobre a CPI? João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, afirma que a CPI não tem um objeto definido e é "mais um palco para destilar ódio contra nossa luta".
Em entrevista à Folha ele disse que a direita vai usar o Parlamento federal e as Assembleias Legislativas do país inteiro para enfrentar o MST.
"Junto com isso, há os meios de comunicação deles, as fake news e as milícias armadas dos clubes de tiro e dos CACs [Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores]. É uma mistura demoníaca."
"Essa CPI é preventiva sobre o futuro. Não é sobre o passado porque não há fato que a justifique. Nossas ações estão dentro do marco na democracia. Se o Congresso reafirmar essa CPI, será uma perseguição política. Nós vamos judicializar junto ao Supremo Tribunal Federal porque ela é inconstitucional."
Para Gleisi Hoffmann, “a CPI do MST é uma tentativa de criminalizar o movimento. Eu tenho dito que o relatório já está pronto, criminalizando o MST, os movimentos sociais e a reforma agrária”.
Temas como o trabalho escravo nos latifúndios, e o roubo de terras públicas, e o fogo nas florestas e outros crimes do agro não foram tratados.
O que é trabalho escravo
De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, são elementos que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador), jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida), trabalho forçado (manter a pessoa no serviço através de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas) e servidão por dívida (fazer o trabalhador contrair ilegalmente um débito e prendê-lo a ele). Os elementos podem vir juntos ou isoladamente.
O termo “trabalho análogo ao de escravo” deriva do fato de que o trabalho escravo formal foi abolido pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888. Até então, o Estado brasileiro tolerava a propriedade de uma pessoa por outra não mais reconhecida pela legislação, o que se tornou ilegal após essa data.
Não é apenas a ausência de liberdade que faz um trabalhador escravo, mas sim de dignidade. Todo ser humano nasce igual em direito à mesma dignidade. E, portanto, nascemos todos com os mesmos direitos fundamentais que, quando violados, nos arrancam dessa condição e nos transformam em coisas, instrumentos descartáveis de trabalho. Quando um trabalhador mantém sua liberdade, mas é excluído de condições mínimas de dignidade, temos também caracterizado trabalho escravo.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, através de sua relatora para formas contemporâneas de escravidão, apoiam o conceito utilizado no Brasil.
Uma operação conjunta entre a Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Gerência Regional do Trabalho resgatou em 10.março.2023, 56 trabalhadores em condições análogas à escravidão em duas fazendas de arroz no interior de Uruguaiana (RS). Segundo dados da fiscalização, este é o maior resgate já registrado no município
O Ministério Público do Trabalho vai investigar a cadeia produtiva de vinhos da serra gaúcha, depois que mais de duzentos trabalhadores foram resgatados em situação semelhante à escravidão. As vítimas retornaram para o estado da Bahia.
Publicada nesta sexta-feira (4), reportagem da Folha garante que “o governo Lula (PT) prepara uma alteração da legislação sobre o emprego das Forças Armadas durante crises de segurança ou de instabilidade institucional. A proposta elimina o atual modelo de operações de garantia da lei e da ordem [GLO]”. O objetivo da medida, segundo o jornal, seria “limitar o poder dos militares em crises domésticas de toda ordem”.
A mudança legal visa sanar problemas na segurança pública, como nos trágicos episódios dos atos golpistas do 8 de janeiro em Brasília, e superar distorções de viés político do artigo constitucional que trata das atribuições das Forças Armadas na aplicação da GLO. Pela proposta elaborada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, e pelo titular da Defesa, José Múcio, não haveria mudanças no artigo 142 da Constituição, que trata das competências das Forças Armadas, mas na Lei Complementar que o regulamenta (número 97, de 1999).
“A intenção é criar no texto a possibilidade de as Forças Armadas cooperarem eventualmente em crises de segurança e ordem pública sem que seja necessário para isso a decretação de GLOs. A princípio, haveria mexidas nos artigos 15 (que trata do emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem) e 16 (sobre atribuição subsidiária das Forças Armadas) da Lei Complementar de 1999”, descreve a Folha.
