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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

01
Abr23

Gilmar reconhece suspeição de juíza do "caso Cancellier" e abre divergência

Talis Andrade

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por Rafa Santos

 

A imparcialidade do juiz é pressuposto da existência do processo penal democrático. Por isso, embora o magistrado deva apontar de forma circunstancial a existência de indicadores de materialidade, autoria e tipicidade do crime imputado ao réu ao afastar pedidos da defesa ou acatar solicitações do Ministério Público, a ele não é permitida a antecipação de juízos categóricos a respeito da acusação.

Esse foi o entendimento do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, ao abrir divergência no julgamento de agravo regimental interposto contra a decisão que negou seguimento a recurso extraordinário contra a rejeição de uma exceção de suspeição ajuizada pelo professor Eduardo Lobo contra a juíza federal substituta Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Federal de Florianópolis.

O pedido de suspeição versa sobre ação penal que apura supostos crimes na administração da Universidade Federal de Santa Catarina e que levou ao afastamento e à prisão preventiva de Luís Carlos Cancellier de Olivo, reitor da UFSC, no dia 14 de setembro de 2017. Ele foi solto um dia depois, mas continuou afastado do cargo e proibido de frequentar a universidade, e cometeu suicídio 19 dias depois. 

O julgamento sobre a suspeição da magistrada que conduz a ação penal ocorre no Plenário Virtual do Supremo. O relator da matéria, ministro Edson Fachin, votou pelo não provimento do pedido e foi acompanhado pelo ministro André Mendonça. 

Fachin votou por indeferir a solicitação com o argumento de que a exceção de suspeição pedida pelo autor do recurso implicaria na violação da Súmula 279 do STF, que veta o reexame de fatos e provas constantes dos autos pela corte.

Sem reexame

Ao abrir a divergência, Gilmar Mendes argumentou que a análise do pedido poderia ser feita sem o reexame de nenhuma prova, restringindo-se apenas à possibilidade de violação dos artigos 252 a 254 do Código de Processo Penal, que tratam das hipóteses de suspeição dos juízes criminais.

O decano do STF analisou cada um dos sete pontos apontados pelo autor do recurso para justificar a suspeição da juíza Janaina Cassol Machado e afastou seis deles. Contudo, em relação à alegação de fundamentação abusiva, ele deu razão ao professor. 

Gilmar entendeu que, em sua decisão de receber a denúncia, documento com mais de 300 páginas, a magistrada cometeu excessos de linguagem e fez afirmações categóricas e imperativas em concordância com a tese do MP. Desse modo, a julgadora antecipou o desfecho da ação penal e se tornou suspeita. 

"Como se constata dos termos utilizados pela magistrada, embora em alguns momentos a decisão adote o tom condicional, parte significativa da motivação assume de modo categórico a existência da organização criminosa, de diversas condutas já declaradas ilícitas e a responsabilidade penal de diversos acusados, antecipando a condenação, com o transbordamento dos limites da decisão interlocutória de admissão da acusação", registrou Gilmar em seu voto. 

O ministro lembrou que tanto a acusação quanto a defesa precisam ter a possibilidade, em abstrato, de provar suas hipóteses sobre a imputação de um crime e que isso foi vedado por manifestação parcial da juíza quanto ao mérito no caso concreto. 

Gilmar também sustentou que a antecipação de culpa nesse caso se relaciona com o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier.

"Se Cancellier não teve direito à devida investigação, munida das garantias constitucionais, a partir da presunção de inocência e do devido processo legal, neste momento cabe garantir a todos os demais acusados que somente possam ter a culpa atribuída ao final do processo, depois de efetivado o contraditório e a ampla defesa sob mediação de julgador imparcial."

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
Clique
aqui para ler o voto de Edson Fachin

 

 

 

29
Mar23

Fabiano Contarato detona Moro na CCJ: "violou o que é mais sagrado no processo penal" (vídeos)

Talis Andrade

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Contarato se posicionou contra projeto de lei que proíbe a contratação de pessoas condenadas por crimes hediondos e questionou a conduta do ex-juiz da Lava Jato

 

247 - O senador Fabiano Contarato (PT-ES) criticou nesta quarta-feria (29) o ex-juiz suspeito Sérgio Moro, hoje senador, durante uma votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Contarato se posicionou contra projeto de lei que proíbe a contratação de pessoas condenadas por crimes hediondos e questionou a conduta do ex-juiz da Lava Jato.

"Qual o valor de uma pessoa que fica presa 580 dias ilegalmente. Blindar também de criminalidade é um juiz utilizar instrumento processual para levantar sigilo de uma presidente, é interferir na eleição de quem estava na frente de um processo eleitoral", afirmou o senador Contarato. 

"Não soube se portar como juiz, violou o princípio da paridade de armas, violou o contraditório e ampla defesa, violou o que é mais sagrado dentro do processo penal, os fins não justificam os meios. Não satisfeito, integrou o Ministério da Justiça e saiu denunciando interferência da Polícia Federal, declarou o senador do PT.

O projeto de lei defendido por Moro e criticado por Contarato foi aprovado pela CCJ nesta quarta. O texto é de autoria dos senador bolsonarista Marcos do Via (Podemos-ES) e é relatado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC).

 

12
Fev22

Não esqueça o meu Monark: o ‘direito a um partido nazista’, Moro e o partido nazista do Direito

Talis Andrade

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Há 12 anos, um juiz substituto de Moro, divergindo de Moro, já alertava que o Brasil estava prestes a seguir o “indesejado” caminho apontado por um jurista e ideólogo do Terceiro Reich

 

por Hugo Souza

 

A propósito da defesa do “direito a um partido nazista” no Brasil pelos vendedores de hidromel Monark e Kim Kataguiri, este último recém-alçado a escudeiro da candidatura de Sergio Moro à presidência da República, vale a pena retroceder à Curitiba do ano de 2010, quando Moro ainda vivia em seu habitat natural, a insignificância, mas já tinha hábitos alimentares de gafanhoto defronte a Constituição Federal.

