“A VELHINHA DE TAUBATÉ ACREDITA PIAMENTE NO MINISTRO DA SAÚDE DO BRASIL, SEJA ELE QUEM FOR”
Tom Cardoso ( jornal “Valor Econômico”) entrevista Luis Fernando Veríssimo sobre o livro ‘Verissimo Antológico’
VALOR - Rita Lee, assim que descobriu a internet, escolheu dar entrevistas apenas por e-mail. Você seguiu tardiamente esse caminho, agora sem volta. Quais as vantagens de conceder entrevistas nesse formato? Ou continua sendo uma experiência menos agradável do que ver um jogo do Internacional e ouvir jazz?
LF - A vantagem de responder por escrito é que você tem tempo de pensar no que vai dizer e não diz bobagem. Ou diz menos bobagem. Nada se iguala a ver o Internacional jogar, e ganhar, claro, ouvindo jazz.
VALOR - O senhor declarou que “um dos prazeres de continuar vivo é que você nunca está longe de encontrar um novo prazer”. Foi possível achar um novo em meio à pandemia ou está difícil?
LF - Está difícil pensar num prazer inédito que sobreviva ao último noticiário de mortes pela pandemia. O jeito é nos concentrarmos em velhos prazeres e tentar não pensar nos mortos que se multiplicam.
VALOR - Parece que uma das suas receitas para espantar o tédio e a melancolia em tempos de pandemia é arrumar devagarinho sua estante de livros. O seu colega Ruy Castro, colunista da “Folha de S. Paulo”, tem publicado listas de livros que levaria para uma ilha deserta. Tem a sua?
LF - Segundo aquela velha piada, para uma ilha deserta deve-se levar um manual de instruções sobre como construir um barco para sair da maldita ilha deserta o mais rapidamente possível. Mas se estiver certo que a estadia na ilha será longa, eu levaria toda a obra do Shakespeare, inclusive para aproveitar o papel.
VALOR - Woody Allen citou “Memórias Póstumas de Brás Cubas” como um de seus cinco livros favoritos. Por que Machado não fez o mesmo sucesso internacional que outros autores latino-americanos?
LF - A Susan Sontag, entre outros, também era admiradora do Machado. Autores brasileiros tem menos publico no mercado internacional do que autores de língua espanhola justamente pelo fato do mercado de língua espanhola ser maior do que o de língua portuguesa. Mesmo assim, Jorge Amado, Clarice Lispector, Moacyr Scliar e mais meia dúzia de escritores brasileiros, sem esquecer o Paulo Coelho, tem seu publico internacional.
VALOR - Aliás, quem toca melhor sax alto, Woody Allen ou Luis Fernando Veríssimo?
LF - O Woody Allen toca clarinete no estilo de Nova Orleans, eu toco, ou tocava antes de perder o fôlego, sax alto. Quando comecei no sax, nem sabia que existia Woody Allen. Tenho espalhado que foi ele que me imitou.
VALOR - As crônicas de “Veríssimo Antológico” foram distribuídas em ordem cronológica. Como o senhor vê a evolução do cronista ao longo dos anos? Passou a escrever melhor ou a qualidade da escrita não está necessariamente ligada ao tempo de prática?
LF - O que mais me surpreende quando vejo crônicas minhas antigas é o tamanho dos textos. Sempre digo que não sei se fiquei mais conciso ou mais preguiçoso. O inegável é que quanto mais a gente escreve, mais difícil fica. O escritor relapso vai, com o tempo, pouco a pouco, se transformando num leitor exigente.
VALOR - Numa crônica sobre o poder, “o poder e a troça”, o senhor escreveu: “Quanto mais forte o poder, mais impune o bobo”. Atualíssima, não?
LF - Acho que a crônica era sobre o humor e o poder, ou o papel do humorista num regime autoritário, ou no processo de enrijecimento, como no Brasil. Quanto mais duro o poder, mais ele teme o ridículo e portanto o humorista. Ou ao contrário, quanto mais certo do seu poder o rei, mais irrelevante o bobo da corte. Algo por aí.
VALOR - Qual é o melhor e o pior presidente da história do país aos olhos de um cronista brasileiro?
LF - O pior foi Jânio Quadros o Breve, cuja loucura nos legou tudo isso que continua aí. Os generais da ditadura também foram lamentáveis. E agora temos o capitão Bolsonaro, que não é um presidente, é um cataclismo.
VALOR - Nos anos 1970, a imprensa o saudou como o “novo Stanislaw Ponte Preta”. era mais uma para do “festival de besteira que assola o país” ou a comparação fazia algum sentido?
LF - Sergio Porto, o Stanislau Ponte Preta, foi único e incomparável. E como está fazendo falta, neste festival de besteiras que nos assola.
VALOR - O “festival de besteira” é um terreno fértil para qualquer cronista ou o senhor acha que conseguiria manter a mesma sagacidade como autor se tivesse nascido na Basileia?
LF - Estou aprendendo basileico, uma estranha língua com duas consoantes e um arroto, para o caso de uma imigração se tornar inevitável.
VALOR - sobre timidez, o senhor escreveu: “Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado”. O estratagema, no seu caso, deu mais do que certo, não?
LF - A timidez deu certo até agora mas não a recomendo para ninguém. Podendo escolher o que ser na vida, escolha ser a Elke Maravilha.
VALOR - Na crônica amor, você diz: “Literatura é quando o amor ainda não veio ou quando já acabou, literatura durante é mentira”. O senhor nunca deixou de escrever. Sempre produziu muito. O amor ainda não veio ou tem custado a acabar?
LF - No meu caso o amor já veio, ja se instalou e ficou.
VALOR - O senhor começou no jornalismo escrevendo sobre gastronomia no jornal “Zero Hora”. O ex-crítico gastronômico continua achando a culinária francesa muito superior à italiana? O senhor chegou a classificar a pizza italiana como “bizarra”. Os italianos sabem disso?
LF - A pizza é uma contravenção que os italianos vendem como comida há anos.
VALOR - o que o senhor gostava de comer sempre e não pode mais, por conta dos cuidados com a saúde?
LF - Tudo.
VALOR - Como a Velhinha de Taubaté está encarando a pandemia?
LF - A Velhinha de Taubaté acredita piamente no Ministro da Saúde do Brasil, seja ele quem for.