Os dois principais crimes que, segundo os especialistas, poderiam ser atribuídos a Bolsonaro e aos oficiais presentes à suposta reunião, caso o relato de Cid seja verdadeiro, são abolição violenta do Estado democrático de direito e tentativa de golpe de Estado.
De acordo com o Código Penal, o primeiro crime se configura ao "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais".
As penas para esses crimes variam de quatro a oito anos de prisão.
O segundo crime, golpe de Estado, acontece ao tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. As penas vão de 4 a 12 anos de prisão.
Os dois crimes foram incorporados ao Código Penal brasileiro somente em 2021 e são a base das acusações feitas aos réus que respondem a processos criminais por terem invadido e depredado as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro deste ano.
"Em tese, um presidente da República que convoca uma reunião para um ato golpista pode, sim, estar cometendo crimes, inclusive crimes de responsabilidade", diz Juliana Bertholdim, professora de Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná.
O criminalista Celso Vilardi, professor de Direito Penal, também avalia que os crimes investigados com base no relato de Mauro Cid seriam a abolição violenta do Estado democrático de direito e golpe de Estado.
Ele diz, no entanto, que os elementos divulgados até agora ainda seriam insuficientes para atribuir, de forma peremptória, os crimes tanto a Bolsonaro quanto aos militares.
"É preciso saber se nessa reunião foi discutida alguma ação concreta para tirar essa suposta minuta do papel. Se nenhuma atitude foi tomada, não acho que podemos falar que houve crime", disse.
"Você pode dizer: 'Pretendo matar alguém. Posso fazer isso com o apoio de terceiros'. Isso não significa que estamos no campo do crime. O crime vai começar a partir de atitudes concretas que, no meu modo de ver, ainda não estão próximas de estarem comprovadas."
Ricardo Jacobsen, professor do programa de Ciências Criminais da PUC do Rio Grande do Sul, concorda com Bertholdi e afirma que, no caso do crime de tentativa de abolir o estado democrático de direito, a mera convocação de uma reunião com chefes militares para discutir uma suposta minuta golpista já poderia ser vista como um crime.
"No Direito Penal, uma das coisas fundamentais é estabelecer se houve ou não o dolo, ou seja, a intenção. Me parece, no entanto, que se o presidente convoca uma reunião para discutir essa minuta, ele passa à fase de execução do crime. A mera tentativa já enseja uma punição", afirma o professor.
Bertholdi ressalta que o próprio tipo penal cita o termo "tentativa" de abolição do estado democrático de direito.
"Porque se o sujeito que empreender essa tentativa tiver sucesso, não teríamos um Judiciário constituído para fazer o julgamento, logo, não faria sentido que o crime só existiria na sua forma consumada", diz a professora.
"A dificuldade ao analisar o caso é saber se eles chegaram ao ponto de tentativa de abolição do estado democrático de direito ou se as conversas estavam apenas na fase das ideias sem um plano estruturado."
Jacobsen avalia que o seu entendimento também poderia ser aplicado ao almirante Garnier que, segundo as reportagens do UOL e do jornal O Globo, teria demonstrado apoio à suposta tentativa de impedir a posse de Lula.
"Se um dos militares declarou apoio a um suposto plano golpista, esse oficial poderia responder pelo crime de golpe de Estado", diz.
Prevaricação e prisão em flagrante
CRÉDITO, REUTERS. Existe debate sobre se militares que participaram da reunião poderiam ter dado voz de prisão contra Bolsonaro
Outro debate que se teve logo após a divulgação de detalhes da delação premiada de Mauro Cid é sobre se os militares que teriam participado da reunião poderiam ser punidos por prevaricação ou se poderiam ter dado voz de prisão contra Bolsonaro.
Os juristas Celso Vilardi e Pierpaolo Bottini afirmam que, mesmo que Bolsonaro tivesse deixado claro na suposta reunião uma intenção de dar início a uma ruptura do regime democrático, os oficiais não poderiam ter dado voz de prisão ao então presidente.
"Há uma imunidade aos presidentes da República prevista na Constituição Federal. Ele só poderia ser preso após uma sentença condenatória expedida pelo STF. Ele poderia responder pelos crimes no exercício da Presidência, mas só poderia ser preso após o fim do seu mandato", explica Bottini, que é professor de Direito Penal na Universidade de São Paulo (USP).
Celso Vilardi também avalia que o presidente não poderia ser preso nestas uspostas circunstâncias.
"Os comandantes militares teriam que comunicar às autoridades sobre essa reunião e, aí, uma investigação seria feita", diz.
A resposta de Vilardi, em parte, aponta sua opinião sobre qual deveria ter sido a conduta dos oficiais caso eles tenham sido, de fato, apresentados a um plano golpista. Caso eles não tenham tomado essa medida, teriam, em tese, cometido do crime de prevaricação.
No Código Penal, o crime de prevaricação ocorre quando um funcionário público retarda ou deixa de praticar um ato dentro de suas atribuições para satisfazer algum interesse ou sentimento pessoal. As penas previstas para esse crime variam de três meses a um ano de prisão.
Em situações como essa, em função do tamanho reduzido da pena, raramente os acusados cumprem a pena na prisão.
No caso da suposta reunião que teria sido citada por Mauro Cid, Vilardi defende que os militares deveriam ter procurado as autoridades competentes para reportar o teor da suposta reunião.
"Ainda que não coubesse a prisão por conta da imunidade presidencial, se estava em curso um golpe de Estado, eles deveriam instaurar um procedimento para apurar o caso ou procurar as autoridades responsáveis por investigar o presidente", afirmou.
Entre as autoridades que Pierpaolo e Vilardi mencionaram estão a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e a Procuradoria Geral da República (PGR).
Perda de patente
Além das consequências no âmbito criminal, os militares que caso venham a ser condenados por um suposto envolvimentos na reunião que teria sido mencionada por Cid ainda correriam o risco de enfrentar processos na Justiça Militar.
De acordo com a legislação brasileira, oficiais da ativa ou da reserva condenados por crimes comuns podem ser submetidos a tipo de processo que tramita no Superior Tribunal Militar (STM) destinado a avaliar se o militar é digno ou não de permanecer nos quadros das Forças Armadas.
No caso de serem considerados indignos, os oficiais ficariam sujeitos à perda de suas patentes e a até mesmo ser expulsos das Forças Armadas.
O caminho das investigações
CRÉDITO, MARINHA DO BRASIL. Almir Garnier comandou a Marinha até o final do governo de Jair Bolsonaro
Investigadores da PF ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmam que delações premiadas como a de Cid são apenas uma parte da investigação e, antes de resultarem em indiciamentos, denúncias ou condenações, elas precisam ser comprovadas a partir do andar das investigações.
No caso de Mauro Cid, a PF ainda deverá tomar novos depoimentos de Mauro Cid e procurar provas que comprovem ou refutem o relato dado pelo ex-ajudante-de-ordens.
Caso as provas encontradas indiquem que o relato seja verdadeiro, caberá à PF indiciar os participantes da reunião com base nas responsabilidades de cada um deles.
Após o indiciamento, caberá ao Ministério Público oferecer uma denúncia contra os suspeitos. Só depois que a denúncia for feita e aceita pelo STF é que os ministros e ministras da Corte deverão julgar o caso.
A suposta reunião que teria sido mencionada por Cid em sua delação é investigada no bojo do inquérito que investiga atos antidemocráticos e que tramita no STF.
Cid, porém, é investigado em outros inquéritos como o que apura a suposta venda ilegal de joias dadas de presente a Bolsonaro e o que apura a suposta fraude em cartões de vacina de Bolsonaro, seus auxiliares e de sua filha.
Em relação a esses dois casos, Bolsonaro e sua defesa já deram declarações negando seu envolvimento em irregularidades.
Além das investigações no âmbito jdo Judiciário, a delação de Cid também teve repercussões no mundo político. Desde que detalhes do seu conteúdo começaram a ser divulgados, integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional que investiga os atos de 8 de janeiro passaram a pressionar pela convocação do almirante Garnier para depor.
A relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), disse em entrevista a veículos de imprensa na segunda-feira (25/9) que gostaria de ter os depoimentos de Garnier e outros dois ex-comandantes militares: o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, e o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior.
É preciso que os requerimentos de convocação dos três seja votado pelos integrantes da CPMI. Gama disse esperar que isso ocorra na terça-feira (26/9).
Fontes ouvidas pela BBC News Brasil em caráter reservado afirmaram, porém, que ainda não há consenso entre os integrantes da comissão se Garnier será ou não convocado a depor.
General Heleno depõe na CPI; e a falsa singeleza da direita em matéria de golpe de Estado
Golpe de estado ameaça uma guerra civil. Tem listas estaduais de presos, e a sangreira de lideranças marcadas para morrer.
Todo golpe cousa de inimigos da claridade, de forças armadas contra a população civil, contra o povo em geral desarmado, vítima de ditadores sanguinários idólatras de - para citar os monstros do Século XX - Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Pinochet, Stroessner, Idi Amin e outros cavaleiros montados em suas bestas do Apocalipse.
Bolsonaro, o "mau militar", consultou as Forças Armadas sobre dar um golpe após a vitória de Lula, depois de derrotado nos dois turnos das eleições presidenciais de 2022. A Marinha aceitou. Mas sem o Exército, Bolsonaro recuou, escreve Cintia Alves:
Almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, aceitou embarcar no plano de golpe de Jair Bolsonaro contra a posse de Lula, segundo informações de O Globo.
No final de 2022, após a vitória eleitoral de Lula, Jair Bolsonaro teria se reunido com a cúpula das Forças Armadas para discutir um plano de golpe, numa tentativa desesperada de permanecer no poder.
O Exército teria negado adesão ao golpe. Não se sabe qual teria sido a conduta da Força Aérea. Mas o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha (que tem cerca de 80 mil homens e mulheres em seu corpo), embarcou prontamente na empreitada golpista.
Os detalhes da reunião teriam sido narrados na delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O trecho sobre a proposta às Forças Armadas vazou à imprensa nesta quinta (21).
O ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio Monteiro, disse que o golpe“não interessou às Forças Armadas”.“Foram atitudes isoladas”, afirmou, reclamando ainda da “suspeição coletiva” em que se encontram os militares hoje.
Quem é Almir Garnier
Não é surpresa nenhuma que Garnier tenha aparecido na delação de Cid como um entusiasta do golpe. Em junho passado, oFinancial Timespublicou reportagem sobre a “discreta campanha” dos Estados Unidos para garantir a posse de Lula.
“Um alto funcionário brasileiro que esteve intimamente envolvido lembra que o ministro da Marinha de Bolsonaro, almirante Almir Garnier Santos, era o mais ‘difícil’ dos chefes militares. ‘Ele ficou realmente tentado por uma ação mais radical’, diz. ‘Então tivemos que fazer muito trabalho de dissuasão, o departamento de estado e o comando militar dos EUA disseram que iriam rasgar os acordos [militares] com o Brasil, desde treinamento até outros tipos de operações conjuntas'”, revelou oFT.
A lealdade a Bolsonaro e o desprezo pelo governo recém eleito já ficara patente quando Garnier decidiu não participar da passagem de bastão para seu substituto, o almirante Marcos Sampaio Olsen.
Em meio a uma transição tensa, duramente marcada pelo 8 de Janeiro, Olsen chegou com as seguintes falas:“Temos um Brasil polarizado, e os militares foram trazidos para esse contexto. Precisamos reforçar que é uma instituição de Estado. (…)É equívoco achar que as Forças Armadas podem ser um poder moderador.”
Em 15 de dezembro de 2022, quando a marcha golpista de Bolsonaro caminhava para o fracasso, Garnier participou da formatura de quase mil novos fuzileiros navais. Na despedida emocionada, fez um discurso dúbio.
“Nem sempre conseguimos fazer tudo que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede, e temos de navegar de acordo com o que aprendemos para contornar furacões, afim de não perder nosso barco e colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam os senhores que a manobra de tempestade girará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos. E lá nós chegaremos, pode demorar um pouco mais, mas chegaremos. O importante é que estejamos unidos.”
Garnier disse também que a tropa estava em plena“condições de cumprir missões onde quer que o poder político nos demande.”E finalizou com um chamado:“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. Tenho tentado cumprir o meu. Cumpram o de vocês”.
A delação de Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, revelou em delação premiada que presenciou o encontro do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e aliados militares, para discutir a possibilidade de implementar uma minuta de intervenção militar no país.
O tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Foto: Agência Senado
De acordo com o jornalista Talento Aguirre, que ouviu fontes que acompanharam as negociações de delação, Cid narrou também os detalhes de um encontro anterior, no qual o ex-assessor especial Filipe Martins entregou a minuta de decreto golpista para Bolsonaro.
O documento previa caminhos para prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Morais, e suspender o resultado da eleição vencida por Lula.
Cid também teria presenciado o encontro com as Forças Armadas, quando Garnier teria garantido que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento, enquanto o comando do Exército teria negado a proposta. Sem o Exército, Bolsonaro não deu seguimento ao plano.
O relato teria caído “como uma bomba entre os militares” e teria gerado uma grande tensão nas Forças, segundo Bela Megale, no O Globo.
Sargento Luis Marcos dos Reis: envolvido numa série de escândalos ligados a Bolsonaro, a quem serviu como ajudante de ordens
Segundo o deputado Rubens Pereira Júnior, militares que assessoravam Bolsonaro ajudaram o ex-presidente a cometer crimes. "Todos são iguais perante a lei". Parlamentares do PT pedem punição aos golpistas das Forças Armadas
Como disse o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), o sargento Luis Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, “contribuiu pouco e mentiu muito” ao depor nesta quinta-feira (24) na CPMI do Golpe. A estratégia, no entanto, não impediu que a verdade aparecesse mais uma vez.
E a verdade é que a Ajudância de Ordens, cuja função é assessorar diretamente o presidente da República, se transformou, no governo de Jair Bolsonaro, em um verdadeiro escritório de ilegalidades.
“Infelizmente, a Ajudância de Ordens se transformou em Ajudância de Crimes”, resumiu o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA). “Em todos os crimes que estamos investigando nesta CPMI, a Ajudância de Ordens está no meio. Todos: minuta golpista, fraude de vacinas, dinheiro vivo, invasão dos Três Poderes”, completou.
E Reis é uma prova disso. O nome do militar aparece tanto na fraude dos cartões de vacinação quanto nos ataques do 8 de Janeiro e nas transações suspeitas que beneficiaram Bolsonaro e sua esposa, Michelle (leia mais sobre as suspeitas que recaem sobre o sargento).
Desmascarado, optou pelo silêncio
Ao iniciar seu depoimento, Reis tentou negar a prática de qualquer crime. Disse que os 3,3 milhões movimentados em sua conta eram fruto de um consórcio informal que fazia com colegas militares, história taxada de “difícil de acreditar” por Rubens Pereira Júnior.
Acabou desmascarado por Rogério Correia, que mostrou evidências da amizade entre os dois, a ponto de Reis chamar Vanderlei carinhosamente de Derlei e trocar com ele diversas mensagens de WhatsApp.
Depois disso, o sargento Reis preferiu ficar em silêncio sempre que questionado sobre pagamentos feitos para Michelle ou Bolsonaro. “O seu silêncio fala demais”, ressaltou Pereira Júnior, que listou uma série de perguntas que precisam ser respondidas:
1) Como se davam os pagamentos de contas pessoais de Bolsonaro e Michelle?
2) Qual era o volume em espécie que circulava dentro da Ajudância de Ordens?
3) De onde vinha o dinheiro em espécie, ou seja, quem repassava esses montantes?
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), fica claro que, além de apoiar um golpe de Estado, militares da Ajudância de Ordens e outros contribuíram para o que se parece muito com um esquema de rachadinha no interior do Palácio do Planalto.
“Pelo que estamos vendo, é o coronel, é o general, é o cabo, é o soldado, uma trupe inteira envolvida na lavagem de dinheiro, que é o que estamos neste momento identificando”, ressaltou, lembrando aindao esquema de venda ilegal de joias da União.
“Um dos militares golpistas”
Outra versão que o sargento Reis tentou contar foi a de que esteve na Esplanada dos Ministérios, em 8 de janeiro, apenas como um cidadão curioso. Também acabou desmentido, poisas mensagens descobertas pela PF em seu celularevidenciaram seu entusiasmo e apoio aos atentados terroristas daquele dia.
“O senhor estava ali engajado no golpe. O senhor é um dos militares golpistas”, acusou Rogério Correia, defendendo a punição de todos os membros das Forças Armadas que atentaram contra a democracia, seja qual for suas patentes.
“Se as Forças Armadas estão incomodadas de serem chamadas de golpistas, que eles assumam aqueles elementos que estavam no golpe, como é o caso do senhor, doLawand, doMauro Cid, dogeneral Dutra. E nós vamos ter que escutar também o ministro da Defesa de Bolsonaro, que permitiu, a mando de Bolsonaro, que um hacker entrasse no ministério para falar de urnas eletrônicas”, defendeu o deputado.
O senador Rogério Carvalho fez uma fala semelhante: “A democracia venceu aqueles que acreditavam na ditadura, no autoritarismo, no Exército como instrumento de morte contra o povo brasileiro, contra a democracia e contra a sociedade brasileira. Eu quero aqui dizer, àqueles que resistiram no Exército contra o golpe, meu respeito. E àqueles que se colocaram junto dessa aventura golpista, meu desprezo. E que a punição seja exemplar. Sem anistia para aqueles que traíram a democracia e o Brasil.”
Rogério Correia: "O senhor não estava passeando e sim engajado no golpe"
Também presente na audiência, o líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), ressaltou que figuras como a do sargento Reis mostram bem do que se trata o bolsonarismo: “O encontro do negacionismo com o golpismo”.
“Bolsonarismo é isso: nega a ciência, ovaciona torturador, fala que é a favor da liberdade de expressão, mas apoia ditadura, a censura na ditadura. Isso é o bolsonarismo, que nega que a Terra é plana, que nega vacina para a população, que matou 700 mil pessoas, que enfia ivermectina na população. Isso não é comportamento de um integrante das Forças Armadas”, afirmou o senador.
Rubens Pereira: "A oposição está, arrependida de ter convocado essa CPI"
Reinaldo: Mais joias no avião? O sargento “coach” e o tenente-coronel mágico
(continuação) No Forte Apache, a sede do comando em Brasília, o mantra é de que“qualquer um que tenha mostrado desvio no comportamento de retidão e legalidade será punido”.
Oficiais dizem que o objetivo é mostrar que a instituição não vai “passar pano” para os ilícitos de ex-membros. Inclusive, eventualmente, de Lourena Cid, que já estava “aposentado” desde 2019.
O atual comandante, generalTomás Paiva, quer antes de mais nada “virar a página” dos problemas que Bolsonaro causou. Para isso, no dia 13, ogeneral publicou uma ordem interna estipulando que o Exército deve pautar suas ações pela “legalidade e legitimidade”.
No documento, ele reforça o caráter do Exército como “instituição de Estado, apartidária, coesa e integrada à sociedade”. Trata-se da ordem fragmentária nº 1, que procura, nas suas palavras, fortalecer a imagem e a reputação da corporação, evitando-se “a desinformação”.
