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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

27
Ago23

O avanço inesperado de Milei e o esvaziamento da vida política

Talis Andrade

por Camila Koenigstein

O fenômeno que marca o avanço dos partidos de ultradireita em diversos países chegou à Argentina. Embora exista uma tendência a vinculá-lo à crise econômica que o país atravessa há décadas – intensificada nos últimos anos com a polarização entre macrismo e kirchinerismo (la grieta), que gerou um cenário de forte hostilidade política entre grupos de oposição –, não podemos deixar de pensar que tal momento é reflexo de um movimento que vem ganhando força em diversas partes do globo, o que insere o país em um contexto mais amplo de mudanças políticas, sociais e no âmbito das mentalidades.

A precarização da vida laboral, a frustração do corpo social, o rechaço dos jovens ao cenário político atual e as desilusões oriundas da pobreza que hoje assola 39,2% da população possibilitaram o surgimento de novas subjetividades que formaram um caldo de cultivo de ideias que para muitos pertenciam ao passado.

Os mais jovens identificam em Milei a rebeldia que quase sempre está presente na juventude, porém, diferentemente de outros momentos, esse setor fez emergir um forte antipopulismo, e o próprio conceito de democracia e liberdade foi interpretado como o reino da individualidade plena, ou seja, o neoliberalismo na sua maior expressão.

No entanto, como afirma Hannah Arendt, em O que é política?:

Caso ocorra a abolição do político, obteríamos uma forma despótica de dominação ampliada e até monstruosa, surgindo um abismo entre dominadores e dominados que não possibilitaria sequer rebeliões, muito menos que dominados controlassem de alguma maneira dominadores. A dominação burocrática, a dominação através do anonimato das oficinas não é menos déspota porque ninguém a exerce. Ao contrário, é ainda mais temível, pois não há ninguém que possa falar com este ninguém nem protestar ante ele.

A postura absoluta contra o Estado defendida por Javier Milei mostra uma face déspota, que é facilmente manipulada através de frases de efeito e gritos de liberdade. Mas a ausência do Estado como mediador das relações de poder expõe os mais frágeis a uma situação de extrema vulnerabilidade. Os cortes em programas sociais, as alterações nas leis trabalhistas e sua defesa do minarquismo colocam em jogo tudo o que foi construído em termos de direitos humanos até o presente momento no país.

Assim como ocorreu no Brasil e alguns países europeus, a Argentina se depara agora com a ascensão de um candidato que desde 2016 vem construindo um discurso antissistêmico e hipercapitalista, muitas vezes de difícil compreensão pela falta de coerência, mas que encontrou no corpo social ressonância.

Muito mais do que a personificação do cansaço social, Javier Milei encarna a figura do pai que resolverá tudo utilizando o autoritarismo autorizado pelos seus eleitores. Esse pai que organiza tudo também tira dos indivíduos suas responsabilidades, afinal o pai cuida, protege, age conforme seus valores e desejos sem consultar os filhos.

A premissa kantiana que anunciava que o estado de dependência oriunda da menoridade (falta de esclarecimento e racionalidade) gera de alguma forma uma satisfação no sujeito, já que ele não faz uso de conceitos éticos para decidir o curso dos problemas sociais, expõe a falta de contato dos jovens com o passado e com os temas vinculados à vida política, uma característica importante quando observamos o esvaziamento da vida social e política na atualidade.

