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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Nov23

Centro Esdras parecia ‘campo de concentração’, diz ex-interna

Talis Andrade

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Centro terapêutico em SP prendeu mulheres, torturou, forçou conversão evangélica e pediu apoio a Jair Bolsonaro

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André Uzêda
 
 
 

Jackeline Lopes relembrou que, embora em contrato estivesse escrito que o centro Esdras reservava um espaço para a “espiritualidade” das internas, na prática a única religião aceita era a evangélica, ministrada por pastores da Congregação Cristã. 

“Eles diziam que eu não tinha Deus no coração. Que eu tinha que me adequar à religião deles. Que se eu não me adequasse, nunca ia ter a salvação para o vício que eu tinha. Mas que vício? Eu tinha depressão”, completou.

Durante os cultos, muitos transmitidos online diretamente da igreja para as pacientes, os pastores chegaram a pedir apoio a Jair Bolsonaro, do PL, então presidente da República em campanha para a reeleição. “Em todo final do culto, os pastores diziam que a gente tinha que ajoelhar em agradecimento ao Bolsonaro, porque ele estava fazendo coisas boas para os evangélicos. Eles diziam que a gente estava num cenário político e que ia ser bom pra igreja isso”. 

Lopes contou ainda que apanhou de forma violenta por ser do candomblé. “Eu falei que ia embora, porque meu Exu ia me salvar, e me deram um golpe de gravata. Começaram a me segurar e disseram que eu ia ver quem era Exu. [Disseram] “aqui é a casa de Deus”. Eu tomava soco no estômago. A sensação de você estar sendo sufocada é desesperadora”, narrou.

Havia também uma clara discriminação lesbofóbica e transfóbica, separando mulheres homossexuais e trans em um quarto que eles chamavam pejorativamente de “sapataria”. No depoimento à delegacia de Cajamar, uma outra paciente contou que uma mulher trans era apenas chamada pelo nome de batismo, ignorando de forma deliberada o nome social adotado. Na denúncia do MPSP, ao qual o Intercept teve acesso, os relatos das denunciantes corroboram com o teor das entrevistas feitas pela reportagem.

“As mulheres lésbicas eram tratadas de forma pior, principalmente as mais masculinizadas. O Kauê vigiava e impedia que houvesse relacionamentos lá dentro. E ameaçava as internas dizendo que se continuassem namorando, ia dizer para as famílias que elas tinham comportamento de viciadas”, contou ao Intercept a ex-paciente Jaqueline Barcelos, de 23 anos, que também fez questão que seu nome fosse publicado na reportagem. 

Cada quarto tinha uma numeração – e era chamado pela coordenação de “casa”. A casa 1 era a casa modelo, ocupada por pessoas com mais dinheiro e usada para cativar as famílias quando iam visitar o espaço para internar algum parente. Tinha ainda a casa 3, chamada de sapataria, e a casa 2, do meio, usada, segundo os relatos, como espaço para as agressões físicas e torturas. 

“Lá fazia muito calor. Eu ficava fechada mais de duas horas e meia aos sábados e domingos naquele calor, quando tinha visita. Choveu? Vai chover na gente, porque tinha goteira. O vaso sanitário não funcionava e não tinha chuveiro. Então, se no meio da noite alguém precisasse ir ao banheiro, fazia uma em cima da outra”, relembrou Lopes. 

 


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“Quando eu precisei ser contida, fui segurada pelos braços, socaram meu estômago e fui asfixiada. Você fica desesperado, se debate. E a pessoa te segurando, te xingando. Kauê nunca agia sozinho. Sempre tinha uma, duas, três, quatro monitoras com ele”, completou.

Outra ex-paciente – essa pediu para não ser identificada – comparou a organização do espaço e a forma como os funcionários agiam a um “campo de concentração”. Ela, que ficou internada entre o fim de 2021 e o começo de 2022, relatou ter sido submetida a trabalhos forçados,  sofrido com agressões físicas, controle para o banho e má qualidade dos alimentos fornecidos – a Vigilância Sanitária chegou a interditar o local durante a operação policial em Cajamar.

“Tinha três minutos para tomar banho. A gente ficava de toalha, em filinha indiana, e aí as monitoras, que eram também internas, falavam: ‘Girou o banho’. A comida era péssima. A gente comia mortadela frita, fígado moído, uma colher de proteína por refeição. O Kauê falava: ‘Ah, reclamou da comida? Pois traz a bacia’. E traziam uma bacia cheia de arroz, falando: ‘Enquanto a fulana não terminar de comer, ninguém vai fumar e ninguém vai para o quarto. Palmas para ela’. Era muita humilhação”, reiterou Jackeline Lopes, relembrando a rotina no centro Esdras.