Na sede da Força, o que se diz é que esse documento já estava em elaboração desde a gestão do generalJúlio César Arruda, que foi indicado no final do ano passado para o posto e acabou demitido por Lula em janeiro após os ataques de 8 de janeiro.
Mais do que isso, a demissão teria sido motivada pela insistência de Arruda em efetivar justamente Mauro Cid em um importante comando de tropas em Brasília, a chefia do 1º Batalhão de Ações de Comando do Exército em Goiânia.
Fato é queesse documento divulgado pelo novo comandante é mais uma tentativa de pacificar a caserna.Para isso, Paiva criou um grupo de trabalho, assim como uma associação nacional de Amigos do Exército.
Mas isso será suficiente para capturar corações e mentes das tropas, familiares e oficiais reformados?Um dos objetivosdo atual comando é aproximar a instituição dos veteranos, mas não será tarefa fácil despolitizar clubes militares e associações que embarcaram no radicalismo golpista de forma escancarada.
Outra estratégiado comandante é pacificar o público interno combenesses para a corporação, como: * reforço em salários, * assistência social, * sistema de saúde, * colégios militares * e moradias.
Essa foi uma das estratégias de Bolsonaro para atrair os oficiais de patentes inferiores.
Mas há dúvidas se a ofensiva corporativista será suficiente para debelar o encanto extremista. Uma forma mais eficiente seria provar que a Força está “cortando na carne” para apurar responsabilidades.
Mas o Inquérito Policial Militar que foi aberto para investigar os atos golpistas, concluído em julho,livrou as tropas de culpae apontou indícios de responsabilidade daSecretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, que integra oGabinete de Segurança Institucional.
Ou seja, atribuiu ao próprio governo Lula, no oitavo dia de gestão, a responsabilidade por falhas em prevenir atos de insurreição.
Porta dos fundos
O constrangimento recente não foi apenas com o clã Mauro Cid. Em depoimento à PF, o hackerWalter Delgattidisse que participou de reuniões no Ministério da Defesa em tentativas de desacreditar as urnas.
Ele teria entrado cinco vezes pela porta dos fundos do Ministério para que sua presença não fosse registrada. Pior:afirmou que “orientou” o conteúdo do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas entregue ao TSE em novembro de 2022.
Nessa ocasião, o Ministério era chefiado pelo generalPaulo Sérgio Nogueira. Delgatti, que está preso, evidentemente é uma testemunha suspeita. Acaba de ser condenado a 20 anos de prisão no caso da Vaza Jato. Mas suas afirmações trouxeram grande preocupação ao comando do Exército.
O ministro da Defesa,José Múcio, pediu à PF a lista de militares que teriam se encontrado com Delgatti. A PF não liberou, alegando que o inquérito é sigiloso, mas o ministro espera liberar essa informação com o STF. É uma boa forma de se conhecer os membros da corporação que teriam agido contra a Justiça Eleitoral.
Na prática, com o depoimento de Delgatti, os militares passaram a ser mais visados. E a situação pode se complicar ainda mais após a apreensão dos celulares do general Lourena Cid e do advogadoFrederick Wassef, cujas senhas já foram quebradas e que estão sob análise da PF.
Um dos aparelhos de Wassef era usado exclusivamente para a comunicação com Bolsonaro. E oseu celular já teria indicado que o ex-presidente tinha conhecimento das negociatas com joias.
7 de setembro
Enquanto os militares tentam pacificar a família castrense e pisam em ovos com as revelações que ainda surgirão, o governo vive o dilema de como agir com os militares.
Se Lula atuar de forma persecutória, arrisca-se a colocar a instituição contra o governo. Se não agir com firmeza, o ovo da serpente se desenvolve.
Com a elevação da temperatura nos inquéritos da PF e a aproximação das comemorações do 7 de setembro, o presidente resolveu agir.
Chamou os três comandantes militares para o Palácio da Alvorada fora da agenda no sábado, dia 19. O ministro da Defesa,José Múcio, levou os comandantes doExército, daMarinhae daAeronáutica.
Oficialmente, trataram dos investimentos na Defesa anunciados no lançamento do Novo PAC, de nada menos que R$ 52,8 bilhões.
Na prática, o petista cobrou rigor contra os comportamentos desviantes.A ideia é que nenhum fardado seja perseguido, mas que nenhum também deixe de ser punido se for comprovada sua participação em ilícitos.
Lula deseja se aproximar da categoria e diminuir a tensão. A estratégia, aparentemente, é conquistar a caserna com recursos e benefícios sociais, enquanto se cobra disciplina e o respeito à Constituição.
O presidente Lula recebeu comandantes do Exército, Marinha, Aeronáutica e cobrou penas devidas aos militares envolvidos em ilegalidades (Crédito:Ricardo Stuckert)
Trata-se de um equilíbrio delicado em meio a uma relação ainda conturbada. No Congresso, houve um aperitivo da dificuldade. Uma sessão daComissão de Constituição e Justiça (CCJ)da Câmara voltou a debater o papel dos militares e o artigo 142 da Constituição, que foi indevidamente invocado por Bolsonaro e seus seguidores como se ele estabelecesse um “poder moderador” das Forças Armadas.
A tese de alterar esse dispositivo constitucional é abraçada especialmente porparlamentares petistas, o que promete jogargasolina da fogueirada insatisfação das alas mais conservadoras dos quartéis.
Enquanto a esquerda quer aproveitar o acerto de contas com as atitudes golpistas, o comando tem a difícil missão de despolitizar e profissionalizar as forças.
As principais bolhas da internet – a da esquerda e a da direita – se uniram para criticar a Força.Enquanto a esquerda critica a ação antidemocrática, os radicais bolsonaristas atacam os “generais melancia” (verdes por fora, vermelhos por dentro), que teriam “aderido” ao governo.
O Exército, por exemplo, não sabe se mantém os seus canais nas redes sociais abertos para comentários ou não, já que as críticas vêm dos dois lados.
Sigilos desfeitos
Depois do depoimento do hacker, a CPMI passou a ser o maior foco de preocupação para os militares. A relatora, senadoraEliziane Gama(PSD), quer aprovar a quebra de sigilo telefônico e telemático do generalPaulo Sergio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, para depois avaliar sua convocação.
Nogueira foi acusado por Delgatti de ter se encontrado com ele para falar sobre urnas eletrônicas. Isso ampliaria a tensão no Alto-Comando.
Mas o presidente da comissão,Arthur Maia, sinalizou que vai aliviar a pressão para os militares.Na manhã de quarta-feira, 23, ele teve um encontro com a cúpula do Exército e em seguida blindou os generais ao definir a pauta da comissão.