O discurso de Milei desperta certo “comodismo” ao culpabilizar os que dependem de ajuda social pela situação do país hoje, assim como todos os que compõem o quadro político atual. Os bodes expiatórios servem como justificativa rápida para problemas complexos, um mecanismo exitoso quando pensamos na manipulação das massas. Nesse sentido, também podemos utilizar Kant e seu livro Sobre a paz perpétua para entendermos a importância das leis e da moral como condutores da vida em sociedade. Para o autor, não é a economia que deve direcionar a sociedade, já que ela não faz parte da razão. Parafraseando Byung-Chul Han em Capitalismo e impulso de morte, a política teria que se submeter de novo à moralidade e seus valores, tais como a solidariedade, a justiça e a dignidade humana. Para tanto seria necessário frear o “poder do dinheiro” e a hegemonia do capital. Longe desses princípios, vemos a ascensão da irracionalidade de um homem que defende a venda de órgãos como uma prática a ser normalizada, uma mera transação comercial, usando o conceito de liberdade individual de forma rasa, negando o valor da ética e da moral na política, exaltando o capital e a individualidade como as únicas saídas para a crise instalada na sociedade argentina.

27
Ago23

Javier Milei: o poder e a prisão do cringe

Talis Andrade
 
Reprodução/Redes SociaisJavier Milei (E) e Eduardo Bolsonaro, reprodução/redes sociais, fazendo arminha com os dedos, imitando Jair Bolsonaro na campanha eleitoral da extrema direita armada

 

Renato Duarte Caetano

Cult

Cringe talvez seja um dos termos mais adequados para descrever o sentimento de quem assiste às performances do vencedor das primárias argentinas Javier Milei. É impossível não contorcer em total constrangimento ao ver o candidato com maiores chances de virar presidente da Argentina comportando-se de maneira tão desavergonhadamente ridícula.

Como se não bastasse exibir com orgulho um penteado mais caótico do que qualquer moda adolescente dos anos 2000, Milei também ostenta fantasias cosplay de Deus Imperador Ancap e se gaba de ser frequentador assíduo de orgias assim como instrutor de sexo tântrico. Isso sem falar de seus óculos propositalmente tortos e sua pose oficial, cujo olhar é tão intenso que cria uma mistura bizarra de pseudo-serial killer com esoterismo à la Shanti Ananda de Ligue Djá.

Tudo na estética de Milei aponta para o cringe, o ordinário e o grotesco. Todavia, ao contrário do que pensaríamos, é justamente no cringe que se encontra a maior parte de seu poder, de seu apelo e de sua popularidade.

Para os que não estão a par da expressão, cringe é a palavra da moda para descrever o profundo desconforto que sentimos quando vemos alguém se constranger ou se ridicularizar em público. Geralmente o sentimento é ainda mais intenso quando a situação de embaraço envolve uma tentativa objetivamente falha de projetar poder ou carisma.

Para dar um exemplo, é um pouco daquilo que sentimos quando víamos os vídeos do então à época candidato Bolsonaro, fazendo flexões fajutas e desengonçadas em público. Para que o cringe emerja corretamente, todavia, é preciso que o espectador não se identifique com o protagonista da cena. Caso haja qualquer tipo de reconhecimento subjetivo, o sentimento de constrangimento é substituído por afetos de empatia, simpatia e admiração. Um pouco do que aconteceu quando muitos brasileiros se enxergaram na participante Juliette durante a edição do BBB de 2021: quanto mais Juliette era subjugada pelos outros participantes, mais sucesso ela fazia com o público.

Ou seja, há um cálculo muito sensível e complicado no balanceamento entre identificação e desidentificação. Dominar essa matemática, porém, se tornou uma das formas mais eficazes de acelerar o próprio carro na corrida pela popularidade nacional. E não há dúvida de que nessa maratona, os políticos de extrema direita vêm alcançando velocidades nunca antes vistas.

Javier Milei, como sabemos, não é um produto exclusivo argentino, ele é mais um político que adentra o clã das paródias populistas de extrema direita. É preciso compreender também como grande parte do sucesso desses populistas está diretamente relacionado ao fato de que vivemos num contexto social cuja tolerância por hierarquias sociais vem diminuindo exponencialmente.

