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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

23
Jan24

A DANÇA DOS ROBÔS

Talis Andrade
Tinbot Robótica

 

                         Os operários disputam

                         os empregos com robôs              

                         na produção de milhões

                         de peças semelhantes

                         no trabalho monótono

                         de cada jornada

 

                         Na vida repetitiva

                         sem graça sem alegria

                         desnorteados por permanente

                         asséptica fluorescente luz

                         os operários não descortinam

                         quando noite

                         quando dia

 

                         Os operários levados

                         à condição de máquinas

                         transformados em zumbis                         

                         trabalham exclusivamente                     

                         pela cesta básica

                         e vão esquecendo os fuzis

 

                        A revolução esgarçado sonho

                        de um povo que gasta o tempo

                        catando alimentos

                        nas altas nuvens

                        e latas de lixo

         - - -

o enforca da rainha, trajos do medo, talis andrade

03
Set23

Saiba o que são fundos exclusivos e offshores que o Lula vai tributar

Talis Andrade

Disponíveis apenas para pessoas ricas, essas formas de investimento representam um privilégio para poucos, para  os caras-pálidas. É hora de acabar. O Brasil precisa parar de maltratar os pobres, os pés-rapados

Para começar a cumprir sua promessa de campanha de “colocar o pobre no orçamento e o rico imposto de renda”, o presidente Lula assinou uma medida provisória para taxar os fundos exclusivos de alta renda e enviou ao Congresso um projeto de lei para tributar quem investe dinheiro no exterior por meio de offshores. Mas o que são esses tipos de investimento e por que a cobrança de impostos sobre eles é necessária?

Vamos começar pelos fundos exclusivos ou fechados. Bom, de maneira geral, fundos são uma forma de investir dinheiro. Na maior parte das vezes, o fundo junta o dinheiro de várias pessoas (cotistas) para aplicar esse capital, investindo, por exemplo, em ações e títulos públicos.

Algumas pessoas, porém, são tão ricas, têm tanto dinheiro, que as instituições financeiras oferecem a elas a possibilidade de colocar seu dinheiro em um fundo exclusivo, no qual haverá só ela (ou pouquíssimas pessoas). Para entrar num fundo exclusivo, a pessoa deve investir pelo menos R$ 10 milhões.

Já as offshores são uma das formas existentes para investidores brasileiros que vivem no país aplicarem recursos no exterior. Offshore (além da costa, em inglês) é uma empresa aberta no exterior, que, por sua vez, gera uma conta bancária no país onde foi aberta. Não há nada de ilegal em criar uma empresa dessas, desde que a pessoa declare esse patrimônio para a Receita Federal e o Banco Central.

 

Onde está o problema?

O problema é que, até agora, esses ricos que podem ter um fundo exclusivo ou uma offshore contam com vantagens que o resto das pessoas não tem. Por exemplo, uma pessoa que coloca o seu dinheiro em um fundo normal é tributada (paga imposto) duas vezes por ano. Já o super-rico que tem seu fundo exclusivo, não.

Estamos falando de aproximadamente 2.500 brasileiros super-ricos, que juntos têm mais de R$ 750 bilhões e que, sem qualquer motivo justificável, não são tributados como as demais pessoas. A medida provisória de Lula, assinada em 28 de agosto, apenas faz com que esses ricos sejam tratados como os demais, sem privilégios.

LEIA MAIS: Taxação de super-ricos pode construir 1,2 milhão de casas

Algo semelhante acontece com o capital guardado em offshores. Eles ficam livres de tributação, que só é cobrada se o dono resolver trazer o dinheiro para o Brasil. Se isso não acontecer, o rico dono da empresa lá fora fica livre dos impostos. Para acabar com esse privilégio, o projeto de lei enviado pelo governo Lula para votação no Congresso prevê a aplicação de alíquotas progressivas até 22,5% (leia mais sobre as medidas do governo aqui).