Com o isso, não foram marcados os depoimentos deAugusto Heleno(ex-chefe do GSI) e deGustavo Henrique Dutra de Menezes(ex-chefe do Comando Militar do Planalto).
ApenasG.Dias(ex-ministro do GSI de Lula, que foi demitido em abril após aparecer em um vídeo circulando entre os vândalos no dia 8 de janeiro) será ouvido na próxima quinta-feira.
Isso irritou a relatora, senadora Eliziane Gama, que desejava fechar o cerco ao oficiais.“O coronel Mauro Cid tinha armazenado no seu celular um roteiro de um golpe, uma minuta de GLO, e várias conversas de militares que chegavam a ele na tentativa de levar ao presidente um estímulo para a intervenção militar, ao mesmo tempo em que fazia movimentações financeiras muito significativas. Há uma necessidade de ampliar essa investigação. Ver a participação do pai, o general Lourena Cid, do advogado Wassef. Não dá para considerar o caso das joias como um caso isolado. Não vamos investigar o caminho das joias, isso é trabalho para a PF. Mas queremos saber se houve trânsito desse dinheiro para o 8 de janeiro”, diz Eliziane.
Mas tudo indica, até o momento, que os generais terão vida dura apenas nos inquéritos da PF.
O ministro da Defesa, José Múcio (à esq.), quer saber pelo STF quais militares encontraram o hacker Walter Delgatti durante campanha (Crédito:Antônio Oliveira)
Enquanto os militares tentam driblar o crivo pela eventual participação em malfeitos,a confiança dos brasileiros nas Forças Armadas registrou queda desde o fim do ano passado, segundopesquisa Genial/Quaestdivulgada no dia 21.
Em dezembro de 2023, 43% dos entrevistados diziam “confiar muito” nas Forças Armadas. Esse índice teve queda de 10 pontos percentuais e chegou a 33% em agosto deste ano.
Parte dessa queda se deve aos eleitores de Bolsonaro, que se sentiram “traídos” pela não adesão ao golpe. Mas o resultado mostra odilema da caserna.
Como diz o dito popular, quando a política entra nos quartéis por uma porta, a disciplina sai pela outra. Por trás da crise está o papel hipertrofiado e indevido conquistado pelos militares no governo Bolsonaro.
Resta ao governo Lula o dever (e a habilidade) de recolocar as Forças Armadas no trilho institucional, no respeito à democracia e na profissionalização no seu papel de Defesa, como estabelece a Constituição.
Os militares que são tão ciosos com o respeito às regras deveriam ser os primeiros interessados em acertar contas com a sociedade.
No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas.
Ao contrário da vizinha Argentina, que julgou e condenou militares golpistas tão logo a ditadura (1976-1982) chegou ao fim, as nossas instituições nunca se dispuseram a enfrentar esse problema.
A Lei da Anistia (lei 6.683) de 1979, proposta pelo general presidente João Batista Figueiredo, beneficiou igualmente quem cometeu atrocidades e quem foi vítima delas.
Quando em 2010, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma revisão desta lei, para que torturadores pudessem ser punidos, o STF rejeitou a ação ao dizer que a anistia valia para todos.
Foi a impunidade que levou remanescentes de 1964 a se lançarem em novas ações contra a democracia brasileira, como o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a recente tentativa golpista em 8 de janeiro.
Para quem não sabe, o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo Bolsonaro, é um dos militares “linha dura” que serviu como ajudante de ordens do general Silvio Frota quando ministro do Exército.
Em 1977, Frota tentou derrubar o então general presidente Ernesto Geisel, por considerá-lo “afinado com os comunistas”.
Geisel demitiu Frota, obrigou sua passagem para a reserva e deu início ao processo de abertura política no país. Os amigos e admiradores de Frota, no entanto, permaneceram nas Forças Armadas.
Mesmo com o retorno dos civis ao poder no Brasil, a impunidade dos militares é um dos mais graves problemas que a nossa democracia enfrenta.
A instalação em 2011 da Comissão Nacional da Verdade, pela então presidente Dilma Rousseff, está entre as principais razões que levaram à sua derrubada.
Mesmo tendo entre suas atribuições somente investigar violações aos direitos humanos acontecidos no período de 1946 a 1988, sem poder para levar ao banco dos réus quem quer que seja, setores militares se mostraram indignados.
O golpe contra Dilma contou com a participação ativa desses militares, o que voltou a se repetir em 8 de janeiro.
A complicada presença dos fardados na história brasileira nunca foi devidamente enfrentada e isso faz com que se sintam autorizados a se intrometer na política. Haja vista que recentemente alguns deles queriam emplacar a distorcida leitura que fazem do artigo 142 da Constituição de 1988 para se tornarem uma espécie de Poder Moderador.
Daí termos muito que aprender com a vizinha Argentina.
Em 1985, Raul Alfonsín, um presidente fraco e semelhante ao brasileiro José Sarney, também o primeiro após a redemocratização em seu país, decidiu pelo julgamento de todos que cometeram crimes durante a última ditadura (1976-1982).
Pressionado pela extrema-direita, que havia imposto leis absurdas como a do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, que livravam os militares de qualquer responsabilidade, Alfonsín não teve alternativa a não ser mostrar para a população o que havia acontecido.
Pela primeira vez na história mundial após Nuremberg, um tribunal civil julgou e condenou os integrantes das juntas militares do período, com penas que variaram de quatro a 17 anos.
O último ditador-presidente argentino, Jorge Rafael Videla, foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2015 na cadeia.
A história desse julgamento está contada em detalhes no magnífico filmeArgentina 1985.
Dirigido por Santiago Mitre e tendo no papel do procurador-chefe, Julio Strassera, responsável pelas acusações, o consagrado ator Ricardo Darín, o filme é uma aula de história e a própria explicação das razões pelas quais na Argentina os militares não voltaram a se aventurar contra a democracia.
Por mais que o país vizinho experimente gravíssimas crises econômicas, não se vê gente na rua pedindo a volta dos militares ao poder ou defendendo perseguição e mortes aos opositores.
O julgamento dos militares golpistas na Argentina envolveu 530 horas de audiências, nas quais foram ouvidas 850 testemunhas. Pela primeira vez, a população argentina pode conhecer, em detalhes, o que aconteceu com grande parte dos seus 30 mil mortos e desaparecidos.
O julgamento durou várias semanas e, em algumas delas, o clima político beirou à temperatura máxima.