Governo evita confronto direto
Segundo especula o jornal, o governo Lula teria avaliado que não tem força no Congresso Nacional para alterar o artigo 142 da Constituição, como propõe uma PEC do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Para aprovar uma emenda constitucional são necessários três quintos dos votos em dois turnos, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado – no caso, uma quimera, num Congresso de extração conservadora, com uma Câmara presidida por Arthur Lira (PP-AL), que foi eleitor de Jair Bolsonaro”.
Além disso, afirma a Folha, “não há tampouco disposição do governo em comprar uma briga desse porte com os militares, que são frontalmente contra a alteração do artigo 142, em meio a outras prioridades do Planalto, sobretudo a agenda econômica”. Em função desses dois fatores, a proposta do governo optou por desidratar a PEC do deputado Carlos Zarattini, que foi anunciada em fevereiro como resposta aos ataques de 8 de janeiro.
Como lembra o jornal, “o artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas ‘destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem’. A PEC de Zarattini, que condensou proposta convergente do colega Alencar Santana (PT-SP), propõe retirar do texto constitucional essa competência... O entendimento de Zarattini e de boa parte do PT é de que a atual redação – que de resto é parecida com a de todas as Constituições republicanas – abre brechas para a intervenção indevida dos militares em temas civis, algo que se tornou mais palpável com a politização das Forças Armadas promovida no governo Bolsonaro”.
Iniciativas tímidas para inibir poder dos milicos
A decisão do governo de não mexer no inflamável artigo 142 da Constituição representa, em parte, uma vitória da oficialidade reacionária. É preciso avaliar qual será o preço desse recuo. Outras iniciativas têm tentado inibir o poder das Forças Armadas. Entre elas, está em curso uma medida que obriga militares que se candidatem em eleições a ir automaticamente para a reserva ou inatividade, o mesmo ocorrendo com o oficial que assumir um ministério. Nesses setes meses de governo, o presidente Lula também excluiu os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica das reuniões ministeriais – prática que virou rotina nas trevas bolsonarianas.
São passos importantes, mas tímidos diante do poder dos milicos de atentarem contra a democracia.
O conceito gatekeeping foi afetado de forma significativa pela atual configuração da internet e das grandes empresas de tecnologia. O termo gatekeeper, conhecido no jornalismo como o guardião dos portões, remetia aos profissionais responsáveis por delimitar quais notícias seriam publicadas e quais seriam manchete. Entretanto, a partir do uso massivo das mídias sociais, trabalhou-se com uma reconfiguração das funções desse termo, trazendo a participação dos internautas para as escolhas acerca das informações destacadas, o que inclui as publicações pessoais, os compartilhamentos, os comentários, as hashtags e os likes. Considerando o cenário atual de big techs, com destaque para Google e Meta, essa leitura soa como ingenuidade. São essas empresas, com seus algorítimos obscuros, que decidem o que vamos ver.
Na última semana nós fomos imundados por uma onda rosa da Barbie e, dependendo da bolha, por críticas à cultura Barbie ou por elogios ao filme. Não faz tanto tempo, buscávamos informações sobre o submersível que implodiu com cinco ocupantes e, novamente dependendo da bolha, criticávamos a falta de cobertura jornalística sobre o naufrágio da embarcação com 750 pessoas ou estávamos apenas curiosos com a particularidade do acontecimento. Num círculo vicioso, as big techs destacam temas, as pessoas demostram interesse para saber mais sobre esses temas e o jornalismo corre atrás de mais informações para aumentar o engajamento e para atender a uma demanda embaraçada.
No último mês, enquanto acessamos uma extensa produção de conteúdos jornalísticos pautados pela estreia do filme Barbie, o que foi alicerçado em uma estratégia de marketing muito bem construída nas mídias sociais, tantas outras produções jornalísticas de relevância nacional foram publicadas. Trinta dias antes da estreia do filme, quando a onda Barbiecore já ganhava força, a Agência Pública revelou uma reportagem em que o presidente da câmara dos deputados Arthur Lira é acusado de violência sexual pela ex-mulher. Nos últimos trinta dias, Lira ingressou com uma ação judicial contra a Agência Pública solicitando que a reportagem seja retirada do ar e uma indenização por danos morais. Em outra ação, o deputado também solicitou que o Congresso em Foco retirasse do ar a entrevista com sua ex-mulher. Uma pauta tão importante para as mulheres, o Presidente da Câmara é acusado de violência sexual pela ex-mulher, levou um caldo da onda rosa.
Ainda nos últimos trinta dias, foi noticiado que o Google contratou o ex-presidente Michel Temer para reforçar a pressão no Congresso Nacional contra a PL das Fake News. Além de ex-presidente, Temer é conhecido pela habilidade de negociar com os congressistas, ou seja, ele foi contratado pela empresa para fazer lobby. Nesse mesmo período, também foi noticiado que, com a aprovação da lei que regulamenta as Big Techs no Canadá, Google, Instagram e Facebook vão impedir o acesso a conteúdos jornalísticos no país. As empresas contestam a obrigatoriedade de remunerar os jornais canadenses pelos conteúdos compartilhados nas plataformas. Elas estão se posicionando de forma agressiva contra as tentativas governamentais de regulamentar e fiscalizar as plataformas digitais, dificultando a implementação de políticas que priorizam a responsabilidade e a transparência na Internet.
Enquanto os jornalistas estudam técnicas de SEO para que suas publicações classifiquem nas primeiras posições de busca do Google ou tentam entender os algorítimos das redes sociais para aumentar o engajamento, as big techs determinam quais informações aparecerão com destaque para os usuários e quais ficarão escondidas em um contexto de hiperinformação. Não existe uma transparência nos critérios que embasam essas escolhas e esse cenário é insalubre para a democracia. Colocar a PL das Fake News em evidência, significa mostrar para a população como essas empresas estão usando o seu poder de guardião das informações. Esse projeto de lei não pode virar notícia apenas quando entrar na pauta do congresso, precisa ser reiterado para sanar as dúvidas e mostrar a sua importância. Enfrentamos, então, um desafio: precisamos usar as big techs para circular a informação jornalística, em especial as informações sobre a PL das Fake News, mas como fazer isso sem levar caldo da onda rosa da Barbie ou de outras ondas que ainda serão criadas nas plataformas digitais?
Como a Fabiana Moraes nos lembra, podemos nos divertir com o filme da Barbie, mas não podemos esquecer que: “Nossa distração é pura gasolina para o esperto”. O jornalismo não pode se perder nas distrações criadas pelas big techs, tampouco alimentar essa distração com mais gasolina. Provavelmente, precisaremos do apoio de políticas públicas como a PL das Fake News para romper com esse círculo vicioso e, assim, reconfigurar novamente as funções de gatekeeper no jornalismo.
Vídeo: A jornalista Myrian Clark conversa com a jornalista Alice Maciel, da Agência Pública, que publicou as denúncias feitas por Jullyene Lins, ex-esposa do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de que ele teria cometido abusos e violência quando ela estava casada com o parlamentar.
MISOGINIA. A deputada Sâmia Bomfim criticou a instauração do processo contra seis deputadas no Conselho de Ética. As representações foram feitas pelo PL, que acusou as parlamentares de quebrarem o decoro parlamentar. O pedido foi aceito por Arthur Lira, que foi alvo de críticas.
