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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

17
Fev23

O papel do general Augusto Heleno na tentativa de golpe em 8 de janeiro

Talis Andrade

 

por Germano Oliveira & Marcos Streckeri /IstoÉ

Os inquéritos sobre os ataques de 8 de janeiro exibem números impressionantes. Dos 1.398 presos, a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 835. Destes, 645 são classificados como “incitadores”, 189 como “executores” e 1 é um agente público citado por omissão. Mas nenhum militar entrou na mira da PGR. Em breve as apurações sobre a invasão à sede dos três Poderes tomarão um novo rumo. Também será averiguada a participação dos generais mais próximos a Jair Bolsonaro. Entre eles, destaca-se aquele que tinha o controle sobre o aparato de segurança e informações do governo e era o responsável por órgãos que deveriam ter se antecipado aos acontecimentos e agido diante dos riscos de ataque: o general Augusto Heleno. Ele deve ser investigado por seu papel como um dos mentores intelectuais do golpe de 8 de janeiro.

O general deixou no final de dezembro a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que controlava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Será investigado porque desmontou o GSI para que o órgão ficasse totalmente inerte no dia 8. Tirou militares de posições importantes do órgão e da Abin para deixá-los sem reação. “Heleno foi de uma conivência abissal”, diz um ministro do Supremo. O militar só deixou gente da confiança dele nos principais postos, e essa ação foi o que mais contribuiu para a falta de um projeto de reação do governo no dia do golpe.

A faixa "intervenção militar" uma mostra do planejamento da invasão terrorista

 

Muitas dúvidas ainda pairam sobre a atividade dos subordinados no dia dos atentados. Um dos homens de confiança de Heleno, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos, participou dos eventos e pediu nas redes sociais que as Forças Armadas “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Ainda conclamou o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, a “cumprir o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade”. O oficial depois apagou as mensagens, mas o recado foi dado. Há muitas questões não esclarecidas. No dia da invasão, o secretário do Consumidor do Ministério da Justiça, Wadih Damous, denunciou em um vídeo o roubo de armas e munições em uma sala do GSI no Planalto. Segundo ele, os invasores tinham informação de que naquele local havia armamentos e documentos. “Isso significa informação.” Também há relatos de que militares do GSI tentaram facilitar a saída de depredadores pelo térreo do prédio, sem serem presos.

NO STF Ministro Alexandre de Moraes: relator de inquéritos sobre ações contra a democracia (Crédito:Adriano Machado)

 

Personalidades do mundo jurídico destacam o papel central de Augusto Heleno na preparação para o golpe, mas dizem que será difícil caracterizar o papel do militar encontrando ordens executivas de sua autoria ligando-o aos eventos. Por outro lado, sua culpabilidade poderá ser fundamentada pela conivência ou pelas falhas deliberadas na estrutura que montou e comandou para garantir a segurança da Presidência – e que deixou de atuar no 8 de janeiro. Mas a omissão é um crime difícil de provar. Será preciso averiguar “de baixo para cima” a cadeia de comando para identificar as responsabilidades.

O ex-ministro do GSI é visto como um dos principais, se não o principal, articulador de uma tentativa de golpe de Estado que começou a ser conspirada meses antes das invasões. Fontes ligadas à Segurança Pública e ouvidas por ISTOÉ relatam que Heleno teria usado o aparato técnico do órgão que comandava e a influência nas Forças Armadas para evitar a posse do presidente Lula. As articulações que aconteciam nos bastidores eram retratadas a apoiadores com veemência após a vitória de Lula. E no dia dos ataques isso teria se refletido, entre outras ações, na facilitação do acesso de radicais ao Planalto. “Você acha que alguém entra assim do jeito que entrou?”, questionou uma das fontes. Um almirante influente no governo Bolsonaro e próximo de Augusto Heleno teria enfatizado várias vezes a seus subordinados e em reuniões de segurança que o novo presidente não governaria. “Foi uma tentativa de golpe. Ele não se consumou porque não conseguiram consolidar a maioria no Exército”, disse outra pessoa sob condição de anonimato.

As tentativas de consolidação dessa “maioria” necessária para executar um plano golpista não foram poucas, conforme os relatos colhidos por ISTOÉ. Várias reuniões teriam ocorrido com a intermediação de Heleno. Pelo menos três fontes diferentes citam uma ocasião específica – após o segundo turno – em que estavam presentes Heleno, o general Walter Braga Netto e representantes do Exército, da Marinha e Aeronáutica. A pauta: como articular um possível golpe de Estado. Dentre os participantes do encontro, somente o membro da Aeronáutica teria sido contra a tratativa e se revoltado com a ideia proposta. Mas a revolta foi ignorada pelos demais, e um dos resultados dessa reunião, ainda segundo as fontes ouvidas pela reportagem, foi a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. “Não foi uma brincadeira, estivemos a um passo do golpe”, frisou um dos informantes.