 

Por que essas medidas são importantes?

Por uma questão de justiça social. Hoje, a maioria dos brasileiros paga imposto. Mas um grupo, justamente o dos mais ricos, recebe benefícios que ninguém mais tem. Para piorar, nos últimos anos, a tabela do imposto de renda ficou sem atualização, o que fez com que trabalhadores que ganhavam apenas um salário mínimo e meio tivesse que pagar Imposto de Renda.

O governo Lula começou a corrigir esse absurdo atualizando a tabela, isentando quem ganha até R$ 2.640 (e o objetivo é isentar quem ganha até R$ 5 mil até o fim do mandato). Para aliviar a carga de impostos para esses trabalhadores, o governo precisava indicar uma nova fonte de arrecadação. 

Nada mais justo que ela venha dos super-ricos. Como disse o deputado federal Merlong Solano Nogueira (PT-PI), em um explicativo artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, “não há como o país continuar acalentando esse tipo de privilégios”.

15
Ago23

Um novo lugar para a agricultura – II

Talis Andrade
 
Imagem: Lucio Fontana
 

 

A situação da agricultura familiar no Brasil e o que se pode esperar deste setor para o enfrentamento da crise alimentar atual

por Jean Marc von der Weid  

No artigo anterior descrevi as várias crises que vem atropelando a humanidade e as suas implicações para a agricultura, em particular para a produção de alimentos. Nessa parte 2, vou analisar a situação da agricultura familiar (AF) no Brasil e o que se pode esperar deste setor para o enfrentamento da crise alimentar atual (sim, temos uma crise alimentar, e grave) e da futura, em consequência das ameaças expostas anteriormente.

 

A agricultura familiar é o resultado de séculos de marginalização:

A exploração do território que veio a se tornar o Brasil se iniciou pelo extrativismo do pau-brasil da Mata Atlântica, mas só ganhou presença física e ocupação com aquilo que muitos historiadores definem como o primeiro empreendimento capitalista agrário no mundo, a produção de açúcar de cana. O modelo deste ancestral do agronegócio marcou a história do país, com a centralidade do trabalho de africanos escravizados no arcabouço do conjunto da nossa economia e do espaço doméstico dos brancos.

Marcou mais ainda o espaço rural, com suas propriedades gigantescas, a exploração de monoculturas e o desprezo pela preservação dos solos e das condições ambientais. A extensão do território criou a miragem da existência de recursos naturais infinitos que podiam ser explorados até a exaustão e abandonados, desbravando-se a fronteira agrícola sempre para o oeste. Ainda vivemos, em parte, este processo, com os mesmos vícios de origem.

Se o latifúndio exportador foi o motor da nossa economia até o século XX, saindo da cana para o algodão, o café, o cacau e ainda o extrativismo da borracha, onde se situou a produção de alimentos? Os brancos da Casa Grande importavam a base do que comiam, em particular o trigo, mas como se alimentavam os escravizados? Dois modelos foram utilizados e complementares: plantio de alimentos dentro dos latifúndios geridos pelos donos do negócio, também operados com mão de obra escravizada ou; terceirização da produção alimentar (mandioca, milho, feijão, …), em espaços “sobrantes”, não ocupados pelos cultivos de exportação.

É a gênese da nossa agricultura familiar, cujos produtores eram brancos e mestiços pobres ou remediados que também usavam mão de obra escravizada. Esta característica da agricultura familiar, estar localizada nas “beiradas” dos latifúndios ou nas áreas de desbravamento da fronteira agrícola se manteve dominante em quase todo o território nacional ao longo da nossa história. A exceção mais marcante foi a entrada forte da migração europeia da segunda metade até o fim do século XIX, e ela concentrou-se na região sul, em particular no Rio Grande do Sul e, com menor impacto, em Santa Catarina e no Paraná.