Nestes dias de defesa aberta do “direito a um partido nazista” no Brasil, portanto, vale a pena voltar à Curitiba de mais de uma década atrás para verificar a formação no Brasil de um partido nazista do Direito, e com direito a um magistrado curitibano, substituto de Moro, alertando que o caminho que o futuro juiz da Lava Jato estava prestes a trilhar era o apontado por um jurista do Terceiro Reich.

Em despacho do dia 11 de fevereiro de 2010, Moro, então titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, autorizou o “monitoramento ambiental do contato entre presos do Presídio Federal de Catanduvas e os seus visitantes, inclusive advogados, além da realização de outras escutas ambientais no presídio”.

Pensar em gravar a defesa, até um estagiário de Frederick Wassef sabe, só em caso de indiciamento do advogado.

Na época, o então secretário geral da seccional do Panará da Ordem dos Advogados do Brasil, Juliano Breda, encaminhou ofício ao então presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, dizendo que “o conteúdo da decisão [de Moro] revela um grave e frontal atentado contra as prerrogativas profissionais dos advogados, ao determinar que todos – absolutamente todos – os contatos entre presos e advogados na Penitenciária Federal de Catanduvas sejam monitorados e gravados, independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.

“Com efeito, trata-se de uma suspensão evidente e indiscriminada do direito à confidencialidade que informa a relação entre advogado e cliente, desdobramento natural do princípio constitucional da ampla defesa, corolário do devido processo legal”, dizia ainda o ofício.

Moro: ‘nenhum advogado reclamou’

Ao tomar conhecimento da grave, frontal e evidente suspensão de um princípio constitucional por um certo juiz da 1ª instância do Paraná, Ophir Cavalcante reagiu dizendo que daquele jeito abriam-se as portas do arbítrio e da falência da ampla defesa: “juiz não pode ter a brilhante ideia de monitorar tudo e todos para alcançar o advogado envolvido [em crime]”.

Sergio Moro, por seu turno, respondeu às críticas com seu inato caradurismo, dizendo que os advogados eram informados sobre a vigia e que “nenhum advogado reclamou”.

Mas a contraposição mais contundente àquela decisão de Moro partiu do outro lado da parede da sala que Sergio Fernando ocupava em seus tempos de 2ª Vara Federal de Curitiba. Despachando do gabinete ao lado, e em voto proferido antes da decisão do juiz titular sobre a matéria, o à época juiz substituto Flávio Antônio da Cruz alertou para a “mitigação das garantias constitucionais”, lembrou que nada poderia justificar “a conformação de um Direito Penal do Terror” e que “mesmo a existência de graves facções criminosas não autoriza a flexibilização de garantias fundamentais”.

“Essa flexibilização – redigiu o juiz Cruz – caminha para o resgate da divisão maniqueísta entre ‘amigos e inimigos’, de Carl Schmitt, ou a figura da ‘aversão ao direito’, de Edmund Mezger, de cunho evidentemente nazi‐fascista, repudiado pela Doutrina e legislação dos países democráticos”.

 

Da Constituição de Weimar à de 1988: bum!

Carl Schmitt. Guardem este nome. Voltaremos a ele daqui a três parágrafos. Por enquanto, seguimos com o voto – e uma profecia – do juiz Flávio Antônio da Cruz:

“Rechaço soluções pontuais, predestinadas a específicos grupos, definidos previamente como ‘inimigos da Nação’ (em que pese a gravidade dos crimes imputados). Ainda aqui – e talvez sobremodo aqui – as garantias devem ser asseguradas. O que se autorizará nestes casos terá repercussões futuras, redefinindo a relação ‘sujeito/Estado’ em uma direção indesejada”.

Seis anos depois, em 2016, o mesmo Moro, mas já na 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o Ministério Público Federal do Paraná a espionar conversas telefônicas de 25 advogados do escritório da defesa de Lula, além de mandar gravar – e divulgar – o próprio Lula em conversa com Dilma Rousseff, presidenta do país no exercício do cargo.

É quando voltamos a Carl Schmitt, o jurista do Partido Nazista que destruiu a Constituição Democrática de Weimar e que ajudou Hitler a chegar ao poder com sua doutrina de que as leis podem ser ignoradas em situações excepcionais. A nenhuma jurisprudência, senão a de Carl Schmitt, seria mais adequado o TRF-4 recorrer para livrar Sergio Moro, como livrou, da representação feita contra ele por ter vazado conversa da presidenta da República.

E foi exatamente o que fez, recorrer a Carl Schmitt, o relator do caso no TRF-4, o desembargador federal Rômulo Pizzolatti. O relatório de Pizzolatti foi aprovado por 13 votos a um. O único divergente, única exceção no apoio ao estado de exceção, foi o desembargador Rogério Favreto. Em seu voto, Favreto alertou assim, não sem alguma sátira:

“Vale dizer que o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais

e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias

fundamentais. Sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal,

evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado

sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais

membros desta corte”.

 

404

Por fim, uma dessas curiosidades cabalísticas que pontuam a Grande Marcha Para Trás em que o Brasil se meteu, ou em que meteram o Brasil.

Aquela decisão de Moro autorizando gravar advogados no presídio de Catanduva foi na verdade publicada a quatro mãos. Além de Moro, outro juiz de execuções penais do Paraná assinou aquele despacho. O nome dele é Leoberto Simão Schmitt Júnior.

Um Schmitt, como o velho Carl.

Após a divulgação do áudio de Lula e Dilma, em março de 2016, centenas de juízes deste país, centenas, assinaram um manifesto em “irrestrito apoio às decisões que foram proferidas, em Curitiba, pelo juiz federal Sérgio Moro”.

O juiz Schmitt foi o signatário 404.

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15
Mar21

Manifesto em apoio à Lava Jato desinforma a sociedade

Talis Andrade

Grupo Prerrogativas | Coordenação: Marco Aurélio de Carvalho

Grupo Prerrogativas, composto por advogados e juristas, ciente dos termos de manifesto subscrito por membros do Ministério Público em apoio a procuradores da Lava Jato, cujos desvios e abusos vieram a ser objeto de crítica por ministros integrantes da 2ª Turma do STF, em 9/3/2021, no julgamento do HC n° 164.493, vem assinalar a pertinência das recriminações fundamentadamente apontadas pelos ministros da Corte Suprema.

