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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

16
Set23

Por que o Brasil esconde as fotos dos mortos por mercúrio e a mineração e o tráfico de ouro?

Talis Andrade

Banco Central no Governo Bolsonaro comprou escondido quantas toneladas de ouro? Quantas toneladas de mercúrio o Brasil consome ilegalmente?

O governo de Jair Bolsonaro, com seu ministro vaqueiro da morte Ricardo Salles, na passagem da boiada, derrubou florestas, acendeu coivaras, e evenenou os rios da Amazônia, liberando o tráfico de ouro (que Roberto Campos Neto comprou toneladas), o tráfico de pedras preciosas, o contrabando de produtos florestais, o contrabando das riquezas preservadas nas reservas indígenas, deixando os rastros de cinzas do fogo na capoeira alta, e as marcas das covas rasas dos índios mortos por balas ou sangrados pelos golpes de facão dos capangas dos grileiros de terras, dos madeireiros, e dos corpos apodrecidos em vida, por beber a água ou comer os frutos dos rios envenenados pelo mercúrio usado pelos garimpeiros.

Os ladrões do ouro brasileiro escondem as mortes por mercúrio, as imagens horrendas dos corpos mutilados pelo mercúrio, corpos mais monstruosos que os corpos de leprosos. Vide um filme recente "Minamata", para se ter uma idéia do horror e dor e demorada tortura de um envenenado pelo mercúrio de Bolsonaro e seus ministros, de Ricardo Salles e seus capangas. 

Por que a mídia e o governo federal e os governos estaduais da Amazônia escondem as aldeias indígenas, e as comunidades ribeirinhas que continuam sendo envenenadas por mercúrio? E mais: quantas toneladas de ouro o Brasil traficará este ano de 2023?

O Brasil produziu mais de 52 toneladas de ouro com vestígios de ilegalidade em 2021, um aumento de 25% em comparação com 2020, representando um novo recorde no país, de acordo com um estudo divulgado pelo Instituto Escolhas

Falta divulgar a produção em 2022.

Por que o mercúrio ainda é uma ameaça à saúde humana e planetária?

por Unep

Todas as pessoas estão expostas ao mercúrio a um certo nível — seja pela comida que comemos, pelo ar que respiramos ou pelos cosméticos que utilizamos. A inalação ou ingestão de grandes quantidades de mercúrio, no entanto, pode resultar em sérias consequências neurológicas. Os sintomas podem incluir tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza muscular e — em casos extremos — morte.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), dois grupos são especialmente vulneráveis: fetos, cujas mães têm altos níveis de mercúrio em seu sangue, e populações que são frequentemente expostas a altos níveis de mercúrio, como pescadores de subsistência.

A fim de enfrentar este desafio global, representantes de governos, entidades das Nações Unidas, academia e sociedade civil se uniram durante a quarta reunião da Conferência das Partes para a Convenção de Minamata sobre Mercúrio

Durante o encontro, que aconteceu entre 21 e 25 de março em Bali, na Indonésia, as representações discutiram questões sensíveis fundamentais como a estrutura para avaliar a eficácia da Convenção, a lista de eliminação gradual de produtos que contêm mercúrio, e como lidar com os impactos do mercúrio na saúde.

O nome da Convenção tem origem na baía japonesa onde, em meados do século XX, o esgoto contaminado por mercúrio resultante das indústrias envenenou milhares de pessoas, causando problemas de saúde graves que ficaram conhecidos como o “Mal de Minamata”. Desde que entrou em vigor em 2017, a Convenção tem como objetivo controlar o fornecimento e o mercado de mercúrio, reduzir o uso, a emissão e a descarga deste elemento, sensibilizar as pessoas e promover a capacitação institucional necessária. Em 2017 ocorreu a primeira reunião e, atualmente, conta com 137 partes.

Embora os níveis de mercúrio possam ser medidos com amostras de sangue, cabelo ou urina; aqui estão algumas formas de exposição diária dos seres humanos a esse elemento:

Consumo de peixe

 

Fish being tested for mercury.
Um pesquisador mede os frutos do mar para detectar a presença de metais como o mercúrio e o chumbo. Foto: Shutterstock

 

Os frutos do mar são a principal fonte de proteína para mais de três bilhões de pessoas em todo o mundo. Como o mercúrio se "bio-acumula" na cadeia alimentar, peixes maiores como tubarão, espadarte, atum e espadim tendem a ser especialmente ricos em mercúrio. As pessoas que consomem quantidades muito altas de frutos do mar podem ser expostas a altos níveis de metilmercúrio, um composto orgânico que se acumula nos corpos dos peixes.

O envenenamento por mercúrio proveniente do consumo de animais marinhos tem sido visto entre grupos indígenas em muitas partes do mundo, especialmente no Ártico. O consumo per capita de frutos do mar nessas comunidades pode ser até 15 vezes maior do que em grupos não indígenas, de acordo com a Avaliação Global do Mercúrio de 2018 (Global Mercury Assessment 2018, em inglês) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Cosméticos

 

 
Seven cosmetic bottles
Os cosméticos estão repletos de materiais potencialmente perigosos, incluindo microplásticos e mercúrio. Foto: Unsplash / Elizabeth Favara

 

O mercúrio também pode ser encontrado em produtos de beleza, particularmente em cremes para clarear a pele, mas também em produtos de maquiagem e de limpeza dos olhos. Enquanto muitos países impuseram leis proibindo o mercúrio dos cosméticos, outros ainda não o fizeram, onde produtos que contêm mercúrio ainda são encontrados nos principais varejistas on-line. Os consumidores que procuram evitar o elemento tóxico devem comprar produtos de fornecedores confiáveis e garantir que estejam devidamente selados e rotulados. A Organização Mundial da Saúde oferece mais informações sobre o tema.

Mineração em pequena escala

 

A couple mine for gold in Indoneisa
Garimpeiros de ouro em pequena escala no Rio Cisero, Java Ocidental, Indonésia. Foto: Reuters / Dika Fadilah

 

Os trabalhadores de garimpos artesanais e de pequena escala usam regularmente mercúrio para ajudá-los a separar o ouro de outros materiais, e a maior parte desse mercúrio acaba no meio ambiente. Em 2015, de acordo com a Avaliação Global do Mercúrio de 2018, o garimpo artesanal e em pequena escala lançou cerca de 800 toneladas de mercúrio no ar, aproximadamente 38% do total global, e cerca de 1.200 toneladas na terra e na água. O envenenamento por mercúrio também representa uma ameaça grave e direta à saúde dos 12 a 15 milhões de pessoas que trabalham no setor em todo o mundo. A redução das emissões e liberações desse metal na mineração é um objetivo chave da Convenção Minamata, que exige que os países com extração de ouro em pequena escala produzam planos de ação nacionais para reduzir ou eliminar o mercúrio do setor.  

Queima de carvão

 

Steam rises from the towers of a coal power plant
Vapor sobe das torres de resfriamento de uma usina de carvão em Niederaussem, Alemanha. Foto: Reuters / Wolfgang Rattay

 

A queima de carvão não só contribui para a poluição do ar e a crise climática, mas também é uma grande fonte de emissões antropogênicas de mercúrio. A Avaliação Global do Mercúrio de 2018 concluiu que a queima de carvão e outras formas de combustão de combustíveis fósseis e biomassa foram responsáveis por cerca de 24% das emissões globais desse elemento. Embora o carvão contenha apenas pequenas concentrações, as pessoas tendem a queimá-lo em grandes volumes. À medida que a economia global cresce, também aumenta a queima de carvão para gerar energia. A boa notícia é que até 95% das liberações de mercúrio das usinas elétricas podem ser reduzidas por meio do melhor aproveitamento do carvão e das usinas, além do aperfeiçoamento dos sistemas de controle de outros poluentes.

Amálgama dentário

Há mais de cem anos, o mercúrio tem sido um dos principais ingredientes do amálgama dentário, a mistura que os dentistas usam para preencher as cavidades dos dentes. E embora o amálgama provavelmente represente apenas uma ameaça mínima para a saúde daqueles que andam com ela na boca, o uso do mercúrio também contribui para uma acumulação gradual do elemento tóxico em nosso meio ambiente. Para enfrentar este desafio, a Convenção de Minamata propõe nove medidas específicas para "reduzir gradualmente o uso de amálgama dentário" em todo o mundo. Os passos incluem o estabelecimento de objetivos nacionais para reduzir o uso, promovendo alternativas sem mercúrio e apoiando as melhores práticas no gerenciamento deste metal.

Para mais informações, visite o site da Convenção de Minamata, confira a Avaliação Global do Mercúrio de 2018 e saiba mais sobre os resultados da última Conferência das Partes.

03
Jul23

Chama Zequinha... maior amigo do posseiro Jassönio Costa Leite e abre porta do terrorista George Washington

Talis Andrade

genocidio amazonia morte índio.jpeg

 

Senador Zequinha Marinho abriu as portas do Congresso para George Washington e tem um quê de Silas Malafaia, Ricardo Salles e Flávio Bolsonaro - II

João Filho

Eleito senador na onda bolsonarista de 2018, Zequinha passou a ser visto por madeireiros, grileiros e garimpeiros da Amazônia como uma porta de acesso ao governo federal. Uma reportagem da Agência Pública reuniu relatos e documentos que mostram as movimentações de Zequinha junto ao governo federal para atender esses criminosos que atuam na região amazônica. “Chama o Zequinha” era uma frase repetida entre eles quando precisavam de uma ajudinha de cima. 

