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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

08
Abr23

Juiz não pode atuar como "paladino" no combate à corrupção

Talis Andrade
 
 
Não se combate a corrupção corrompendo a Constituição - Sindicato dos  Metalúrgicos do ABC
 
 
 

 

MAGISTRATURA X POLÍTICA

O Judiciário não tem o papel de "paladino" no combate à corrupção. O juiz tem a função de analisar as provas que lhe são trazidas, e não pode atuar como "um vingador"

Redação Consultor Jurídico

Foi o que disse o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, em entrevista à revista Veja. O ministro do Superior Tribunal de Justiça acredita que os magistrados não podem ser responsabilizados pela sensação de impunidade no país.

"Ao contrário do que pensa o senso comum, o juiz não pode ter compromisso com um resultado predeterminado, com a punição de quem está sendo acusado. O compromisso de todo e qualquer juiz é julgar de forma célere, resguardar o direito de defesa e aplicar a lei no caso concreto", explicou.

Salomão também se posicionou contra a criação de varas especializadas na área criminal, pois entende que isso gera deformações. "Temas muito midiáticos levam a uma exposição que não combina com a atividade de juiz. Muitos magistrados acabam misturando a atividade com política, se extasiam com reconhecimento, acham que vão resolver todos os problemas do Brasil, extrapolam, abandonam a ideia de imparcialidade, e vai tudo por água abaixo".

Um "exemplo clássico de utilização da toga com finalidade política", segundo o ministro, foi a "lava jato". Na visão do corregedor, a operação "se perdeu quando os juízes confundiram a função deles com uma atividade política e começaram a se expor demais, se acharem paladinos".  

Salomão mencionou o caso do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro e responsável pelos processos do braço fluminense da "java jato". "O processo dele está sob sigilo, mas o Plenário do CNJ reconheceu que ele ultrapassou a linha não só pela mistura da atividade judicial com a política, mas por sua própria conduta, incompatível com o que se deve esperar de um juiz", declarou Salomão. 

Ele também citou o caso do ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná. "O fato de o juiz deixar a magistratura para trabalhar no Executivo e depois disputar uma eleição parlamentar, por si só, comprova essa mistura", avaliou Salomão. Por isso, ele defende uma quarentena para magistrados que deixam o cargo para entrar na política.

Na entrevista, Salomão também argumentou que a aposentadoria compulsória, aplicada como punição disciplinar na magistratura, não é um prêmio para o juiz.

"O magistrado perde os vencimentos, mas, como contribuiu para a Previdência Social, tem direito a receber o que recolheu. Um criminoso não perde a aposentadoria do INSS porque cometeu um crime. O que qualquer um pagou até o dia da punição entra no cálculo da aposentadoria. Isso vale para todo cidadão, e não só para os magistrados".

Ele ainda sustentou a legitimidade de juízes participarem de palestras ou eventos feitos por entidades ligadas à magistratura. "O que é ruim — e ilegal — é a confusão entre o interesse privado e a atividade pública. A monetização de palestras, a meu ver, é um problema ético que cada juiz avalia do seu ponto de vista. É esperado desse magistrado que se declare suspeito se vier a deparar com um processo desse contratante".

Por fim, o corregedor teceu elogios à atuação do ministro Alexandre de Moraes à frente do Tribunal Superior Eleitoral: "Se ele não tivesse tido a firmeza que teve, as eleições talvez nem tivessem acontecido". Salomão não vê abusos do colega, pois suas decisões foram confirmadas pelo Plenário.

De acordo com o ministro do STJ, "fatos concretos" apontam que "a autonomia e a firmeza" do TSE e do STF impediram "o avanço do sistema autoritário". Ele cita como exemplo a depredação promovida por bolsonaristas na Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

 
Carlos Latuff on Twitter: "Sob o disfarce de combate à corrupção, a  Operação Lava-Jato foi na verdade uma intervenção da Casa Branca na  política do #Brasil, para que voltássemos a ser o
 

Comentário de Igor de Oliveira Zwicker (Serventuário):

Segundo Sua Excelência,

"O magistrado perde os vencimentos, mas, como contribuiu para a Previdência Social, tem direito a receber o que recolheu. Um criminoso não perde a aposentadoria do INSS porque cometeu um crime. O que qualquer um pagou até o dia da punição entra no cálculo da aposentadoria. Isso vale para todo cidadão, e não só para os magistrados."

Negativo.

Eu até acho justa a aposentadoria levar em conta o que foi recolhido.

Mas e o servidor público civil da União, regido pela Lei n° 8.112/90?

É demitido ADMINISTRATIVAMENTE e perde tudo. Tudo que recolheu para o RGPS ou RPPS deixa de ser considerado.

Portanto, diferente do que disse o ministro, a regra NÃO vale para "todo cidadão".

22
Jan22

A maioridade da reforma do Judiciário e a (in)constitucionalidade proposta por Moro

Talis Andrade

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Por Thiago de Miranda Coutinho

No final da última semana, o pré-candidato à Presidência da República e ex-juiz federal Sérgio Moro declarou que, se eleito, promoverá uma reforma no Poder Judiciário.

Mesmo sem detalhar as propostas de mudanças  em que tal medida resultaria, o ex-magistrado se reservou a dizer que deseja "um Judiciário mais eficiente e menos custoso" e que, ainda, segundo o jornal O Estado de São Paulo, uma equipe de juristas renomados se encarregaria de elaborar as temáticas da dita reforma.

No entanto, a fala do presidenciável na primeira semana do ano que promete protagonizar uma das eleições mais acaloradas já vistas no Brasil repercutiu mal e soou como inoportuna e — de certa feita, ao mesmo tempo —, oportunista, mormente entre seus antigos pares magistrados.

Isso visto que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), na figura da sua presidente, Renata Gil, pontuou que "ele não pode fazer uma reforma como representante do Executivo sem essa iniciativa do Judiciário, isso seria, inclusive, inconstitucional. O debate sobre o Poder Judiciário tem que acontecer dentro do Judiciário e não fora dele".

Entretanto, a fala da presidente da AMB carece de maior atenção, pois uma proposta de emenda à Constituição também pode ser apresentada, sim, pelo presidente da República. Ou seja, não haveria inconstitucionalidade na aplicabilidade do anseio do ex-ministro Sérgio Moro (se presidente eleito for).

Todavia, voltando aos holofotes do cenário político que se avizinha, destaca-se que essa discussão já fora reverberada (e efetivada) num passado não tão distante, pois, prestes a completar 18 anos no final de 2022, a Emenda Constitucional nº 45 implementou uma grande reforma no Poder Judiciário (em 2004).

Foram inúmeras mudanças protagonizadas à época, como a edição de súmulas vinculantes pelo STF, o estabelecimento do instituto da repercussão geral como requisito de admissibilidade dos recursos extraordinários, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, também, do Ministério Público (CNMP), além dos inúmeros avanços no âmbito da Justiça do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça.

Frisa-se que a referida emenda constitucional (publicada em 31/12/2004), tramitou na Câmara dos Deputados de 1992 a 2000 e que somente em 2002 retornou ao Senado, ganhando prioridade na pauta daquela casa.

Ou seja, uma matéria cuja relevância extrapola os muros eleitorais carece de ampla (e séria) discussão para que se aglutinem verdadeiras mudanças em prol do Poder Judiciário, da Justiça e da sociedade!

No ponto, ao fazer um rápido paralelo com a própria Constituição Federal de 1988, tem-se que a Carta Magna ainda carece de implementação prática. Inúmeros são os artigos e incisos que muito são estudados nos bancos acadêmicos, porém pouco são implementados na prática das ruas; e quem experimenta dessa utopia (muitas vezes sem saber sequer o que significa essa palavra), é o próprio eleitor. Eleitor que a cada quatro anos é surpreendido com as velhas "novas novidades" de sempre.

Assim, devamos, quem sabe, coadunar (e fundir) parte das intenções aqui elencadas no afã de prover um resultado eficaz à chamada justiça social tão desejada por todos.

Dessa forma, se o pré-candidato está disposto a melhorar o louvável Judiciário, e a entidade que representa os juízes entende que deve haver um debate no seio da magistratura, pois bem: que o façam!

De toda sorte emerge a reflexão: em tempos pandêmicos, de instabilidade constitucional perpetrada por embates entre alguns representantes dos poderes constituídos, de ataques à autonomia do Judiciário e, não obstante, em clima eleitoral mais do que acalorado, seria o momento ideal para esse tipo de pauta?

Talvez a resposta esteja em buscar sensatez, serenidade, probidade e espírito público de um(a) presidente que possa liderar a nação e colocar o país nos caminhos da tão aclamada justiça.  

[O eleitor que recebe o salário mínimo do mínimo quer saber se Moro acabaria, se acaso eleito, com os altos salários acima do teto constitucional dos principescos magistrados e procuradores.

Se colocaria na cadeia os procuradores que promoveram na lava jato um assalto milionário, forjando diárias, passagens e horas extras. Inclusive se faz necessária uma auditoria na conta gráfica da Lava Jato. A "vítima" Petrobras depositou no dia 30 de janeiro de 2019, 2 bilhões e 500 milhões na Caixa Econômica Federal para a gastança dos sabidos abaixo relacionados: 

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Auditoria já nessa dinheirama ao deus-dará. 

Todo mundo jura que essa bufunfa teve outra aplicação depois de cantadas e possíveis interferências da pgr Raquel Dodge e ministro Alexandre de Morais. 

Como gastaram a grana das multas das delações premiadas? Idem dos acordos de leniência das empreiteiras internacionais do Brasil, que faliram pelo poder de destruição da lava jato a mando dos Estados Unidos.

Empresas brasileiras, inclusive empresas estratégicas, faliram para o Brasil perder espaço na guerra econômica na África, na América do Sul, continentes de países quintais do Tio Sam. Brasil, de sexta economia com Lula e Dilma presidentes, foi rebaixado nos governos entreguistas de Temer e Bolsonaro. Voltou a ser Terceiro Mundo, colônia dos Estados Unidos, país residência de Sergio Moro. E o servil e incompetente e idiota Bolsonaro bateu continência para a bandeira do Tio Sam. 

A reforma de Moro é para terminar a malandragem remunerada das férias de 60 dias? Duvido.

É para punir magistrados e procuradores que praticaram crimes de parcialidade, de suspeição, de incompetência? Duvido. A maior penalidade que os marajás e as Marias Candelárias recebem: o prêmio de aposentadoria precoce]

 

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14
Fev21

Documentário mostra como atuação de Moro também atingiu pessoas comuns

Talis Andrade

Por Tiago Angelo /Conjur

Já em 2013, antes de Sergio Moro ser alçado ao frágil posto de ídolo, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal teve a chance de declarar o suspeição do ainda pouco conhecido juiz de primeiro grau. À época, a Corte julgou um caso envolvendo Rubens Catenacci, ex-sócio de uma casa de câmbio no Paraguai que acusou Moro de ter cometido excessos na condução de seu processo. 