​O resguardo da função institucional do Ministério Público não deve obliterar a correção de excessos e ilegalidades. O exercício da persecução criminal deve ser avaliado em termos objetivos e sob a lente dos limites constitucionais e legais, como fizeram os citados integrantes do STF. Não convém ao regime republicano que a apreciação da conduta irregular de membros do MP dê margem a uma reação corporativista, que lhes ofereça apoio de índole subjetiva.

​O combate à corrupção não prescinde da observância plena dos predicados jurídicos que o condicionam, sob pena de fomentar o arbítrio, com a sucumbência do Estado de Direito. Sob o império do direito, os fins não podem justificar meios ilícitos. A atuação legítima do STF, no sentido de desconstituir abusos gravíssimos praticados por membros do Ministério Público, em lastimável associação com o ex-juiz Sérgio Moro, serve a depurar a atividade ministerial de comportamentos vexaminosos e contraproducentes de alguns de seus integrantes. A correta anulação judicial de atos legalmente viciados jamais deve ser razão para lamentações, mas sim para o aperfeiçoamento das práticas.

​Membros do Ministério Público não são intocáveis, blindados numa cruzada supostamente heroica contra criminosos. São na verdade servidores públicos, vinculados a um papel definido em escala normativa. O manifesto assinado por membros do MPT confunde a missão da instituição, a ponto de pretender a concessão de um salvo conduto aos procuradores da Lava Jato, o que é inaceitável num regime constitucional democrático. A complacência com os desatinos comprovadamente praticados por Deltan Dallagnol e seu séquito apenas alimentam o fracasso das operações de combate à criminalidade, não o seu êxito. A orientação política de certas acusações, levada ao extremo com a manipulação judiciária e midiática, representa a falência dos esforços de combate à corrupção em nosso país.

​O manifesto dos membros do MP em apoio à Lava Jato, portanto, desinforma a sociedade e mistifica a atuação dos procuradores da operação. Todo processo criminal deve assegurar juiz natural, imparcialidade judicial, presunção de inocência, ampla defesa e contraditório. E também acesso dos acusados ao sistema recursal. O manifesto comete sério engano ao atacar o exercício regular pelo STF de sua competência para anular atos irregulares por meio do julgamento de habeas corpus. Parece haver membros do MP que tanto se acostumaram a admirar as atitudes anômalas do ex-juiz Sérgio Moro que agora estranham a atuação imparcial e judiciosa de ministros do STF.

​Não há como disfarçar: são gravíssimos os atos praticados pelos procuradores da Lava Jato, ao desencadearem perseguição implacável ao ex-presidente Lula. Não se pode admitir que o Ministério Público naturalize condutas marginais à Constituição por parte de seus integrantes. Os méritos reconhecidos da atuação da instituição não podem implicar em justificativa para que seus defeitos sejam ignorados. A defesa do interesse público e a busca do avanço dos valores republicanos em hipótese alguma permite a tolerância com transgressões a direitos fundamentais inscritos na Constituição.

A melhor defesa que se pode e deve fazer do Ministério Público, reitera-se, passa pelo reconhecimento dos graves equívocos cometidos por alguns de seus membros.

Seguiremos na defesa verdadeira das Instituições e do papel relevante para o qual foram desenhadas.

A reacreditação do nosso Sistema de Justiça é a melhor resposta e a única saída.

Grupo Prerrogativas, 15 de março de 2021

 
12
Mar21

Comecei a ver e a sentir os abusos da República de Curitiba em 2014. Por Kakay

Talis Andrade
 
Procuradores da Operação Lava Jato: uma gang de caçadores (crédito: divulgação)

Por Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay)

“A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em virilidade mental; as épocas de força em fraqueza de espírito. Tudo se mistura e se cruza, e não há verdade senão no supô-la”. Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego

Era uma 2ª feira, 17 de março de 2014, quando o telefone tocou cedo. Uma operação da Polícia Federal. Nesses casos, a gente sempre espera para ver a dimensão da operação antes de aceitar qualquer cliente. Logo em seguida, 3 dias depois, foi preso Alberto Youssef. Mal sabíamos que ali seria o início da operação Lava Jato, importante operação que viria movimentar o país, com resultados surpreendentes até virar uma operação política, conduzida por um juiz determinado a ser presidente da República, instrumentalizando o Poder Judiciário e tendo como pupilo um grupo de procuradores da República que instrumentalizavam o Ministério Público. Tudo isso com apoio da grande mídia e um forte esquema de marketing coordenando as ações e divulgações. Começava ali a maior fraude ao sistema de Justiça do Brasil.

Dos 3 clientes que me procuraram, optei por advogar para Alberto Youssef. Já sabia quem ele era, bem como tinha conhecimento de quem eram Moro e seus pupilos procuradores, pois eu havia atuado na operação Sundown, impingindo ao grupo de Curitiba a maior derrota que eles até então haviam sofrido. Conhecia a indigência intelectual e moral do grupo, que fazia tudo pelo poder. Mas agora a briga seria muito maior. Os caipiras estavam com poder midiático de fogo e queriam ainda mais poder. A qualquer custo.

Não demorou para eu deixar a advocacia de Youssef pois, em setembro daquele ano, os procuradores, com medo de uma derrota, exigiram que Youssef desistisse de um habeas corpus que impetrei para tratar da liberdade. Atitude canalha e covarde dos procuradores que se aproveitaram do momento de fragilidade de um cidadão preso. Ali, comecei a ver e a sentir os abusos daquela República de Curitiba que, cega pela mídia, julgava-se salvadora da pátria. Escândalo anunciado e tragédia certa. Mas ainda não imaginávamos o estrago que seria causado à credibilidade da justiça brasileira. A grande Cecília Meirelles sempre nos salva:

“O rumor do mundo vai perdendo a força

E os rostos e as falas são falsos e avulsos.

O tempo versátil foge por esquinas de vidro, de seda de abraços difusos.”

Sentindo o cheiro dos abusos, vendo e ouvindo os personagens lúgubres que coordenavam o circo, criando fortes laços com a barbárie e com um golpe ao Estado democrático, resolvi resistir. Eram muitos os absurdos: excessos de prisão, estupro das delações premiadas, achaques, juiz com jurisdição nacional, juiz parcial, enfim, o caos.