 

Combo de remédios tarja preta era usado para punir pacientes

Outra medida violenta recorrente narrada pelas pacientes era a administração de vários remédios tarja preta. O combo era chamado de danoninho – o Intercept já havia denunciado essa prática, exatamente com o mesmo nome, em uma reportagem sobre comunidades terapêuticas publicada em 2019. No centro Esdras, mesmo sem habilitação médica que o permitisse exercer tal atividade, o supervisor Kauê Cercelos era quem decidia as dosagens, seguindo muitas vezes critérios punitivistas.

“Se você não quisesse ir para a igreja, ou quisesse falar com sua família, você tomava danoninho. Se ele achasse que você estava fazendo um motim para ir embora, você tomava danoninho. Ele te segurava e dizia: ‘Você tem que tomar, se não tomar vai sofrer contenção’. Então a gente acabava tomando. Isso deixava a gente letárgica, babando o tempo todo, sem movimento e sem reação”, contou Jackeline Lopes.

O uso indiscriminado de remédios, conjuntamente com as agressões físicas, é investigado como possível causa da morte da interna Milena Eduarda de Paula Leocádia, de 22 anos. Milena estava internada no centro Esdras tratando do vício em álcool e cocaína quando morreu.  

Em 30 de dezembro de 2021, os funcionários levaram Milena para o Hospital Regional de Cajamar informando que ela teria tentado suicídio. O caso corre em segredo de justiça, mas tivemos acesso ao laudo pericial do Instituto Médico Legal da paciente, que indica equimoses  – termo médico para hematomas – no rosto, pescoço, bacia, joelho, braço e tornozelos. No exame toxicológico, foram encontradas oito fármacos, entre eles: haloperidol, diazepam e clonazepam – substâncias que agem como antipsicóticos, antidepressivos, calmantes e tranquilizantes. Tanto o diazepam quanto o clonazepam são vendidos como tarja preta.

O Código Penal prevê no artigo 282 que é crime exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal. A pena é detenção de seis meses a dois anos.

As pacientes internadas contaram que ter visto o corpo de Milena, desfalecido, sendo levado para o hospital. Suspeitando de algo mais grave, organizaram um motim e disseram que só voltariam para os quartos se soubessem que ela estava bem. 

De acordo com os relatos, a dona do Esdras, Talita Santana, foi até o pátio e disse que ela tinha sido levada para casa e estava com a família. As internas não acreditaram e mantiveram-se irredutíveis, até que guardas municipais teriam aparecido com cachorros e dissipado o princípio de rebelião.

Procurei a Guarda Municipal de Cajamar para questionar a existência de uma operação dentro de um espaço particular, mas o e-mail enviado não foi respondido até o fechamento desta reportagem.

 

Multa altíssima impedia que pacientes deixassem internação no Esdras

Embora sofressem uma série de abusos diários, as internas eram constantemente vigiadas, o que impedia que contassem aos seus familiares os horrores que viviam dentro do Esdras. As visitas, só permitidas após 45 dias de internação, eram acompanhadas de uma monitora, e as ligações constantemente interceptadas. 

“A gente tinha uma ligação uma vez por semana, de 10 minutos. E sempre tinha alguém escutando, porque se você falasse alguma coisa, podia sofrer sanção. Minha mãe mesmo falava: ‘Olha, filha, o Pai de Santo está rezando por você’. Terminava minha ligação, o Kauê ia lá no refeitório, lá na frente, e falava: ‘Essa casa é de Deus. Não vai ser nenhum demônio que vai tomar conta deste local'”, disse Lopes.

À noite, quando elas se recolhiam para as casas, sempre às 19h, os cachorros eram soltos e ocupavam o pátio. Havia também câmeras de segurança vigiando os corredores e quartos. O MPSP diz que, em última análise, o centro Esdras era “substancialmente um estabelecimento prisional privado”. Outra forma de manter as pacientes presas no espaço era a multa contratual. 

O Intercept teve acesso ao contrato de Jackeline Lopes, em modelo padrão usado para as demais internas. No artigo sétimo, é estabelecido que “havendo quebra de contrato por parte da contratante”, o responsável financeiro deve pagar a parcela do mês vigente mais a multa de 50% sob as parcelas em aberto, “sendo que este pagamento deve ser à vista e no ato de retirada do acolhido”. 

Contrato de internação no Centro Esdras, com cobrança de multa para saída do paciente.

A mãe de Lopes, por exemplo, pagou R$ 3 mil só de multa para retirá-la após três meses de internação – seu contrato era de seis meses. “Naquele mês, ela pagou a mensalidade, multa, cigarro, cantina… Foi em volta de R$ 5,5 mil. Tinha outras internas que falavam: ‘Meu, eu falei com minha mãe na ligação e ela não tem dinheiro para pagar a multa. Ela está vendo que eu não estou bem, mas a multa é tão alta’. Eles amarravam dessa maneira”, contou. 

A resolução da Anvisa que regulamenta a atividade das comunidades terapêuticas expressa que, por não ser um serviço de saúde, esses espaços “devem garantir a permanência voluntária do residente, a possibilidade de interromper o tratamento a qualquer momento”.