ENSAIO Ataque ao STF em 2021: Sara Winter recebeu orientações de Heleno 

 

Desde que assumiu o núcleo mais sensível no Planalto, o GSI, Augusto Heleno aumentou enormemente o papel do órgão. Passou a controlar a área de segurança, monitorando todas as informações sobre os grupos radicais. Por sua atuação, ele sempre foi uma referência para os extremistas. Em novembro de 2021, a ativista Sara Winter revelou à ISTOÉ que foi orientada diretamente por Heleno, no Palácio do Planalto, na época em que ela articulava o “Acampamento dos 300”. “Ele pediu para deixar de bater na imprensa e no [Rodrigo] Maia e redirecionar todos os esforços contra o STF”, disse ela. No dia 13 de junho de 2020, o grupo marchou em direção ao STF e atacou a sua sede com fogos de artifício, numa “advertência”. O papel do general entre radicais aumentou após a eleição de Lula e especialmente depois que Bolsonaro deixou o País. Um dos posts mais compartilhados na época traz uma manifestante que mostrava um link do Diário Oficial supostamente transferindo a Presidência para Heleno. Seria uma “estratégia” de Bolsonaro. Militantes divulgaram nas redes que “Bolsonaro passou todo o poder para o GSI”, ou então que “o general Heleno é o presidente da República. Ele é o melhor estrategista do País, talvez do mundo”.

 

Catalisador do golpe

 

Essa busca de “mensagens ocultas” pode até ter um fundo de verdade, aponta um jurista. Uma resolução publicada no dia 23 de dezembro pelo próprio Augusto Heleno estabeleceu grupos de trabalho técnicos em diversos ministérios sob a coordenação do GSI. “Tudo parece inocente”, mas as más intenções se revelam mais tarde e há um teor “perigoso”, pondera o especialista. Normas como essa poderiam ser empregadas como catalisadores da ala militar hostil ao resultado das urnas. Funcionariam em conjunto com outros documentos golpistas que circularam em Brasília após as eleições, um fato reconhecido pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, publicamente. Em depoimento à Polícia Federal, mais tarde, o político disse que se tratava de “uma metáfora”. Já a minuta apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, citada acima, tinha um conteúdo golpista bem explícito. Era o esboço de um decreto para o então presidente Bolsonaro instaurar estado de defesa na sede do TSE, revertendo o resultado do pleito presidencial e delegando na prática ao Ministério da Defesa a condução do processo eleitoral. Torres, que diz desconhecer a origem da minuta, está preso pela sua omissão nos atentados, quando comandava a Secretaria de Segurança do DF.

Estabelecer a materialidade das iniciativas golpistas é um desafio. Depois de 30 de outubro, circularam áudios no WhatsApp com a voz de Augusto Heleno em que o general dizia com voz serena, mas assertiva, que a eleição havia sido fraudada e que ele não podia adiantar medidas que estavam em discussão, pois “há ainda muita coisa em jogo”. O GSI desmentiu e considerou o áudio como “fake de péssima qualidade”. O jornal O Estado de S.Paulo o submeteu a dois peritos, que disseram não ser possível atribuir a voz ao general. Mas uma gravação vazada após evento da Abin, em 14 de dezembro de 2021, reproduz o general criticando as atitudes de “dois ou três” ministros do STF. Nesse áudio, ele disse que um dos Poderes está tentando “esticar a corda até ela arrebentar”. “Tenho que tomar dois lexotan na veia por dia para não levar Bolsonaro a tomar uma atitude mais drástica em relação ao STF”, afirmou na ocasião.

E não há dúvidas sobre o sentido de suas manifestações públicas. Quando ocorreu uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle do Senado no dia 30 de novembro, em que vários bolsonaristas questionaram o resultado das urnas, o general conclamou: “Vamos lá discutir os temas que nos afligem. Coragem, força e fé. O Brasil acima de tudo”.

Para Leonardo Nascimento, do Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA, as manifestações do general Heleno ao longo do tempo contribuíram para galvanizar os grupos bolsonaristas que participaram do 8 de janeiro. Segundo o pesquisador, as declarações e postagens do ex-ministro do GSI foram fundamentais também para que se criasse em torno dele uma certa “mística”. Nascimento vem monitorando grupos bolsonaristas em redes sociais nos últimos anos e acompanha de perto os efeitos das manifestações de Bolsonaro sobre seus seguidores. O ex-presidente seria o “grande oráculo de desinformação” desses grupos, nos quais tudo o que fala tem ressonância direta. Na sua ausência, ganharam mais importância as declarações de ‘sub-oráculos’, caso de Heleno. O próprio general teria se colocado nesse papel. “Heleno sempre foi o que mais deu declarações no sentido da ruptura institucional. Foi sempre o ministro que cumpria esse papel de verbalizar essa possibilidade, essa intenção.”