O senador atuou com especial apreço para retirar a proteção da terra indígena de Ituna Itatá, no Xingú, onde povos indígenas vivem isolados. Do seu gabinete saiu uma série de ofícios para órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da região. Por muito pouco Zequinha não conseguiu fazer com que a Funai retirasse a proteção da área. O órgão cogitou a possibilidade, mas se viu obrigado a voltar atrás depois da enorme repercussão internacional dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, que ocorreram justamente em uma terra indígena invadida por criminosos. 

De qualquer forma, os posseiros ocuparam parte dessas terras ilegalmente. O maior deles é Jassônio Costa Leite, considerado o maior grileiro de terras indígenas da Amazônia. Adivinha quem é seu amigo particular? Sim, ele mesmo, o Zequinha. Segundo o Ibama, Jassônio é o líder dos invasores de terras indígenas, o “chefe do esquema criminoso”. É ele quem faz o loteamento e vende os terrenos invadidos. Em 2021, após ser alvo de uma operação de combate ao desmatamento do Ibama que o multou em R$ 105 milhões, o posseiro pediu ajuda para Zequinha – ele  gravou um vídeo ao seu lado chamando os servidores do órgão de “bandidos e malandros”. 

A revolta do senador está no fato do Ibama ter como prática queimar os equipamentos dos criminosos para que não sejam reutilizados em novos crimes. Poucos dias após o encontro entre Zequinha e Jassônio, o então ministro Ricardo Salles exonerou os diretores de fiscalização do órgão. Como disse um dos servidores exonerados ouvido pela Agência Pública, “Na queda de braço entre ele [o senador do Phodemos] e os fiscais, mesmo os mais antigos, Zequinha sempre sai ganhando”.

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Em discurso no Senado, Zequinha abusou das mentiras sobre os povos da região: “não é uma terra indígena, é uma área de pretensão indígena. E o pior: não há índio lá, nem isolado, nem reconhecido por ninguém”. Zequinha faz questão de ignorar os mais de 30 anos de dados coletados por indigenistas ligados à Funai, que atestam a existência de povos indígenas em isolamento na região. A falsa narrativa é usada para justificar as ações predatórias na área indígena. A luta do senador pelo domínio da região deu resultado: 84% do desmatamento de Ituna-Itatá aconteceu justamente durante os 3 primeiros anos de mandato de Zequinha (continua)

Delegado da PF, Alexandre Saraiva, lista políticos ligados a Máfia da Amazônia, chamados de Banca de Marginais, entre eles: Zequinha Marinho, Carla Zambelli, Jorginho Melo, Mário Motta. O delegado também acusa o Centrão de Lira e Cia de ser financiado por essa Máfia.

No mesmo dia que é celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente, este 5 de junho também marca um ano da morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. As vítimas desapareceram durante uma navegação no Amazonas e foram encontrados dez dias depois, mortos. 

De acordo com a PF, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, confessou o crime e indicou às autoridades onde havia enterrado os corpos, bem como ocultado a lancha em que viajavam Pereira e Phillips. A pergunta que muitos se fazem agora é: por qual razão Pelado assassinou Bruno e Dom? O repórter Vinicius Sassine explica que a resposta pode estar relacionada a outros crimes registrados na Amazônia: caça e pesca ilegal, grilagem e narcotráfico.

 
 
07
Jun23

Quem defende a infância indígena?

Talis Andrade
 

MÁRCIA VAICOMEM VEI-TCHÁ TEIÊ COM A FILHA SOFHYA KOZIKLA PRIPRA, EM FRENTE À RÉPLICA DA CASA SUBTERRÂNEA USADA ANTIGAMENTE PELOS XOKLENG PARA SUPORTAR O FRIO NA ALDEIA BUGIO, EM JOSÉ BOITEUX. FOTO: DANIEL CONZI/SUMAÚMA

 

Diário de Guerra

O marco temporal: das crianças espetadas em facas ao racismo do governo de Santa Catarina -II

 

POR ÂNGELA BASTOS /SUMAÚMA

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(Continuação) A tensão que antecede o julgamento do marco temporal no Supremo atinge até a comunidade escolar. A preocupação cresceu depois que circulou um vídeo protagonizado por lideranças políticas e agricultores da região que falam em “banho de sangue” e “guerra civil” caso os “capas pretas” (os ministros do Supremo) só olhem para os interesses dos indígenas. Narrado pelo deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC), o vídeo ressalta a importância da “propriedade privada” e das escrituras emitidas a quem comprou a terra, dizendo ser “muito ruim quando a história da gente é jogada na lata de lixo”. O deputado em nenhum momento menciona o que foi feito com o passado ancestral dos Xokleng e a relação deles com a terra, alguns milênios antes da vinda dos imigrantes europeus. Ele encerra afirmando que, se o STF cometer essa “injustiça” (contra o marco temporal), isso será corrigido com “sangue derramado”.

 Terrorismo golpista e racista, Pezenti ameaça derramar sangue indígena

 

Para não espalhar o pânico, as lideranças pediram aos indígenas que não compartilhassem o conteúdo. Mesmo assim, muitos tiveram acesso a ele. Os professores temem represálias e cogitam a antecipação para 5 de julho das férias marcadas para o dia 15 de julho.

Preocupa especialmente a situação dos alunos da educação infantil, que precisam sair dos limites da terra indígena. Todos os dias, a partir das 6 horas, o ônibus com os alunos percorre a estrada que passa por área de agricultores em conflito. Com a invasão de uma creche em Blumenau, em 5 de abril, e o assassinato de quatro crianças, a segurança foi reforçada nas escolas da rede pública estadual. Esse é o caso da Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ, na aldeia Plipatõl, onde vigias se revezam e cones foram colocados no acesso principal. Ninguém entra sem ser identificado.

Mesmo assim, os educadores indígenas estão com medo. “A nossa briga não é contra os agricultores, que também são vítimas do Estado, que vendeu terras que não eram dele, mas a gente sabe que em situações assim as crianças ficam sempre mais vulneráveis”, diz a vice-cacica Jussara Reis dos Santos, 37 anos, filha de mãe Xokleng e de pai descendente de imigrante europeu.

Entre as mulheres, especialmente, a preocupação é maior. Assustadas, algumas pedem para não ser identificadas. “No campo, todo mundo tem arma em casa. A gente sempre enfrentou preconceito pela nossa condição de vida, mas a relação com os vizinhos era normal”, conta uma Xokleng. “Com o marco temporal ficou pior, e nós, as mães, temos medo porque tem muito registro [de armas] de caçadores [Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores, os CACs].” A fala reflete o temor das mulheres às consequências da política do governo Bolsonaro de incentivo ao porte de armas em todo o Brasil.

AULAS DE ARTESANATO NA ESCOLA INDÍGENA ALDEIA BUGIO, EM DR. PEDRINHO. FOTO: DANIEL CONZI/SUMAÚMA

 

Pelos menos 150 Xokleng devem acompanhar a votação nesta quarta-feira em Brasília. Um quarto ônibus parte de Florianópolis com estudantes indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina. Nas aldeias, a vontade de participar desse momento histórico é grande. Tanto que cada um dos nove caciques teve que indicar quem faria parte da comitiva. De acordo com Tucum Gakran, cacique-presidente, a incerteza sobre o que vai acontecer em 7 de junho foi considerada. “Não se pode deixar a comunidade desguarnecida, e isso pode acontecer caso a votação se prolongue por alguns dias. Nós encaminhamos ofício ao Ministério Público Federal e ao Ministério dos Povos Indígenas pedindo o envio de policiais federais”, explica ele, que é morador da aldeia Coqueiro. Com relação à antecipação das férias escolares, o cacique disse que a ideia não deve avançar, pois seria necessário encaminhar um pedido formal à Secretaria de Estado da Educação. “O governo de Santa Catarina não está do nosso lado. Além da ação que deu origem ao marco temporal, o atual governador, Jorginho Mello [PL], tem feito forte pressão em Brasília contra a causa Xokleng. Temos professores concursados e tememos que também sofram alguma perseguição”, prevê Tucum.

05
Mai23

Qual é o real propósito da CPI do MST em investigar o movimento?

Talis Andrade
 
 
 
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Possível relator, Ricardo Salles ( o passa a boiada ) afirmou que se deve tratar o MST com "tolerância zero" em campanha para deputado federal em 2018

 

por Camila Bezerra /Jornal GGN

Se aprovada (e provavelmente vai), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) deve gerar bastante disputa ideológica na Câmara dos Deputados pelos próximos meses.

Isso porque a comissão, que deve somar 27 membros titulares e outros 27 suplentes, será composta apenas por deputados federais, cuja bancada é, em sua maioria, favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Apenas o Partido Liberal (PL), sigla do ex-mandatário, elegeu 99 das 513 cadeiras da Casa na última eleição.

Relator

Deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP) é o nome favorito à presidência da CPI do MST.

À imprensa, Salles afirmou que a CPI convocará os líderes de todos os estados para depor e, depois, que “irá fazer o caminho do dinheiro”, a fim de identificar os “financiadores” do movimento.

Salles defende ainda a discussão sobre a regularização fundiária do País, para tratar questões como terras indígenas, unidades de conservação, assentamento do Incra, entre outros.

 

Polêmicas

 

Ligado aos ruralistas, Salles, no entanto, tem um longo histórico de polêmicas que deveriam ser considerados antes da definição do seu nome como relator da CPI do MST.

Em 2018, enquanto candidato à Câmara, o ex-ministro pregava “tolerância zero contra o MST”, além de fazer alusões a armas de fogo e munições em um dos panfletos de campanha.

Este ano, o agora parlamentar afirmou que o MST “se disfarça de ONG para encher o bolso de dinheiro”, e que o objetivo de uma comissão seria investigar supostas ações terroristas dos trabalhadores, a quem descreve como bandidos e picaretas

 

Conflito de interesses?

 

Sócio de um empresário do agronegócio, Ricardo Salles negou ao Globo que ser presidente da CPI traria conflito de interesses, pois ele se compromete a técnica enquanto relator.

“Eu sou um dos que mais conhece o assunto na Casa e me comprometi com o presidente Arthur Lira e demais líderes a fazermos um trabalho sóbrio, respeitoso e técnico. Não haverá pirotecnia”, disse.

 

Alternativa

 

Quem também pode assumir a presidência da comissão é Luciano Zucco (Republicanos-RS), investigado pela Polícia Civil por incentivar atos antidemocráticos de bolsonaristas.

O parlamentar postou no Instagram uma foto de um ato antidemocrático em frente ao Comando Militar do Sul. O domumento da Polícia Civil foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Tiro no pé

 

Nesta terça-feira (2), o grupo de advogados, juristas e defensores públicos Prerrogativas informou que os trabalhadores convocados para depor na CPI terão assessoria jurídica.

Coordenador do grupo, o advogado Marco Aurélio de Carvalho está confiante com os resultados da CPI, pois acredita que a visibilidade e as discussões em torno do trabalho do MST serão uma oportunidade de desmistificar a ideia sobre o movimento dos trabalhadores e ainda de dar visibilidade às ações do MST.

“Não tenho dúvidas de que essa CPI será um tiro no pé da oposição. O MST mostrará ao país a importância da reforma agrária e da função social da propriedade. O MST tem a nossa solidariedade, a nossa admiração, o nosso respeito e o nosso irrestrito apoio”, disse Carvalho ao jornal Folha de São Paulo.

João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, disse em entrevista ao Brasil de Fato que a CPI não tem um fato pré-determinado.

“O MST não tem convênio com o governo em nenhum estado. O movimento já demonstrou que é uma organização que produz alimentos saudáveis e por isso queremos essa reunião com o Lira para fazer um bom debate sobre o assunto”, continuou Rodrigues.

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05
Mai23

Supremo referenda suspensão da presunção de boa-fé na compra de ouro

Talis Andrade
 
 
 
Nani Humor: A GALINHA DOS OVOS DE OURO
 
 
 
Brasil rico em jazidas compra ouro de países revendedores
 
 

Conjur - Considerando que a norma vigente não é coerente com o dever de proteção ao meio ambiente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou uma liminar deferida pelo ministro Gilmar Mendes para suspender a regra que presume a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica que o adquiriu.

O colegiado também confirmou o prazo de 90 dias para que o Poder Executivo adote novo marco normativo para fiscalização do comércio de ouro e medidas que impeçam a aquisição do material extraído de áreas de proteção ambiental e de terras indígenas. A decisão unânime foi tomada na sessão virtual finalizada na terça-feira (2/5).

A medida cautelar foi deferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.273, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade; e 7.345, de autoria do Partido Verde (PV). As legendas questionaram a validade do parágrafo 4º do artigo 39 da Lei 12.844/2013, que alterou o processo de comercialização de ouro no Brasil, visando a simplificá-lo.

Para os partidos, o dispositivo reduziu as responsabilidades das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), únicas autorizadas pelo Banco Central a adquirir e revender o ouro proveniente de garimpos da região da Amazônia, com base exclusivamente nas informações prestadas pelos vendedores.

Ao votar pelo referendo da liminar, o ministro Gilmar Mendes lembrou que, por mais que tenha sido pensado para o garimpo legal, o novo mecanismo faz parte de uma realidade complexa, que se mistura a costumes e práticas ilegais em regiões de difícil fiscalização, como áreas de proteção ambiental e terras indígenas.

Para o ministro, a norma não é coerente com o dever de proteção ao meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal), e a simplificação do processo permitiu a expansão do comércio ilegal, fortalecendo o garimpo feito fora da lei, o desmatamento, a contaminação de rios e a violência nas regiões de extração do ouro, chegando a atingir os povos indígenas das áreas afetadas. Gilmar destacou que as alegações dos partidos foram corroboradas pelo governo federal em informações apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Ainda segundo o relator, o garimpo ilegal abre caminho para outros crimes, contribuindo para a insegurança na região. "É preciso que esse consórcio espúrio, formado entre garimpo e organizações criminosas, seja o quanto antes paralisado", concluiu. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do relator.

O Brasil prende maconheiro com a maconha do tráfico. Jamais conseguiu uma pepita do garimpo ilegal de ouro que desmata a floresta e envenena os rios com mercúrio. A lava jato começou com a prisão de um traficante de pedras preciosas que tinha um posto de lava-jato em Brasília como biombo

 

30
Abr23

MST invade as terras dos quilombolas? As terras dos povos indígenas?

Talis Andrade
 
 

Moradores de Alcântara, no Maranhão, pedem a saída das Forças Armadas do local. Foto: Mabe Alcântara

 

QUILOMBOLA EMPREENDE E PERDE TERRA POR FORÇAS ARMADAS JULGAREM AÇÃO MODERNA DEMAIS PARA COMUNIDADE TRADICIONAL

Militares derrubaram restaurante no Maranhão, alegando que dono 'enriquecia às custas' da União com empreendimento que beneficiava a comunidade.

O corpo indígena chama mais atenção segurando um celular do que sequestrado, estuprado e morto – Woia Xokleng 

Eu li essa frase há algum tempo no Twitter, no contexto do desaparecimento dos Yanomami, e nunca mais a esqueci. Ela é a definição exemplar de uma sociedade que continua a cobrar comunidades como as indígenas e quilombolas a manter suas tradições quando vivem o mesmo desemprego, acesso precário ao sistema de saúde, violência, insegurança alimentar, uso necessário de tecnologias, etc. que o resto de nós. Isso é racista e se refere especialmente a indígenas e comunidades tradicionais de todo o país, como as quilombolas. Para muita gente, elas só são “autênticas” se aparecem com arco e flecha ou vivendo em palhoças, comendo farinha para sobreviver. 

Essa percepção discriminatória atravessa todo o pedido de reintegração de posse número 1003280-80.2022.4.01.3700, no qual a Força Aérea Brasileira, a FAB, via Advocacia-Geral da União, a AGU, solicita que uma área de aproximadamente 12,5 mil metros quadrados em Alcântara, no Maranhão, seja “devolvida” aos militares. A cidade é um dos maiores territórios quilombolas do Brasil, com cerca de 200 comunidades.

As aspas acima têm uma razão: a área em questão já foi reconhecida como território quilombola. Falta apenas a titulação. Voltarei ao assunto.

O pedido feito pelos militares do Centro de Lançamento de Alcântara, a CLA, foi motivado pela presença de um restaurante construído na casa de Moisés Costa Santos, de 36 anos, morador da área quilombola de Vista Alegre, onde vivem cinquenta famílias, em uma terra em disputa judicial. Ele começou a organizar o negócio no começo de 2020, prevendo o período difícil da pandemia, e passou a expandi-lo  conforme as medidas de distanciamento foram diminuindo. Deu certo: Vista Alegre está localizada em uma das praias mais bonitas de Alcântara, e o fluxo de visitantes ajudou Moisés e outros moradores que trabalhavam no restaurante Vista del Mar a sobreviver. 

Moisés levantou um galpão e alguns quiosques e passou a divulgar o negócio nas redes sociais. Hoje, suas postagens no Instagram e no Facebook são usadas contra ele e constam no pedido de despejo feito pelos militares. Eles já foram devidamente atendidos: em 29 de março, as Forças Armadas e o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegaram ao local com bombas de efeito moral e balas de borracha, concentrando um helicóptero e cerca de 50 viaturas, segundo moradores. Uma das balas atingiu o rosto de uma criança, sobrinha de Moisés. De acordo com os quilombolas, duas casas, o restaurante e dois quiosques foram derrubados.  

Foto: Quilombolas de Vista Alegre

 

“Era um um pequeno restaurante de um morador, nascido e criado aqui. Sua utilização e gestão eram feitas por toda a comunidade. Não tem nada que nos impeça de ser empresários. Achar que quilombola não pode ser empreendedor é tão racista quanto nos negar a terra“, afirmou o cientista político Danilo Serejo, também de Alcântara. Serejo chama atenção para o que chama de aparato de guerra movimentado para o despejo. “A comunidade fica em área estratégica, em uma das melhores praias. Aí, o estado mobiliza toda essa força, a Polícia Federal, a Polícia Militar e até a polícia da Aeronáutica. Foi um poder de ação que extrapolou os limites do restaurante. A reação se deu não só em proteção ao dono do empreendimento, mas de um negócio que beneficiava toda a comunidade”.

Desde que começou a expandir o restaurante, Moisés conta que passou a sofrer pressão do CLA, que primeiro pediu um alvará de funcionamento da empresa, e, posteriormente, a desocupação do imóvel. “Achamos que a gente deveria expandir e vender comida para ganhar um dinheiro, porque a vida aqui não é fácil só com a pesca e a lavoura”, disse ele a Fernanda Rosário, do Alma Preta. Com a pressão dos militares, que fotografaram constantemente o Vista del Mar, ele decidiu fechar o empreendimento ano passado. Ou seja, o próprio objeto da ação judicial já não existia e, mesmo assim, o pedido dos militares foi atendido pela AGU e executado pela força repressiva.