Há uma tendência generalizada pela valorização da horizontalidade, da desierarquização e da democratização da participação e do poder. Sustentar o peso do lugar de autoridade simbólica nunca foi tão custoso. E isso faz com que se apresentar como uma pessoa digna de ocupar o lugar da presidência seja uma tarefa praticamente impossível. Enxovalhar os diversos locus de poder, incluindo a presidência, aparece então como um atalho mais curto. Avacalhar a seriedade dos ritos, dos elementos simbólicos e de tudo que reveste a política de uma aura transcendental tornou-se uma resposta mais barata para o problema da tensão contemporânea entre sociedade, indivíduos e autoridades.

Dessa maneira, quando Milei dança ao som de “Bomba tântrica”, assim como quando realiza qualquer de suas outras palhaçadas, ele performa uma subversão do status quo que não se dá através de um uso do poder simbólico, mas de sua desconcatenação pela via da estética do ridículo. O mau gosto se torna tanto uma arma a ser usada contra as elites e contra seus adversários políticos, quanto um escudo para se proteger da percepção pública de que o próprio Milei faz parte da elite.

Ao permitir que seus eleitores riam com e dele, o candidato faz com que seus seguidores acessem um lugar de poder que só existe através da ridicularização do próprio. O prazer de debochar das autoridades, das elites das hierarquias, é o que sobra em uma sociedade na qual a mobilidade social e a melhoria material da qualidade de vida parecem simplesmente impossíveis.

O perigo de populistas como Milei não está, assim, apenas em suas políticas econômicas desastrosas, em seu desmonte do Estado e em seus ataques às conquistas de direitos sociais. A ameaça está presente também na difusão de uma fantasia predadora que afirma que hoje em dia só é possível rir da política, sendo considerada ingênua e alienada qualquer atitude que visa tentar levá-la a sério. Ridiculariza-se aquilo que, acredita-se, seja impossível de transformar. É certo que o riso, principalmente aquele advindo da paródia, serviu como ferramenta de emancipação política para muitos grupos historicamente oprimidos e marginalizados; o mais claro exemplo disso é a comunidade queer. Todavia é importante compreender que o prazer derivado do poder que emana do riso da paródia também pode funcionar como um poderosíssimo anestésico.

Um povo que ri de seu aprisionamento pode se tornar demasiadamente afeiçoado à sua condição de subjugamento, correndo o risco de lutar para defender sua própria submissão. Não argumento pela posição de que não deveríamos rir de políticos como Milei. É de suma importância que sejamos capazes de ridicularizá-lo. O importante aqui é compreender que é necessário levar a sério uma certa desidentificação social com a figura do underdog e do perdedor. Para vislumbrar um horizonte no qual o povo não é submisso a figuras abjetas. É preciso voltar a imaginar e principalmente sonhar com a vitória.

15
Abr23

Ao lado de Xi Jinping, Lula dá o tom da nova ordem global

Talis Andrade

A terra plana capota!

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Luis Nassif & Conde: Adeus Dólar!

 

por André Cintra

Se a visita de Xi Jinping à Rússia, em março, assinalou o que o próprio líder chinês chamou de “nova era”, o encontro entre Xi e o presidente Lula, nesta sexta-feira (14), em Pequim, parece acelerar e sacramentar esta outra ordem global. “Vamos trabalhar pela ampliação do comércio e equilibrar a geopolítica mundial”, declarou Lula, ao lado de Xi.

A missão comercial está devidamente cumprida. Em solenidade no Grande Palácio do Povo, sede do governo, Brasil e China firmaram o maior acordo bilateral na história das relações entre os dois países. As 15 parcerias firmadas somam mais de R$ 50 bilhões, conforme projeção divulgada pela Presidência da República.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que integra a comitiva de Lula à China, ponderou que o Brasil “não pode estar isolado de ninguém, é grande demais para ficar escolhendo parceiro”. Mas deixou claro que a dependência do capital norte-americano tem prejudicado o País.

“Queremos investimentos dos Estados Unidos no Brasil, mas estamos vivendo quase que um momento de desinvestimento. Algumas empresas americanas no passado tomaram a decisão de deixar o Brasil”, disse Haddad. Em outras palavras, é hora de buscar recursos asiáticos.