 

Sem papas na língua

 

O general Heleno é conhecido entre os apoiadores por falar sem “papas na língua”. Em julho do ano passado, durante uma audiência da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, ele defendeu o sargento da Marinha Ronaldo Ribeiro Travassos, alocado no GSI, que gravou um vídeo defendendo um golpe militar. Heleno alegou que se tratava da ação de um cidadão brasileiro que tinha “o direito de se pronunciar”. Parlamentares avaliam como graves os indícios de participação de Heleno em ações golpistas. A deputada federal Dandara Tonantzin (PT) protocolou um requerimento para convidar o general a prestar esclarecimentos. “O depoimento poderá trazer elementos importantes sobre a inação da atuação do GSI no dia 8 de janeiro”, justifica. Já para o deputado Rogério Correa, também do PT, o histórico de Heleno é repleto de conspirações. Em 2020, o parlamentar fez parte do grupo de deputados que protocolaram um pedido de impeachment no STF do então ministro do GSI, após ele falar em “consequências graves” caso Bolsonaro fosse obrigado a entregar o celular no inquérito que apurava se o então presidente havia interferido na PF. “Ele já ameaçava com o golpe desde aquela época. E o 8 de janeiro tem tudo a ver com isso”, enfatiza.

Depois do 8 de janeiro, Heleno sumiu das redes sociais – seus últimos tuites são do dia 7 de janeiro. Ao longo do ano passado, ele vinha se mantendo bastante ativo nas redes, fazendo campanha eleitoral para Bolsonaro e retuitando posts do então presidente, além de atacar Lula, a quem chamava de “ex-presidiário”. A atividade nas redes mudou depois do segundo turno, quando, além do tuíte celebrando a audiência pública golpista do dia 30 de novembro, Heleno fez apenas algumas poucas publicações, em grande parte para contestar reportagens.

O historiador e cientista político Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, lembra o “DNA golpista” de Heleno, que na década de 1970, ainda capitão, atuou como ajudante de ordens do então ministro do Exército Sylvio Frota, que tentou articular um golpe contra o presidente Ernesto Geisel. “Ele já naquela época estava conspirando e fez parte daquela tentativa fracassada de ‘golpe dentro do golpe’, perpetrado pela chamada linha dura dos militares”, diz o professor. “Foi muito grave, não só pela tentativa de ruptura, mas porque foi contra um general presidente, contra um superior hierárquico”, destaca. O professor lembra que posteriormente o ex-ministro foi favorecido pelo governo do PT, que o nomeou para o Haiti. “Isso contribuiu para essa mítica de que eles estiveram em combate, de que são guerreiros. Mas não se lembra que lutaram contra uma população faminta. E esses militares voltam ao Brasil se dizendo aptos a administrar o Estado”, diz. “Vimos militares lotados no GSI participando dos acampamentos antidemocráticos em frente a quartéis. Heleno não sabia? Ou foi ele que incentivou ou mesmo deu a ordem? Porque aí a participação dele muda de patamar. Passa a ser também por ação, e não só por omissão.”

NOS ATOS O coronel José Placídio dos Santos, que atuou nas invasões. Acima, resolução de 23/12 ampliando atuação do GSI em ministérios 

 

Novos generais

 

Após os atentados de 8 de janeiro, Lula disse que não foi avisado pelos serviços de inteligência sobre o risco iminente. Mas um relatório sigiloso enviado pelo GSI ao Congresso aponta que o governo foi informado. O alerta teria sido produzido pela Abin e compartilhado com órgãos federais. Na época, o ministro responsável pelo GSI era o general da reserva Gonçalves Dias, indicado por Lula. Por isso, Dias passou a ser visto com reservas pelos petistas. A hipótese de uma conspiração antidemocrática sempre esteve no radar do novo governo. Um exemplo foi quando o GSI tentou fazer parte do esquema de segurança do governo de transição, mas a equipe que cuidava da proteção do presidente eleito explicou aos agentes que a participação deles seria desnecessária. A desconfiança estaria pautada nas suspeitas de que a estrutura estava sendo utilizada com viés golpista. “A certeza é que houve leniência do GSI, antes, durante e depois. Às 6h da manhã o acesso [do Planalto] já estava liberado”, disse uma pessoa que acompanhou as reuniões de segurança após o ato terrorista. “Era a primeira semana de governo, a maioria que estava era a turma antiga”, acrescentou, sobre a equipe que compunha o GSI. Só em janeiro, pelo menos 13 militares do órgão, foram exonerados.