Um grupo de advogados resolveu debater, questionar, enfrentar o que já se anunciava como um bando de delinquentes. Sem maiores acessos à grande mídia, que até assessorava a gangue, resolvi cair no mundo e, duas ou 3 vezes ao mês, ao longo dos últimos 5 anos, corri o Brasil de Norte a Sul para discutir o Direito, a Constituição, as garantias, sempre recitando poesia depois dos debates para ridicularizar os bárbaros. Eles têm medo da literatura. Tive plateias de 4.000 pessoas, outras de 200, pouco importava. Sem ser dono da verdade, seguia falando e desmontando esse grupo de golpistas, incultos, banais. Em cada cidade, após as palestras, sempre surgia um convite para entrevistas nos jornais locais, rádios, programas de TVs. Se era para apontar o esquema criminoso engendrado pela “gangue de Curitiba”, eu aceitava o convite.

E o bando se especializou em fraudar não só o sistema de Justiça, mas em vender uma imagem de salvadores da pátria. Em 9 de setembro de 2015, escrevi um artigo na Folha de S.Paulo, “QUE PAÍS QUEREMOS?”. Já em 2015, afirmei que não admitia que absolutamente ninguém, juiz, procurador ou policial, pudesse dizer que quer o combate à corrupção mais do que eu, mais do que qualquer cidadão sério. Mas, repetia eu um conceito que se transformaria num mantra: esse combate tem que ser dentro das garantias constitucionais, do devido processo legal e com a ampla defesa assegurada. A resposta a essa pergunta está no voto do ministro Gilmar Mendes, proferido no julgamento da última 3ª feira (9.mar.2021).

Muitas vezes, sentia o peso avassalador dos grandes interesses querendo nos esmagar. A verdadeira guerra travada na discussão que levou à vitória da presunção de inocência, no Supremo Tribunal Federal, mostrou que o Brasil não é um país para amadores.

A força econômica, a grande mídia, o punitivismo exacerbado, a criminalização da política, a substituição de parte da política por uma proposta de não políticos, o controle da narrativa por parte dos medíocres de Curitiba, a falsa crença de que nós éramos contra o combate à corrupção e a favor da impunidade fizeram com que andássemos pelo país em busca de um sonho que a realidade insistia em negar.

Mas o debate e a palavra têm uma força devastadora quando nós sentimos a Justiça do nosso lado, mesmo que grupelhos se apoderem inescrupulosamente da narrativa simbólica entre os “maus e os homens de bem”. Bando de medíocres que não se vexaram em brincar e zombar com a liberdade e as garantias constitucionais em nome de um projeto de poder. Lembro-me de Mário de Sá-Carneiro, no poema A Queda:

“E eu que sou o rei de toda esta incoerência,

Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la

Peneiro-me nas sombras- em nada me condenso…

Agonias de luz eu vivo ainda entanto.

Não me pude vencer

mas posso me esmagar.

– Vencer as vezes é o mesmo que tombar-

Tombei…

E fico só esmagado sobre mim.”

Na sina, na busca incessante por um mundo mais livre, mais justo e igual, começamos a ver cair os pilares de um projeto hipócrita, com viés fascista e demolidor, de um direito que representa a dominação e o obscurantismo. No julgamento da parcialidade do juiz e da força-tarefa de Curitiba, parecia que passava um filme dos melhores momentos dos últimos anos. Algumas frases dos votos nos remetiam a plateias espalhadas, ao longo de 5 anos, pelo imenso Brasil. Eu me reconheci ali naquelas frases, naqueles votos.

A decisão do ministro Fachin anulando os processos por uma chapada incompetência do juiz nos remete às centenas de críticas feitas à jurisdição nacional ou universal de Curitiba. Nunca o óbvio demorou tanto a vir à tona. Mas veio, e lembrei-me do poeta: “É tarde, mas ainda é tempo”.

Agora, o projeto de poder desse grupo que procurou deslegitimar a política, que criminalizou os políticos e a advocacia, que corrompeu o sistema de Justiça e abalou a crença em um Poder Judiciário justo, começa a ser realmente desnudado. O juiz e seus asseclas, os procuradores, delegados e advogados de araque que lhe eram submissos, devem também ser responsabilizados.

Não é hora de comemorar, pois estamos no pior momento deste horror da crise sanitária. O grupo fascista e orientado pela necropolítica, que cultua a morte, foi eleito e é filho legítimo da gangue de Curitiba, responsável pela dimensão da catástrofe. A visão covarde, canalha e negacionista levou o país a inacreditáveis 2.349 mortos em um só dia. Números oficiais, pois a subnotificação é brutal. Mais de 270 mil mortos. A banalização da morte, a ridicularização da dor da perda dos que sofrem, o sadismo e falta de empatia são a marca desses desalmados. Uma enorme e densa nuvem cegou a todos os que queriam ver. Uma nuvem que nos abraça, não o abraço da solidariedade, mas o que nos imobiliza e nos sufoca. Que tira nosso ar. Que, de tão densa, esmaga-nos e não permite que a esperança saia e respire.

Mas, o enfrentamento dos abusos dessa operação fajuta e criminosa, que é o que se tornou a Lava Jato, há de ser um alento para o cidadão que viu a liberdade ser manietada, a dignidade ser usurpada e sentiu que um Judiciário corrompido politicamente consegue uma morte da cidadania tão angustiante como a morte física pela falta de ar. A irresponsabilidade que fez faltar o ar nos hospitais e nos pulmões é irmã siamesa da irresponsabilidade que sufocou o sistema de Justiça. Escondo-me em T.S. Eliot:

“Súbito num dardo de luz solar

Enquanto a poeira se move

Aflora o riso oculto

Das crianças na folhagem

Depressa agora, aqui, agora, sempre

-Ridículo o sombrio tempo devastado

Que se estende antes e depois.”

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05
Ago20

Deputado Glauber Braga volta a chamar: Moro, "juiz ladrão!"

Talis Andrade

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Que Sergio Moro juiz não faria para ser ministro da Justiça e Ministro da Segurança Pública e ministro do Supremo Tribunal Federal? Tem mais: ele pediu para Jair Bolsonaro uma pensão.

