Anistia Internacional exige providências do Ministério da Justiça sobre assassinato cometido pela Polícia Rodoviária Federal
A Anistia Internacional Brasil cobra respostas do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as circunstâncias que envolveram a morte de Genivaldo de Jesus Santos, município de Umbaúba, em Sergipe, na quarta-feira (25), durante uma abordagem de policiais rodoviários federais.
E também exige explicações sobre a participação desta força policial na operação conjunta entre Polícia Federal e o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, Rio de Janeiro, no dia 24 de maio.
A organização exigiu providências, via ofício endereçado ao gabinete do ministro Anderson Gustavo Torres, para que apure as condutas dos agentes que podem vir ser caracterizadas como prática de tortura.
Genivaldo, de 38 anos, morreu asfixiado após ser preso no porta-malas de uma viatura dos agentes. Segundo relatos de familiares e noticiados pela imprensa, a vítima foi imobilizada pelos policiais com uso excessivo de força, mesmo depois de sinalizar cooperação e de ter atendido às ordens enunciadas. Além disso, imagens e vídeos que circulam nas redes sociais mostram que Genivaldo foi imobilizado e trancado dentro da viatura, onde jogaram bombas de gás lacrimogênio. Vários filmetes de populares registram a densa fumaça que saía do porta-malas do carro policial, adaptado para carregar presos de maneira cruel e humilhante. Costumeira barbárie.
Genivaldo foi abordado pela polícia porque estava sem capacete em uma moto. Bolsonaro raramente usa capacete nas motociatas, campanha eleitoral antecipada
Tal coleção de crimes talvez encontre comparação nos abutres que agiram em porões da ditadura
por Janio de Freitas/ Folha
Os 61 mortos por asfixia à falta de oxigênio por si sós justificam a CPI que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisou ser obrigado pelo Supremo a instalar. Esse horror sofrido em hospitais do Amazonas está envolto por quantidade tão torrencial de horrores que uma CPI é insuficiente para dar-lhes as devidas respostas.
Apesar de tantos fatos e dados à sua disposição, com fartura de comprovações já prontas e públicas, a mera possibilidade da CPI nos força a encarar outra tragédia: no Brasil de 4.000 mortos de Covid por dia, não se conta com seriedade nem para evitar-nos a dúvida de que a CPI busque, de fato, as responsabilidades pelo morticínio, as quais já conhecemos na prática.
A reação imediata dos contrariados é a esperável, mas também traz sua incógnita. O choque iniciado com o STF soma-se ao jogo duro do governo, sobre os parlamentares, para dominar tudo que se refira à CPI. Disso decorre um potencial alto de agravamento e de incidentes sob a nova, e ainda mal conhecida, disposição de forças derivada das alterações em ministérios e em cargos e correntes militares.
As juras de respeito à Constituição são unânimes nos que entram e nos que saem. Inúteis já porque nenhum diria o contrário. Ainda porque o passado atesta essa inutilidade. E, no caso da Defesa, não se pode esquecer que o general Braga Netto estava no centro do governo, onde aceitou ou contribuiu para os desmandos do desvario dito presidencial. Logo que nomeado, adotou uma prevenção significativa: excluiu da nota de celebração do golpe a caracterização das Forças Armadas como instituição do Estado. Não do governo.
O comandante da Força Aérea, brigadeiro Baptista Jr., já está identificado como ativo bolsonarista nas redes sociais. Ministro da Justiça, o delegado Anderson Torres e seu escolhido para diretor da PF têm relevância à parte. O primeiro vê em Bolsonaro nada menos do que um enviado de Deus: “Quis Deus, presidente Bolsonaro, que esta condução em momento tão crítico estivesse em vossas mãos”. Imagine-se a obediência devida a um enviado.
O outro, delegado Paulo Maiurino, tem anos de atividade em política capazes, se desejar, de enriquecer a carreira de intervenções políticas da PF. Iniciada no governo Fernando Henrique pelo delegado Argílio Monteiro, depois recompensado com a candidatura (derrotada) a deputado federal pelo PSDB, foi o tempo do dinheiro “plantado” no Maranhão, dos caixotes de dólares “mandados de Cuba para Lula”, e outras fraudes, sempre a serviço das candidaturas de José Serra. Na Lava Jato a PF enriqueceu muito a sua tradição.