“O atual conceito de comunidade quilombola não pode se referir a um passado colonial, quando nosso povo esteve à margem da sociedade, de direitos e de políticas públicas. O que nos caracteriza como quilombo é nossa relação ancestral com a terra e território, nosso modo de fazer, de criar e nossa cultura, que também muda. Além disso, temos direito a conforto e a bens de consumo. Pobreza e miséria não fazem parte da nossa vida, nem trajetória”, defendeu Serejo.

Derrubada após pedido de reintegração de posse das Forças Armadas. Foto: Mabe Alcântara

Braço inimigo

A ação espetaculosa é o caso mais recente de uma disputa que se prolonga há décadas. A Fundação Palmares reconheceu a área em 2004, e um relatório técnico de identificação e delimitação, nunca contestado pelo governo, foi publicado no Diário Oficial da União em 4 de novembro de 2008. No entanto, a titulação, processo último desse reconhecimento, nunca chegou. É um dos muitos fatos que comprovam a tensa relação entre os governos petistas e as Forças Armadas

A última tem especial interesse na expansão da base implantada em 1980 e que, com perdão pelo trocadilho, nunca decolou: uma das saídas  para tornar a própria base viável economicamente é realizar acordos bilaterais com outros países, como já aconteceu com os EUA, país que pode “alugar” a estrutura para realizar o lançamento de satélites. O projeto do uso bipartido, que não foi discutido com a população local, foi aprovado no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2019. 

Pois é: as Forças Armadas podem “diversificar o negócio” e procurar mais dinheiro para manter o funcionamento do seu projeto em Alcântara. Mas quem sempre viveu lá e também deseja outros meios de sobrevivência, não.

A obtenção de lucro por parte da comunidade quilombola, em especial por Moisés, é criticada no documento enviado pelos militares para a AGU, no qual pedem ressarcimento referente ao período em que o restaurante funcionou e falam em “enriquecimento sem causa às custas da União“. [Com o dinheiro faturado pelo restaurante vão lançar o primeiro foguete brasileiro...]

“A reparação integral do dano na presente situação ainda deve incluir o pagamento de contraprestação pelo uso do bem público, pois acaso o imóvel houvesse sido disponibilizado regularmente à exploração por particulares, necessariamente teria que estar sujeito a uma contraprestação, em especial porque se trataria da concessão para fins de exploração comercial por agente privado”, afirmou um trecho do documento. 

Para isso, pedem na justiça que a Receita Federal do Brasil informe o lucro declarado pela empresa desde maio de 2020 e o pagamento de uma multa de R$ 20 mil. Sim, a mesma entidade que gastou verba federal destinada ao combate da covid-19 com picanha e salgadinho, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, quer ser ressarcida pelo uso de uma área sob judice. Também expressa que a tentativa de Moisés de melhorar as condições de sua vida e a da sua família são “sem causa”.

No documento enviado para a AGU, consta que o imóvel pertence à Aeronáutica, tendo sido desapropriado para a base de lançamentos. De fato, como vemos abaixo, uma decisão judicial desapropriou em 2005 uma área que pertencia ao espólio dos antigos moradores Raimundo Neto, Francisco da Silva e Raimundo Teixeira, passando-a para a União. O dia não poderia ser mais simbólico: 20 de novembro, que marca a memória de Zumbi dos Palmares.

Essa desapropriação, no entanto, é anterior à divulgação do relatório técnico publicado no Diário Oficial e aconteceu um ano após o reconhecimento da terra quilombola pela Fundação Palmares. “O CLA, por meio da AGU, aproveitou essa brecha de haver um empreendimento privado para entrar com a ação e agredir a comunidade”, criticou Danilo Serejo, que representa na justiça o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara. Foi o juiz federal Clodomir Sebastião Reis, da Terceira Vara de Justiça de São Luiz, quem autorizou a reintegração de posse.

Casos na Corte Internacional

Nos dias 26 e 27 de abril, uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos vai se debruçar sobre a falta de emissão de títulos de propriedades de terras pelo estado brasileiro. O julgamento do Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasil reúne questões sobre violações em 152 propriedades desde a instalação da base aeroespacial: a expropriação de terras e territórios e a falta de recursos judiciais para remediar os conflitos integram a pauta. 

A falta de titulação, por exemplo, expõe continuamente comunidades há muito retiradas de seus territórios à insegurança: para a construção da base, 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas foram declarados de “utilidade pública”. As famílias foram reassentadas nas chamadas agrovilas. Sete delas foram criadas longe do mar, dificultando uma das atividades básicas de sustento e da economia local: a pesca.

“A Força Aérea Brasileira, especialmente o CLA, nunca respeitou nossa posse ancestral e atuam o tempo todo para aviltar nossos direitos territoriais. Tentam a todo custo, com a anuência dolosa de diversos órgãos do estado e do sistema de justiça, roubar nossas terras” argumentou um trecho de uma notaassinada por diversas instituições representativas das comunidades quilombolas de Alcântara. 

Destruição cerca os quilombolas após ação da polícia. Foto: Mabe Alcântara

 

Os militares continuam acampados na região.  Apesar do forte bolsonarismo que demarca a CLA (é impossível esquecer que o ex-presidente se referia a quilombolas como animais), as entidades miram o fim das disputas judiciais no contexto do governo Lula. Mas a coisa não é simples.

“Nosso processo de regularização e titulação está pronto desde 2008. Não houve contestações, nem da União. Na época, Lula não titulou, porque se acovardou diante dos militares da Aeronáutica. O que explica isso também é o racismo, já que não titular nos deixa em permanente estado de insegurança jurídica. Espero que agora Lula não se acovarde novamente e titule nossas terras.”  

Há outros casos de quilombolas, inclusive evangélicos, denunciando os assédios sofridos.

Procurados, os ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial afirmaram que “repudiam o uso excessivo da força e as violações de direitos ocorridas em Alcântara” e que determinaram que se tomem “as medidas necessárias para acolhimento, identificação do número de pessoas afetadas e futuras reparações”, além de estarem em contato com órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Defensoria Pública do Maranhão e o Ministério Público Federal. 

Já a O CLA afirmou que a reintegração de posse foi feita “pelo oficial de justiça acompanhado de força policial, tendo em vista a resistência de cumprimento da decisão por parte do proprietário” e que não houve nessa ocasião, nem em seus 40 anos de existência qualquer confronto com a comunidade. “O relacionamento do CLA com as comunidades ao entorno é pacífico, sendo este o maior gerador de renda do município”, completou.

Atualização: 11 de abril, 10h24
Este texto foi atualizado com as respostas do CLA e dos ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial.

Transcrevo a reportagem de Fabiana Moraes para denunciar que a CPI do MST na Câmara dos Deputados não vai investigar as invasões nas terras dos quilombolas, povos indígenas, populações ribeirinhas, camponeses e trabalhadores rurais. É uma CPI para proteger a grilagem de terras promovida por empresas nacionais e estrangeiras, e bilionários e milionários brasileiros e dos cinco continentes do agronegócio, dos pecuaristas, das mineradoras, das madereiras, do contrabando internacional de produtos florestais, da riqueza das reservas indígenas, do ouro, das pedras preciosas, dos minérios estratégicos, e da grilagem de terras na Amazônia, grilagem que promove fogo nas florestas e envenena os rios com mercúrio. É a CPI dos ricos - das Bancadas do Boi, da Bala - contra os pobres. No mais, "enriquecimento às custas da União" aconteceu com a militarização do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello ministro, com os "coronéis da saúde", com os "coronéis da vacina", com o general Braga Neto coordenador do combate à covid.

04
Abr23

Visão da ditadura sobre Amazônia operou “totalmente” na gestão Bolsonaro

Talis Andrade

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Políticas do ex-governo Bolsonaro inspiradas nos militares deixaram floresta “mais desprotegida”

 

* “Segurança e desenvolvimento”, lema da ditadura, não foi abandonado
* Ameaças à Amazônia consideradas pelos militares “são suposições”

 


por Anna Beatriz Anjos /Agência Pública

O ideário que orientou as políticas para a Amazônia na ditadura militar, cujo golpe fundador está prestes a completar 59 anos, foi replicado por Jair Bolsonaro em seu governo, que deixou aflorar antigas teorias conspiratórias e fez com que a floresta ficasse mais desprotegida. Essa é a avaliação de Adriana Aparecida Marques, professora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora de questões relacionadas às Forças Armadas há mais de duas décadas. 

Marques alerta que, apesar da troca na presidência da República, se a Política Nacional de Defesa não for rediscutida, essa percepção militar em relação à floresta não mudará. “Nenhuma organização se autorreforma, ainda mais uma organização como a militar brasileira, que teve tanta autonomia e poder durante toda a nossa história republicana”, argumenta.

A professora explica também que a militarização dos órgãos de proteção ao meio ambiente e povos indígenas como Ibama, ICMBio e Funai e a realização de Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) contra o crime ambiental na Amazônia ocorridas sob Bolsonaro não são “uma coincidência” e refletem a ideia consolidada durante a ditadura de que “a ocupação militar é sinônimo de proteção e defesa” do bioma. “Já existia essa percepção [dos militares], mas ela não encontrava eco nos outros ministérios. A partir do momento em que isso passou a acontecer, a tragédia ocorreu”, afirma, citando o que aconteceu quando o Ministério do Meio Ambiente estava sob comando de Ricardo Salles (PL-SP), hoje deputado federal.