 

Sócia do Esdras tem outros centros terapêuticos em atividade

Mesmo fechado desde a operação policial em janeiro deste ano, o centro Esdras segue com cadastro ativo na Receita Federal. Seu pix, por meio do CNPJ, também está funcionando. 

Márcia Aguiar, a sócia que não foi presa, mantém outras comunidades terapêuticas funcionando em seu nome em São Paulo: o Centro de Assistência social e Apoio Especializado Esther, na capital; o Centro de Assistência Social e Apoio Especializado Eloah, em Embu das Artes, e a Comunidade Terapêutica Naamã, em Cajamar – mesmo local do centro Esdras.

O Naamã tem nove comentários negativos no Reclame Aqui. Em alguns relatos, há denúncia de “opressão e castigo”, remédios administrados sem prescrição médica, além de denúncia de agressão física e vigilância constante.  

“Fiquei lá três meses. Foi pior do que ir preso. Quase morri de fome, fui agredido, me deram remédios. Quase fiquei chapado de tantos remédios. As ligações, fica um verme do lado para você não poder falar as verdades”, lê-se em um dos relatos.

“Pessoal, não coloquem seus filhos ou algum ente querido de vocês. Só serve para pegar o dinheiro da gente e não prestam com o acordo que foi firmado”, completou um segundo.

Assim como o Esdras, os centros Naamã, Esther e Eloah também fazem referências a personagens bíblicos. A Eloah é uma sociedade que Márcia Aguiar mantém com Talita Santana – que foi presa preventivamente na operação da Polícia Civil. Nas outras duas, ela aparece como única sócia administradora. 

 

Outro lado

O advogado que defendia Talita Santana e Marcos Moglia no processo por cárcere privado e tortura movido pelo MPSP era Júlio César Acedo. Ele se intitula especialista em direito médico e hospitalar e em dependência química. Acedo tem um longo histórico de defender comunidades terapêuticas na justiça – incluindo os próprios Esdras e Naamã. 

No habeas corpus em que tentou relaxar a prisão de Talita Santana, Acedo tentou desacreditar as denúncias trazidas pelas pacientes ouvidas pela delegacia de Cajamar. Ele escreveu que “causa espanto é que a prisão foi decretada em razão da palavra de dependentes químicos em tratamento”. 

Ele afirmou ainda “não é segredo para ninguém o quanto essa maldita doença compromete o sentido dos viciados, que em razão da abstinência são capazes das mais indescritíveis atitudes. (…) Ora, não é óbvio que as acusadoras poderiam apenas estar vencidas pela abstinência, desejando apenas deixar o local para satisfazer o seu famigerado vício? Ainda mais no carnaval, onde as facilidades para o consumo de drogas são mais latentes”, pontuou, embora a batida policial tenha acontecido em 16 janeiro – mais de um mês antes do carnaval, ocorrido entre 18 a 21 de fevereiro de 2023.

Procurei Acedo, que disse que não representa mais os antigos donos do Esdras. Ele afirmou que rompeu o acordo por não ser um advogado criminalista. O segundo advogado a assumir a defesa de Talita Santana, Marcelo Mazzuia, também deixou o caso. 

Consegui contato de Tiago Miranda, o advogado que atualmente defende a dona do Esdras. Falei com ele por telefone, mas ele pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail para que seu posicionamento fosse colocado “da forma correta”. Nós enviamos as perguntas, mas Miranda não enviou as respostas até a publicação desta reportagem.

O  advogado de Marcos Moglia, Fernando Solimeo, que assumiu o lugar de Júlio Acedo, também deixou o caso. Perguntei o motivo da troca e ele disse que não poderia revelar. “Há uma cláusula de confidencialidade entre as partes. Júlio César Acedo foi o primeiro representante de Marcos. Eu fui o segundo e agora já há um terceiro”, afirmou. Ele não revelou o nome do advogado que o substituiu. 

Tentei localizar o novo advogado que defende Moglia por meio da assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo, que informou que não conseguia acessar o processo e informar o nome, pois o caso tramita em segredo de justiça. O supervisor Kauê Cercelo, que segue sem o paradeiro localizado desde a denúncia oferecida pelo Ministério Público, também foi procurado, mas não foi encontrado.

10
Nov23

Centro terapêutico em SP prendeu mulheres, torturou, forçou conversão evangélica e pediu apoio a Jair Bolsonaro

Talis Andrade

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Máquina de loucos 1
 
André Uzêda

A série revela como centros terapêuticos lucram com a internação de usuários de drogas sem oferecer um tratamento adequado para a reabilitação. Em alguns casos, há agressão aos internos, tortura, dopagem e prática de intolerância religiosa.


Em 16 de janeiro deste ano, promotores do Ministério Público de São Paulo, acompanhado de agentes da Polícia Civil, foram até um centro terapêutico na cidade de Cajamar, a 29 quilômetros da capital. Eles haviam recebido denúncias anônimas pelo Disque 100. Lá, encontraram 75 pacientes internadas em situação degradante, com “alimentação escassa, assistência médica insuficiente, sem itens de higiene, sofrendo castigos físicos, tortura e ameaças”. 