DEMORA Ministros do STF estão incomodados com morosidade na PF e no Ministério da Justiça, chefiado por Flávio Dino (Crédito:Fátima Meira)

 

Segue lentamente o trabalho de despolitizar os quartéis. Na terça-feira, 14, o Alto-Comando do Exército definiu os nomes de três generais promovidos a quatro estrelas. Entre eles está Luiz Fernando Baganha, ex-secretário-executivo de Augusto Heleno no GSI. De acordo com uma fonte militar que já transitou na cúpula da caserna, são todos nomes sem atuação política. O Alto-Comando estaria tentando se desvincular “o mais rapidamente possível” da “encrenca” na qual os militares se meteram nos últimos quatro anos. “Os generais da ativa estão focados nisso, sabem o dano causado pelo envolvimento com Bolsonaro e agora só querem ‘tocar o barco’, fazer ‘coisa de soldado’”, afirma o oficial. “Sobrou um monte de trabalho pro Exército, um monte de gente pra punir.” Apesar de ter atuado como braço-direito de Heleno, Baganha não é considerado da sua cota pessoal. Teria trabalhado ao lado dele no GSI de forma “absolutamente circunstancial”. Mas outros nomes ligados a Heleno foram preteridos. O principal é Carlos José Russo Assumpção Penteado, que também foi seu secretário-executivo no GSI e estava no cargo nos ataques de 8 de janeiro.

NOVO CHEFE Indicado por Lula, o novo ministro do GSI, general Gonçalves Dias, demorou a abrir investigações: a Abin foi para a Casa Civil (Crédito: Fátima Meira)

 

A movimentação nos bastidores é lenta. O novo chefe do GSI apenas no dia 26 de janeiro abriu uma sindicância para apurar a atuação de funcionários do órgão. O governo tem resistido a apoiar uma investigação extensiva sobre o papel dos militares, em parte para evitar ampliar a resistência que existe na caserna contra o petismo. Lula também tenta impedir a abertura da CPI dos Atos Golpistas. A PF já investiga ações e omissões que permitiram as invasões, inclusive da parte de agentes do GSI. Mas há ministros do STF incomodados com a falta de empenho da corporação e do Ministério da Justiça em relação aos militares. A responsabilização deles é atualmente um dos temas mais nevrálgicos. Muitos gostariam que, no caso dos fardados, tudo ficasse restrito ao Superior Tribunal Militar (STM). Mas, com a disposição do STF de levar adiante a investigação e trazer o caso para sua jurisdição, será difícil evitar esse encontro com a verdade. É um passo importante para evitar que o País volte a enfrentar novas ameaças autoritárias.

 

Generais serão investigados

 

Além de Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos também estão na mira do STF

CANDIDATO A VICE Ex-ministro da Defesa, Walter Braga Netto tinha ascendência sobre as tropas (Crédito:Ueslei Marcelino)

 

Além de Augusto Heleno, o STF decidiu investigar outros dois generais de Bolsonaro que foram decisivos para os atos de 8 de janeiro: Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos. Junto com Heleno, os dois foram autores intelectuais do golpe, supõe-se. Braga Netto é visto como tendo um papel-chave. Afinal, ele tinha ascendência com as tropas e era o candidato a vice de Bolsonaro.

Foi ministro da Casa Civil a partir de fevereiro de 2020 até março de 2021, quando o ex-presidente demitiu o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes das três Forças: Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica). Esse episódio representou a maior crise militar desde a demissão do ministro do Exército pelo presidente Ernesto Geisel, em 1977. Na época, Frota articulava um golpe contra Geisel, e tinha como ajudante de ordens exatamente Augusto Heleno. Braga Netto então assumiu o Ministério da Defesa e só se afastou em abril do ano passado, para concorrer como vice na chapa de reeleição de Bolsonaro.

EX-CASA CIVIL O general Luiz Eduardo Ramos organizou a live contra as urnas (Crédito:WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS)

 

O outro general que está severamente envolvido com o golpe é Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Secretaria de Governo e da Casa Civil, que chegou inclusive a organizar a “live”, em julho de 2021, em que Bolsonaro iria apresentar evidências de que houve fraude das eleições. Na ocasião, o ex-presidente reconheceu que não tinha provas. Um técnico de informática que participou da transmissão, Marcelo Abrieli, declarou em depoimento à PF que antes dessa participação havia sido chamado ao Planalto por Ramos e que conhecia o general desde 2018, quando este ocupava a chefia do Comando Militar do Sudeste. Ramos foi também titular da Secretaria-Geral da Presidência até dezembro passado, e era amigo próximo de Bolsonaro desde os tempos da Academia das Agulhas Negras, nos anos 1970. Foi preterido para o posto de vice na chapa da reeleição, mas permaneceu atuando no círculo íntimo do presidente. Os três generais, segundo ministros do STF, podem ser considerados os principais articulares militares da tentativa de golpe de Bolsonaro.

Colaboraram Dyepeson Martins e Gabriela Rölke

 
Imagem
 
Os generais comandantes do golpe militar de Bolsonaro
Leia aqui: Heleno tem 'DNA golpista' e esteve envolvido em plano de levante contra Geisel
Leia maisAlém de Heleno, Braga Netto e Ramos serão investigados por suposto envolvimento com atos golpistas
01
Abr21

Bolsonaro descobre que nem só de Pazuellos são feitas as Forças Armadas

Talis Andrade

por Janio de Freitas

A má notícia é que Bolsonaro fabricou uma crise fardada. A boa notícia é que a cúpula dos militares, de olho na Constituição, informa ao presidente da República que nem só de Pazuellos são feitas as Forças Armadas. Há na tropa oficiais como o general Edson Leal Pujol e seus congêneres. São anti-Pazuellos. Gente capaz de dizer a Bolsonaro que, quando a ordem ultrapassa as fronteiras da Constituição, "um manda e outro desobedece."