Publicou na época o portal jurídico Migalhas: Moro disse que a única condição que impôs para aceitar cargos de Bolsonaro era a garantia de pensão à sua família caso algo lhe acontecesse. "Isso pode ser confirmado por Bolsonaro e pelo general Heleno, destacou Moro" 

Que diabo de pensão é essa? Bolsonaro e Augusto Heleno jamais revelaram. Deve ser uma gorda botija de ouro e prata.

O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) voltou a bater no ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro, após o Supremo Tribunal Federal conceder à defesa de Luiz Inácio Lula da Silva o direito de ter acesso aos sistemas de contabilidade utilizados pela Odebrecht (Drousys e MyWebDay) e decidir que a delação do ex-ministro Antonio Palocci não poderá ser usada contra o ex-presidente. O ministro da Corte Ricardo Lewandowski também afirmou que, enquanto juiz da Operação Lava Jato, Moro "violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa".

"Deixa eu ver se entendi... O STF invalidou a delação que Moro usou no período da campanha por considerar que foi um uso político eleitoral? É isso? Então, agora o STF aderiu à tese de que Moro foi juiz ladrão e só usou umas expressões mais rebuscadinhas? Com licença: JUIZ LADRÃO!", escreveu o parlamentar no Twitter.

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14
Jul20

Organizações brasileiras denunciam Lava Jato na ONU

Talis Andrade

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por Valéria Maniero /RFI Rádio França Internacional

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Cinco organizações brasileiras apresentaram uma denúncia nesta segunda-feira (13) no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a respeito da Operação Lava Jato. No pronunciamento, feito em vídeo, Paulo César Carbonari, da coordenação nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), mostra “preocupação com as práticas de cooperação internacional realizadas no âmbito da Operação Lava Jato”. A intervenção foi feita no Diálogo Interativo com o relator especial para a independência de juízes e advogados das Nações Unidas.

Carbonari explicou que o pronunciamento “fez referência às denúncias veiculadas pela imprensa de que a condução das operações de cooperação internacional foi além do previsto em lei”. Ele afirma que “teriam sido violadas as prerrogativas e princípios funcionais e princípios do processo penal brasileiros, avançado nas atribuições de outros poderes, violando o que garantem os tratados e a Constituição, visto que agentes de entidades públicas e privadas dos Estados Unidos teriam recebido informação indevidamente”.

O representante da MNDH falou também em nome de outras organizações, como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, a Associação dos Juristas pela Democracia e a Associação dos Juízes pela Democracia.

De acordo com as organizações, “a sociedade brasileira concorda com a necessidade de combater com rigor a corrupção, inclusive aquela que se disfarça em operações transnacionais de complexa trama”.

 

Risco de "vitimar empresas e indivíduos indevidamente"

“Mas para que sejam consideradas legais, as operações precisam ser criteriosamente respaldadas na lei, nas garantias processuais, no devido processo legal e na presunção de inocência, sob pena de vitimar empresas e indivíduos indevidamente”, ponderou.

No fim do pronunciamento, as organizações afirmaram que “o bom combate à corrupção precisa respeitar a independência funcional e as competências dos poderes públicos”. “Combater a corrupção faz bem à democracia e aos direitos humanos, mas dentro da lei. Não sendo assim, elas próprias podem ser corrompidas”.

Em nota enviada à RFI, as organizações disseram que, dessa forma, esperam colaborar com o Relator Especial das Nações Unidas “para que não leve ao mundo exemplo que não seja de boas práticas para o enfrentamento da corrupção e, particularmente, de atuação das autoridades judiciais que não se recomenda seja seguida, por não ser um bom exemplo”.

Questionado pela RFI sobre a atuação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Carbonari disse que "a Lava Jato prestou um relevante serviço para o Brasil, seja para mostrar as entranhas da corrupção, mas também para mostrar vários descaminhos da ação do Poder Judiciário". Segundo ele, "há muitas denúncias de que houve diversas ações, inclusive de lawfare. Há vários procedimentos sob investigação pelas instâncias de corregedoria tanto do Poder Judiciário quanto do Ministério Público que atuaram nela."

Carbonari insiste que várias sentenças de Moro estão sendo amplamente contestadas e questionadas por juristas. Ele lembra que reportagens publicadas na imprensa indicam que “nem tudo ocorreu sem o arrepio da lei, ou ao menos, sem que ela fosse ‘esticada’ exageradamente em relação ao que se espera razoável”.

“O MNDH confia que as instâncias correcionais atuem corretamente no caso e que não se deixem submeter a pressões de qualquer tipo, visto que exatamente a independência dos agentes é fundamental para a garantia da promoção da justiça. Inaceitável que a autoridade encarregada da justiça se deixe pressionar por interesses estranhos ao que está no devido processo, à ampla defesa e às garantias processuais para todas as partes, sejam elas quem forem. Um julgador não pode ter qualquer outro ânimo que não seja promover a justiça”, martelaram as organizações.

 

02
Fev20

Anadep compara sistema penal brasileiro com a Santa Inquisição

Talis Andrade

Entre os países da América Latina, o Brasil

é o último a implantar o juiz das garantias

 

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Por Tábata Viapiana

ConJur

O juiz das garantias é inteiramente acorde e harmônico com a Constituição, a começar pelo princípio do respeito aos direitos humanos, o princípio do devido processo legal e o princípio da ampla defesa.

Esse argumento foi usado pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) ao pedir ao Supremo Tribunal Federal para entrar como amicus curiae nas quatro ações diretas de inconstitucionalidade que questionam a criação do juiz das garantias. O relator das ADIs é o ministro Luiz Fux.

Ao defender a figura dos juiz das garantias, a Anadep afirmou que as ADIs querem manter, a todo custo, uma "mentalidade inquisitorial, que tão bem exerceu sua função injusta nos regimes autoritários e segue sendo um modelo autoritário de poder". A associação comparou o sistema penal brasileiro com a Santa Inquisição da Igreja Católica durante a Idade Média.

"A origem do modelo é, sem dúvida, o sistema inquisitorial, presidido por um juiz inquisidor, que investigava, acusava, colhia provas e julgava, sem possibilidade do exercício de defesa — porque absolutamente inútil, já que a consciência do julgador vinha de antes, desde a fase investigatória, secreta e escrita", diz o pedido.

