Os sindicatos em solidariedade a primeira mulher negra, eleita vereadora de Joinville, professora Ana Lúcia Martins, que vem sofrendo ameaças de morte, denunciou:
Mais um desses crimes no Paraíso Nazista, que Santa Catarina se transformou: Lugar de inseguranças físicas e morais, para as vidas das pessoas negras
Santa Catarina era macabra, exótica e humilhantemente conhecida pelos movimentos nazistas e racistas que, como erva daninha, parasita, sempre reaparece, como acontece hoje no governo de Daniela Reinehr, eleita pelo PSL, que abandonou.
Governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido) titubeou ao ser perguntada por jornalista sobre passado do pai. Foto Mauricio Vieira
Escreve Hyury Potter, de Florianópolis para a BBC News:
O passado do pai entrou na agenda da atual governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido), fazendo com que ela emitisse uma nota à imprensa, (29/10), afirmando ser "contrária ao nazismo".
O posicionamento veio depois de a governadora se recusar a responder a um jornalista, (27/10), se concordava com a visão de seu pai, Altair Reinehr, professor aposentado que tinha sido colaborador de uma editora especializada em livros de teor antissemita que negavam o holocausto e outros crimes da Alemanha nazista.
Era a primeira entrevista coletiva concedida por Daniela, que acabara de assumir o governo após o Tribunal Especial de Julgamento afastar o governador Carlos Moisés (PSL) por até 180 dias, para que este responda por crime de responsabilidade no caso do reajuste salarial dos procuradores do Estado. Arrolada no mesmo processo, Daniela foi absolvida.
Altair é conhecido em Maravilha, pequeno município do extremo oeste catarinense, por defender ideias nazistas. Ele também defendeu na Justiça o diretor da editora Revisão, que publicava livros antissemitas nos anos 1980 e 1990.
Até se aposentar em 1998, Altair Reinehr lecionava história para crianças da escola estadual Nossa Senhora da Salete, em Maravilha, cidade catarinense com 26 mil habitantes, onde indicava a seus alunos livros de conteúdo antissemita da editora Revisão, aponta a antropóloga doutora pela Unicamp, Adriana Dias, que pesquisa sobre nazismo no Brasil há mais de 20 anos.
"Altair indicava livros da editora Revisão em sala de aula para crianças, isso é muito grave. Durante a minha pesquisa, conversei com alguns alunos que confirmaram que os exemplares eram de negação do holocausto, algo que ele mesmo mencionava nas aulas", disse a pesquisadora.
Ex-sindicalista da categoria, Reinehr chegou até a atuar na organização de greves dos professores na década de 1980. Em 1985, foi presidente da Associação de Professores de Maravilha. Ao mesmo tempo que defendia melhores condições de trabalho para os professores, o catarinense negava crimes da Alemanha nazista.
Para o professor de história, tudo não passou de uma "lenda" criada para ocultar crimes de guerra dos Aliados, de acordo com texto assinado pelo próprio Reinher e publicado no jornal A Notícia, de Joinville, em 2005.
A pesquisa da antropóloga Adriana Dias mostra que Reinehr chegou a colaborar com textos para a editora, criada em 1987 e que pertencia ao antissemita confesso Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010). A publicação de livros que afirmavam que "quem sofreu com o holocausto foi o povo alemão" resultou em uma condenação por crime de racismo no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A decisão foi depois confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002, quando teve grande repercussão na imprensa.
No julgamento do STF, ministros leram trechos de livros da editora de Castan, que também era autor de obras favoráveis ao regime hitlerista. O ministro Maurício Corrêa chegou a citar o livro Holocausto Judeu ou Alemão? Nos Bastidores da Mentira, onde Castan escreveu que "os únicos gananciosos da Grande Guerra foram de fato os judeus".
Mesmo assim, o pai da governadora interina de Santa Catarina considerou que não havia qualquer indício de discurso racista, como ele afirmou em depoimento como testemunha de defesa de Castan. Na transcrição, é relatado que "Altair Reinehr, ao ser inquirido, declara ter lido todas as obras descritas na inicial, informando que nunca vislumbrou qualquer resquício de racismo a quem quer que seja. Diz nunca ter observado qualquer conduta racista do acusado".
Em 1998, a Justiça do Rio de Janeiro determinou o recolhimento de livros da editora Revisão na Bienal do Livro por conta do conteúdo antissemita. Dois anos depois, a participação de Castan na Feira do Livro de Porto Alegre também gerou protestos e um embate judicial.