O MPSP identificou que no local funcionava uma “organização criminosa” com prática de crimes de tortura e cárcere privado – as pacientes não podiam sair, o ambiente era cercado por muros altos e vigiado por câmeras de segurança. Nessa batida policial, o espaço foi fechado, as mulheres retornaram para suas casas e os responsáveis foram presos em flagrante. Depois, em audiência de custódia, as prisões foram convertidas em preventivas. 

O espaço é o Centro de Assistência Social e Apoio Especializado Esdras – uma comunidade terapêutica, fundada em dezembro de 2019 em Cajamar, que aceitava apenas pacientes do sexo feminino. As comunidades terapêuticas são reguladas pela Anvisa e não são consideradas serviços de saúde – o que limita internações compulsórias, e prescrição de medicamentos, focando sobretudo na convivência entre os pares como forma de reabilitação.

O centro Esdras se dedicava à “assistência psicossocial e à saúde de portadores de distúrbios psíquicos, deficiência mental e dependência química”, conforme consta no registro na Receita Federal. O próprio nome, em hebraico, faz referência àquilo que os donos diziam ser a missão do centro: ‘ajuda’, ‘auxílio’. A palavra Esdras, nome de um israelita, aparece citada mais de 30 vezes no Antigo Testamento.

Em contraste com a referência bíblica, a cabeleireira Jackeline Lopes, de 34 anos, diz que, ao se internar no Esdras, “começou meu inferno”. Em entrevista ao Intercept, ela enfatizou que queria contar sua história sem esconder sua identidade.”Quero que eles saibam quem fez a denúncia contra eles na imprensa. Quero que vejam que consegui sobreviver e reunir força para denunciar”, desabafou.

Jackeline Lopes se internou no Esdras no final de 2021, após sofrer uma tentativa de sequestro de um motorista de aplicativo em São Paulo. Isso resultou em uma depressão diagnosticada por sua psicóloga, que imediatamente recomendou a internação voluntária em uma comunidade terapêutica. A cabeleireira, então, fez uma busca no Google e encontrou o anúncio do Esdras.

 “Não fazia ideia onde estava me metendo. Pelo anúncio, parecia um lugar bonito. Espero que um dia consiga me perdoar por ter feito aquela maldita pesquisa”.

Anúncio do Centro Esdras veiculada em redes sociais, como o Instagram.

 

No mesmo dia em que visitou o Esdras, em 20 de novembro, Jackeline Lopes foi internada. Sua mãe assinou um contrato por um período de seis meses, com possibilidade de renovação – o valor total foi de R$ 10 mil. Ainda havia cobrança de taxas extras, com medicamentos, itens de higiene, cigarro e alimentação, tudo previsto em contrato.

“No primeiro dia, já sofri violência física, que eles chamam de contenção. Eles fazem uma revista. Você tem que ficar nua e se agachar. Uma monitora, que também é uma das internas, te dá banho e eles jogam todas as suas roupas fora. Eles dão roupas deles, até as íntimas. Depois disso, eles me colocaram em um quarto e acabei dormindo”, relembrou.

“Quando acordei, tive um momento nervoso e comecei a gritar. Nisso, o coordenador chegou e disse: ‘Você vai para o quarto do meio’. Esse era o quarto do castigo. Ele me deu um copo com um monte de remédio misturado e disse que eu tinha que tomar. No dia seguinte, eu disse que queria ir embora. Ele disse que meu contrato era de seis meses. E ainda falou: ‘Você perdeu. Você é doida’. Tudo isso rindo. Aí eu disse: ‘Como assim, se eu pedi para vir?’ E ele disse que não tinha como sair, só quando completasse meu contrato”, completou Lopes.  

O coordenador a quem a ex-interna se refere é, na verdade, o supervisor Kauê Dias Cercelo. Segundo Lopes, era ele “quem tomava conta de tudo”, incluindo a distribuição e dosagem dos medicamentos, a vigilância das internas, além de fazer as ameaças e provocar as agressões físicas e psicológicas que ela relata ter sofrido.

Cercelo também foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo, mas desde o fechamento do centro não foi localizado – outras monitoras que prestaram serviço no centro Esdras, e a também coordenadora Lidiane Kátia de Carvalho, também foram denunciadas. Dos responsáveis diretos pelo centro, duas pessoas estão presas: a psicóloga Talita Assunção de Paula Santana, umas das sócias do Esdras, e Marcos Gaudêncio Moglia – que, de acordo com o MPSP, usou o nome da esposa Márcia Maria de Aguiar para fazer parte da sociedade.

Marcos Moglia é citado, em depoimento dado por uma das pacientes à delegacia de Cajamar, como responsável por portar arma de fogo, tendo até apontado o armamento para uma das pacientes, fazendo xingamentos e ameaças. É dito também que, para intimidá-las, ele dizia ter atuado na secretaria de Segurança Pública, tendo contato com “policiais e guardas municipais”.