Com essas e mais peças, como a AGU entregue ao pastor extremado André Mendonça, está claro tratar-se de parte de um dispositivo político e armado. A pandemia e a mortandade não são preocupações. Nem dentro da própria Presidência, onde se aproximam de 500 os servidores colhidos pela Covid, com taxa de contaminação 13% maior que a nacional. E lá, para ilustrar a possível CPI, a “ordem do presidente” continua a ser “contra lockdown” (aspas para o ministro Marcelo Queiroga), contra máscaras e vacina, e pela cloroquina.
Antes mesmo de determinada pelo ministro Barroso, a possibilidade da CPI iniciou a discussão de táticas para dela poupar Bolsonaro. Será resguardar o agente principal da calamidade. O vírus leva à morte porque esse é papel que a natureza lhe deu. Bolsonaro fez e faz o mesmo por deslealdade ao papel que lhe foi dado e aos que o deram. E, de quebra, ao restante do país.
Há crimes contra pessoas. Há crimes contra a humanidade. Tal coleção de crimes talvez encontre comparação nos abutres que agiram em porões da ditadura. Ou talvez só se compare aos primórdios da ocupação territorial, com a escravização e as mortandades em massa. O choque não descansa: são 4.000 mortos por dia.
É razoável suspeitar que não haja, nem sequer em número próprio de uma CPI, gente com caráter para enfrentar uma criminalidade assim e ao que a ampare, como o ódio e a facilitação de armas letais.
Mas as exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento crescente, concentrou as explicações para a turbulência.
Esses raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.
Um dos personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos letais de que foi agente, para o Exército o general Pazuello veio a ser um problema.
Em parte, pela projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.
Nem com um cargo prestigioso nas Forças Armadas, para compensar a obediência de Pazuello, Bolsonaro contava obter do general Pujol, considerando que também as pressões externas contra o Ministério da Saúde chegavam à saturação. Se é assim, vai-se Pazuello, mas com ele vão Azevedo e Pujol.
Braga Netto promete, desde o primeiro ato. Mas esquentou o clima, e nem no plano interno há alguma clareza sobre o que surgirá depois da fumaça. As atenções deslocaram-se para o general Paulo Sérgio Oliveira, sucessor de Edson Pujol.
Muitos atribuem especial sentido à nomeação, por serem contrárias ao cloroquínico Bolsonaro todas as suas bem sucedidas providências antipandemia no Exército. Vai ver, foi elevado a novo cargo para não dar mais entrevistas sobre a eficácia de máscaras, distanciamentos e ficar em casa.
Ou foi escolha de Braga Netto, pela eficiência sem lado. Deduzir desse entrevero todo, como tantos comentaristas e cientistas políticos (mais isso, menos aquilo), que “os militares têm consciência de que servem ao Estado e não ao governo”, e outras tiradas oníricas, vai toda a distância a que estamos da segurança institucional e democrática.
Enquanto faltar a coragem moral de reconhecer que antecessores seus cometeram crimes bárbaros e estrangularam as liberdades e demais direitos universais, os militares não estarão a serviço legítimo da sua função de Estado. Porque não repudiam o que há de mais criminoso contra os princípios da vida em comum e do Estado democrático.
Em sendo assim, pode-se até concluir que chamados de militares são uma classe de servidores armados e fardados, com privilégios que os distinguem, praticantes de política e intervencionismo por métodos próprios e proporcionados pelas armas.
Militares propriamente ditos, militares autênticos, no entanto, são profissionais apartidários em ideologia e em política, armados pela sociedade para, em seu nome, servir ao Estado e à nação. O Brasil ainda não conheceu essa classe.
Para defendê-la, nem precisavam superar sua ojeriza ao PT, havia outros candidatos democratas. Os que apoiaram Bolsonaro quiseram Bolsonaro. Defendam a democracia, que sabemos não o fazerem por ela.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciou em suas redes sociais nesta segunda-feira, 29, a alteração na titularidade de seis ministérios. As nomeações ainda serão publicadas no Diário Oficial. Veja:
Ministério da Defesa: General Walter Souza Braga Netto;
Ministério das Relações Exteriores: Embaixador Carlos Alberto Franco França;
Secretaria de Governo da Presidência da República: Deputada Federal Flávia Arruda;
Advocacia-Geral da União: André Luiz de Almeida Mendonça;
Casa Civil da Presidência da República: General Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira;
Ministério da Justiça e Segurança Púbica: Delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres.