2021 foi ano de maior desnutrição entre crianças yanomâmi
Desnutrição ultrapassou os 50% de crianças yanomami de até 5 anos monitoradas pelo SUS
Ao menos desde 2015, cerca de metade das crianças yanomami de até 5 anos apresentam peso baixo ou muito baixo para a idade. O pico de crianças fora do peso adequado foi em 2021, quando 56,5% de crianças yanomami estavam com algum nível de déficit de peso. O período também coincide com o avanço da pandemia de covid-19.
Os dados são do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena do Ministério da Saúde e foram divulgados pela TV Globo. Mas um relatório meticuloso feito no território revela um “cenário de guerra”, com diversos problemas para além da desnutrição. O relatório demonstra que o maior número de mortes ocorre justamente entre as crianças menores.
Clique aqui para acessar o relatório na íntegra.
Os números não representam o total das crianças yanomami, mas aquelas que foram atendidas pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no Sistema Único de Saúde (SasiSUS), acompanhadas pela Vigilância Alimentar e Nutricional (VAN).
Essas crianças são cadastradas para que seja realizado monitoramento e avaliação das ações de saúde a serem realizadas pelas equipes multidisciplinares de saúde indígena.
Fome visível
Artigos científicos recentes revelam que a desnutrição, entre os Yanomami, é uma das mais graves do mundo. São indicados déficits de peso para idade em torno de 50% e déficits de estatura para a idade em torno de 80%. São crianças que teriam, inclusive, dificuldade para metabolizar os alimentos, precisando recebe-los por via intravenosa.
Segundo especialistas, a gravidade da kwashiorkor, como é conhecida cientificamente a desnutrição, é visível nas crianças yanomami. Elas apresentam sinais clássicos como a diminuição de massa muscular e da camada de gordura corporal, pele ressecada e pálida, cabelos ralos, apatia, fraqueza, entre outros. Para piorar, a baixa estatura para a idade sugere que o problema é crônico, pois tem relação com o retardo de crescimento intrauterino, portanto decorrente da desnutrição da própria mãe.
Outro problema observado em muitas crianças foram as parasitoses, que agravam ainda mais a absorção de alimentos, provocando a anemia. Também são visíveis em crianças muito magras, mas com barrigas volumosas.
Um projeto da Fiocruz examina amostras de água e o manejo do consumo para determinar como evitar os altos níveis de diarreia local. Outro estudo da mesma instituição já verificou a alta concentração de mercúrio nos pescados da região, devido à contaminação do garimpo. Ao ponto de deixar de ser seguro o consumo de peixes locais.
Bolsonaro e o garimpo
Em 2015, de 3516 crianças acompanhadas pelo Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi), 1059 estavam com peso baixo e 666 com peso muito baixo para a idade. Isso representou, naquele ano, 49,1% do total das crianças acompanhadas fora do peso considerado ideal.
Em 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, houve o maior aumento proporcional na taxa de crianças fora do peso ideal, com aumento de 5 pontos percentuais, para 54,5% das crianças, mesmo índice de 2020.
O índice é mais de cinco pontos percentuais superior à média dos quatro anos anteriores à chegada de Bolsonaro ao poder, que foi de 49,27%. Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, cerca de 570 crianças yanomami morreram de desnutrição e doenças evitáveis durante o governo anterior.
Emergência sanitária
Desde janeiro, a Terra Indígena Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, enfrenta grave crise sanitária, com dezenas de casos de malária e desnutrição grave, inclusive de adultos. Atribui-se ao garimpo ilegal as mazelas do território, devido a contaminação dos rios e solo, que dificulta a pesca e caça de proteínas, a violência e cooptação de jovens indígenas, assim como a invasão de equipamentos de saúde pelos garimpeiros.
O governo federal decretou em 20 de janeiro Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) para viabilizar assistência aos indígenas, e também tem atuado junto às forças policiais para retirar milhares de garimpeiros que exploram ilegalmente a terra indígena.
Relatório das atividades da pasta no território também apontam uma queda de 80% para 53% na cobertura vacinal dos indígenas, nos últimos quatro anos. A taxa de mortalidade entre bebês yanomamis atingiu 114,3 a cada mil nascimentos em 2020, patamar 10 vezes maior que a média brasileira.