O Ministério Público de São Paulo é categórico em afirmar que Talita Santana e Marcos Moglia montaram uma “organização criminosa”, com o intuito de obter “vantagem econômica”, e os subalternos do centro, orientados pelos donos, atuavam de forma a manter o “terror interno”e a “lucratividade do negócio”.

Denúncia do MPSP que cita o Centro Esdras como uma organização criminosa. (continua)
03
Out23

Comunidades em Boipeba são reconhecidas como quilombolas e fortalecem luta contra resort de dono da Globo

Talis Andrade
 
A Fundação Cultural Palmares expressa profundo pesar pela morte da Líder quilombola Mãe Bernadete

 

Vitória em Boipeba chega em meio a conflitos fundiários que envolvem até ameaça de morte contra liderança local.

André Uzêda
A Vila de Boipeba foi reconhecida, em 20 de setembro, como comunidade quilombola pela Fundação Palmares. Um mês antes, a comunidade de Moreré recebeu o mesmo título da entidade federal. As duas estão localizadas na ilha de Boipeba, no sul da Bahia, e intensificaram a luta para proteger seus territórios desde que o Inema, órgão ambiental do estado, deu uma licença para a construção de um resort que vai ocupar 20% da área.
 

O empreendimento chama-se Ponta dos Castelhanos e é gerido pela empresa Mangaba Cultivo de Coco LTDA. Entre os sócios, estão poderosos empresários, como José Roberto Marinho, dono da Rede Globo, e Armínio Fraga, presidente do Banco Central na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Outros quatro completam a formação societária da empresa, que vai gerir um espaço de 1.651 hectares dentro de uma Área de Proteção Ambiental com duas pousadas de 25 quartos, outras 25 casas, pista de pouso, marina de médio porte para desembarques de lanchas e motos aquáticas.

O Intercept mostrou em março que, embora o Inema tenha liberado o início da obra, com supressão da vegetação nativa de Mata Atlântica, há uma série de problemas fundiários que envolve a Ponta dos Castelhanos. Primeiro, os sócios da Mangaba não têm a posse definitiva da área – propriedades em ilhas oceânicas e costeiras são bens da União. E, mesmo sem a concessão definitiva do governo federal, eles compraram o terreno das mãos do empresário Ramiro Queiroz, ex-prefeito da vizinha Valença, que responde a um processo na justiça baiana por tomada de terra.  

12
Jun23

Grileiros cariocas também aterrorizam grupo de WhatsApp chamado “Informação Projeto Castelhano”

Talis Andrade

 

Imagem das areias brancas e mar calmo-Ilha de Boipeba-Bahia-BA

 

PESCADOR FOGE DA ILHA DE BOIPEBA BAHIA APÓS SER AMEAÇADO DE MORTE POR SE OPOR A CONDOMÍNIO DE DONO DA GLOBO E DE EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL - IV

 

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(Continuação) Em um grupo de WhatsApp chamado “Informação Projeto Castelhano”, que abriga os moradores das comunidades de Boipeba e do qual Siri não participa, as ameaças também aconteceram por escrito. Algumas mensagens atacam-o diretamente, chamando o pescador de “indigente”, “doença pra comunidade” e “o culpado de todas as coisas… de todas as desgraças que vem acontecendo” – em uma referência direta ao embargo da obra. 

Na sequência, aparecem metáforas com referências alimentares para indicar uma possível intimidação. “A pipoca dele está esquentando”, “a pamonha dele tá esquentando”. Em uma gravação nesta mesma linha, um morador se dirige diretamente a Siri e diz que “sua batata tá cozinhando. Na hora vocês vão comer a batata cozidinha…”

Um outro morador, também em áudio, fala abertamente em mandar recado para o pescador por meio de outros membros do grupo do WhatsApp. “É a gente arrochar ele. A comunidade…  Ou ele vai ceder ou ele sai fora de Cova da Onça. Nós temos que fazer isso. Eu nem vou tirar aqui do grupo, cheio de puxa-saco dele, para passar isso diretamente para ele. A gente não quer violência, não…”

Uma mulher, também em uma gravação, diz que “uma hora dessa agora, pegar uma lancha, botar Siri dentro, e levar uma canoa reboque a pano e deixar ele em alto-mar”. 

Sem citar o nome da liderança de Boipeba, um outro chega a planejar uma emboscada. “O certo é marcar uma reunião aqui na ilha, quando eles vierem aqui para reunião, soltar quatro quinas nesses caras aí tudo, rapaz. Soltar o barrote em cima. Os caras só vêm para atrasar a ilha. Marcar uma reunião aí, meu irmão, e deixar gente roxa (risos)”.