Presidente da Câmara dos Deputados alem da pesada e suntuosa grana exige a retirada de mais 40 vídeos do canal
Arthur Pira (PP-AL) quer censurar o canal ICL Notícias, do Instituto Conhecimento Liberta de Eduardo Moreira, e que conta com a participação de intelectuais como Ladislau Dowbor, Marilena Chauí, Leonardo Boff e outros. Incomodado com conteúdos críticos em relação à sua atuação como homem público, o presidente da Câmara dos Deputados moveu uma ação por danos morais na 24ª Vara Cível de Brasília devido a um vídeo veiculado em 6 de junho que aborda o escândalo dos kits de robótica e as acusações de agressão feitas por sua ex-mulher, Jullyene Lira.
Além de mostrar uma entrevista com Jullyene, que acusa Lira de uma série de crimes, e expor o escândalo da compra de kits de robótica inexistentes para escolas de Alagoas, o programa também apontou o recebimento de R$ 106 mil em propinas por parte de um assessor. Lira nega todas as acusações e busca não apenas a retirada deste programa do ar, mas também de outros 42 conteúdos do canal, além do pagamento de uma indenização de R$ 300 mil por danos morais.
A Justiça negou os pedidos de Lira para que o processo corresse em sigilo e para a retirada imediata dos vídeos do YouTube. De acordo com julgamento dos méritos, há o risco de ocorrer "censura à liberdade de imprensa" caso os conteúdos sejam removidos imediatamente. Os vídeos permanecem disponíveis enquanto a ação é apreciada.
Posição do ICL Notícias
O canal agora divulga um abaixo-assinado aos seus seguidores no qual critica a iniciativa de Lira e apela pela defesa da liberdade de imprensa.
Não há dúvidas, trata-se de uma covarde e vergonhosa censura. É inaceitável que o chefe de um dos três poderes de uma República supostamente democrática tente calar um canal de informações por meio de pressão política e jurídica", disse Eduardo Moreira, responsável pelo ICL. "Vale lembrar que tudo o que foi veiculado sobre Lira teve como fontes os principais veículos de imprensa do país e as declarações de sua ex-esposa. Sempre foi oferecido a ele espaço para se manifestar com sua visão dos fatos, e ele sempre recusou", completou.
Alegações de Lira
Sobre o caso da suposta propina paga a um auxiliar do então presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Francisco Carlos Caballero Colombo, a advogada Margarete Coelho, que defende Lira, aponta que o caso foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal, e, portanto, os comentários veiculados no programa seriam considerados como "inverdades" e "desinformação".
Quanto à operação que resultou na prisão do ex-assessor de Lira, Luciano Cavalcante, sob suspeita de fraude em licitação e lavagem de dinheiro na compra dos kits de robótica inexistentes, a defesa argumenta que Lira jamais foi investigado no caso. Já em relação à ex-esposa do parlamentar, Margarete Coelho afirma que Lira foi absolvido das acusações há mais de 10 anos.
O Brasil escapou por pouco de um golpe de Estado e, mesmo combalida, a democracia prevaleceu. Não é possível dizer, no entanto, que as instituições estejam funcionando normalmente por aqui. Um dos índices de civilidade mais comuns em todo mundo anda em baixa entre nós: a liberdade de imprensa.
Decisões judiciais recentes e processos movidos para intimidar o jornalismo profissional ressuscitaram o fantasma da censura de uma forma que não se via desde o fim da ditadura militar. Nas últimas semanas, três veículos de comunicação foram obrigados a tirar reportagens relevantes do alcance do público.
O primeiro caso foi o do site The Intercept Brasil, obrigado pela juíza Flávia Gonçalves Moraes Bruno, da 14ª Vara Cível do Rio de Janeiro, a suprimir a série de matérias sobre alienação parental. Desde o início de junho, os leitores estão proibidos de ler e assistir o resultado de uma apuração que levou mais de um ano para ser feita.
O deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara Federal, não se conforma com a perda do seu poder. No governo passado, ele virou quase um primeiro-ministro, enquanto Jair Bolsonaro passeava de jet-ski e de moto e antecipava criminosamente sua campanha pela reeleição. Através do orçamento secreto, o líder do Centrão conseguiu eleger inúmeros dos seus comparsas, garantindo uma maioria conservadora no Congresso Nacional.
Com a derrota do fascista, ele também perdeu força e algumas regalias e passou a ser alvo de várias denúncias, como a do desvio de verbas do “kit robótica” e do emprego de parentes em estatais. Incomodado e temendo perder ainda mais poder, o coronelzão parte agora para a retaliação. Na semana passada, Arthur Lira moveu uma ação de censura na 24ª Vara Cível de Brasília para tirar do YouTube vídeos do programa ICL Notícias.
Conforme denúncia de Chico Alves no site UOL, “o processo se refere principalmente ao conteúdo veiculado no dia 6 de junho, com comentários sobre acusação de suposto recebimento de R$ 106.000,00 em propina por meio de um assessor, denúncias de envolvimento de um auxiliar na aquisição superfaturada de kits robótica para escolas de Alagoas e uma entrevista com sua ex-mulher, Jullyene Lira, que o acusa de vários crimes”.
"Trata-se de covarde e vergonhosa censura"
Além da retirada do ar de 42 vídeos do ICL Notícias, o presidente da Câmara Federal pede indenização de R$ 300 mil por dano moral. “O juiz negou pedido de Arthur Lira para que a ação corresse em sigilo e também que a retirada dos vídeos do YouTube fosse imediata, já que a decisão sumária poderia consistir, segundo o magistrado, ‘censura à liberdade de imprensa’. O mérito do processo ainda não foi julgado”, relata Chico Alves.
“Não há dúvidas, trata-se de covarde e vergonhosa censura. É inaceitável o chefe de um dos três poderes de uma República dita democrática tentar calar um canal de informações via pressão política e jurídica”, contesta Eduardo Moreira, responsável pela Editora Conhecimento Liberta, empresa que produz o ICL. Ele lembra ainda que as informações divulgadas no site são públicas: “Tudo o que foi veiculado sobre Lira trazia como fonte os principais veículos de imprensa do país e as declarações de sua ex-esposa por mais de dez anos”.
A ação autoritária do coronel do Centrão mereceu imediata repulsa. Um abaixo-assinado contra a censura ao ICL Notícias colheu mais de 100 mil adesões em menos de 12 horas. Entidades da sociedade civil também divulgaram notas de repúdio, entre elas a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Vale conferir a nota:
ABI repudia processo de Arthur Lira contra ICL Notícias
A Associação Brasileira de Imprensa repudia com veemência a atitude do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, que deveria ser o primeiro a dar o exemplo de zelar pelo respeito à Constituição brasileira, de entrar com uma ação na 24ª Vara Cível de Brasília para remover do YouTube os vídeos do programa ICL Notícias, que contêm reportagens, entrevistas e comentários críticos contra ele.
Com isso, ele tenta calar a imprensa, na defesa de seus interesses pessoais e privados.
Como político experiente, Lira sabe que a Liberdade de Imprensa é pedra fundamental do Estado Democrático de Direito.
Não será calando jornalistas e órgãos de imprensa que ele conseguirá melhorar a sua imagem pública.
Mais escandaloso ainda é saber que ao deputado foi aberto espaço para exercer a sua defesa, atitude que ele acabou desprezando.
Ao propor uma ação de indenização no valor de R$ 300 mil contra o ICL Notícias, Lira tenta inviabilizar economicamente um órgão de comunicação, caracterizando uma verdadeira intimidação não apenas ao seu alvo direto, mas a todos os demais meios de comunicação.
Da mesma forma que condena a iniciativa do presidente de uma das casas legislativas da nossa República, a ABI congratula-se com o Judiciário por ter rejeitado a censura pedida pelo parlamentar, fazendo valer o direito constitucional do povo brasileiro de ter acesso a todas as informações necessárias para que cada eleitor possa depois fazer seu juízo de valores.
Liberdade de informação sempre! Censura nunca mais.