A associação destaca que, entre os países da América Latina, o Brasil é o último a implantar o juiz das garantias. Para a Anadep, a medida é "inteiramente harmoniosa" com o princípio da República brasileira de "prevalência dos direitos humanos" e trata-se de importante ferramenta para "controlar o poder investigativo do Estado".

"Ao contrário da evolução do Direito Processual Penal no continente, o Brasil, a manter-se a segunda decisão liminar, continuará no modelo do Código da Era Vargas, inspirado no Código Rocco, fascista, preso à escrituração do inquérito policial, que serve de base, quer se queira ou não, consciente ou inconscientemente, à formação do convencimento do julgador, ainda que não possa se referir exclusivamente aos elementos de informação constantes do inquérito", concluiu a Anadep.

Além de ingressar como amicus curiae nas ADIs, a Anadep pede a revisão da liminar concedida pelo ministro Luiz Fux, que suspendeu por tempo indeterminado a implantação do juiz das garantias, além da improcedência das ADIs em questão.

Clique aqui para ler o pedido
ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305

 

 

02
Out19

STF, redima-se: não capitule, não module

Talis Andrade

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por Tereza Cruvinel


Nesta quarta-feira os ministros do STF vão escolher entre ficar bem com os raivosos das ruas e das redes ou dar o primeiro passo em busca da remissão de seus pecados omissões que ajudaram a afundar o Brasil no pântano. Começarão a se redimir fazendo valer a Constituição, ainda que se tornem alvos daqueles que xingaram o falecido ministro Teori de “cabrita do Lulla” e foram à porta de sua casa ameaçar os parentes.
 
O início da remissão dos pecados exige aplicação irrestrita do entendimento majoritário da semana passada, de que delatados devem apresentar suas alegações finais só depois dos delatores, por mais que isso resulte em anulação de sentenças. É o preço da restauração do devido processo legal. Na sequência, deve o STF apreciar a arguição da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no julgamento do ex-presidente Lula, conforme requereu ontem sua defesa.

Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil, foi o primeiro a reclamar da apresentação de suas alegações finais ao mesmo tempo que os réus delatores. Afinal, a ampla defesa, uma garantia constitucional, só pode ocorrer quando as acusações são previamente conhecidas. A segunda turma deu-lhe razão e anulou a condenação, forçando o plenário do STF a se posicionar sobre o assunto. A decisão de quinta-feira passada foi por 6 votos a 3, faltando ainda votar o ministro Marco Aurélio e o presidente Dias Toffoli. 

A sessão ainda nem tinha acabado quando os vencidos começaram a falar em “modulação”, que não mais do que é uma capitulação, a mitigação da decisão, evitando a anulação de pencas de condenações da Lava Jato. Isso enfureceria os raivosos do bolsonarismo lavajatista. Sim, Bolsonaro humilha Moro mas a tribo continua existindo, e acreditando na santa aliança. Ontem, nas redes, o que eles mais diziam é que, se as sentenças forem anuladas, os recursos recuperados de corruptos serão a eles devolvidos. É subestimar demais a inteligência dos brasileiros. Mas tem quem acredite.

Na quarta-feira, 25, véspera da decisão, eles espumavam na Praça dos Três Poderes: “STF, vergonha nacional”. A manifestação era de apoio à CPI da Lava Toga e em defesa do impeachment (genérico) de ministros do Supremo. A polícia os reprimiu e eles responderam lançando pedras portuguesas do piso da praça, que podem causar traumatismos cranianos letais. A raiva deles é grande porque Lula poderia estar entre os eventuais beneficiados. Mas Lula aqui é um ponto dentro da curva. Mais importante será a o restabelecimento do devido processo legal que a Lava Jato atropelou durante todos estes anos, sob os olhos complacentes do STF, o aplauso da mídia e o protesto ignorado da comunidade jurídica nacional e internacional.

Agora, temendo a bronca das ruas, a ideia de que o STF favorece corruptos, busca-se na corte a melhor fórmula de modulação. Barroso, o implacável, defende que a interpretação só venha a valer no futuro. Seu argumento é pífio: o entendimento vencedor não estaria expresso na lei infraconstitucional, embora o direito à ampla defensa seja tão cristalino na Constituição.

Toffolli estaria propenso a defender que tal entendimento só resulte na anulação das sentenças de condenados que reclamaram em tempo hábil, na primeira instância. Mas isso fere a isonomia, o princípio de que todos são iguais perante a lei. Na Justiça não pode valer o ditado de que quem não chora (na hora certa) não mama. Outra forma de modular, ou atenuar a aplicação da decisão, seria estabelecendo que só podem pedir anulação da sentença aqueles que demonstrarem ter sido prejudicados. Talvez esta seja a mais cotada hoje.

A primeira redenção, para o STF, seria então não modular, não capitular, não temer a raiva dos que odeiam as instituições, declarando a aplicação ampla e geral do entendimento da semana passada. E com isso, que venham as anulações de sentenças, de quantos se enquadrarem na situação. A culpa não é dos réus, é da onipotência do juiz (Moro) que pisoteou o devido processo legal. Em novo julgamento, havendo prova serão condenados.

Mas isso não basta. Se a Lava Jato passou de todos os limites, como já foi dito na corte, em seguida o STF deve apreciar a arguição de parcialidade de Moro, requerida pela defesa de Lula, que ontem recusou peremptoriamente a possibilidade de ir para o regime semi-aberto, por ter cumprido um sexto da pena. O que ele quer é demonstrar que foi vítima de law fare, do uso dos instrumentos da justiça para atingir o adversário político. No seu caso, para tirá-lo da disputa presidencial de 2018. Já os procuradores da Lava Jato, ao defenderam sua soltura, estariam buscando adiar ou enfraquecer a decisão do STF sobre a parcialidade de Moro.

Mas quem ainda tem dúvidas de que Moro e os procuradores perseguiram Lula? A Vaza Jato vem demonstrando isso à exaustão. Agora mesmo, em seu livro, o ex-procurador Janot conta que o procurador Dallagnol o pressionou a apresentar logo denúncia contra Lula por organização criminosa, para que ele pudesse denunciá-lo por lavagem de dinheiro, crime que exige o precedente. Não sendo atendido, ele inventou o power point fajuto em que Lula é apontado como chefe da orcrim.