Neste mesmo grupo, quem também faz parte é o arquiteto Manoel Altivo, um “ativista” ou “entusiasta” do projeto da Ponta dos Castelhanos, como ele mesmo se definiu durante entrevista. Ele já participou de palestras em Boipeba e até da audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia para divulgar o complexo hoteleiro. 

Apesar das defesas constantes, Altivo diz não possuir qualquer tipo vínculo empregatício, temporário ou institucional com a empresa Mangaba e que age voluntariamente em favor o projeto por, como profissional liberal, liderar o comitê “Cairu 2030” – organizado pela sociedade civil e a prefeitura para desenvolver a cidade da qual Boipeba faz parte.

“Recentemente, eu nem estou acompanhando esse grupo direito. Esse grupo do WhatsApp foi criado por dois amigos de Boipeba no sentido de gerar esclarecimentos [aos moradores] antes da reunião com as Defensorias. Agora, deve ter tido algumas mensagens contra Siri, mas isso porque o nível de indignação contra ele lá [em Cova da Onça], aliás, não só lá, como em muitos lugares, é alto. E porque é alto? Porque ele usa da mentira. Ele se vitimiza, fala de invisibilidade, e tenta desestabilizar qualquer projeto, qualquer pessoa”, disse o arquiteto.

Outro que também está nesse grupo é Aurelino José dos Santos, assessor técnico da secretaria municipal de pesca de Cairu e que, desde 2000, está à frente da colônia de pesca do município, sendo inclusive o atual presidente.

 

‘Vamos comer siri assado na brasa. Quebrar as pernas do siri.’

 

Não há registros que nenhum dos dois tenha feito ameaças diretas a Siri dentro do grupo,  mas questionei ambos por não terem repreendido esse tipo de conduta em um espaço que deveria ser de discussão de propostas. “Eu estou nesse grupo, mas não cheguei a ver os ataques contra Siri porque tem muita mensagem. Tem 194 pessoas inscritas lá. Em algum momento, eu cheguei a participar de forma ativa, mas depois me perdi. Eu, por sinal, admiro muito Siri pela forma que defende as posições dele e sou contra a violência. Não compactuo com isso”, pontuou Santos.

“Eu cheguei a ver alguns áudios falando dele [Siri], mas a minha leitura era de uma indignação do pessoal de Cova da Onça contra ele, diante do que ele estava fazendo”, disse Altivo.

Sobre as ameaças que Siri vem sofrendo, em nota, a Defensoria Pública da União afirmou que apenas informalmente tomou conhecimento das ameaças, uma vez que ele não as registrou oficialmente nos órgãos competentes. E também que repudia os “episódios de coação e ameaças sofridas por pessoas que se colocam contra o avanço de empreendimentos incompatíveis com o modo de vida de comunidades tradicionais”. 

A Defensoria Pública do Estado disse que está acompanhando atentamente a situação no sul da Bahia e existe um grupo de trabalho “visando frear as violações de direitos e que está ciente das ameaças, que ocorrem há algum tempo”. A DPE disse ainda que “órgãos de segurança pública já estão a par do que ocorre com as lideranças e moradores de Cova da Onça, Boipeba entre outras comunidades”. 

O órgão disse ainda que vai entrar em contato com o líder Raimundo Siri para “recepcionar as novas denúncias e tomar providências, com encaminhamentos aos responsáveis pela proteção e segurança da população local”. O Ministério Público Federal também foi procurado, mas não enviou uma resposta até o fechamento desta reportagem.

11
Jun23

‘Vamos comer o pescador Raimundo Siri assado na brasa’

Talis Andrade

 

 

PESCADOR FOGE DA ILHA DE BOIPEBA BAHIA APÓS SER AMEAÇADO DE MORTE POR SE OPOR A CONDOMÍNIO DE DONO DA GLOBO E DE EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL - III

 

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(Continuação) 

Um dos ataques mais diretos veio em forma de dois vídeos, um com sete e outro com 18 segundos de duração. Em ambas as imagens, que também circularam em grupos de WhatsApp, é possível ver carnes sendo assadas em uma churrasqueira e um pequeno siri, o animal, também na grelha em meio às brasas.  “Hoje é dia de churrasco e seu sirigueijo está aqui na churrasqueira”, diz uma mulher, sem mostrar o rosto, no primeiro vídeo. 

No segundo, um homem, sem também revelar a identidade, aponta a faca diretamente para o siri e bate no pescado repetidas vezes. “Aqui, óh. Depois de um dia de carne, vamos botar o sirigueijo para assar na churrasqueira. Vamos comer siri assado na brasa. Quebrar as pernas do siri”, diz. Ao fundo, um outro grita: “Siri, porra. Vamos comer siri”.

Embora as pessoas não mostrem os rostos, Raimundo Siri afirmou saber quem são os responsáveis pelas ameaças, tanto nesses dois vídeos, quanto nas mensagens de texto e na maioria dos áudios. Como as comunidades são pequenas – em Cova da Onça, por exemplo, vivem cerca de 700 habitantes – não é difícil identificar os autores pelas vozes. 