Eram italianos, alemães, polacos, ucranianos, russos, holandeses. Mais tarde vieram os suíços, que se estabeleceram no Rio de Janeiro e os japoneses, que se dirigiram para o sudeste e o norte. Eram quase todos camponeses, enfrentando a crise provocada pelo início da modernização das grandes propriedades europeias que geraram desemprego de trabalhadores rurais e quebra de agricultores familiares incapazes de competir com as novas empresas modernizadas, sobretudo pelo uso de guano (importado do Peru e do Chile) como adubo e a introdução de colheitadeiras de tração animal.

É necessário lembrar que uma parcela importante dos escravizados evadiu-se dos empreendimentos da Casa Grande e se instalou no que ficou conhecido como quilombo. Era uma economia agrária totalmente por fora daquela da classe dominante e voltada para a produção alimentar das comunidades de negros fugitivos. Ainda estamos contando quantas famílias de descendentes destes quilombolas originais ainda subsistem em seus territórios, o último censo apontando para mais de dois milhões de pessoas.

O modelo binário latifúndio/pequena propriedade, os grandes produzindo para exportação e os pequenos para a alimentação do mercado interno se manteve ao longo do tempo. Também se manteve o processo constante de expansão dos latifúndios, sempre seguindo o rastro das áreas desbravadas pela agricultura familiar nas fronteiras, tomando suas terras e empurrando-os sempre mais para oeste.

Isto nos leva à situação mais recente, a da segunda metade do século passado. O país rural que sai da crise dos anos 1930 e o período da Segunda Guerra Mundial é fortemente sacudido pelo processo de desenvolvimento urbano industrial, iniciado nos anos trinta na ditadura de Getúlio Vargas. Este processo, caracterizado pela substituição de importações industriais se acelera nos anos cinquenta e na ditadura militar. A atração dos empregos urbanos, quer nas indústrias que se multiplicavam, quer na construção civil urbana intensa (Brasília em primeiro lugar) ou nas infraestruturas econômicas gigantescas (estradas, barragens, linhas de transmissão de eletricidade, outras), combinada com a permanente pressão do latifúndio, as condições miseráveis no campo e as crises ambientais levaram milhões de produtores familiares a migrar.

Em três décadas, mais de 40 milhões de pessoas mudaram seu domicílio do campo para as cidades, sobretudo as capitais e regiões metropolitanas. De 1975 até 2017, a população rural continuou caindo, passando de quase 40% para quase 14% da população total. O esvaziamento do mundo rural praticamente extinguiu duas categorias de agricultor familiar que foram, por muito tempo, parte da identidade do latifúndio: o morador (vivendo e produzindo nos latifúndios) e o meeiro (trabalhando em contrato com os latifundiários).

Por outro lado, o eterno movimento de migração para o oeste, desbravando a fronteira agrícola para depois ceder as novas áreas para o avanço do latifúndio, foi alterado por um movimento novo e que provocou a intensificação dos conflitos na região amazônica e no cerrado. A grilagem de terras ultrapassou o movimento dos agricultores familiares nas margens da fronteira agrícola e passou a disputar as terras não desbravadas à oeste. Isto se deu pela construção das grandes estradas que passaram a cortar o norte e o centro oeste, facilitando uma grilagem no atacado e se antecipando ao movimento leste/oeste e sul/norte da agricultura familiar.

Na década de 1980 e início de 1990, quando o movimento de urbanização passa por uma desaceleração, derivada da prolongada crise econômica pós choques do petróleo de 1973 e de 1979, a agricultura familiar já era, numericamente, um resíduo do passado. Apesar disso, agricultura familiar chega no censo agropecuário de 1985 com um respeitável papel de produtor de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. No entanto, é preciso lembrar que esta produção para o mercado interno era altamente insuficiente para suprir as necessidades nutricionais da população. Embora pouco falados, sobretudo pela censura da ditadura militar, os níveis de insegurança alimentar (fome e má-nutrição) eram altíssimos e a produção era contingenciada por uma demanda comprimida pela pobreza.