Marques – que estudou o pensamento militar sobre a Amazônia em sua tese de doutorado – diz ainda que, ao considerarem os povos indígenas e ONGs como ameaças à soberania nacional, além de cultivarem uma crença de que há uma cobiça de outros países sobre a floresta, os militares deixam de encarar os verdadeiros problemas. 

“O que os militares consideram como ameaças são meras suposições”, diz. “Agora, a tragédia Yanomami, os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips [indigenista e jornalista britânico mortos em junho de 2022 no Vale do Javari, no Amazonas], a devastação ambiental, temos evidências empíricas sobre isso [de que há ameaças reais na região], e é com base nisso que as pessoas discutem”, aponta. 

A especialista indica o enfraquecimento da diplomacia ambiental do Brasil e das relações com os demais países amazônicos como resultado das políticas inspiradas nos militares que deixaram a Amazônia em situação mais vulnerável nos últimos anos. “Havia uma cooperação que vinha se intensificando entre o Brasil e outros países amazônicos principalmente nessa área de defesa clássica, mas também em relação a crimes transnacionais, e isso tudo foi deixado de lado”, destaca. “A diplomacia não atuou, o Ministério do Meio Ambiente não atuou. Foi um caldeirão de questões que levaram à tragédia que a gente viu.”

 

Anna Beatriz Anjos entrevista Adriana Aparecida Marques

 

Adriana Marques (Foto: Fronteiras)

A ditadura militar foi marcada pela entrega de terras da Amazônia à ocupação por fazendeiros e empresas e a construção, por exemplo, de grandes obras e estradas, como a Transamazônica. Qual a relação dessas medidas com o pensamento militar da época sobre a floresta?

Os grandes projetos para a Amazônia da época da ditadura militar, na verdade, expressam uma visão em relação à Amazônia que é a anterior à ditadura, mas que foi implementada com mais energia durante esse período. A ideia da Amazônia como um espaço vazio que precisa ser ocupado e desenvolvido existe desde o começo do século XX e é forte no imaginário das elites políticas brasileiras. Isso ganha mais impulso principalmente a partir do governo Getúlio Vargas, porque essa visão de integração nacional foi incorporada pelo pensamento geopolítico brasileiro, que nas primeiras décadas do século XX até a década de 1980 foi produzido basicamente por militares do Exército. Então se consolidou nas Forças Armadas uma visão sobre a Amazônia que coincidia com a visão das elites, às vezes das próprias elites amazônicas.

Tem figuras como o Arthur César Ferreira Reis, um político amazônida que escreveu o livro “A Amazônia e a Cobiça Internacional”, lançado em 1960, que teve cinco edições. Seria anacrônica se dissesse que o livro apresenta fake news, porque esse é um termo que usamos agora, mas é um apanhado de teorias da conspiração. A cada nova edição, o autor ia colocando um novo capítulo sobre [supostas] tentativas de estrangeiros de se apossar da Amazônia, e com base nesses argumentos, ele defendia o desenvolvimento econômico da região, o que envolve a adequação dos povos indígenas que vivem ali à civilização ocidental. Então isso não é uma particularidade da ditadura, tanto que o Arthur César Ferreira Reis foi governador do Amazonas na década de 1960. Mas é claro que a ditadura reforça isso, e mesmo depois dela [essa visão persiste]. Por exemplo, o projeto Calha Norte [criado em 1985 na região amazônica para manter a soberania nacional e mantido até hoje pelo Ministério da Defesa] guarda semelhança com esses grandes projetos, na verdade ele é o último dos grandes projetos para a ocupação da Amazônia, mas que começa a ser implementado já no processo de redemocratização. De fato, tem uma perenidade muito grande na visão, em particular do Exército, em relação à Amazônia, a gente viu o quanto isso influenciou o último governo.

A política do governo Bolsonaro para a Amazônia tentava desmontar as políticas públicas construídas durante a Nova República. Depois da ditadura, no governo Sarney, até por conta da repercussão internacional [das altas taxas de desmatamento nos anos 1980], o Brasil começa a adotar algumas políticas ambientais visando à proteção da floresta, e isso se intensificou a partir do governo Fernando Henrique Cardoso e principalmente dos governos do PT. Houve um retrocesso muito grande já perceptível durante o governo Temer que se intensifica no governo Bolsonaro com as consequências que todos sabemos.

 

Como podemos sentir os efeitos dessas políticas até hoje?

O slogan de “integrar para não entregar” está na base da ideia de que existe uma cobiça internacional em relação à região pelos países desenvolvidos. Os Estados Unidos às vezes entram nessa equação, às vezes saem. Eram o vilão, por exemplo, no começo dos anos 2000, mas não no governo Bolsonaro, quando os grandes vilões foram a França e os países europeus junto à China. Os vilões vão mudando, mas a ideia subjacente é de que tem que haver o desenvolvimento econômico e a integração da região via grandes estradas para garantir seu pertencimento ao restante do país. Também há uma visão muito desconfiada em relação aos povos indígenas de que, por tentarem preservar sua cultura, não seriam patriotas e não teriam compromisso com o país, como se isso estivesse vinculado ao fato de usar calça jeans, camiseta, cantar o hino nacional. É uma visão muito estigmatizada do que é ter amor e pertencimento ao país. Dizer que a Amazônia é despovoada é uma maneira de invisibilizar – e isso é um apagamento proposital – a ocupação da região por povos indígenas há milhares de anos. A Amazônia nunca foi um espaço vazio, sempre esteve ocupada pelos povos indígenas, mas eles têm uma outra relação com a floresta, viveram durante milhares de anos na Amazônia em harmonia com a natureza, não precisaram destruí-la para viver ali. Os povos indígenas são vistos pelos militares como um entrave, um obstáculo [ao que entendem como] proteção da Amazônia. 

 

Entre os militares, sustenta-se a ideia de que os Yanomami seriam uma ameaça à soberania nacional por se identificarem como uma “nação”. Poderia explicar isso melhor, por favor?

Esse é o argumento contra a demarcação de terras indígenas. É um debate desde o começo da década de 1990 – a demarcação da Terra indígena Yanomami aconteceu em 1992. Dizia-se [nos meios militares] que iria se criar um enclave. E o mesmo argumento foi usado na questão da Terra Indígena Raposa Serra do Sol [homologada em 2005]. São dois casos muito emblemáticos, os argumentos não mudaram. Por exemplo, o general Heleno [ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, no governo Bolsonaro] é uma figura emblemática, era comandante militar da Amazônia na época da retirada dos ocupantes não indígenas da Raposa Serra do Sol [em 2007]. Ele teve um embate forte com o governo, falou publicamente contra a demarcação contínua. Eles até aceitavam que se demarcassem algumas ilhas, mas não que houvesse demarcação de forma contígua por conta do mesmo argumento de que iria se criar um enclave étnico ali em Roraima.


Quais as características do pensamento militar sobre a Amazônia hoje? Houve alguma mudança em relação às décadas anteriores?

Há a visão de que as organizações não governamentais na verdade estão a serviço das grandes potências. Que as ONGs de proteção ambiental, ao defenderem a demarcação de terras indígenas, têm a intenção de preservar o território para que, no futuro, outros países explorem as riquezas que ao Brasil não foi permitido explorar. Isso tudo é muito presente. Assim como o argumento de que “a Europa acabou com as suas florestas e quer que nós preservemos”. Como se o fato de ter que proteger a floresta fosse um limitador do potencial que o país teria para se desenvolver. Um exemplo recente que mostra de maneira muito cristalina o pensamento dos militares em relação à Amazônia é o documento “Projeto de Nação – o Brasil em 2035”, publicado pelos institutos General Villas Bôas e Sagres em fevereiro de 2022. O trecho dedicado à Amazônia inclusive está na parte sobre defesa nacional, e todas essas ideias cristalizadas estão presentes ali. É interessante porque ele foi produzido agora, durante o governo Bolsonaro – mandaram um questionário para todas as unidades militares e elas responderam. É um documento muito revelador do que pensam os militares dessa geração em relação à Amazônia.

 

Como o pensamento militar sobre a Amazônia se traduziu em ações durante o governo Bolsonaro?

A influência é total, tanto que os próprios órgãos de proteção ambiental e aos povos indígenas, como a Funai e o ICMBio, foram militarizados. Isso não é trivial, não é uma coincidência, é um projeto. A Amazônia é vista como um lugar para ser ocupado militarmente, e que isso é sinônimo de proteção e defesa da região. E militarizar não é só ter um número grande de unidades militares, o que é compreensível do ponto de vista de defesa da soberania, mas é colocar os militares como atores centrais da gestão da Amazônia. A Amazônia Legal é praticamente metade do território brasileiro, e os militares têm um poder enorme na região. A gente começa a ver isso na ditadura militar,  mas mesmo naquela época isso não era tão evidente, porque o movimento de criação de unidades militares na Amazônia se intensifica a partir do processo de redemocratização, principalmente na década de 1990.

Os militares desempenham, em sua visão, um papel de civilizadores, de conquistadores da Amazônia, são os novos bandeirantes. Acham que a estão desbravando e que são eles que a protegem. O projeto Calha Norte, por exemplo, que começou na calha norte do rio Amazonas e agora vai até o Mato Grosso do Sul, teve um impulso enorme no governo Bolsonaro. É um projeto de desenvolvimento regional, mas está alocado no Ministério da Defesa justamente por essa percepção de que desenvolvimento e segurança são binômios, inseparáveis. Além do “integrar para não entregar”, o outro lema da época da ditadura, “segurança e desenvolvimento”, não foi abandonado. É um lema central nos documentos de defesa escritos desde a década de 1990. Desde então, temos um deslocamento de unidades militares para a Amazônia, e no governo Bolsonaro vemos o movimento de militarização de órgãos que não eram militares.