Em abril de 2019, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, declarou o seguinte: "Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação".

Em março de 2020, quando a pandemia chegou ao Brasil, Bolsonaro revelou o receio de não entregar o que prometera. "Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo".

A escassez de vacinas, a inclemência do vírus e a inépcia dos gestores da crise elevam os riscos de confirmação do temor de Bolsonaro. Mas o comportamento dos chefes militares indica que, ao contrário do que previra Mourão, eventuais infortúnios não poderão ser debitados na conta das Forças Armadas.

Bolsonaro chama de "meu Exército" a corporação da qual foi expulso. E namora a ideia de descolar as Forças Armadas do Estado para grudá-las à sua imagem e aos interesses do seu governo. Cobrava mais engajamento político dos militares. Queria o apoio deles à sua pregação contra medidas restritivas adotadas por governadores no enfrentamento da pandemia.

O presidente não obteve o que queria, eis a novidade essencial. Ao entregar seus cargos em solidariedade ao general Fernando Azevedo e Silva, demitido por Bolsonaro do Ministério da Defesa, os comandantes do Exército, Edson Pujol; da Marinha, Ilques Barbosa; e da Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez mostraram que estão sintonizados com as suas obrigações constitucionais.

Pivô da dinamite que Bolsonaro acendeu às vésperas de mais um aniversário do golpe militar de 64, Pujol revelou-se um general de mostruário. Em novembro do ano passado, ele havia traçado um risco imaginário no chão. Foi como se desejasse demarcar os limites da sua atuação como comandante do Exército: "Não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis."

Pujol deixa o comando do Exército por resistir às investidas de Bolsonaro. Azevedo e Silva é expurgado da pasta da Defesa por ter erigido uma barreira de proteção ao subordinado. Os chefes da Marinha e da Aeronáutica batem em retirada por discordar do presidente.

Esse tipo de debandada coletiva é coisa inédita. Bolsonaro faz pose de fortão. Mas sofre um contragolpe sem precedentes. Amarrou ao próprio tornozelo uma bola de ferro muito parecida com uma humilhação.

Gente que conhece as Forças Armadas por dentro, como o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, não imaginava que os colegas pudessem produzir uma resposta coletiva à investida de Bolsonaro. Algo que reforça o ineditismo do gesto.

Ex-amigo de Bolsonaro, Santos Cruz deixou a pasta da Secretaria de Governo da Presidência seis meses depois do início do governo. Foi dissolvido num caldeirão em que se misturavam palavrões do astrólogo Olavo de Carvalho e ataques do filho aloprado do presidente, Carlos Bolsonaro.

Ao bater a porta, Santos Cruz produziu o melhor resumo da administração Bolsonaro: "Um show de besteiras", que "tira o foco daquilo que é importante." No momento, o importante é combater a pandemia. E Bolsonaro quer arrastar as Forças Armadas para o centro de suas polêmicas antissanitárias.

Quando o general Eduardo Pazuello, ainda na pele de ministro da Saúde, foi desautorizado em sua decisão de comprar 46 milhões de doses da CoronaVac, reagiu à humilhação com o subserviente "um manda e outro obedece."

Santos Cruz lecionou: "Hierarquia e disciplina, na vida militar e civil, são princípios nobres. Não significam subserviência e nem podem ser resumidos a uma coisa 'simples assim, comoum manda e o outro obedece'... Como mandar varrer a entrada do quartel."

O que Azevedo e Silva, Pujol, Ilques Barbosa; e Antônio Bermudez informaram a Bolsonaro é que não se dispõem a realizar varrições não previstas na Constituição. O vice Mourão agora declara que Bolsonaro pode colocar quem quiser no lugar dos comandantes que os militares não se desviarão da legalidade.

Num instante em que o Brasil precisa de vacinas e sobriedade, é muito bom saber que as Forças Armadas não estão à disposição de Bolsonaro para participar de aventuras antidemocráticas nem aceitam pagar contas alheias.

golpe aroeira.jpg

 

31
Mar21

“Cúpula das Forças Armadas havia decidido desembarcar do governo Bolsonaro desde o ano passado”, diz especialista

Talis Andrade

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ao lado do então Comandante da Força Aérea Brasileira, Antonio Carlos Moretti Bermudez, do Comandante das Forças Navais do Brasil, Almirante Ilques Barbosa Junior, Fernando Azevedo e Silva, então nomeado Ministro da Defesa,  e do Comandante do Exército Brasileiro Edson Leal Pujol no Comando da Aeronáutica em Brasília.