Protesto da organização nuances - Grupo pela Livre Expressão Sexual contra a editora Revisão na Feira do Livro de Porto Alegre, em 2000
As sucessivas derrotas na Justiça brasileira, em diferentes instâncias, geraram a proibição dos livros antissemitas da editora Revisão. Mas até hoje é possível comprar exemplares em sites de livrarias virtuais.
"Em 2004, pouco depois do julgamento, lembro que vi livros da editora Revisão na banca no aeroporto de Salvador", conta Adriana Dias. "Avisei a Polícia Federal, o dono da banca foi detido, obrigado a retirar os livros e a pagar uma multa. São livros com conteúdo falso sobre a história e não deveriam ser vendidos, mas qualquer pessoa pode achar hoje em livrarias na internet, infelizmente."
Governadora muda discurso
Na coletiva realizada na manhã de terça-feira, o repórter Fábio Bispo, do The Intercept Brasil, perguntou à governadora interina Daniela Reinehr se esta concordava "com as ideias neonazistas e negacionistas sobre o holocausto" de seu pai.
Daniela evitou responder diretamente à pergunta e disse que "me cabe, como filha, manter a relação familiar em harmonia, independente das diferenças de pensamento".
O caso ganhou as manchetes de vários veículos de imprensa e também comentários em redes sociais, criticando o que consideraram uma "passada de pano" em ideias nazistas. A repercussão negativa fez Daniela se pronunciar novamente na quinta-feira (29/10), desta vez em nota*, onde diz ser "contrária ao nazismo, assim como sou contrária a qualquer regime, sistema, conduta ou posicionamento que vá contra os direitos individuais, garantias de segurança ou contra a vida das pessoas".
A reportagem da BBC News Brasil questionou a governadora interina, através da assessoria de imprensa, se ela teria lido as obras da editora Revisão que o pai indicava aos alunos, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Postagem de março na conta de Daniela no Instagram mostra a governadora aparentemente ao lado do pai em visita à escola Nossa Senhora da Salete
'O Brasil não passou por uma desnazificação', diz pesquisadora
O assunto nazismo não chega ser novidade no Brasil, muito menos em Santa Catarina. Em sua pesquisa, Dias encontrou 334 células nazistas em atividade no Brasil, sendo 69 delas em Santa Catarina. A antropóloga diz que a eleição do presidente Jair Bolsonaro deu ainda mais espaço a esses grupos, que apregoam supremacia racial e religiosa.
"Há grandes semelhanças na forma como o nazismo usava a religião para controlar o povo e como o governo Bolsonaro usa as igrejas aqui. É inegável também que muitos grupos e pessoas perderam qualquer pudor em expor pensamentos antissemitas e preconceituosos. Há uma permissividade maior com esses atos", afirmou a pesquisadora.
Com 84% dos moradores se autodeclarando de cor branca, segundo o Censo 2010 — maior percentual do país — e com uma fatia significativa de descendentes de alemães vivendo em várias cidades —, partes de Santa Catarina parecem ser um terreno fértil para a circulação de ideais simpáticos ao nazismo.
Contatado pela BBC News Brasil via whatsapp, Odair Batistello, diretor da escola estadual Nossa Senhora da Salete, onde Reinehr lecionou, não quis dar entrevista, mas enviou um áudio dizendo que o professor Reinehr é "um dos ícones da escola e que mais se identificaram com a [escola] Salete".
Em Blumenau, cidade do Vale catarinense que se orgulha de suas origens germânicas, um dos candidatos a vereador nestas eleições é Wandercy Pugliesi, professor de história conhecido por ter uma suástica pintada na piscina de casa e por ter dado o nome de Adolf ao filho.
Para Adriana Dias, o país inteiro possui células nazistas por conta da falta de uma divulgação adequada dos crimes praticados pelo regime liderado por Hitler.
"A Alemanha passou por um processo de desnazificação após a guerra, mas o Brasil não. Aqui alguns jornais falavam bem do nazismo até o governo Vargas determinar a mudança de posição. Então, do dia pra noite, os brasileiros mudaram de lado. É por isso que o nazismo é punido com rigor na Alemanha e aqui é algo aceitável", afirma Dias.
A reportagem da BBC News Brasil não conseguiu contato com o professor aposentado Altair Reinehr.
A governadora do Estado, Daniela Reinehr, disse que deve realinhar sua gestão ao governo do presidente Jair Bolsonaro e que revisará decretos sobre a pandemia, focando na retomada econômica. "Minha fala sempre foi de prevenção, de cuidado, mas sem prejudicar o setor econômico", disse. "Nunca fui a favor da generalização do fecha tudo. Eu acredito que precisamos cuidar dos doentes de acordo com o quadro clínico de cada um."