No Brasil, as atrocidades cometidas pelos militares durante os chamados “anos de chumbo” nunca chegaram ao conhecimento da maioria da população.
A exceção de Dilma Rousseff, ela própria uma vítima dos anos de chumbo, todos os demais presidentes da Nova República, evitaram o assunto.
O resultado é o que se conhece. Não por acaso, o filme de Santiago Mitre, mesmo lançado em 2022 e figurando entre os cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2023, continua praticamente inédito no Brasil, disponível apenas em streaming.
Mais do que um relato sobre fatos reais,Argentina 1985serve de alerta para as nossas instituições e para a população brasileira.
Os atos golpistas de Bolsonaro não são fatos isolados. Eles fazem parte de uma visão predominante em setores das Forças Armadas.
Bolsonaro, ele próprio, é um remanescente da ditadura militar. Ao contrário do que alguns possam imaginar, não foi ele que trouxe os militares novamente para a cena política.
Foram os militares que se valeram dele para voltar a atuar diretamente na política.
Há muito suas declarações, gestos e ações já deveriam ter sido coibidos.
Como na Argentina, aqui também não será fácil colocar golpistas graúdos no banco dos réus.
Mas esse processo não pode continuar sendo adiado.
Ao comentar sobre a situação de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, um aliado do ex-presidente, veio com a conversa de que “o Brasil precisa cuidar melhor de seus ex-presidentes”.
Lira não explicou qual tratamento seria esse, mas sabe-se que ele tem ventilado a possibilidade de anistia para os atos cometidos por Bolsonaro. Lira, na legislatura passada, foi aquele que barrou os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.
Os setores organizados da população brasileira precisam ficar atentos e não permitir que novamente tudo acabe em pizza.
Se Bolsonaro e os demais golpistas, militares e civis, não forem julgados e receberem a devida sentença, dificilmente a democracia brasileira ficará livre do fantasma fardado que a tem rondado.
O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985.
Prisão de comandantes da PM-DF é luz no fim do tunel
por Paulo Moreira Leite
Em 1 de janeiro, data da posse de Lula para cumprir um inédito terceiro mandato no Planalto, ouviu-se um grito de guerra em Brasília. "Sem anistia", gritou a massa de brasileiros presentes à Capital Federal, numa referência a sombra golpista que acompanhou a campanha eleitoral.
Oito meses depois, ao determinar a prisão dos sete comandantes da Polícia Militar do Distrito Federal, acusados de se omitir "no cumprimento do dever funcional de agir" contra "a expectativa de mobilização popular para garantir Jair Bolsonaro no poder, em desrespeito ao resultado das eleições presidenciais" a Polícia Federal assumiu uma atitude sem paralelo recente, na história brasileira, para punir adversários da Constituição e Estado Democrático de Direito.
Os argumentos empregados para sustentar as prisões são inquestionáveis. Conforme a Procuradoria Geral da República, que determinou a operação, "em diálogos entre si, os mais altos oficiais demonstraram que ansiavam por um levante popular, com tomada violenta pelo poder," mostrando-se adeptos "de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e teorias golpistas".
Neste ambiente, flagrou-se um major alinhado com golpistas, capaz não só de enviar mensagens onde sustenta que seria uma "ilusão acreditar em eleições limpas" de recomendar sem reodios a tropa: "Na primeira invasão é só deixar invadir o Congresso". Dito e feito em 8 de janeiro, certo?
Até agora, sabíamos que havia ocorrido uma tentativa de tumultuar a instalação do governo Lula em 8 de janeiro -- mas não se tinha notícia de uma única providência para localizar e punir os responsáveis, situação que ameaça reproduzir as piores tradições de nossa República, que é perseguir o andar debaixo e garantir conforto e impunidade para quem comete atos ilegais em benefício de ricos e poderosos.
A iniciativa no Distrito Federal merece aplausos demorados mas nem não é possível ignorar seus limites. A conspiração bolsonarista não limitou-se a Brasília nem foi uma exclusividade das Policias Militares.
A tentativa de "mobilização popular para garantir Jair Bolsonaro no poder, em desrespeito ao resultado das eleições presidenciais" foi essencialmente uma iniciativa de comandantes do Exército e das outras Armas Militares.
Em atitude óbvia de estímulo, comandantes chegaram a permitir, estimular e sustentar acampamentos nas vizinhanças dos quartéis nas principais capitais do país, sinalizando uma sombra permanente contra a democracia.
Na época, uma das poucas tentativas de dispersar os acampamentos golpistas foi um bem sucedido ato de bravura dos militantes e torcedores da Gaviões da Fiel no bairro do Canindé, na periferia de São Paulo.
Hoje, é preciso apurar, investigar e punir quem tive conspirado contra a democracia. Como já escrevi aqui outras vezes, não custa recordar o pensamento de Edmund Burke (1729-1797) um dos mais aplicados estudiosos da condição humana: "um povo que não conhece sua história está condenado repetí-la".
Alguma dúvida?
A Procuradoria-Geral da República disse ter constatado “profunda contaminação ideológica” da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal. O subprocurador Carlos Frederico dos Santos disse que encontrou mensagens de comandantes em apoio ao golpe de Estado. As informações são da âncora da CNN Raquel Landim
VÍDEO. Bomba! Estes dois políticos conversaram com os terroristas antes da tentativa de explodir o Aeroporto de Brasília!
Uma horda desembestada de cerca de 20 mil terroristas invadiu os prédios dos três poderes, em Brasília. Uma bomba de dinamites um presente bolsonarista no Natal
por Denise Assis
EXCLUSIVO Portal Brasil 247
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(Continuação) George se refere a Bento com a saudação: “meu nobre general”. Não há indicações se ele é, de fato um militar ou se o tratamento é apenas uma forma de se referirem na intimidade.
Relatório da Polícia:
“No dia 23/12/2022, SOLANGE liga duas vezes para GEORGE, uma às 02h30 e outra às 21h58. No entanto, conforme registro, apenas a ligação das 02h30 foi respondida, tendo duração de 1’26”. Por volta das 22h, GEORGE comenta sobre uma loira de óculos e reclama que algumas pessoas não comparecem conforme o combinado. Essa mesma reclamação foi externada em sua conversa com “Ricardo Adesivaço Xinguara”.
Trata-se da véspera do atentado, quando estão finalizando os preparativos, mas algumas providências já começam a dar errado.
Relatório da Polícia:
Transcrição áudio PTT-20221223-WA0098: “Amigo, desculpa lhe falar, mas infelizmente você agiu muito errado aí comigo. Entregar esse material na mão desse rapaz. Você sabe que eu não sou amiguinho dele. Desculpa aí, tá? Mas tudo bem, beleza. Obrigado aí, valeu”.
Por volta das 16h20, do dia 23/12/2023, HERMETO envia outros áudios perguntando sobre o que está acontecendo no QG e uma encomenda de GEORGE que estava com TIAGO. Além disso, HERMETO envia alguns áudios dos quais não foi possível realizar a extração e mensagens de texto alertando GEORGE a não seguir algumas pessoas e “não tentar ser um herói”. No dia seguinte, 24/12/2022, HERMETO envia mensagens perguntado como GEORGE está e envia uma matéria sobre a bomba encontrada no aeroporto de Brasília”.
Epílogo:
O que houve a partir dali foi a prisão de George Washington e o desmoronamento da penúltima tentativa dos terroristas de colocarem a democracia abaixo, impedindo a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito com 60.345.999 de votos, no dia primeiro de janeiro.
Lula subiu a rampa, ladeado por sua esposa, Rosângela Lula da Silva e por representantes das diversidades dos brasileiros. Uma multidão compacta pôs abaixo qualquer tentativa de impedir que ele assumisse o poder, vontade da maioria do povo que, no entorno, se emocionava, cantava e, principalmente, defendia o seu escolhido, ao som de uma palavra de ordem: “sem anistia!”. Esse foi o grito surgido espontaneamente naquela massa homogênea.
Aquelas pessoas, de maneira intuitiva, antecipavam o horror que se seguiria. No dia 8 de janeiro, quando a Nação ainda não havia apagado do rosto o sorriso pela vitória e a posse de Lula, transcorrida em paz, uma horda desembestada de cerca de 20 mil terroristas invadiu os prédios dos três poderes, em Brasília. A rampa, por onde havia subido a alegria, serviu de ponte entre o amor e o ódio devastador. Em casa, pela televisão, o país viu um golpe acontecendo ao vivo. O golpe fracassou, mas a palavra de ordem surgida no seio do povo, no dia da posse, ainda ecoa no Brasil que se quer realmente livre: “sem anistia!”.
A tentativa de apaziguamento do quartel ajeita e desmantela: pode aliviar tensões momentâneas, mas dá tempo às novas tramas
por Manuel Domingos Neto
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Em seu retorno à presidência, Lula deixou claro seu interesse em sossegar a caserna e governar sem arroubos. A escolha do Ministro da Defesa atestou sua opção. José Múcio Monteiro disse com todas as letras estar “resolvendo as coisas em absoluto comum acordo com os comandantes das Forças Armadas”. Ignora que houve uma eleição: “Na realidade, eu administro apenas a resultante da vontade de cada comandante”.
Os comandantes, entre outras demandas, querem recursos públicos. José Múcio Monteiro endossa a recomendação da OTAN de investir 2% do PIB em Defesa. Exibindo distanciamento da temática, argumenta que o Brasil tem uma grande fronteira!
A rejeição ao debate sobre a renovação da Política Nacional de Defesa, na qual os comandantes sempre pontificam, é outra demonstração de que Lula não quer contraposições aos desígnios do quartel.
A sugestão de uma Conferência Nacional para ampliar a discussão sobre essa política pública fundamental não foi levada em conta. José Múcio Monteiro desqualifica a crítica acadêmica com jeito de saudoso da ditadura.
O debate poderia mostrar que os investimentos requeridos são inadequados para defender o Brasil neste ambiente de tensões internacionais. Poderia revelar também a falta de lógica, para a Defesa Nacional, da supremacia da Força Terrestre em relação à capacidade aeronaval. Enfim, tudo fica como sempre esteve.
A reação do governo ao vandalismo do dia 8 de janeiro, quando a cadeia de comando foi preservada, em que pese ter falhado na contenção da baderna golpista, já evidenciara a opção de Lula de não mexer com os quartéis.
Em bate-papo virtual, seu ministro da Defesa isentou completamente as corporações. Disse que os militares não teriam deixado “digitais no dia 8” e que a CPI para investigar o vandalismo seria um “movimento midiático” de parlamentares que querem aparecer: “não vamos encontrar responsáveis”. No máximo, seriam responsabilizados pessoas sem liderança, afirmou.
Fatos recentes, entretanto, mostram as dificuldades de blindar as corporações. Muitos brasileiros acompanham indignados as gravações do tenente-coronel Mauro Cid. Nomes vão sendo revelados nos jornais. Impossível prever as revelações que podem surgir.
A atuação golpista dos militares foi prolongada, sistemática e explícita. Mesmo a imprensa conservadora mergulha nas investigações. A Polícia Federal mostra serviço e a Justiça dá demonstrações de que a blindagem está trincada.
Como reagirão os comandantes, em particular o do Exército, diante das revelações? Até onde irá a Corte?
Lula quer apaziguamento, mas a dinâmica dos fatos contraria sua expectativa. As corporações desejam o que Lula não pode dar: anistia antecipada aos seus integrantes investigados e plena liberdade para prosseguimento de sua cruzada obscurantista.
O atendimento às demandas corporativas não basta para apaziguar o militar. No passado, Lula acreditou nisso e terminou preso. Voltou à chefia de Estado sob a espada de Dâmocles. Dilma Rousseff também acreditou e perdeu o cargo.
Muitos afirmam, atenuando a responsabilidade da caserna, que ambos foram vitimados por golpes judiciais, parlamentares e midiáticos. Mas golpes não se efetivam sem amparo militar e policial. O exercício da autoridade sobre a caserna é indispensável à institucionalidade democrática.
A tentativa de apaziguamento do quartel ajeita e desmantela: pode aliviar tensões momentâneas, mas dá tempo às novas tramas. Soldados precisam receber missões claras, desafiadoras, gloriosas. Reconhecê-los como interlocutores políticos é um erro fatal para a democracia. Blindá-los, nestas circunstâncias, é missão inglória e, provavelmente, impossível.
A oposição bolsonarista fabrica pedidos deimpeachmentdo presidente Lula e pede CPIs contra o governo na mesma proporção com que produz mentiras e dissemina discursos violentos e de ódio.
Nas últimas semanas a ultradireita conseguiu emplacar duas CPIs: a do MST, totalmente sem fundamento legal e com o propósito exclusivo de criminalizar o MST e constranger o governo; e a CPI da intentona golpista de 8 de janeiro, como palco para a construção de uma narrativa delirante.