A militarização da área ambiental sob Bolsonaro se deu também por meio do Conselho Nacional da Amazônia Legal – que de 2020 até o fim do governo foi liderado pelo general da reserva Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente da República e agora senador – e das operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) na Amazônia – Verde Brasil 1 e 2 e Sumaúma. Como você avalia essas medidas?

Os resultados do trabalho do Conselho equivalem aos resultados do trabalho da Casa Civil coordenando o enfrentamento à pandemia. A gente viu que não não teve resultado. O Brasil, a partir da década de 2010, usou as operações de Garantia da Lei e da Ordem rotineiramente para os grandes eventos e questões de segurança pública. Mas não tinham sido usadas até então para combater crimes ambientais. As GLOs ambientais são uma novidade que não deu certo, é só ver os índices [de desmatamento na Amazônia, que cresceram de 2019, quando a primeira GLO ambiental foi instituída, até 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais]. Na verdade, essas operações foram a solução rápida encontrada pelo fato de os órgãos de fiscalização ambiental terem sido desmontados. A resposta do governo Temer já era essa: quando aparecia algum problema, chamavam-se as Forças Armadas. O presidente Bolsonaro seguiu a mesma lógica. Ele militarizou o Ministério da Saúde e a questão ambiental. Militarizar era um projeto. Que os militares pensavam dessa maneira em relação à Amazônia, a gente já sabia, mas nunca havíamos tido um ministro do Meio Ambiente que trabalhava contra o meio ambiente. Já existia essa percepção [dos militares], mas ela não encontrava eco nos outros ministérios. A partir do momento em que isso passou a acontecer, a tragédia ocorreu. E aí depois novamente vêm os militares para tentar minimizar ou conter os danos de uma política ambiental que eles endossavam. As políticas [ambientais] implementadas durante o último governo eram consonantes com a visão que os militares tinham de como gerir a Amazônia. Isso podemos falar com bastante tranquilidade.


Nos registros das reuniões do Conselho Nacional da Amazônia Legal a que tivemos acesso via Lei de Acesso à Informação (leia mais), Mourão diz que “neste século 21, a questão da sustentabilidade é um dos fatores que influenciam a soberania”. De que maneira esse pensamento militar, que enxerga sustentabilidade e ONGs como ameaças à soberania nacional, contribuiu para que as verdadeiras ameaças à Amazônia não fossem combatidas nos últimos anos?

A Amazônia não é só brasileira, embora a maior porção da floresta esteja no Brasil. Compartilhamos o bioma com outros países sul-americanos. Qualquer questão ali só pode ser resolvida de forma cooperativa, tanto no nível doméstico como internacional. E isso se rompeu no último governo. O Brasil construiu uma reputação na agenda ambiental nos fóruns internacionais que garantia prestígio e voz ao país nos temas ambientais. O que foi  construído por todos os governos da Nova República até o governo Temer foi destruído, caiu como um castelo de cartas.

O primeiro discurso que o presidente Bolsonaro fez na [Assembleia Geral da] ONU, em 2019, já foi um indicativo de que o Brasil estava abandonando tudo que havia construído durante décadas. Recuperou-se a ideia de querer se retirar dos fóruns ambientais e retomar o discurso de que os países desenvolvidos querem limitar o nosso desenvolvimento ao mesmo tempo em que se criou tensão com os países vizinhos. Países, estes, que poderiam ser nossos parceiros nas fronteiras amazônicas, compartilhar informação e ajudar tanto na proteção da floresta e dos povos indígenas, como no combate aos ilícitos transnacionais e às redes criminosas que existem ali.

Quando o governo Temer resolveu se retirar da Unasul [União de Nações Sul-Americanas, organização formada por doze países da região, uma das consequências foi essa. Havia uma cooperação que vinha se intensificando entre o Brasil e outros países amazônicos principalmente na área de defesa clássica, mas também em relação a crimes transnacionais, e isso tudo foi deixado de lado. O governo Bolsonaro ainda adotou uma postura hostil com a Venezuela. A diplomacia não atuou, o Ministério do Meio Ambiente não atuou. Foi um caldeirão de questões que levaram à tragédia que a gente viu. As ameaças que os militares consideram são suposições.

Agora, a tragédia Yanomami, os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips [indigenista e jornalista britânico mortos em junho de 2022 no Vale do Javari, no Amazonas], a devastação ambiental, temos evidências empíricas sobre isso [de que há ameaças reais na região], e é com base nisso que as pessoas discutem, não vão discutir com base e em fake news e em teorias da conspiração. Tem outro fator que é uma novidade do último governo em relação aos anteriores: até o início do governo Bolsonaro, algumas missões religiosas [internacionais] eram vistas com desconfiança, inclusive pelas próprias Forças Armadas, como Meva [Missão Evangélica da Amazônia], Novas Tribos [do Brasil]. Esses grupos evangélicos não tinham permissão, por exemplo, para ter contato com povos isolados, essa dinâmica de evangelização dos povos indígenas estava em desuso, e essa barreira foi quebrada pelo governo Bolsonaro. Grupos que não tinham possibilidade de atuar na região encontraram ali as portas abertas. Isso era uma ameaça maior à Amazônia, para não falar das mineradoras e madeireiras. Se hoje a Amazônia está mais desprotegida, é por conta das ações e omissões do último governo. 


O governo Lula, em teoria, quer combater a militarização da administração pública que ocorreu sob Bolsonaro. Se isso se concretizar, qual será o lugar do pensamento militar em relação à Amazônia daqui para frente?

Se a Política Nacional de Defesa não for rediscutida, essas percepções não vão mudar, porque nenhuma organização se autorreforma, ainda mais uma organização como a militar brasileira, que teve tanta autonomia e poder durante toda a nossa história republicana. Me preocupa um pouco que, na fala das autoridades, não vemos a discussão sobre quais devem ser as tarefas desempenhadas pelos militares nos próximos anos – não sobre quais devem ser as missões, estas estão claramente colocadas na Constituição. No caso do Brasil, a oportunidade seria a revisão dos documentos de defesa. É nesses documentos que iriam se estabelecer as principais vulnerabilidades e ações a serem tomadas. Os militares poderiam ter ajudado muito mais no enfrentamento da crise Yanomami, mas [vem] essa ideia novamente de que a atuação militar na região é a panaceia. Acho que a gente tem que superar essa maneira de ver o papel dos militares, os outros órgãos têm que fazer o seu papel, e se cada um o fizer, os militares vão finalmente poder fazer o papel deles, que é justamente pensar a defesa nacional.

 

Como essa discussão deveria ser feita?

Tenho defendido a criação de uma conferência nacional de defesa nos moldes das conferências nacionais de saúde que acontecem desde a década de 1990. Para discutir as políticas públicas que depois o governo federal pode ou não implementar. Fala-se muito que a discussão sobre os currículos militares não pode ficar restrita aos militares, que eles não podem ter autonomia para discutir isso. Na verdade, eles não podem ter autonomia para definir a política de defesa. Aí, acho que a questão da Amazônia e dos povos indígenas tem um papel central, porque se a gente tivesse uma discussão franca que envolvesse, por exemplo, ambientalistas e lideranças indígenas, muitas dessas desconfianças e visão conspiratória que existem dentro da caserna seriam desfeitas. Dá para fazer, mas precisa ter vontade política. Mas não sei se existe vontade política. Não vejo muita nesse Ministério da Defesa. 

 

Nos últimos anos, vimos militares bolsonaristas – com destaque para o general da reserva Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército – aderindo ao negacionismo climático. Isso predomina nos meios militares? Por que o negacionismo climático tem se disseminado nesses ambientes?

Não tenho como dizer a extensão desse pensamento [entre os militares]. Na verdade, o negacionismo climático está associado a outros negacionismos, como o eleitoral e aquele relacionado à pandemia. É uma visão desconfiada e negativa em relação à ciência. Isso é uma novidade nos meios militares brasileiros, porque eles sempre estiveram muito vinculados a essa ideia do positivismo, a uma visão cientificista do mundo. No caso do general Villas Bôas e do general Heleno, vemos claramente que eles aderiram a essa agenda negacionista, mas isso está relacionado aos laços com a extrema direita global. Esse não é um fenômeno só do Brasil. A extrema direita teve uma inserção nos meios militares nos próprios Estados Unidos. Como é um fenômeno recente – não é que historicamente as Forças Armadas brasileiras foram negacionistas –, acho que isso pode ser revertido. Mas, novamente, não vai ser revertido sozinho, tem que ter ação e vontade política, políticas públicas voltadas para essa reversão. Isso de fato é uma questão muito grave. Tem parte dos militares brasileiros que não se vacinou. Quando aquele profissional que pagamos para pegar em armas e lutar para defender o país não está cuidando da sua própria saúde, a saúde dele não é uma questão individual. 

 

De que forma o conceito de globalismo se incorporou ao pensamento militar sobre a Amazônia nos últimos anos?