Muitos foram os desmandos mas nenhum mais grave que o fato de terem vendido “peixe podre ao Supremo”, na metáfora do tucano Aloisio Nunes Ferreira, com o vazamento seletivo, ilegal e fora de hora da conversa Lula-Dilma de 16 de março de 2016, omitindo outras tantas que deixam claro as razões que o levaram a aceitar ser ministro dela: para tentar salvar o governo e impedir o impeachment, não para evitar a própria prisão.

Os pecados do Supremo

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Gilmar Mendes comprou o peixe de Moro e da Lava Jato no caso da conversa Lula-Dilma e proibiu a então presidente de nomeá-lo ministro. Assim como Temer, Nunes Ferreira também reconhece agora que o impeachment não teria acontecido se Lula tivesse se tornado ministro. Gilmar diz que não se arrepende, decidiu com os dados disponíveis. Poderia ter buscando mais informação antes de decidir. Mas as críticas que tem feito a Lava Jato e a disposição para o enfrentamento de seus abusos são, para ele, uma primeira redenção.

Muitos são os pecados do conjunto do Supremo ao longo do percurso que nos trouxe até aqui. Quando Moro divulgou o grampo Lula-Dilma, apenas Teori Zavascki reclamou, passou-lhe um pito público. Os outros dez ministros fizeram vista grossa para o fato de que uma gravação que envolvia a presidente da República, com foro especial, só poderia ser liberada pelo STF.

No mesmo dia desse vazamento que foi determinante para a queda de Dilma, o STF homologou o rito do impeachment. Estava ocupado com a formalidade e absolutamente despreocupado com a trama que Moro comandava, para que o resultado político fosse alcançado.

Como revelado por Janot, Temer e Henrique Alves foram lhe pedir para que não apresentasse denúncia contra Eduardo Cunha, pois ele reagiria abrindo o processo de impeachment e jogando o país na instabilidade política. Janot não os atendeu e apresentou a denúncia mas o STF, através de Teori, relator da Lava Jato, só foi acolhê-la depois que a licença para o impeachment fora aprovada pela Câmara.

Muito do que se sabe hoje, graças sobretudo ao The Intercept, não era sabido então. Mas era evidente que tudo obedecia a uma bem cronometrada liturgia político-judicial com objetivos bem claros: derrubar Dilma e remover o PT do Governo, inviabilizar a candidatura de Lula e permitir a Temer e aos tucanos dois anos de governo em que, feitas as reformas que o mercado queria, teriam aplainado o caminho para a eleição de um nome da direita racional. Mas a semeadura do ódio e os ataques às instituições passaram das medidas e o Brasil acabou foi parindo Bolsonaro. E aqui estamos agora, esperando que o STF comece a colocar o vagão nos trilhos.

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28
Set19

Corréu-delator tem que ser ouvido antes das testemunhas de defesa

Talis Andrade

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Por Aury Lopes Jr. e Vítor Paczek   

 

No HC 157.627 a 2ª Turma acolheu a tese de Aldemir Bendine, afirmando que o corréu delatado deve apresentar alegações finais por último, pois o corréu delator tem uma posição processual com carga acusatória. Nesse sentido, a apresentação de memoriais em prazo comum representaria uma violação ao contraditório e à ampla defesa, na medida em que não seria possível ao delatado fazer o confronto da manifestação incriminatória. Essa discussão volta à pauta no Tribunal Pleno, na apreciação do HC 166.373, paciente Márcio de Almeida Ferreira.

A decisão do STF está correta e não precisa de maiores explicações, mas nossa proposta é outra: a decisão do STF é tímida e não resolve o problema, pois não basta o delator ser ouvido antes dos demais, ele precisa ser ouvido antes das testemunhas de defesa! Eis o ponto que a decisão do STF não alcançou.

O colaborador premiado precisa ser ouvido, na instrução, antes das testemunhas de defesa, pois estamos diante de sensíveis questões de prova e contraprova, que influenciarão diretamente na captura psíquica do juiz[1]; e só há ‘prova’ quando os elementos são submetidos ao contraditório, sendo necessário saber dos conhecimentos disponíveis pelo colaborador para submeter ao confronto o thema probandum.

Mesmo que a Lei 12.850/13 não indique qual é o momento adequado para oitiva do delator, a conclusão adequada deve se dar pela compreensão do alcance da garantia do contraditório, da ampla defesa, da instrumentalidade constitucional[2] e das imposições do sistema acusatório constitucional, que estrutura a cadeia de significância do processo penal.[3] Essas premissas para atribuição de sentido das normas procedimentais cobram um preço: o delator deve ser ouvido antes das testemunhas de defesa.

É importante restringir o alcance deste posicionamento à situação em que o delator tenha assinado o contrato com a Polícia ou Ministério Público antes do início da instrução processual: nessa situação se tem conhecimento desde o início da produção de provas que existe um compromisso do delator com a hipótese acusatória. Caso ele tenha assinado o contrato após a sentença ou durante a tramitação do Recurso Especial por exemplo (a lei de lavagem de dinheiro permite colaboração a “qualquer tempo”), a princípio não incidiria a tese – pois não haveria compromisso probatório com a hipótese acusatória do caso concreto -, salvo se reaberta a instrução processual com base no art. 616 do CPP ou algum outro permissivo regimental dos tribunais. Ademais, parte-se do princípio da lealdade processual, sendo totalmente ilegal o pacto com delatores informais para burlar a regra de corroboração.

Mas qual seria o momento adequado para oitiva do corréu delator? Quando o delator não for corréu não haverá problema, porque ele será testemunha de acusação. A questão sensível é quando ele é corréu. Nesse caso, tendo em vista a carga acusatória dos seus depoimentos e a imposição de que seja falada a verdade (§14º do art. 4º da Lei 12850), com a apresentação de elementos de corroboração do fato e da autoria delitiva, o delator assume uma posição de endosso (e não de confronto) com a tese acusatória, sendo equivocada a sua oitiva no fim de instrução. O delator assume uma carga acusatória, devendo provar o fato para receber benefícios penais. Ele tem o dever contratual de acusar.