 

Historiador Francisco Teixeira mantém interlocução com oficiais e afirma que demissão de Ministro da Defesa teve a ver com celebrações de 31 de março


por Natalia Viana /Agência Pública


* Recusa de Ministro da Defesa a celebrar golpe de 64 foi elemento para demissão, diz especialista
* “As Forças Armadas não estão com Bolsonaro numa aventura golpista. Mas também não estão disponíveis para dar um golpe contra Bolsonaro”
* Com nomeação de novo comandante, Bolsonaro pode “fazer uma limpeza no Exército”, diz especialista


O historiador Francisco Teixeira dedicou sua vida a ampliar o conhecimento dos militares entre os civis e vice-versa. Foi presidente do Instituto Pandiá Calógeras de Estratégia Internacional do Ministério da Defesa durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, é professor emérito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ele conta, entre seus amigos, com diversos oficiais com quem mantém interlocução. Para ele, o desejo de Bolsonaro de celebrar o 31 de março em grande estilo – motivo pelo qual a AGU (Advocacia Geral da União) foi até a Justiça – é “sem dúvida” um dos elementos que levou à demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa. “Com certeza o Fernando recusou envolver o Exército numa comemoração do Bolsonaro”, diz.

A Ordem do Dia, assinada pelo general Braga Netto, que assumiu o posto no ministério da Defesa, determina que os quartéis “celebrem” o dia 31 de março. “Desde que o Bolsonaro chegou ao poder, ele colocou o 31 de Março de 64 numa vitrine de novo”, diz o professor. “Era algo que estava no passado, meio sepultado. Era um tema pra nós, historiadores e cientistas sociais e o Bolsonaro trouxe tudo isso de volta, e da pior forma possível”.

Segundo ele, “isso era tudo o que o Exército não queria”. “Começou a ser discutido desde tortura até leite condensado”, diz na entrevista a seguir. Francisco garante que não há nenhum elemento para dizer que há ânimos golpistas nas Forças Armadas de hoje, que são muito diferentes das de décadas atrás. Mas avisa: “As Forças Armadas não estão com Bolsonaro, pelo menos os comandos, não estão com  Bolsonaro numa aventura golpista. Mas também não estão disponíveis para dar um golpe contra Bolsonaro”.

Historiador Francisco Teixeira mantém interlocução com oficiais e afirma que demissão de Ministro da Defesa teve a ver com celebrações de 31 de março
Como você interpreta esse movimento inédito de demissão dos 3 comandantes das Forças Armadas? 

Até então não tínhamos claro o quadro de uma crise militar. Mas agora a gente tem. Já vinha se avolumando esse mal-estar entre a cúpula das Forças Armadas – não  seu conjunto, mas a cúpula – com o governo Bolsonaro. 

Não havia exatamente um rompimento. Havia um mal-estar, também não tem uma data ou fato isolado – ao contrário de várias coisas que vêm sendo publicadas – mas era um quadro geral que incluía vários elementos. 

Sem dúvida, a atuação do Pazuello no Ministério da Saúde e a insistência do Bolsonaro em envolver as Forças Armadas no Ministério foi um elemento de profundo desagrado, mas também a forma geral do presidente, a linguagem do presidente sobre a pandemia. Construiu-se uma coisa meio caricata, mas aos poucos se tornou uma coisa muito desagradável para os oficiais superiores das Forças Armadas.

Natalia Viana entrevista historiador Francisco Teixeira

francisco-carlos-teixeira-da-silva.jpgHistoriador Francisco Teixeira mantém interlocução com oficiais e afirma que demissão de Ministro da Defesa teve a ver com celebrações de 31 de março

Como você interpreta esse movimento inédito de demissão dos 3 comandantes das Forças Armadas? 

Até então não tínhamos claro o quadro de uma crise militar. Mas agora a gente tem. Já vinha se avolumando esse mal-estar entre a cúpula das Forças Armadas – não  seu conjunto, mas a cúpula – com o governo Bolsonaro. 

Não havia exatamente um rompimento. Havia um mal-estar, também não tem uma data ou fato isolado – ao contrário de várias coisas que vêm sendo publicadas – mas era um quadro geral que incluía vários elementos. 

Sem dúvida, a atuação do Pazuello no Ministério da Saúde e a insistência do Bolsonaro em envolver as Forças Armadas no Ministério foi um elemento de profundo desagrado, mas também a forma geral do presidente, a linguagem do presidente sobre a pandemia. Construiu-se uma coisa meio caricata, mas aos poucos se tornou uma coisa muito desagradável para os oficiais superiores das Forças Armadas.

Além disso, contribuiu também a falta de uma política para a pandemia e o acúmulo de mortos, já que as forças têm uma tradição cientificista, positivista, muito grande. Isso que as pessoas normalmente fazem piada, de que os soldados ficam pintando quartel, pintando árvores, pintando calçada, na verdade, é um conjunto muito grande de normas de higiene, de saúde, de limpeza.  

Então, quando o presidente fez piadinhas sobre a pandemia isso se chocou muito com esse ethos das Forças Armadas. O presidente desconhece esse perfil, essa característica das forças. 

Também, ele optou por falar insistentemente pelo Exército, tentou trazer a instituição para o campo pessoal, uma instituição que serve à nação, uma instituição de Estado, querendo transformá-la numa milícia, numa instituição dele. 

 

Mas houve também uma aliança com o Exército em relação ao combate à Covid, expressa no fato, por exemplo, que o general Pazuello continuou na ativa – dizem que com apoio de Pujol – e na fabricação de milhares de comprimidos de cloroquina…  

Olha, o Bolsonaro pode ter ordenado alguma unidade do Exército a fabricar cloroquina, mas em relação à tropa eles continuaram tomando todas as medidas sanitárias. O Exército nunca aceitou essas práticas que ele pregava, inclusive o uso de máscaras e todas essas medidas sempre foram usadas pelo Exército, inclusive num encontro pessoal em maio de 2020, o general Pujol se negou a apertar a mão de Bolsonaro.

O Exército se distinguiu também na questão da política externa. As Forças Armadas sempre foram muito cuidadosas, elas são como um duplo do Itamaraty, porque são responsáveis pela defesa nacional, então elas sempre tiveram muitos seminários, simpósios, sobre política externa. E desde o início os oficiais ficaram horrorizados com a condução do Ernesto Araújo.  

Acho que não é à toa que no dia em que ele demite o Ernesto Araújo, ele tenha demitido também o general Fernando Azevedo. É como se ele dissesse, estou demitindo quem eu gosto, mas demito o general Fernando também. 

 

O senhor falava sobre o modo de falar de Bolsonaro, como ele é rechaçado pelos militares… 

Tem uma grande diferença aí entre o Comando do Exército, o Comando da Marinha e da Aeronáutica com os praças e sargentos. A fala de Bolsonaro para esses últimos sempre pareceu muito sedutora, e ele permanece como um “mito” para esses elementos mais subalternos das Forças Armadas.  Como também para PMs, para guardas municipais, para guardas de vigilância, para os quais ele continua falando de forma muito sedutora. 

E isso, inclusive, incomoda profundamente os altos oficiais das Forças Armadas. Eles já tinham tomado a decisão, desde o final do ano passado, de desembarcar do governo Bolsonaro. Mas essa decisão não era espalhafatosa, não seria uma declaração pública. Era algo que ia ser feito e estava sendo feito de uma forma bastante discreta.

 

Como? 

Principalmente, com a decisão de não participar de atos políticos e não endossar declarações do presidente da República. E parece que essa cisão se deu muito claramente no final do ano passado. O general Fernando Azevedo, ex-ministro da Defesa, é uma pessoa muito despolitizada, ao contrário do Pujol, que tem uma formação política importante. E o Bolsonaro, sem dúvida nenhuma queria declarações políticas, principalmente numa semana que é o aniversário do 31 de março. Ele estava procurando isso, foi até a Justiça para poder comemorar o golpe. 

 

Ou seja, um dos elementos da demissão teria sido por que o general Fernando negou-se a celebrar de maneira enfática o Golpe de 64? 

Isso foi um elemento, sem dúvida. O Bolsonaro foi à Justiça pedir o direito de comemorar o 31 de março, e de forma absurda a justiça concedeu esse direito. Com certeza o Fernando recusou envolver o Exército numa comemoração do Bolsonaro. Agora veja uma coisa: desde que o Bolsonaro chegou ao poder, ele colocou o 31 de março de 64 numa vitrine de novo.

O 31 de março sempre tem a Ordem do Dia que é lida pelas Forças. Mas é algo discreto. Era um comandante, às vezes nem um comandante, um oficial de dia lendo uma ordem do dia dentro de um quartel para recrutas. 

Era algo que estava no passado, meio sepultado. Era um tema pra nós, historiadores e cientistas sociais. A maioria das pessoas não tinha nem ideia do que era o AI-5 e o que aconteceu exatamente no dia 31 de março. O Bolsonaro trouxe tudo isso de volta, e da pior forma possível. 

Colocou isso na vitrine, e ao colocar na vitrine, ele trouxe de volta os relatos, os torturados, e as memórias. Eu mesmo acabei publicando um livro sobre isso com o professor João Roberto Martins, outros livros e depoimentos foram publicados. 

Ele, o filho dele, o general Heleno, trouxeram isso de volta e criaram uma polêmica histórica e política, principalmente em torno do AI-5. 

E isso era tudo o que o Exército não queria. Começou a ser discutido desde tortura até leite condensado. Que ganho o Exército tem com isso?

O que as Forças Armadas ganharam com Bolsonaro trazendo o 31 de Março, fazendo um escândalo, desafiando pessoas? Pessoas que foram torturadas, desde Miriam Leitão, Vitória Grabois, pessoas que foram presas como eu. Quando ele diz que não houve nada, aí nos obriga a dizer: houve. 