O pensamento globalista se moldou muito bem à visão que já existia entre militares em relação à região amazônica. Essa ideia de que existe um grande pacto globalista que quer suprimir a soberania nacional, eles já pensavam isso. É fato que essa teoria tem se disseminado [nos meios militares] e isso tem que ser revertido com política pública. Todos os países democráticos olham com muito cuidado a questão da ascensão da extrema direita, esse é um inimigo a ser combatido.

*Esta entrevista faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.

11
Mar23

Militares se recusam a corrigir 46 pistas de pouso que ajudariam no socorro aos ianomâmi

Talis Andrade
www.brasil247.com -
(Foto: FAB/7º/8º GAV - Esquadrão Hárpia)

 

AMAZÔNIA SEM LEI

Comandante do Estado-Maior militar disse à Funai que o pedido emergencial deveria ser tratado com outro órgão público


* Pedido caráter urgente foi dirigido pela Funai em 6 de fevereiro
* Almirante qualificou o pedido urgente da Funai como “consulta”

 

por Rubens Valente /Agência Pública

Um ofício do Ministério da Defesa obtido pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostra como o órgão se recusou a atender um pedido urgente feito pela presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Joênia Wapichana, que poderia agilizar o socorro de emergência e a distribuição de alimentos aos indígenas Yanomami em Roraima.

O MD argumentou que o pedido deveria ser direcionado a outro órgão do governo, a Secretaria Nacional de Aviação Civil, que é vinculado a outro ministério, o de Portos e Aeroportos. Em resumo, disse que é um assunto civil, não militar. De uma lista prioritária de 50 pistas, aceitou discutir reformas em apenas quatro, que estão vinculadas a instalações militares.

 
Militares se recusam a corrigir 46 pistas de pouso que ajudariam no socorro  aos Yanomami : Tribuna do Sertão
 
 

Em 6 de fevereiro, também por ofício, a presidente da Funai havia solicitado o apoio do Ministério da Defesa para a manutenção e a reforma de 50 pistas de pouso dentro do território Yanomami “em caráter emergencial”, medidas que são “necessárias para a realização das ações de saúde, segurança e infraestrutura, e em caráter emergencial, o combate à desnutrição e à malária, que tanto assola aquele povo”. A Funai também havia pedido que o MD encaminhasse um plano de trabalho “com cronograma detalhado” das reformas para que pudesse “acompanhar as ações com equipe em campo, o mais brevemente possível, considerando a urgência do pleito”.

Conforme um relatório apresentado por Joênia ao MD e produzido pela empresa de táxi aéreo que presta serviços à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a Voare Ltda., das 50 pistas listadas como prioritárias, 31 têm “cabeceiras comprometidas por obstáculos”, 26 têm seu cumprimento “comprometido por avanço da vegetação”, 33 têm a pavimentação “comprometida pela presença de vegetação rasteira densa”, 17 têm “pavimentação comprometida pelo acúmulo de água”, entre outros problemas (os números somados excedem a 50 porque há pistas com mais de um defeito ao mesmo tempo).

Assim, muitas das ações que a Funai pediu ao Ministério da Defesa são consideradas por indigenistas de baixa dificuldade de execução. Em muitos casos, seria apenas retirar o mato rasteiro das pistas e podar árvores nas proximidades. Em outras pistas é necessária a instalação de sinalização para evitar acidentes, inclusive com a população indígena. A melhoria dessas pistas permitiria, segundo a Funai, o acesso mais rápido das equipes de saúde às aldeias, em um vasto território no qual o transporte aéreo é fundamental para reduzir as mortes dos Yanomami consideradas evitáveis, como desnutrição, malária, pneumonia e doenças diarreicas.

 
Militares se recusam a corrigir 46 pistas de pouso que ajudariam no socorro  aos Yanomami
 

De acordo com o relatório apresentado pela Funai, a vegetação alta nas cabeceiras de várias dessas pistas “compromete os procedimentos de pouso e decolagem”. Nas laterais, “dificulta os procedimentos de manobras durante a corrida da aeronave nas pistas, agravando o perigo em condições de emergências de pouso ou decolagem”. Os buracos e valas, que acumulam água em períodos chuvosos (a temporada das chuvas está começando na terra Yanomami), levam a uma “redução significativa das margens de segurança, uma redução na habilidade do operador em responder às condições operacionais adversas”.

 
A 12 km”: indígenas Yanomami isolados nunca viram o garimpo tão próximo - Agência  Pública
 
 

“Todas as condições observadas neste relatório podem contribuir para ocorrências que coloquem a vida dos tripulantes, equipe médica e a dos próprios indígenas em risco. Ainda, que compromete todo o atendimento à comunidade indígena”, diz o documento assinado pelo diretor de segurança operacional da Voare. 

O pedido em caráter urgente foi dirigido pela Funai ao MD em 6 de fevereiro, uma semana depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto sobre a emergência Yanomami. Os militares do MD levaram 20 dias para responder por escrito. Em ofício do último dia 26, o comandante do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire, primeiro disse que “foram realizadas duas reuniões, nos dias 14 e 15 de fevereiro” sobre o assunto. Os encontros teriam sido “coordenados” pela Casa Civil da Presidência da República com a presença de representantes do MD e “integrantes do Estado-Maior do Exército e do Estado-Maior da Aeronáutica”.

Defesa Aérea & Naval
Conheça o novo Chefe do EMCFA: Almirante de Esquadra Renato Rodrigues de Aguiar  Freire – Defesa Aérea & Naval
 

O almirante qualificou o pedido urgente da presidente da Funai de “consulta”. Sobre a “consulta”, disse o almirante, “cabe mencionar que a Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) é responsável por propor ao Ministério de Portos e Aeroportos (MPA) a celebração de instrumentos de cooperação técnica e de investimentos que envolvem o setor de aviação civil e de infraestruturas aeroportuária e aeronáutica civil”.

“Neste contexto”, escreveu o comandante do Estado-Maior, “aquela Secretaria [SAC] possui contratos firmados com diversos órgãos e empresas, inclusive, no caso da Região Amazônica, também com a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, cuja missão compreende a manutenção das pistas de pouso de interesse daquele Comando, visando contribuir para a soberania nacional e o progresso do país. No tocante aos contratos atualmente firmados com a COMARA, cabe salientar que equivalem à plena capacidade daquela Comissão nos próximos dois anos”.

Ou seja, o representante do Ministério da Defesa argumentou que o Comara não tem condições de fazer novos contratos pelo menos até 2025. O almirante encerrou o ofício dizendo que “faz-se necessário, por parte da Funai, realizar gestões junto à SAC” para atender apenas quatro pistas, Surucucu, Auaris, Palimiú e Missão Catrimani, isto é, apenas as quatro pistas que estão ligadas a instalações militares. Em duas delas, Surucucu e Auaris, as obras estariam encerradas, segundo os militares.

A Pública apurou que, depois do mal-estar causado entre indigenistas por essa resposta, houve uma nova reunião entre representantes do MD, da Funai e do Ministério dos Povos Indígenas. Nesse encontro, os militares teriam então apresentado um cálculo do suposto custo total das obras solicitadas pela Funai, indicando que não caberia a ele, MD, pagar pelas reformas. Tal cálculo, porém, não aparece em nenhum trecho do processo administrativo que trata do assunto e que tramita na administração pública federal – a Pública teve acesso na íntegra ao documento de 66 páginas e seus anexos. De qualquer forma, o valor apresentado foi considerado irreal e impossível de ser atendido, na casa das dezenas de milhões de reais, o que também inviabilizou qualquer avanço nas conversas. Foi entendido como um número apresentado para nunca ser atendido, o que “eximiria” o MD de responsabilidade na solução do problema.

Procurado nesta quinta-feira (9), o MD não havia se manifestado até o fechamento deste texto. Entre outros pontos, a Pública indagou se o ministro José Múcio e o almirante Freire não temem também se tornar alvos da investigação já solicitada ao Tribunal Penal Internacional contra o ex-presidente Jair Bolsonaro a propósito do genocídio dos Yanomami em Roraima.

Em janeiro, quatro organizações não governamentais da área da saúde – Abrasco, Cebes, Rede Unida e SBB – apresentaram ao procurador-chefe do TPI, Karim Khan, uma representação criminal contra Bolsonaro. Na representação, ainda sob análise na Procuradoria, as entidades mencionam que “a omissão” de Bolsonaro, após “ter sido notificado por diversas entidades e órgãos oficiais” a respeito da grave situação vivida pelos Yanomami, “é conduta suficiente para a sua responsabilização criminal”. Em 2021, em outra denúncia sob análise no TPI, a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) já havia atribuído a Bolsonaro a responsabilidade pela prática dos crimes de genocídio e contra a humanidade por extermínio, perseguição e outros atos desumanos contra os povos indígenas do Brasil.

A Pública também indagou ao MD porque ele não adota uma postura “pró-ativa, positiva, cooperativa, a fim providenciar obras que são essenciais para a sobrevivência do povo indígena Yanomami”. Indagou se o MD “não tem Orçamento próprio para isso”. De acordo com a previsão para 2023, o Orçamento de investimentos da Defesa prevê R$ 10,8 bilhões. Caso o MD se manifeste, este texto será atualizado.