Ao apreciar o pedido, o então ministro Celso de Mello não poupou Moro de críticas. “O magistrado surge como travestido de verdadeiro investigador, desempenhando funções inerentes ao próprio órgão de acusação, ao Ministério Público”, disse o ex-decano em tom profético, sem saber que estava dando a definição precisa do que viria a ser, a partir de 2014, a “lava jato”.

A suspeição não veio, mas nem por isso o juiz, que ainda atuava na 2ª Vara Criminal de Curitiba, saiu ileso: O STF entendeu que atos abusivos e censuráveis foram de fato cometidos, mas que tais condutas, mesmo quando sucessivas, não comprovam que houve parcialidade. 

Esse e outros episódios são contados no documentário Sergio Moro: A Construção de um juiz acima da lei. A obra, produzida por Lourdes Nassif, com roteiro de Luis Nassif e Marcelo Auler, foi lançada nesta segunda-feira (8/2) pela TV GGN

Dividido em 12 capítulos, o documentário conta a história de Moro desde a faculdade em Maringá até a atuação em casos que evidenciam o notório punitivismo do magistrado. Para isso, conta com a participação de Alberto Toron, Celso Tres, Cezar Roberto Bitencourt, Cristiano Zanin Martins, Fernando Augusto Fernandes, Geoffrey Robertson, Gerson Machado, Mário Magalhães e Michel Saliba. 

Segundo contou à ConJur o jornalista Luis Nassif, a ideia foi mostrar como um homem comum de ar provinciano pode ser impulsionado ao posto de um mito nacional que atua fora do radar da lei. Para ele, a ascenção do magistrado se deve a uma série de situações, algumas alheias ao próprio juiz. 

“O ponto central que explica o surgimento de Moro é a criação das varas especializadas em lavagem de dinheiro. O Gilson Dipp, mentor de tudo isso, é o pai de Moro. Os dois entram em contato com o Departamento de Estado norte-americano, que ensina toda a metodologia do que se tornou a ‘lava jato'”, conta. 

“Depois”, prossegue o jornalista, “há outros episódios marcantes que ajudaram a criar esse monstro jurídico: ele recebeu uma condenação expressa do Celso de Mello, mas o STF não reconheceu a suspeição”. 

O documentário foi produzido depois que o GGN, que é tocado por Nassif, conseguiu angariar fundos por meio de um financiamento coletivo. Um livro sobre Moro, escrito por Nassif e Auler, também está para sair. 

O tempo de produção do documentário durou cerca de três meses e a obra dá continuidade a uma série chamada Lava Jato – Lado B, que tratou da influência norte-americana nas operações tocadas pelo MPF no Paraná e por Moro.  

Agricultores perseguidos por Moro

Para além da investida contra figurões da República, a produção lançada hoje conta como a vocação inquisitorial de Moro também acaba por vitimar pessoas comuns. Um dos capítulos, por exemplo, conta a história de pequenos agricultores que ficaram presos por 48 dias após o que se mostrou mero erro contábil.

O processou correu em 2013, quando diversas famílias de agricultores tiveram suas vidas devassadas, tendo que deixar suas terras e buscar novos empregos na cidade. Na ocasião o Ministério Público Federal investigava supostos desvios no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Segundo a denúncia, que foi acatada por Moro, os agricultores “forjavam a entrega de produtos às entidades destinatárias”, além de usarem notas fiscais falsas. 

Acontece que, ao que se constatou posteriormente, os agricultores substituíam um produto por outro quando a safra era menor. Assim, se estava prevista a entrega de 20 quilos de determinado alimento, mas a produção era de apenas 15 quilos, os 5 quilos restantes eram substituídos por outro produto. O problema é que isso não estava constando na nota fiscal. 

Em 2016, a juíza Gabriela Hardt absolveu os envolvidos. Além das prisões autorizadas por Moro, pequenas associações de produtores acabaram sendo prejudicadas e, até hoje, segundo os relatos presentes no documentário, não houve recuperação. 

“A falta de respeito pelos direitos pega todo mundo. Por causa desse pequeno erro administrativo, Moro destruiu uma cooperativa e prendeu pessoas, mostrando que a sua principal característica é a absoluta falta de escrúpulo”, diz Nassif. 

Para ele, no entanto, agora o Brasil vê a derrocada de Moro e dos procuradores que lhe serviam. “Moro e o MPF não se deram conta de que movimentos de opinião se revertem. Enquanto é novidade, vai em frente. Depois a onda reverte. Eles foram derrotados pela própria arrogância”. 

Imagem: Jota Camelo /Outras Palavras

09
Out20

Merval marca data para a prisão de Lula: primeira semana de março

Talis Andrade

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por Fernando Brito

O ministro ad hoc do Supremo Tribunal Federal , Merval Pereira, em sua coluna de O Globo, marca a data para a prisão de Lula.

Segundo ele, embora registre que  os “magistrados não têm prazo para análise”, os desembargadores do TRF-4 analisarão os embargos de declaração na primeira sessão após o vencimento do prazo de apresentação, dia 28. Julgando no dia 28, bastaria a publicação do acórdão deste novo julgamento e…

 Isto quer dizer que, recusados os embargos de declaração, a execução da pena deve ser decretada na primeira semana de março.

O jurisconsulto da Globonews, como era de se esperar, conta que ocorra no STF o contrário daquilo que aplaude no TRF-4: que se deixe para as calendas o exame dos pedidos da defesa de Lula e que só sejam decididos quando ele esteja preso, e bem preso, naquela esdrúxula tese de que “a execução da pena não fere a presunção de inocência”, algo mais ou menos como dizer: "qualquer dia eu vou ver se você  deve mas, enquanto isso, vai pagando".