A finalidade da oitiva no fim da instrução é de que o acusado se defenda das hipóteses acusatórias. Mas para o delator corréu, essa refutação foi consensualmente descartada no momento da assinatura do contrato com os órgãos de persecução penal. Ele passa a defender sua liberdade, mas através da incriminação do corréu delatado e da aderência à hipótese acusatória. Trata-se de uma acusação qualificada. Ele assume assim o papel de uma testemunha acusatória qualificada ou sui generis, na medida em que não é puramente uma testemunha e tampouco réu. O delator acusado é uma figura híbrida, mista, que serve como prova trazida pela acusação e para comprovação de sua tese, ainda que também esteja sendo acusado (mas, com a peculiaridade, de que irá assumir a hipótese acusatória e com ela 'colaborar', para obter o prêmio). Essa hibridez exige um tratamento diferenciado dos padrões estabelecidos até então.

A lição de Goldschmidt[4] sobre processo situação jurídica é extremamente atual para analisar a discussão sobre delação premiada, pois a situação do delator implica ônus e bônus, vantagens e prejuízos, como qualquer outra escolha processual. Ao aceitar sofrer consensualmente a punição, o delator abre mão de sua posição processual de confronto, assumindo o papel de assistente na produção probatória da tese acusatória. Não pode, portanto, falar ao término da instrução, pois o delatado que confronta a tese acusatória não poderá produzir contraprovas, através das testemunhas de defesa que já foram ouvidas, pois desconhece até então o conteúdo do depoimento do delator.

Em termos práticos, caso não tenha sido respeitada a ordem proposta, é caso de decretação da invalidade processual, por dois motivos objetivos. O primeiro está na noção de captura psíquica, que coloca o contraditório como elemento fundante da produção da prova, que está estritamente vinculada ao aproveitamento das chances e possibilidades da situação jurídica processual (Goldschmidt[5]). Se o delator não foi ouvido antes das testemunhas de defesa, impõe-se uma encargo ilegal à defesa, que é a perda de uma chance probatória. É a imposição da perda da chance de fazer a contraprova da hipótese acusatória.

Logo, se todo o ato processual pode levar a promessas e ameaças contidas em uma sentença, o êxito ou fracasso do objetivo dependem das chances disponibilizadas para que a parte exercite o ato processual. Se o ato não foi realizado adequadamente, não é possível aproveitar as chances garantidas pelo devido processo legal, sendo caso de decretação da nulidade do processo para buscar a máxima eficácia dos direitos fundamentais ao contraditório e ampla defesa.

Sem falar que é decorrência básica do direito de defesa, ter conhecimento de toda a tese e prova acusatória antes de exercê-la. É por isso que a prova testemunhal trazida pela acusação tem que ser, sempre, produzida antes das testemunhas arroladas pela defesa. Considerando que o delator-corréu é talvez a mais importante 'testemunha' da acusação (ainda que seja uma testemunha sui generis, como mencionamos), é imprescindível que diga tudo o que tem para dizer (colaborando, portanto, com a tese acusatória) antes da oitiva das testemunhas arroladas pela defesa, para que existam - efetivamente - condições de possibilidade de defesa e de produção de contraprova.

Além disso, é importante não cairmos na hermenêutica inquisitória do art. 563 do CPP que exige a comprovação de prejuízo para decretação de nulidade. Esse artigo deve ser compreendido à luz do devido processo legal e do rol de garantias constitucionais que o superam. Significa dizer que a ‘prova’ do prejuízo concreto é impossível de ser realizada, justamente porque não há ato processual adequado a examinar. O ato que deveria ter sido realizado não o foi; logo, é impossível demonstrar o prejuízo concreto, sendo prova diabólica. Não se pode exigir que o delatado faça prova (inversão ilegal) da concretude de algo que não foi feito, isto é, a concretude de ilação, de uma abstração. Sem falar que o prejuízo é inerente ao cerceamento de defesa e limitação do contraditório.

Seria ainda a realização de um cerceamento de defesa ao quadrado (primeiro, na falta de realização do ato processual adequado; segundo, na exigência de prova do prejuízo concreto de um fato da vida que não existiu). A Suprema Corte, em situações processuais semelhantes, compreendeu pela impossibilidade de demonstrar prejuízo concreto quando se analisar um ato que não foi realizado (na falta de realização do ato é impossível provar o prejuízo):

(...) Não bastassem o recebimento da denúncia e a superveniente condenação do paciente, não cabe reclamar, a título de demonstração de prejuízo, a prova impossível de que, se utilizada a oportunidade legal para a defesa preliminar, a denúncia não teria sido recebida. (HC 84835, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 09/08/2005)

Como conclusão, a Suprema Corte deu um passo importante no fortalecimento das garantias constitucionais, mas deve continuar protegendo o contraditório e a ampla defesa, exigindo que o delator corréu seja ouvido antes das testemunhas de defesa.

 

[1] CORDERO, Franco. Procedimiento penal, t. II, Colômbia: Editorial Temis S.A., 2000, p. 3-7; 11; e 16.

[2] Sobre o que se entende por 'instrumentalidade constitucional', remetemos para a obra "Fundamentos do Processo Penal", de Aury Lopes Jr, publicado pela Editora Saraiva.

[3] Nesse sentido, ver: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro. In Separata !TEC, ano 1 – nº 4, Janeiro/Fevereiro 2000, p. 1-2. Ainda trabalhando a importância do princípio dispositivo e a consolidação de um sistema acusatório para a significação do processo penal: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Os sistemas processuais agonizam? In: SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da; PAULA, Leonardo Costa de (org.) Observações sobre os sistemas processuais penais (escritos do Prof. jacinto Nelson de Miranda Coutinho; 1). Curitiba: Observatório da Mentalidade Inquisitória, 2018, p. 63-78.

[4] GOLDSCHMIDT, James. Derecho, Derecho Penal y Proceso. III El proceso como situación jurídica. Jacobo López Barja de Quiroga (trad). Marcial Pons, Madrid, 2015.

[5] GOLDSCHMIDT, James. Derecho, derecho penal y processo. III El processo como situación jurídica, una crítica al pensamento procesal. Marcial Pons. 2015. p, 276.

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