Indígenas isolados do povo Yanomami foram registrados em operação da Funai  — Fundação Nacional dos Povos Indígenas
 
10
Fev23

Bolsonaro recuperou projeto da ditadura militar contra os Yanomami: mão de obra ou extinção

Talis Andrade
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Os órgãos de proteção aos indígenas foram aparelhados por militares com a intenção de favorecer o garimpo

07
Fev23

Patriotas versus cidadãos

Talis Andrade
 
 
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Pautas autoritárias, privatistas, de moral e costumes ensejaram o Frankenstein do atraso e da fome

 

por Luiz Marques 

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Entre as revoltas que precederam a declaração de Independência do Brasil, a Inconfidência Mineira (1789) refletiu os valores iluministas do século XVIII e a experiência das colônias da América do Norte. Os líderes descendiam da “casa grande” – militares, fazendeiros, magistrados, padres, poetas. À semelhança da Revolução Haitiana (1791), a rebelião mais popular foi a Revolta dos Alfaiates (1798), na Bahia, que envolveu militares de baixa patente, artesãos e escravizados. Composta por uma maioria de negros e mulatos, mirou na escravidão e no domínio dos brancos. Não buscou fundar um quilombo distante de uma cidade populosa, como era hábito dos foragidos (Palmares).

A última insurreição colonial aconteceu em Pernambuco (1817), encabeçada por militares de alta patente, comerciantes, senhores de engenho e padres (estima-se em 45), que se diziam “patriotas”. Sob inspiração maçônica, proclamou uma república autônoma que enlaçava Pernambuco e as capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Sobre o modelo escravista, iniciado logo após o descobrimento e mantido por penosos 350 anos, silêncio obsequioso. Os grilhões restariam intactos.

Apesar dos pesares, no livro Cidadania no Brasil, o historiador José Murilo de Carvalho salientou no evento insurgente “uma nascente consciência de direitos sociais e políticos”, na crua geografia de abestalhados – entrecortada pela mestiçagem derivada dos frequentes estupros das negras. Por república, entendia-se o governo de povos livres em oposição ao absolutismo monárquico. Não acenava um futuro com ideias sustentadas na igualdade. Com a identidade forjada em batalhas prolongadas contra os holandeses, o patriotismo do epicentro pernambucano superava o brasileiro.

Agora, um salto temporal. Adeptos do movimento golpista recente também se autodenominaram “patriotas”. Não “cidadãos”, como na terminologia propagada na Revolução Francesa para designar o pertencimento a um Estado-nação. No caucasiano acampamento da extrema direita, incubadora dos atos descompensados no 12 de dezembro e no 8 de janeiro, em Brasília, os partícipes não evocavam o conceito de cidadania ao justificar o vandalismo brutal dos símbolos republicanos. Considerando-se indivíduos de exceção perante as leis vigentes, depredaram com brutalidade os fundamentos sedimentados por práticas civilizacionais inexistentes em hegemonias fechadas.

O clamor contrarrevolucionário não se construiu em relação a um inimigo externo: portugueses, holandeses, franceses, espanhóis ou ingleses com os quais em algum momento o Brasil esteve em conflito. Dirigiu-se ao inimigo interno (o povo) que desfraldou a bandeira da democracia, em defesa das instituições da estremecida Terra brasilis. Apostou no fratricídio e nas manipulações digitais com robôs e fake news. O dedo seletivo apontou os judeus da hora: os sujeitos políticos (partidos de esquerda), regionais (nordestinos), étnicos (negros, indígenas), de gênero (mulheres), identitários (grupos LGBTQIA+) e do conhecimento (intelectuais, cientistas, agentes da cultura e das artes).

O simulacro patriótico tinha um forte ingrediente ideológico, ligado a uma visão mítico-messiânica para ocultar o antinacionalismo econômico remanescente do colonialismo. Fenômeno reatualizado pela vassalagem vira-lata ao imperialismo estadunidense e pelas privatizações crescentes. Vide o fatiamento da Petrobrás e do pré-sal. Tudo consentâneo o Consenso de Washington. A peculiaridade do neofascismo tropical foi a estreita associação com a globalização neoliberal que, com dogmas monetaristas em favor da “austeridade fiscal” e do “teto de gastos públicos”, retirou poderes da governança submissa que, de resto, cedeu-os sem um mínimo de decoro na função presidencial.

A estratégia desenvolvimentista com foco na reindustrialização para formar um mercado de massas, dentro das fronteiras territoriais, e amainar as infames desigualdades herdadas do longo ciclo de horrores, nunca integrou a agenda do Coisa Ruim. Os protestos de aparência leonina maquiavam os desprotestos raposinos, vergonhosos, pusilânimes, de traição à pátria. O objetivo era congelar a matriz colonialista (racista) e patriarcal (sexista), junto com as hierarquias sociais da antiga tradição de dominação e subordinação. A violência e a hostilidade aos progressistas tinham um por quê.

O antipatriotismo estrutural foi disfarçado com a estética verde-amarela dos desfiles, com hinos. Os toscos revoltosos concentraram os disparos nas balizas constitucionais de amparo a uma democracia com justiça social e ambiental. Por suposto, a raiva e o ódio não se estenderam até o mundo das finanças. O rebanho de manobra desconhecia os patrões e, por ignorância, aliou-se aos opressores. Para curar frustrações com as promessas descumpridas do sistema democrático, o remédio indicado foi a instalação do regime iliberal. O liquidificador fundiu a essência neofascista (Jair Bolsonaro), o neoliberalismo duro (Paulo Guedes) e o conservadorismo teocrático (Silas Malafaia, Edir Macedo). Pautas autoritárias, privatistas, de moral e costumes ensejaram o Frankenstein do atraso e da fome.

A lógica de financeirização do Estado e os interesses do agronegócio somaram-se ao predatório extrativismo de madeiras (nobres) e minerais (ouro, diamantes) da Amazônia, o que esgaçou a crise climática e o genocídio de comunidades originárias. O programa da ultradireita fez, da floresta, uma refém do totalitarismo da mercadoria. Nisto, resumiu-se a distopia de extermínio bolsolavista. Com opção de classe nítida, os entreguistas celebraram a necropolítica no aparelho estatal. Danem-se os pobres; vivam os privilégios redobrados ao capital financeiro. La noblesse du dollar oblige.

Ao transformar as “liberdades individuais” em panaceia para os problemas da nação, a obtusidade das vertentes obscurantistas entrincheirou-se em um campo específico de direitos, que abrangiam a vida, a garantia da propriedade, a segurança pessoal, a manifestação do pensamento, organizar-se, ir e vir, e acessar informações alternativas – rápido, convertidas em passaporte para o negacionismo. Quando a ênfase recai apenas nos “direitos civis” e, estes, ademais, se restringem ao usufruto dos correligionários, os “direitos sociais” e os “direitos políticos” saem pela porta dos fundos; para retomar o estudo clássico de T. H. Marschall sobre as três dimensões indispensáveis da cidadania.

No transcurso da pandemia do coronavírus, vale lembrar, uma hermenêutica levada ao paroxismo liberou o desaforo de festas privadas, superlotadas, enquanto as UTIs dos hospitais estavam abarrotadas de pacientes da covid-19. No macabro jogral negacionista, não faltaram os empresários dispostos a “salvar a economia”, à revelia dos cuidados com as normas sanitárias para a proteção da população. A desobediência narcísica aos protocolos de isolamento social, à prescrição para o uso de máscaras e à vacinação enalteceu um hiperindividualismo, de pretensões aristocráticas. Com muita arrogância, se reproduziu nas ruas a pulsão genocida encastelada no Palácio do Planalto.

O quadro sombrio desembocou nos ataques terroristas à soberania popular, com a contestação das eleições – sem provas. A convicção tola foi regada pelo despresidente pária, a partir de 2018, para arregimentar as mentalidades entorpecidas pelo antipetismo / antilulismo e jogar desconfiança sobre os suportes da democracia na institucionalidade. O fetiche da “liberdade de expressão” avalizou as realidades paralelas dos militontos, com ares de zumbis. Mas o caos não angariou outras adesões.

É necessário intensificar a disputa política e ideológica na sociedade civil, empoderar a unidade na diversidade, fortalecer a esfera pública crítica e pluralista com a voz dos segmentos excluídos. Os marginalizados da história devem ocupar um “lugar de fala”, na intrincada arquitetura do poder nos municípios, nos estados e na União. Sem esse engajamento ativo é impossível mudanças de cenário. Não basta que os democratas e os intelectuais orgânicos das classes subalternas legitimem as justas demandas “de baixo”. A situação de espectadores das narrativas ofertadas e benefícios recebidos não contempla o importante princípio da autonomia, no processo pedagógico de desalienação. “A emancipação será obra dos próprios trabalhadores”, ensinava o ainda atual Manifesto comunista de 1848.

Para combater a sociopatia do extremismo direitista, a solução sob auspícios do governo liderado por Lula reside na implementação de: (a) Mais direitos sociais – saúde, educação, segurança, renda, formalização do trabalho, sociabilidade não discriminatória e; (b) Mais direitos políticos, por meio da participação cidadã ampliada para a elaboração coletiva de políticas públicas, na forma de um Orçamento Participativo Nacional (OPN). Para uma exposição detalhada, ver o artigo “Políticas participativas” de Leonardo Avritzer e Wagner Romão, no sítio internético A Terra É Redonda.

O desafio está em estimular a cidadania a confrontar o falso civismo que estupidificou a política, no quadriênio miliciano. Tarefa para os partidos e movimentos sociais do campo e da cidade, entidades comunitárias e estudantis, sindicatos e clubes de bocha, pagodes e saraus, ônibus e metrôs, praças e bares, almoços dominicais e intervalos dos jogos de futebol. Qualquer local. Como na bela canção de Caetano Veloso: “É preciso estar atentos e fortes / Não temos tempo para temer a morte”.

 
 
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