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Nota deste correspondente: A maioria dos ministros da suprema justiça foi nomeada por Lula e Dilma, que escolheram na elite branca os novos príncipes do judiciário, que viraram novos ricos, membros de uma casta cujas filhas solteiras, maiores de idade, recebem pensões vitalícias. Uma elite de novos ricos, que possuem anistia antecipada para todos os crimes. O menor deles: receber salário acima do teto permitido por lei, além de penduricalhos mil. Tanto é verdadeiro que a maior punição prevista uma rica aposentadoria antecipada, que representa um prêmio para qualquer caponês ou operário. Uma casta corporativista, que se envergonha do presidente torneiro mecânico, e da presidenta guerrilheira. 

21
Set20

Governo Bolsonaro deve ser principal processado por política de devastação no Pantanal

Talis Andrade

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Da decisão do presidente vieram cortes de verbas, redução dos quadros técnicos e científicos e nomeações de dirigentes inabilitados

 

por Janio de Freitas

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O governo Bolsonaro deve ser o primeiro e principal processado pelo crime de devastação incendiária do Pantanal. As leis de proteção ambiental e numerosos acordos internacionais de que o Brasil é signatário, assim como a própria Constituição, foram e continuam transgredidos na meticulosa desmontagem do sistema de vigilância, prevenção e combate às agressões ao patrimônio natural. Esta é, notoriamente, uma rara política de governo em um governo sem políticas.

É notória, aqui e no mundo, a responsabilidade pessoal e direta de Bolsonaro. Da sua decisão vieram os cortes de verbas, a redução dos quadros técnicos e científicos, e as nomeações de dirigentes inabilitados em setores como Ibama, Funai, ICMBio, INPE, e os outros de importância vital para a Amazônia, o Pantanal e os povos indígenas.

Amazônia tem 2º pior agosto de desmate, atrás só de 2019” (já governo Bolsonaro). “Em 14 dias, Amazônia queimou mais que em setembro de 2019.” Títulos como estes recentes, da Folha, sucederam-se desde a posse de Bolsonaro. E, por consequência, a do executor do projeto de desmonte da proteção ambiental, Ricardo Salles —já condenado por improbidade na secretaria do Meio Ambiente de um governo paulista de Geraldo Alckmin.

A indiferença de Bolsonaro ao clamor interno e internacional, a cada pesquisa de desmatamento e queimadas, só não foi completa por suas provocações e represálias administrativas. Entre elas, a demissão escandalosa do cientista Ricardo Galvão, conceituado presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais que divulgou, como de hábito e do seu dever, o crescimento alarmante da devastação amazônica no então novo governo.

Constatado que o fogo no Pantanal tornava-se incontrolável, a explicação foi imediata: não era tanto pelo fogo, mas pela falta de equipes habilitadas para combatê-lo. Explicação complementar: a verba deste ano para combatentes a queimadas, em comparação com a de 2019, foi cortada em mais de metade. A dimensão da tragédia pantaneira não estava prevista, mas o fogaréu na Amazônia já exigia maior investimento, e não perda de verba.

Acima das necessidades está a política contra a Amazônia e a riqueza ambiental. Com mais provas oferecidas pelo próprio governo. O Orçamento para 2021 mandado por Bolsonaro ao Congresso, por exemplo, corta ainda mais os recursos dos setores de monitoramento, defesa e pesquisa visados pela destruição programada.

Essa política transgride a legislação. É criminosa. Proporciona a apropriação de terras do patrimônio da União, o desmatamento e o contrabando de madeira valiosa. Protege o garimpo ilegal e se incorpora a toda essa criminalidade. Bolsonaro e seu governo são passíveis de processo criminal — e o merecem.

Voz séria

A esquerda brasileira está chamada a refletir sobre o apoio incondicional a Nicolás Maduro e ao regime venezuelano. O mais recente relatório a pedir “investigações imediatas” do governo Maduro, sobre torturas e execuções extrajudiciais, saiu sob a responsabilidade de Michelle Bachelet. Alta comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidente do Chile não se confunde com instrumentos da guerra de propaganda e outras guerras dos Estados Unidos contra o governo Maduro.

Conquistas proporcionadas à maioria desde sempre desvalida, mantidas ou mesmo ampliadas por Maduro, não se confundem com criminalidade política.

Em cena

Durante alguns dias, as notícias foram inflando: a equipe econômica quer congelar aposentadoria por dois anos, governo quer cortar R$ 10 bilhões do auxílio a idosos e pobres com deficiências, senador bolsonarista (Márcio Bittar, MDB-AC) quer congelar salário mínimo. Então Bolsonaro saca a espada e salva os ameaçados. Com a TV devidamente preparada para o ato. Quem de nada desconfiou tem, ainda, uma chance. O que Abraham Weintraub fez para receber cargo precioso, quando deveria ser excluído do governo pelos insultos vagabundos ao Supremo e seus ministros? Nada. A menos que alguém lhe devesse uma compensação, por se dar mal em um gesto, como diziam, a pedidos.

 

 

16
Set20

Guedes: sem comando, sem caráter ou sem cargo?

Talis Andrade

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por Fernando Brito

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Não é possível crer que um auxiliar de Paulo Guedes tenha ido aos jornais dizer que iria congelar, por dois anos, salário mínimo e aposentadorias sem que o ministro tivesse conhecimento disso.

Muito menos que não lhe tenham avisado de uma declaração com este impacto sem que Guedes tivesse desmentido o seu assessor: afinal, era algo que qualquer um sabia do impacto e da repercussão social.

A notícia, afinal, tinha saído pela primeira vez no domingo.