Mas a ida de Lula à China, a despeito da relevância da pauta econômica, tem uma significação geopolítica ainda maior. O brasileiro foi categórico e deu o tom em Pequim: “A compreensão que o meu governo tem da China é a de que temos que trabalhar muito para que a relação Brasil-China não seja meramente de interesse comercial. Temos interesses políticos – e nós temos interesses em construir uma nova geopolítica para mudar a governança mundial, dando mais representatividade às Nações Unidas”.

Ao que Xi Jinping prontamente respondeu: “A China coloca as relações com o Brasil em um lugar prioritário nas nossas relações exteriores”. Líder de um “grande país socialista moderno”, o presidente chinês afirmou que seu governo busca “um desenvolvimento de alta qualidade”, “um novo paradigma de desenvolvimento”, com “uma abertura de alta qualidade”, que “destrave novas oportunidades para o Brasil e outros países”.

É como se vivêssemos uma transição histórica que desafia não apenas a hegemonia norte-americana – mas também o poderio do G7 (o grupo formado por sete nações que, até duas décadas atrás, eram as mais ricas do mundo: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá).

O que está em jogo é o papel que os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) terão nesta nova ordem. Lá atrás, em 2001, quando o economista Jim O’ Neill, do Goldman Sachs, cunhou o acrônimo Bric, a ideia era chamar a atenção dos investidores para o crescente potencial dos chamados “emergentes”.

Mas a articulação desses países foi além dos propósitos originais. Embora o Brasil tenha perdido força, no grupo e no mundo, com o governo Jair Bolsonaro (PL), a retomada dos Brics passa necessariamente pela contribuição de Lula.

Num dia, o presidente brasileiro fala abertamente em criar alternativas ao dólar no comércio internacional. No outro, reforça a necessidade de reduzir as assimetrias entre os países. À maneira Lula, sem os protocolos que costumam marcar as declarações do chinês Xi Jinping ou do russo Vladimir Putin, os Brics ganham um porta-voz carismático e mobilizador, à altura destes tempos.

Desde 2020, o PIB dos Brics supera o PIB do G7, um marco por si só extraordinário. Parece faltar pouco para que o bloco lidere igualmente a cena geopolítica e influencie cada vez mais a comunidade internacional.

Em recente depoimento à DW, Günther Maihold, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), resumiu a sina dos Brics: “A lenda fundadora das economias emergentes esvaneceu. Os países do Brics estão vivendo seu momento geopolítico”.

Há um consenso de que a guerra na Ucrânia é um desafio para essa transição. China e Brasil concordaram em tentar viabilizar, conjuntamente, uma proposta para a paz, sem a ingerência dos Estados Unidos e da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Se essa proposta eventualmente vingar, e se iniciativas como a criação de uma moeda comercial dos Brics saírem do papel, a margem de influência da Casa Branca será a menor em 80 ou 90 anos.

15
Abr23

Banco dos Brics “liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais”, diz Lula

Talis Andrade

Lula e Xi

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Na posse de Dilma à frente do NBD, Lula criticou o sufocamento econômico e social de países emergentes por nações desenvolvidas

 

Ana Gabriela Sales /GGN

O presidente Lula (PT) participou, nesta quinta-feira (13), em Xangai, da posse de Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, na sigla em inglês), mais conhecido como Banco dos Brics. Na ocasião, o petista não poupou críticas ao modelo tradicional financeiro espalhado por todo globo e destacou o papel social do bloco econômico composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Segundo Lula, “o Novo Banco de Desenvolvimento tem um grande potencial transformador, na medida em que liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais, que pretendem nos governar, sem que tenham mandato para isso”. 

Neste contexto, Lula insistiu contra o sufocamento econômico e social de países emergentes por nações desenvolvidas e citou a possibilidade dos financiamentos dos bancos acontecerem “sem as amarras” do dólar. 