Quando ele vira para o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz e diz, “eu sei como seu pai desapareceu e onde ele está enterrado”… Foi um inferno para as Forças Armadas. Uma provocação. 

Quer dizer, quem provocou todo esse debate de novo foi o próprio presidente da República. Na maioria dos países civilizados, defender tortura, ditadura, Golpe de Estado, é crime.

Se fosse num país como a Alemanha, ele teria sido preso. Em um país como a Espanha, que tem uma Lei da Memória Histórica, que leva a multas altíssimas apologia a Franco [general], ele teria sido afastado do cargo. [Continua]

 

30
Mar21

Comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica deixam o cargo após queda de ministro da Defesa

Talis Andrade

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Saída dos chefes das três forças ao mesmo tempo é inédita no país e vem como reação à demissão do general Fernando Azevedo ocorrida na segunda

 
 
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Um dia depois da demissão do general Fernando Azevedo da chefia do Ministério da Defesa, os comandantes Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) entregaram os cargos. A saída em conjunto foi confirmada pelo Ministério da Defesa, que em nota afirmou apenas que a decisão foi comunicada em uma reunião na manhã desta terça. Os motivos da debandada não foram informados. Os três já haviam tomado a decisão na própria segunda-feira após a queda de Azevedo, mas a pedido de seu sucessor, o também general Walter Braga Netto, concordaram em protelar a saída até uma nova rodada de diálogo. A demissão simultânea dos chefes das três forças é um fato inédito. Caso a tradição seja mantida, Braga Netto agora apresentará para a escolha do presidente três nomes para cada um dos cargos vagos, seguindo um critério de tempo de caserna.

A relação de Bolsonaro com Pujol já havia dado sinais de desgaste logo após o início da pandemia, em 2020. O militar sempre se preocupou em tratar o combate à covid-19 como uma das “maiores missões do Exército”, em flagrante desacordo ante o negacionismo do presidente. Em um evento ocorrido em abril do ano passado, Pujol ofereceu o cotovelo para cumprimentar Bolsonaro, que lhe estendeu a mão em cerimônia no Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, traduzindo em gestos o desacordo entre ambos.

À época o presidente chegou a cogitar retirá-lo do cargo, mas voltou atrás. Em novembro uma reunião entre o vice presidente, Hamilton Mourão, Pujol e os ministros militares Luiz Eduardo Ramos e Netto também provocou a irá de Bolsonaro, conforme relatou o repórter Afonso Benites.

A reunião de novembro foi apenas um sintoma de um quadro geral de cisão entre o Planalto e setores das Forças Armadas, que culminou com o afastamento de Azevedo mas que tem relação com um desgaste pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à Amazônia —que também estavam a cargo de militares. Nos bastidores comenta-se que o mandatário estaria exigindo maior apoio dos comandantes das Forças Armadas às suas medidas mais radicais, como usar o Exército para combater o lockdown nos Estados, por exemplo. Em 19 de março, Bolsonaro afirmou que “meu Exército não vai cumprir lockdown. Nem por ordem do papa”, quando indagado sobre a possibilidade da tropa auxiliar prefeitos e governadores a reforçarem medidas de restrição. O mandatário chegou a fazer uma ofensiva jurídica contra tais práticas no Supremo Tribunal Federal, sem sucesso.

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Em sua carta de renúncia Azevedo afirmou na segunda-feira que sob sua gestão as Forças Armadas agiram “como instituições de Estado”, em oposição às tentativas de instrumentalização política feitas pelo Governo. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, um dos primeiros ministros fardados a ser demitido por Bolsonaro após entrar em conflito com os filhos do presidente, em junho de 2019, usou o Twitter na noite de segunda para cobrar explicações: “Forças Armadas não entrarão em aventura! Governo tem de dar explicações à população sobre a mudança no Ministério da Defesa”, escreveu.

Após o anúncio da saída dos três comandantes, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, a pedido de Aécio Neves, afirmou que irá protocolar um convite a Braga Netto para que preste explicações sobre as trocas realizadas nas Forças Armadas, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo.

O Governo Bolsonaro sempre se apoiou em quadros militares, colocando integrantes da caserna em ministérios e outros cargos-chave. Durante seu mandato a categoria escapou de uma reforma da Previdência dura no final de 2019, obtendo vantagens com relação aos servidores públicos e trabalhadores do setor privado. Os membros das FA, por exemplo, terão salário integral ao se aposentar, e estão isentos de qualquer idade mínima obrigatória. Além disso, em março foi aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2021, que liberou um aumento de remuneração para a categoria, que agora passa a ser a única que poderá receber reajuste este ano em um contexto no qual as demais tiveram o salário congelado até dezembro. Por fim, a verba destinada para investimentos nas Forças Armadas prevista na LOA subiu de 8,17 bilhões de reais para 8,32 bilhões de reais.

 

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