Portanto, se Guedes não ordenou ou, pelo menos, sabia das “propostas” do Secretário de Fazenda do ministério, Waldery Rodrigues.

Antes, Paulo Guedes disse que tinha levado “um carrinho” de Bolsonaro ao ser desautorizado nos planos de abolir o abono do PIS.

Agora, tomou um “toco” monumental com o sepultamento do “Renda Brasil”. E disse que alguém merecia tomar “um cartão vermelho”.

Guedes saiu a dizer que “o cartão vermelho não é pra mim”, como se pudesse se desvincular do que diz um de seus principais e mais próximos auxiliares.

Temos, portanto, três hipóteses: a primeira, que Paulo Guedes não tem comando suficiente sobre o que fala sua equipe, que se sente livre para anunciar decisões desta gravidade; a segunda, a de que não tem caráter suficiente para assumir que a proposta era dele e tinha a sua simpatia e a terceira, de que não tem mais o cargo de ministro e virou apenas um gerente do Tesouro, sem autonomia sequer para fazer propostas.

Waldery, provavelmente vai cair. Mas Guedes, se não caiu, decaiu. Ou decaiu um pouco mais, sendo mais preciso.

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15
Set20

Descobrimos a mansão de R$ 5,8 milhões dos juízes Bretas, que entraram na Justiça por auxílio-moradia

Talis Andrade

Descobrimos a mansão de R$ 5,8 mi do “casal auxílio-moradia”, os juízes  Bretas

À VENDA

The Intercept

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CINCO SUÍTES, LAREIRA, três banheiras de hidromassagem, escadaria em mármore, espaço gourmet, churrasqueira, pomar, jardim, garagem para quatro carros, sauna, um campo de futebol próprio e até uma piscina aquecida que avança pela sala. [Cotação de setembro de 2018] Por R$ 5,8 milhões é possível comprar a humilde casa de campo em que os juízes federais Marcelo e Simone Bretas fogem do atarefado dia a dia que envolve, entre outras coisas, os julgamentos dos casos da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Em abril [ de 2018], a revista Piauí somou em R$ 6,4 milhões o valor dos imóveis do casal. O patrimônio dos juízes – que entraram na Justiça para garantir o auxílio-moradia, penduricalho que permite que magistrados embolsem até R$ 4.377,73 caso não tenham um imóvel do Judiciário a seu dispor na cidade onde vivem –, no entanto, é ainda maior. Quase o dobro, de acordo com escrituras obtidas pelo Intercept.

Em junho, os Bretas colocaram a mansão à venda. Localizada em Itaipava, a 80 km do Rio de Janeiro, o imóvel de 600 m² faz parte de um condomínio de luxo, onde o casal divide áreas de convívio com vizinhos como o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, um dos delatores condenados na Lava Jato. Bretas e Costa são vizinhos, separados por um bosque.

Os Bretas também aceitam alugar a casa pelo valor de R$ 10 mil mensais, pouco a mais do que os R$ 8.755 que os dois juízes ganham juntos por mês a título de “auxílio-moradia”.

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Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça proíbe o pagamento do bônus a dois juízes que morem sob o mesmo teto. Mas, por uma falha do Judiciário, o casal tinha o benefício. Marcelo Bretas ganhou o direito ao penduricalho graças a uma decisão em 1ª instância da Justiça Federal do Rio, em 2015. No começo do ano, a Advocacia-Geral da União solicitou à segunda instância, o TRF-2, que reavalie a decisão – o órgão não havia recorrido até então.

O salário de Marcelo Bretas, que já condenou o ex-governador Sérgio Cabral a mais de 100 anos de prisão e faz questão de adicionar lições de moral em suas sentenças contra corruptos, é de R$ 43.910,62 mensais; o de Simone, R$ 44.555,62, ambos já com o auxílio somado. Se o reajuste de 16,38% para o salário dos magistrados for aprovado, os dois devem passar a receber ainda outros R$ 7 mil a mais cada um.

O auxílio-moradia aos juízes existe formalmente desde 2000. Foi a forma encontrada pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso para encerrar uma greve da categoria. Não é necessário comprovar seu uso no pagamento de aluguel. Ou seja, os valores podem ser utilizados como os juízes quiserem.

Cerca de 17 mil juízes recebem auxílio-moradia – entre janeiro e agosto, o pagamento já custou quase R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Mas, mesmo para magistrados que tenham residência própria na cidade onde trabalham – caso dos Bretas, que vivem num apartamento com quatro suítes e vista para o Pão de Açúcar no bairro do Flamengo, na zona sul do Rio –, essa “ajuda de custos” não é ilegal.

Uma ação que pode derrubar o auxílio está parada no STF desde março. Na quarta-feira passada, o presidente Michel Temer acenou com a possibilidade de cortar o bônus em troca do aumento de R$ 8 bilhões nos contracheques de ministros do STF (e, em cascata, nos de todos os juízes) proposto pelo próprio Judiciário.

Em 2014, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux concedeu liminares a entidades representativas dos juízes liberando o pagamento a toda a magistratura. Entre os argumentos de Fux estava o de que tribunais nos estados já concediam o benefício por conta própria. Com isso, segundo ele, criou-se uma “odiosa” diferenciação entre os magistrados que recebiam e os que não recebiam o favorecimento.

Ao ser questionado sobre o auxílio-moradia por um deputado, Bretas respondeu aos seus quase 60 mil seguidores no Twitter que tinha apenas ido atrás de um “direito”.

“Pois é, tenho esse ‘estranho’ hábito. Sempre que penso ter direito a algo eu VOU À JUSTIÇA e peço. Talvez devesse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas, como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito”, escreveu o juiz no dia 29 de janeiro.