“Pela primeira vez, um banco de desenvolvimento de alcance global é estabelecido sem a participação de países desenvolvidos em sua fase inicial. Livre, portanto, das amarras e condicionalidades impostas pelas instituições tradicionais às economias emergentes. E mais, com a possibilidade de financiamento de projetos em moeda local”, destacou o presidente brasileiro. 

“Por que não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? Quem é que decidiu que era o dólar? Nós precisamos ter uma moeda que transforme os países numa situação um pouco mais tranquila, porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para exportar”, afirmou. 

Lula ainda ressaltou que os bancos devem ser tolerantes com os países emergentes e criticou diretamente o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Nenhum governante pode trabalhar com uma faca na garganta porque está devendo”, disse. “Não cabe a um banco ficar asfixiando as economias dos países como está fazendo com a Argentina o Fundo Monetário Internacional”, completou.

Papel social dos Brics

Ao longo de seu discurso, Lula também exaltou o papel do banco dos Brics no combate às desigualdades e na recuperação de nações. 

“A mudança do clima, a pandemia e os conflitos armados impactam negativamente as populações mais vulneráveis. Muitos países em desenvolvimento acumulam dívidas impagáveis. É nesse contexto que a criação do NDB se impõe”, disse. 

Lula, por fim, fez um apelo internacional por mais solidariedade. “Não podemos ter uma sociedade sem solidariedade, sem sentimento. Temos que voltar a ser generosos. Vamos ter que aprender a estender a mão outra vez. Nós precisamos derrotar o individualismo que está tomando conta da humanidade”.

Fato extraordinário

Ao parabenizar Dilma pelo cargo máximo na instituição, o presidente brasileiro relembrou a trajetória de luta e resistência da petista, que sofreu um impeachment no Brasil. 

Vale destacar, que o NBD foi estabelecido em conferência no Brasil durante o mandato de Dilma como presidente da República. 

 

A posse de uma mulher à frente de um banco global de tamanha envergadura seria por si só um fato extraordinário, num mundo ainda dominado pelos homens. Mas a importância histórica deste momento vai mais além. Dilma Rousseff pertence a uma geração de jovens que nos anos 70 lutaram para colocar em prática o sonho de um mundo melhor – e pagaram caro, muitos deles com a própria vida”, destacou Lula. 

 

 

O discurso de Lula

“É com grande alegria que retorno a Xangai após quase 20 anos, e por um motivo muito especial. Tenho a satisfação de reencontrar a presidenta Dilma Rousseff e o prazer de comemorar sua escolha para comandar esta importante instituição.

A posse de uma mulher à frente de um banco global de tamanha envergadura seria por si só um fato extraordinário, num mundo ainda dominado pelos homens. Mas a importância histórica deste momento vai mais além.

Dilma Rousseff pertence a uma geração de jovens que nos anos 70 lutaram para colocar em prática o sonho de um mundo melhor – e pagaram caro, muitos deles com a própria vida.

Meio século depois, o Novo Banco de Desenvolvimento surge como ferramenta de redução das desigualdades entre países ricos e países emergentes, que se traduzem em forma de exclusão social, fome, extrema pobreza e migrações forçadas.

Senhoras e senhores.

A mudança do clima, a pandemia de COVID-19 e os conflitos armados impactam negativamente as populações mais vulneráveis. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável passam por graves retrocessos, e muitos países em desenvolvimento acumulam dívidas impagáveis.

É neste contexto adverso que o Novo Banco de Desenvolvimento se impõe.

A decisão de criar este banco foi um marco na atuação conjunta dos países emergentes. Por suas dimensões, tamanho de suas populações, peso de suas economias e a influência que exercem em suas regiões e no mundo, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul não poderiam ficar alheios às grandes questões internacionais.

As necessidades de financiamento não atendidas dos países em desenvolvimento eram e continuam enormes.