“Eu sei quem são. Mas essas pessoas também sabem tudo sobre minha vida, onde moro, meus hábitos e o nome da minha esposa. Saí de Boipeba por isso. Mas, por outro lado, não posso ficar muito tempo longe porque vivo da pesca. Não tenho outro meio de sustento e preciso trabalhar para sobreviver”, disse. 

 

Nós temos que esperar esse Siri aqui. Esse vagabundo. Temos que pegar esse descarado aqui, em cima da ponte, rapaz.’

 

Siri preferiu não registrar um boletim de ocorrência na polícia sobre as ameaças. Questionei a razão dessa escolha e ele me disse que estaria se “expondo mais” se assim o fizesse, além de que, segundo ele, “não daria a solução necessária”. Sua providência foi deixar a ilha o mais rápido possível.

Para Gabriel César, defensor regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, “os órgãos de segurança pública, historicamente, não atuam com o mesmo vigor quando as vítimas são pessoas hipervulneráveis, em decorrência do manifesto racismo estrutural que acomete as instituições brasileiras. Esse cenário de descrédito nas instituições pode ter desestimulado Raimundo Siri a registrar formalmente as ameaças e, em vez disso, fazer a opção por prover pessoalmente a sua proteção”.

Um dos integrantes do Conselho Pastoral dos Pescadores, Solano Miranda, contou que o grupo tem se organizado para tentar custear a permanência do pescador enquanto ele se mantém distante de Boipeba – por segurança, o Intercept optou por não revelar o local onde ele tem ficado para se manter longe de casa.

“Alguns companheiros de luta tem emprestado moradia, levantando dinheiro tanto para ele quanto para a esposa. A gente não quer que eles voltem agora porque o risco existe. Não vamos esperar acontecer o pior para tomar alguma providência”, afirmou Miranda (continua)

A Ilha de Boipeba está ameaçada! Esse paraíso baiano, que já foi eleito a melhor ilha do Brasil, está ameaçado pela construção de um megaempreendimento imobiliário que vai ocupar cerca de 20% da ilha, o equivalente à aproximadamente 1700 campos de futebol. No dia 07 de março o INEMA, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, aprovou a licença para construção do empreendimento, mas no dia 06 abril o Ministério Público proibiu a intervenção no terreno

 

 

11
Jun23

Cooptação e ameaça dos grileiros do asfalto carioca na Bahia de Todos os Santos e de Todos os Pecados

Talis Andrade

 

Foto: Tunísia Cores

 

PESCADOR FOGE DA ILHA DE BOIPEBA BAHIA APÓS SER AMEAÇADO DE MORTE POR SE OPOR A CONDOMÍNIO DE DONO DA GLOBO E DE EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL - II

 

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(Continuação) Em uma audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia para tratar da questão, um dos procuradores do Ministério Público Federal à frente do caso, Ramiro Rockenbach, chegou a afirmar durante a sessão que a compra desse terreno deveria seguir procedimentos técnicos regidos pela administração pública, como a concorrência, e que “fora disso, é fraude de grilagem”. 

Desde o dia 7 de abril último, a obra está suspensa, após a Secretaria de Patrimônio da União, a SPU, acatar pedido do MPF. O prazo inicial foi de 90 dias.

“Muita gente ficou irritada com essa decisão de embargar [a obra], pois foi cooptada e defende o empreendimento com unhas e dentes. Eles não entendem os prejuízos que isso vai trazer para nossa comunidade e que, uma vez feito, será irreversível”, diz Siri, que deixou a ilha de barco exatamente no dia do embargo.

As ameaças contra ele, entretanto, se intensificaram um pouco antes. Mais precisamente, depois de uma visita coordenada entre as Defensorias Públicas do Estado da Bahia e da União, que foram até as comunidades tradicionais e quilombolas para ouvir os moradores sobre os possíveis impactos do empreendimento. Siri participou da atividade guiando os defensores até as áreas potencialmente afetadas. Depois, foi aberto um espaço para que várias pessoas pudessem falar sobre o projeto. Cercada de polêmica, essa ação ocorreu no dia 4 de abril.

Houve discussão, vaias, tentativa de boicote e uma providencial mudança de cenário – inicialmente a reunião deveria ocorrer  em Cova da Onça, comunidade vizinha à Ponta dos Castelhanos e, portanto, mais afetada pelo empreendimento. Os defensores, no entanto, percebendo os ânimos exaltados, transferiram o encontro para a própria sede de Boipeba. Lá, Raimundo Siri foi criticado algumas vezes pelos entusiastas do projeto e teve o direito de resposta concedido para se defender e também se opor ao complexo hoteleiro – uma luta que vem travando de forma incansável desde 2008, quando os sócios da Mangaba iniciaram as tratativas para compra do terreno.