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Três dias antes, ele questionou o porquê de apenas o auxílio-moradia dos juízes federais ser debatido.

As duas mensagens já foram apagadas. Através da assessoria de imprensa da Justiça Federal, os Bretas informaram que não iriam se manifestar sobre a mansão na serra.

O condomínio

Após se tornarem juízes federais, Marcelo (1997) e Simone (1998), compraram um terreno de 3.600 m² em 2000. A construção da casa, registrada em cartório, foi finalizada em 2006 no Condomínio Quinta do Lago, considerado um dos melhores da região, com uma taxa de administração que ultrapassa os R$ 2 mil mensais.

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Trecho da certidão de compra do terreno em que os Bretas construíram a casa, no Condomínio Quinta do Lago.

Há ainda uma casa para o caseiro, que recebe R$ 1.200 por mês, e a opção de manter sempre por perto uma cozinheira, também por R$ 1.200.

As ruas do condomínio, em plena serra fluminense, são margeadas por um córrego de águas cristalinas e mansões de, no mínimo, R$ 3 milhões – por regulamento, as casas no local precisam ter ao menos quatro suítes. Além de espaços coletivos como piscina, quadra de esportes e academia coletiva, os residentes do Quinta do Lago têm direito ainda a um cinema privado e até a um haras. São 3,7 milhões de m² de área verde, o equivalente ao tamanho do bairro de Copacabana.

Vizinho dos Bretas, Paulo Roberto da Costa comprou um terreno de 4.630 m² no local em 2005, por R$ 200 mil. Em 2012, anexou a área ao lado, já com uma casa de 419 m², por R$ 450 mil.

A casa hoje é o local onde o ex-executivo da Petrobras cumpre sua prisão domiciliar desde que foi condenado na Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro. O imóvel está entre seus bens bloqueados pela Justiça. Além de pagar uma multa de R$ 5 milhões, ele também precisa devolver à Justiça os 25,8 milhões de dólares que mantinha em contas bancárias na Suíça e nas Ilhas Cayman.

Um morador ouvido pelo Intercept comentou o endereço do morador presidiário aos sussurros, como quem revela uma doença. Mas se orgulhou em dizer que o condomínio tem “muita gente de bem, como empresários poderosos e o ministro Barroso”.

Em 2000, Barroso e a esposa adquiriram um terreno de 9.300 m² por R$ 230 mil. De lá para cá, construíram uma casa de oito quartos e 870 m², hoje também à venda por R$ 8,6 milhões.

Juízes não querem transparência

A luxuosa casa dos Bretas vai ao encontro de uma das mais marcantes características do judiciário brasileiro: o acúmulo de riqueza, que agora a classe quer tentar esconder.

Desde 2012, os salários dos magistrados são divulgados na página do Conselho Nacional de Justiça. A Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo entrou com um pedido no STF para que os magistrados do TRF-2 não sejam obrigados a divulgar seus vencimentos.

A associação, da qual Bretas faz parte, questiona a relevância do acesso público a informações e argumenta que sua publicação apenas compromete a privacidade e a intimidade da classe.

Casualmente, o caso ficou a cargo do vizinho do juiz, Barroso, que rejeitou a ação na semana passada. “É o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio do estado republicano”, afirmou o juiz ao declarar a legalidade da determinação do CNJ. [Data da publicação: 5 de setembro de 2018]

25
Jul20

O infrator, a máscara e a república

Talis Andrade

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O ignorante desembargador Almeida Prado

 

O infrator: “Sabe com que você está falando?”... A lei suprema que organiza as coisas na sua cabeça monárquica

A ignorância tem muitas vestes e peculiar empáfia. Um sujeito, infrator, peita o guarda ligando para seu comandante, dando curso ao clássico “Sabe com que você está falando?”… A lei suprema que organiza as coisas na sua cabeça monárquica.

por Douglas Martins / Jornalistas Livres

O servidor não se intimida, segue sua tarefa, e o infrator aguarda impaciente a hora da vingança. Rapidamente a imprensa apura tratar-se de flagrante de falsa identidade. Havendo título, o caso será de abuso.

Se dizendo desembargador o infrator amarga ressentido a falta de insígnias para humilhar. Autuação concluída, arranca a contrafé, pica e atira os pedaços ao chão, emporcalhando a si, a praia e a cidade que sonha ser apenas sua.

Sem máscara, mentido e sujando, esse é o protagonista de nossa tragédia social. Tem ódio à república e pavor à igualdade. Deseja uma sociedade de castas, organizada entre insultantes e insultados. Lei, só para os subalternos.

O protagonista da cena revela a patologia social de uma ordem construída sem compaixão e solidariedade, sem futuro, nostálgica do passado violento que ainda vive e pulsa forte diante da ameaça republicana.

Infrator é o outro. Pandemia não existe. Dever de limpar a sujeira sem repreender sua origem é a lei suprema. É um constrangimento assistir ao vídeo. Mas a cena apenas documenta o resultado final de uma construção social e a urgência de revertê-la

 

 

27
Jan20

O abuso de Moro querer prender jornalistas

Talis Andrade

O ministro da Segurança Pública, Sergio Moro, participou do programa Pânico, na rádio Jovem Pan, na manhã desta segunda-feira (27). Durante a entrevista, Moro respondeu com ironia a uma brincadeira feita por um dos entrevistadores: “agora não pode mais prender jornalista”.

A fala do ministro acontece uma semana após o jornalista do Intercept Glenn Greenwald ser falsa, abusiva e arbritariamente acusado, pelo MPF, de "invasão a celulares de autoridades".