A falta de reformas efetivas das instituições financeiras tradicionais limita o volume e as modalidades de crédito dos bancos já existentes.

Pela primeira vez, um banco de desenvolvimento de alcance global é estabelecido sem a participação de países desenvolvidos em sua fase inicial. Livre, portanto, das amarras das condicionalidades impostas pelas instituições tradicionais às economias emergentes. E mais: com a possibilidade de financiamento de projetos em moeda local.

A criação deste Banco mostra que a união de países emergentes é capaz de gerar mudanças sociais e econômicas relevantes para o mundo. Não queremos ser melhores do que ninguém. Queremos as oportunidades para expandirmos nossas potencialidades, e garantir aos nossos povos dignidade, cidadania e qualidade de vida.

Por isso, além de continuar trabalhando pela reforma efetiva da ONU, do FMI e do Banco Mundial, e pela mudança das regras comerciais, precisamos utilizar de maneira criativa o G-20 (que o Brasil presidirá em 2024) e o BRICS (que conduziremos em 2025) com o objetivo de reforçar os temas prioritários para o mundo em desenvolvimento na agenda internacional.

Senhores e senhoras.

O Novo Banco de Desenvolvimento tem um grande potencial transformador, na medida em que liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais, que pretendem nos governar, sem que tenham mandato para isso.

O banco dos Brics já atraiu quatro novos membros: Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos e Uruguai. Vários outros estão em vias de adesão, e estou certo de que a chegada da presidenta Dilma contribuirá para esse processo.

No Brasil, os recursos do Novo Banco financiam projetos de infraestrutura, programas de apoio à renda, mobilidade sustentável, adaptação à mudança climática, saneamento básico e energias renováveis.

Em conjunto, os membros do BRICS ampliam sua capacidade de atuar positivamente no cenário internacional, contribuindo para evitar ou mitigar crises e beneficiando as perspectivas de crescimento e desenvolvimento de nossas economias.

Por tudo isso, o Novo Banco de Desenvolvimento reúne todas as condições para se tornar o grande banco do Sul Global.

Senhoras e senhores.

O tempo em que o Brasil esteve ausente das grandes decisões mundiais ficou no passado. Estamos de volta ao cenário internacional, após uma inexplicável ausência. Temos muito a contribuir em questões centrais do nosso tempo, a exemplo da mitigação da crise climática e do combate à fome e às desigualdades.

É intolerável que, num planeta que produz alimentos suficientes para suprir as necessidades de toda a humanidade, centenas de milhões de homens, mulheres e crianças não tenham o que comer.

É inadmissível que a irresponsabilidade e a ganância de uma pequena minoria coloquem em risco a sobrevivência do planeta e de toda a humanidade.

O Brasil está de volta. Com a disposição de contribuir novamente para a construção de um mundo mais desenvolvido, mais justo e ambientalmente sustentável.

Queremos compartilhar com todos os países interessados a experiência de crescimento econômico com inclusão social que o Brasil viveu durante meu governo e o governo da presidenta Dilma Rousseff.

As políticas públicas de nossos governos foram capazes de resgatar 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza, e retirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU pela primeira vez em nossa história. Ao mesmo tempo, o Brasil se tornou a 6ª maior economia do planeta.

Estou certo de que a experiência da presidenta Dilma ao governar o Brasil se renovará à frente deste importante instrumento para o desenvolvimento de nossos países.

Sua presidência representa o compromisso renovado do Brasil com os BRICS. E é também mais uma demonstração da disposição brasileira de consolidar o fortalecimento deste Novo Banco de Desenvolvimento diante dos desafios e da necessidade de contínuo aprimoramento institucional e operacional.

Fico feliz por termos uma mulher forte e experiente à frente dessa instituição.

Muito boa sorte, felicidades e sucesso nas suas novas funções, Presidenta Dilma.

Muito obrigado”.

 

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