Para isso, os fascistas contaram inclusive com apoio de parlamentares desleais, integrantes de partidos que comandam ministérios no governo Lula e indicam correligionários para cargos federais.
A extrema-direita não debate projetos para o país, até porque a comparação com o ruinoso governo fascista-militar que jogou o país no precipício a deixa em inapelável desvantagem.
Por isso, no lugar de uma oposição racional e programática, continua empenhada na guerra fascista contra a democracia, fazendo balbúrdia e tumultuando o país. Esta guerra fascista contra a democracia não acabou com a derrota da chapa militar na eleição de outubro passado, e ainda está bem longe de acabar.
No Congresso e no debate público nas redes sociais e na mídia, essa extrema-direita age como uma malta de depredadores dispostos a destruir tudo o que encontram pela frente; a começar pela destruição da verdade factual e histórica.
No seu estado de transe permanente, os bolsonaristas tinham a ilusão de que com a CPI dos atos golpistas conseguiriam substituir a realidade dos acontecimentos pela narrativa delirante de que o governo Lula foi deliberadamente omisso e, pasme, teria estimulado um autogolpe!
O governo nunca temeu esta CPI. Apenas evitava sua instalação por considerar que a responsabilização dos criminosos, já em curso no âmbito da PF e do STF, liberaria o Congresso Nacional para canalizar toda a energia política e a agenda institucional no enfrentamento das graves urgências nacionais, ao invés de se distrair com espetáculos grotescos armados pelos fascistas.
Agora que a CPI foi aprovada, os bolsonaristas dão sinais de arrependimento. Inventam todo tipo de subterfúgio para retardar sua instalação. Perceberam, enfim, que a CPI é um tiro no próprio pé.
Imagine-se o enredo fabuloso que poderá ser escrito a partir de depoimentos de representantes da “família militar”, a começar pela Dona Cida, esposa do general conspirador Villas Bôas e contumaz frequentadora do acampamento criminoso no QG do Exército, onde orgulhosamente proclamava o grito de guerra “Selva!”, ladeada por criminosos civis e fardados em estado de êxtase.
É extensa, também, a fila de oficiais de altas patentes, da ativa e da reserva, principalmente do Exército, que deverão ser convocados para tentarem explicar o inexplicável – dentre outros, os generais Braga Netto, Júlio César Arruda, Henrique Dutra, Augusto Heleno; o coronel Élcio Franco; os tenentes-coronéis Mauro Cid e Fernandes da Hora; o ex-major Aílton Barros e uma longa lista de militares delinquentes que agem como milicianos fardados.
A CPI poderá inquirir, também, muitos delinquentes civis profundamente implicados com os atentados. Nesse rol, se enquadram o ministro do TCU Augusto Nardes, que se reunia na caserna e conhecia de perto a conspiração; assim como Anderson Torres, parlamentares, ativistas digitais bolsonaristas e empresários financiadores do terrorismo.
E, por óbvio, o banquete de depoimentos de elementos criminosos abarca, naturalmente, o miliciano-chefe e seu clã.
Se pudessem voltar no tempo, é provável que os fascistas teriam desistido da péssima ideia de CPI. A estratégia rocambolesca poderá dar muito errada.
Se a CPI dos atos golpistas for de fato instalada, a extrema-direita ficará ainda mais desnuda, com suas vísceras golpistas totalmente expostas.
O general Gustavo Henrique Dutra, ex-comandante militar do Planalto, durante audiência da CPI dos Atos Antidemocráticos do dia 8 de janeiro
O empresário Joveci Xavier de Andrade, suspeito de financiar atos golpistas de 8/1, negou que tivesse participado de atos em acampamentos golpistas, mas foi desmentindo com uma foto.
"CPI é urgente para investigar que financiou atos golpista", diz presidente do PSOL Juliano Medeiros
O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) defendeu a CPI para investigar os atos terroristas em 8 de janeiro. Em discurso na tribuna da Câmara, ele afirmou que "a verdade virá" e que vários bolsonaristas acabarão cassados pelo apoio aos golpistas
Reinaldo Azevedo defende que sejam denunciados ao Conselho de Ética e cassados os parlamentares que apoiaram os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília
Esposa do general Villas Bôas vai a acampamento golpista: 'Selva'
Quarta leva de terroristas golpistas bolsonaristas
ConJur - O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou, nesta terça-feira (9/5), o julgamento virtual para decidir se recebe mais 250 denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República em dois inquéritos instaurados contra bolsonaristas acusados de envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília. A sessão se encerrará na próxima segunda-feira (15/5).
Esta é a quarta leva de denúncias pautadas. Caso sejam recebidas, os acusados se tornarão réus e o processo terá seguimento com a fase de coleta de provas, o que inclui depoimentos das testemunhas de defesa e acusação. Depois, o STF ainda terá de julgar se condena ou absolve os bolsonaristas, o que não tem prazo para ocorrer.
Das novas 250 denúncias pautadas, 225 estão inseridas no inquérito referente a instigadores dos atos, que estiveram acampados em frente ao Quartel-General do Exército na capital federal até o dia seguinte às manifestações golpistas. Já as outras 25 estão em outro inquérito, relativo a autores intelectuais e executores, que efetivamente praticaram os atos de vandalismo e destruição do patrimônio público.
No primeiro inquérito, as acusações são de associação criminosa e incitação pública à animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais.
Já no segundo, as denúncias são pelos delitos de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima.
Desde o último mês, o STF já recebeu 550 denúncias contra os bolsonaristas (350 no primeiro inquérito e 200 no segundo), em três levas diferentes de julgamentos. A análise da última leva foi concluída nesta segunda-feira (8/5). No total, a PGR denunciou 1.390 pessoas.
Voto do relator
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos, já votou por receber todas as 250 denúncias, com os mesmos fundamentos usados para as 550 anteriores.
Para ele, as denúncias expuseram "de forma clara e compreensível todos os requisitos exigidos", descreveram detalhadamente as condutas e permitiram aos acusados a compreensão das acusações e o pleno exercício do direito de defesa.
O magistrado ressaltou que a Constituição não permite a propagação de ideias contrárias ao Estado democrático de Direito, nem mesmo manifestações públicas que busquem sua ruptura.
De acordo com o ministro, são inconstitucionais condutas que tenham o objetivo de controlar ou destruir "a força do pensamento crítico" e as instituições democráticas. Na sua visão, os atos de 8 de janeiro pleitearam "a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos".
Alexandre entendeu que as atitudes dos denunciados correspondiam aos preceitos primários estabelecidos no Código Penal, "ao menos nesta análise preliminar".
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