O comentário de Moro veio depois de uma brincadeira do jornalista André Marinho, que imitou a voz fina, feminina, do ministro. “Eu não falo assim não hein”, disse. “Espero que você não me dê voz de prisão, ministro”, falou o jornalista.

“Agora tem a Lei de Abuso de Autoridade, não pode mais prender jornalista né?”, respondeu Moro, quando pelo desejo dele, Glenn, e todos jornalistas que ousam denunciar os desmandos da Lava Jato deveriam estar presos, ou exilados.

A verdade é que juiz que vende sentenças, que condena sem provas, jamais vai preso. Idem delegado e militar que mata. Juiz tem anistia antecipada para todos os crimes. A penalidade máxima para um juiz é o prêmio de uma aposentadoria precoce. Para os que prendem e arrebentam, Moro oferece a lei excludente de ilicitude, uma permissão para matar. 

Sobre o documentário "Democracia em Vertigem", de Petra Costa, Moro disse que alguns fatos retratados no filme não correspondem à realidade. “A cineasta é bastante honesta no começo quando ela fala ‘eu sou petista e o Lula é meu herói’. E o filme segue nessa toada”.

2018/ 2022

O ministro disse ainda que não tem interesse em concorrer às eleições presidenciais e que isto não está no seu perfil. “Eu não tenho essa perspectiva de ir para a política partidária ou de concorrer a eleições. Não está no meu perfil”.

Vale lembrar que, enquanto juiz, Sergio Moro também afirmou que não assumiria cargos políticos. E fechou um acordo Bolsonaro durante as eleições presidenciais de 2018: a prisão de Lula pelos cargos de ministro do Governo e do STF. 

20
Ago19

A REAÇÃO À LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE É UM RETRATO DO CORPORATIVISMO TÍPICO DO MP E DO JUDICIÁRIO

Talis Andrade

se quiser falar com deus justiça .jpg

 

 

A LEI DE ABUSO de autoridade em vigor no Brasil foi promulgada em 1965, um ano após o golpe militar. Mas o projeto de lei foi escrito 11 anos antes, durante o governo do presidente eleito Juscelino Kubitschek. O mundo respirava os ares da fundação da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, criados na década anterior. O autor da lei foi o deputado udenista Bilac Pinto, que na década seguinte apoiaria o golpe e se tornaria juiz do Supremo Tribunal Federal durante o regime militar. Apesar das credenciais reacionárias do autor, a lei era boa e visava conter a violência policial, principalmente no interior do país. Com a chegada dos militares, virou apenas um quadro na parede.

Sessenta e cinco anos depois, a lei continua a mesma, apesar do nível de participação da autoridade na vida dos cidadãos ser muito maior. O abuso de autoridade no Brasil raramente é punido, contribuindo para perpetuar uma cultura autoritária que se originou na escravidão, se consolidou nos anos de chumbo e hoje ganha novas asas com o bolsonarismo. O abuso de poder é uma instituição brasileira.

O descumprimento das leis pelas autoridades é algo banal, principalmente nas periferias do país. Se você ligar a TV em qualquer programa policial hoje, a chance de não presenciar um ato de abuso de autoridade é mínima. Já nos acostumamos a ver suspeitos sendo tratados como culpados, pessoas sendo algemadas sem motivo, invasões de casas sem mandado etc. Os mais pobres sempre conheceram a face mais cruel do abuso de autoridade.

No Rio de Janeiro, moradores de favela são assassinados quase que diariamente e são tratados como efeito colateral do combate ao crime. As punições das autoridades que abusam do poder praticamente inexistem. Diante de um flagrante abuso policial, nós já sabemos como os órgãos oficiais vão se posicionar: “os possíveis abusos serão investigados pela corregedoria”. É a frase protocolar que precede todo o engavetamento. O corporativismo inibe qualquer tipo de investigação.

Me parece claro que precisamos de um mecanismo que garanta que autoridades serão punidas se não cumprirem a lei, como todo cidadão, por mais bizarro que isso possa parecer. Não existe hoje um sistema de proteção dos direitos fundamentais contra o abuso de autoridade. A nova lei pode ser um novo marco civilizatório para o país.

Nessa semana, a Câmara aprovou uma atualização da lei que já havia sido aprovada no Senado. O texto tem sido alvo de críticas — algumas justas, outras não —, mas, no geral, representa um avanço importante em relação à lei vigente. O debate é válido, mas é preciso que ele se ancore no consenso de que as condutas das autoridades públicas não são devidamente fiscalizadas pelos meios atuais. Não é mais possível continuar aceitando essa realidade.

A nova lei especifica quais condutas serão consideradas abuso de autoridade e prevê as punições. Muitas dessas condutas já eram ilegais, mas o antigo texto dava margem à impunidade. Decretar condução coercitiva sem que o investigado tenha sido intimado a comparecer em juízo, por exemplo, será punido com detenção de um a quatro anos de prisão. Invadir uma casa sem mandado judicial, também receberá a mesma pena.

Desde 2016, quando o projeto tramitava no Senado, o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato iniciaram uma grande campanha política para que a lei fosse vetada. Os lavajatistas se empenharam em vender para a população a ideia de que estava em curso uma manobra comandada pelos poderosos para dificultar o combate à corrupção. A principal preocupação, segundo eles, seria a punição pelo “crime de hermenêutica”, que tornaria crime as divergências na interpretação da lei.