ÍNTEGRA DA NOTA DA GOVERNADORA INTERINA DANIELA REINEHR:
Antes de mais nada é preciso declarar que sou contrária ao nazismo, assim como sou contrária a qualquer regime, sistema, conduta ou posicionamento que vá contra os direitos individuais, garantias de segurança ou contra a vida das pessoas, e sinceramente, pensei ter deixado isso claro quando fui questionada durante entrevista coletiva concedida na terça-feira (27/10), independente das palavras usadas. Consigo entender a reação das pessoas ante o posicionamento que me imputaram, e principalmente porque isso aconteceu de forma injusta, a partir de uma atitude antiética, que apresentou um vídeo editado, com uma pergunta alterada. Sou amiga de Israel e dos Judeus, e qualquer ilação contrária não corresponde com a verdade.
Daniela Cristina Reinehr Governadora Interina do Estado de Santa Catarina
- - - Ao tomar posse como governadora interina de Santa Catarina nesta terça-feira (27), a bolsonarista Daniela Reinehr se recusou a dizer se concorda com as opiniões neonazistas e negacionistas de seu pai. Questionada por jornalistas durante a sua primeira coletiva, ela fugiu de forma canhestra e patética.
Daniela Reinehr assumiu o cargo temporariamente após o afastamento do governador Carlos Moisés (PSL), que é alvo de um processo de impeachment. Segundo o site alemão Deutsche Welle (DW), "ela se esquivou de responder se compactua com pensamentos neonazistas e negacionistas do Holocausto".
Pai nega o Holocausto e elogia Hitler
O questionamento dos jornalistas à governadora interina não foi à toa, como registra o site DW: "O pai dela, o professor de história Altair Reinehr, é conhecido por defender ideias neonazistas e por negar o genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial".
"Seus pensamentos foram expostos em textos em que ele relativiza o nazismo e teriam sido propagandeados até mesmo em sala de aula. Junto a um desses artigos, Altair publicou uma foto dele em frente à casa onde nasceu Adolf Hitler, em Braunau am Inn, na Áustria".
No texto, o pai da governadora se queixa de que, na Alemanha, "é proibido falar de Hitler" e "lembrar obras reconhecidamente positivas" do líder nazista. De forma irônica, o admirador do genocida afirma que isso é feito "em nome da democracia, da verdade e da 'liberdade de expressão'".
O site DW ainda lembra que "o pai da governadora também testemunhou a favor de Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010), proprietário da editora Revisão, conhecida por publicar livros negacionistas do Holocausto e literatura antissemita. Castan foi condenado por racismo pelo STF em 2000".
Governadora se esquiva na coletiva
Com base nesse tenebroso histórico, Daniela Reinehr foi surpreendida na coletiva à imprensa com a pergunta do jornalista Fábio Bispo, do Intercept Brasil, sobre as ideias defendidas por seu pai:
"No começo da sua fala, a senhora agradeceu a sua família. Seu pai, como professor de história, pregava em sala de aula o negacionismo do Holocausto judeu... Agora que a senhora é governadora, a gente quer saber qual é sua posição, se a senhora corrobora com essas ideias neonazistas e negacionistas sobre o Holocausto".
A governadora interina, metida a valente, fugiu da resposta. “Em nenhum momento de sua resposta, porém, Reinehr foi clara em se declarar antinazista ou negar compactuar com as visões negacionistas do Holocausto, atendo-se a dizer que não pode ser julgada por ‘atos de terceiros’", registrou indignado o site DW.
Ruralista e bolsonarista convicta
A filhote de nazista ficará 180 dias no cargo, enquanto um tribunal especial julga o processo de impeachment do governador eleito. Como destaca a Folha, a produtora rural e advogada é uma bolsonarista convicta. Quando Jair Bolsonaro deixou o PSL para fundar o Aliança pelo Brasil, ela também abandonou a sigla.
“Assim como Bolsonaro, Reinehr defendeu o uso de cloroquina no tratamento da Covid-19. Suas redes sociais são repletas de fotos com o presidente e ministros da chamada ‘ala ideológica’ do governo, como Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Onyx Lorenzoni (Cidadania)”.
“Reinehr é amiga da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e próxima de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal e filho do presidente. “A 1ª Governadora do @somosalianca. Nosso PR @jairbolsonaro ganha mais um Estado como aliado. Ganha o povo!”, postou a pegajosa deputada Carla Zambelli na internet.