“Ele tem que se ligar que a maioria não aguenta nem mais ouvir a voz dele. A voz dele aqui hoje é um nojo. A voz dele aqui hoje em São Sebastião ou Cova da Onça é um nojo. Esse é um canalhocrata. Tem que empurrar ele da ponte de baixo”, ouve-se em outro áudio.

“Siri, aceite, meu preto, a comunidade hoje… Você bate nessa tecla há 12 anos. Hoje [na Ponta dos] Castelhanos todo mundo tem seus poços lá, Siri. Graças a Deus todos os barraqueiros têm seus poços. Deixe de ser descarado, rapaz. Mentiroso! Aceite que 100% nem quer mais ouvir sua voz em Cova de Onça. Tá arriscado você chegar em cima da ponte e voltar em cima da ponte. Você procurou uma briga grande contra a comunidade. A comunidade hoje é toda contra você”, diz outro trecho, gravado pelo mesmo autor.

Com forte propaganda na mídia baiana, o negócio tem sido vendido como um “vetor de desenvolvimento sustentável” e fala em “capacitação de mão de obra” e outras condicionantes para atender as comunidades locais, como campo de futebol, instalação de equipamento esportivo, plano gestão de resíduos sólidos, gestão urbana e melhorias no saneamento básico, além de uma estação de tratamento de resíduos.

Esse discurso tem reverberado com força entre os moradores. Em um dos áudios, um homem alerta para “ficar ligado em Siri, por ele tá querendo destruir a comunidade”. E prossegue dizendo que “tem muito menino novo estudando para arrumar emprego. A gente tem nossos filhos, a gente vai ver nossos filhos fazendo o pior trabalho em Cova de Onça… Eu não quero meu filho tirando caranguejo ou armando ratoeira. Isso é vida de ninguém”.

Sobre as ameaças a Raimundo Siri, a empresa Mangaba disse que desconhece os fatos relatados. A empresa afirma ainda que “repudia todo e qualquer tipo de violência, e sempre pautou sua atuação na legalidade e no diálogo com a comunidade” (continua)

11
Jun23

PESCADOR FOGE DE BOIPEBA APÓS SER AMEAÇADO DE MORTE POR SE OPOR A CONDOMÍNIO DE DONO DA GLOBO E DE EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

Talis Andrade

 

Foto: Tunísia Cores. Os ministérios do Meio Ambiente, da Justiça e Segurança desconhecem a violência e a injustiça contra pobres pescadores. O Governo da Bahia também faz que não sabe

 

Pescador Raimundo Siri precisou abandonar a comunidade de Cova da Onça após ser intimidado por mensagens, áudios e vídeos de José Roberto Marinho, Armínio Fraga e outros safados inimigos do povo

 

- - -

NO DIA 7 DE ABRIL, Raimundo Esmeraldino deixou a ilha de Boipeba, no litoral sul da Bahia. Foi a primeira vez em 60 anos que, mesmo considerando pequenos passeios ou visitas rápidas para resolver problemas pessoais, o pescador ficou tanto tempo longe do lugar onde nasceu. E diferente das outras saídas, dessa vez a motivação não alternou entre lazer ou adiantamento de tarefas cotidianas. Foi uma fuga durante a madrugada.

Siri, como é mais conhecido na comunidade tradicional Cova da Onça, é uma das principais lideranças populares em Boipeba e tem se posicionado abertamente contrário ao complexo hoteleiro Ponta dos Castelhanos. Em razão disso, tem sido ameaçado de morte em mensagens de texto, áudios e vídeos que circulam em grupos de WhatsApp dos moradores da ilha.

“Nós temos que esperar esse Siri aqui. Esse vagabundo. Temos que pegar esse descarado aqui, em cima da ponte, rapaz. Você é um canalha, um cachorro. Em Cova da Onça aqui, esse homem não tem valor nenhum. Meu cachorro rottweiler, Ave Maria, tem mais valor que esse homem mil vezes. Esse é um safado, descarado. Quando ele chegar aqui, [vou] jogar ele da ponte de baixo, porque ele não quer o bem da comunidade não. Esse canalha”, diz uma das gravações que tive acesso.

O empreendimento que Siri se opõe é a sociedade Mangaba Cultivo de Coco LTDA, formada por empresários poderosos. Entre eles, estão José Roberto Marinho, dono da Rede Globo, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, além de outros quatro sócios endinheirados: Clóvis Macedo, Marcelo Stallone, Antonio Carlos de Freitas Valle e Arthur Baer Bahia.

A construção luxuosa vai ser levantada em uma Área de Proteção Ambiental e deve ocupar 1.651 hectares de extensão – o que corresponde a quase 20% de todo território da ilha. O Intercept mostrou que, embora o governo da Bahia tenha concedido uma licença para início das obras, o terreno é uma área pública federal e os sócios da Mangaba não detêm a posse definitiva desta enorme propriedade. 

Para completar, a compra da área foi feita das mãos de um empresário, ex-prefeito de uma cidade vizinha, que responde a um processo na justiça baiana por tomada de terra (continua)

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