Na época, Moro foi a uma audiência no Senado e apresentou sugestão para limitar a possibilidade do crime de hermenêutica. Pois bem. O texto foi alterado ainda em 2017, e essa possibilidade, extinta. Não haveria mais motivos para os heróis do combate à corrupção chiarem, mas não foi o que aconteceu.

No ano seguinte, Dallagnol e outros procuradores da Lava Jato, como bons políticos que são, divulgaram nas redes sociais um vídeo insuflando a população contra o Senado: “Não permita que isso aconteça. Se manifeste contra essa lei. Viralize esse vídeo. Expresse a sua indignação. Faça a sua voz ser ouvida pelos políticos. Vamos lutar juntos contra a impunidade e contra a corrupção”.

Agora, após as publicações da Vaza Jato trazerem os meandros da força-tarefa à superfície, a indignação dos procuradores com nova lei é autoexplicativa. É claro que os integrantes de uma operação baseada essencialmente em desvios de conduta e abusos de autoridade ficariam contrariados com a nova lei. E, atenção, não estamos falando de um desvio aqui e outro ali, mas da essência da força-tarefa. Foi o abuso da autoridade como método que fez ela se tornar o grupo poderoso que é hoje, com forte apelo popular.

 

A nova lei ameaça essa imunidade informal que a força-tarefa desfruta.

 

Uma infinidade de ações comuns na Lava Jato seriam punidas pela nova lei: os grampos sem autorização judicial, as conduções coercitivas sem intimação prévia, a divulgação de gravação de conversa particular de acusado, e por aí vai. Tudo isso sempre foi ilegal, mas a fragilidade da lei dificultava a aplicação da punição, que depende de corregedorias e conselhos corporativistas. A certeza da impunidade é o motor dos arbítrios e ilegalidades da Lava Jato. A nova lei ameaça essa imunidade informal que a força-tarefa desfruta.

Mesmo com a possibilidade de crime de hermenêutica estar totalmente afastada, ainda hoje os procuradores seguem em campanha contra a lei. Eles não estão fazendo críticas pontuais ao projeto, mas exigindo seu veto na íntegra. Os lavajatistas continuam insistindo na falsa narrativa de que a lei é uma tentativa de dificultar o combate à corrupção. Mas não há em nenhuma parte do texto qualquer item que represente prejuízo ao combate à corrupção.

A grande novidade na lei é a definição das punições que sofrerão as autoridades públicas que atuarem à margem da Constituição. Resumindo: basta combater a corrupção respeitando as leis. Essa é uma obrigação que sempre existiu, mas não havia punição para quem a descumprisse. É o que a nova lei tenta corrigir. Esse chilique dos integrantes da Lava Jato, ecoado por parlamentares e militantes bolsonaristas, nada mais é do que uma bela assinada de recibo por parte de quem sempre acreditou estar acima da lei.

Assim como outros críticos, o procurador Roberson Pozzobon tem dito que o projeto foi aprovado “com pressa” e sem passar por um debate. É mentira. O debate vem sendo feito há pelo menos dez anos, quando a proposta começou a tramitar no Congresso, muito antes da Lava Jato existir. E não são apenas os integrantes do Ministério Público e do judiciário que passarão a ser passíveis de sanção pela nova lei. Servidores públicos, militares, membros do Executivo, do Legislativo, dos tribunais e conselhos de contas também serão. Insinuar que se trata de uma ação contra a Lava Jato é só mais uma maneira de confundir a opinião pública.

Os instrumentos legais existentes são suficientes para o combate à corrupção. Se há quem ache que não são, que se mobilize politicamente — coisa que o lavajatismo faz muito bem — para que se criem novos mecanismos legais, sempre em consonância com Constituição. É uma obviedade constrangedora, mas vivemos tempos em que as obviedades devem ser repetidas.

O abuso de autoridade é um crime de ação penal pública, ou seja, a denúncia só poderá ser feita por integrantes do Ministério Público e julgada pela justiça. Os lavajatistas não têm porque temer o trabalho dos seus colegas. Ou será que eles temem o abuso de autoridade dos seus pares?

 

Essa sanha autoritária precisa ser contida e responsabilizada. O abuso de autoridade mata.
 

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Os métodos abusivos da força-tarefa se replicaram em outras operações da Polícia Federal. Virou regra. Um caso emblemático foi o do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina Luiz Carlos Cancellier que, com a anuência do Ministério Público e da Justiça Federal, foi preso sem nunca ter sido ouvido pela delegada Erika Marena, ex-integrante da Lava Jato. O professor foi algemado, acorrentado pelos pés e levado a um presídio de segurança máxima, onde ficou detido por 30 horas. Através de um habeas corpus, o reitor foi solto, mas continuou impedido de entrar na universidade. Dezoito dias depois, Cancellier se suicidou.

O sofrimento e a humilhação pela qual ele passou, milhares de brasileiros que moram nas periferias passam diariamente. Só essa semana, seis jovens foram assassinados em operações policiais do Rio de Janeiro. Não eram suspeitos, não portavam armas. Foram mortos em nome do combate ao crime. A Secretaria de Segurança emitiu nota dizendo que policiais foram recebidos a tiros e reagiram. Conhecemos muito bem como termina esse filme. Dizer que o assunto morrerá no fundo da gaveta de uma corregedoria não pode ser considerado um spoiler.

A falta de uma cultura democrática faz muitos brasileiros normalizarem a recente escalada autoritária do Estado em diversos níveis. A nova lei pode ser um avanço nesse sentido. Não é mais possível tolerar que uma autoridade pública, seja ela um policial federal, um juiz ou um guarda da esquina, abuse do poder e continue impune. Essa sanha autoritária precisa ser contida e responsabilizada. O abuso de autoridade mata.

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