É neste período que começam a amadurecer os pesados investimentos do regime militar na modernização do latifúndio, dando origem ao que hoje se conhece como agronegócio. Ultrapassados os anos 80, quando a fonte dos financiamentos de mão beijada do Estado foi suspensa, o agronegócio volta a se expandir com força e, não por acaso, com a retomada dos financiamentos estatais em créditos subsidiados e isenções de impostos, no governo de Fernando Henrique Cardoso, mantidos e expandidos nos governos de Lula e de Dilma Rousseff, de Michel Temer e de Jair Bolsonaro.

A agricultura familiar que hoje existe é o resultado de vários fatores. O principal tem origem histórica: a agricultura familiar está localizada, salvo bem definidas exceções, em ecossistemas menos favoráveis à agricultura (nordeste semiárido, áreas alagadas na região norte, áreas degradadas na região do Cerrado) ou em áreas marginais em ecossistemas mais favoráveis como a Mata Atlântica e o Pampa. Vamos encontrar os agricultores familiares em terrenos pedregosos, declivosos, com solos degradados. Por outro lado, a espantosa concentração das melhores terras nas mãos do agronegócio e do latifúndio no sentido estrito é, provavelmente, a maior do mundo.

Pelo censo agropecuário de 2017, existiam no Brasil 5,07 milhões de propriedades rurais, ocupando uma área de 351 milhões de hectares. Os estabelecimentos de tipo patronal (ou agronegócio) eram 1,2 milhão (23,7% do total) e ocupavam 270 milhões de hectares (76% do total), com uma área média de 225 ha. Já os agricultores familiares eram 3,87 milhões (75% do total) e ocupavam 81 milhões de hectares (23% do total), com 21 hectares de área média. Estes números macro apontam para a extraordinária concentração da propriedade de terras no Brasil, mas eles escondem índices ainda mais impactantes quando se detalha a posse de terras entre os menores e os maiores produtores.

2,5 milhões de agricultores familiares (50% do número total de produtores, grandes e pequenos) têm menos de 10 hectares e ocupam 8 milhões de hectares (2,3% da área total), enquanto 51,2 mil grandes proprietários (1% do número total) têm mais de mil ha cada um e ocupam 167 milhões de hectares (47,6% da área total). Se analisarmos em detalhe esta camada de mega proprietários encontramos que apenas 2.450 dentre eles (0,85 % do total de agricultores de todos os tipos) com área superior a 10.000 mil hectares, ocupam 51,6 milhões de ha (15% da área de todas as propriedades agrícolas no Brasil). A área ocupada por este punhado de mega proprietários é 6,5 vezes maior daquela ocupada por 2,5 milhões de AF com menos de 10 ha.

O crescimento exponencial do agronegócio dos anos 90 até agora teve um impacto negativo sobre a agricultura familiar, justamente no período em que se estabeleceram as primeiras políticas públicas voltadas para esta categoria, com a criação do MDA e do PRONAF, da política de ATER, do seguro rural, do PAA e do PNAE. Foi também o período (1995/2015) em que a política de reforma agrária ganha musculatura, criando 1.313.630 novos proprietários familiares.

O censo de 2017 mostra que tudo isto foi insuficiente para consolidar e ampliar o papel do campesinato na produção alimentar. Comparando com o censo anterior, de 2006, a agricultura familiar perde 470 mil propriedades, reduzindo-se a 3,87 milhões. Isto ocorreu apesar da reforma agrária ter entregado terras a 400 mil famílias, neste intervalo. Em outras palavras, o balanço entre assentados e os que abandonaram a agricultura indica que perto de um milhão de famílias deixaram o campo. A área ocupada pela agricultura familiar ficou mais ou menos a mesma da indicada no censo de 2006, apontando para um ligeiro aumento da área média.

Já o agronegócio cresceu em número e em área ocupada. De 2006 para 2017 somaram-se 366,5 novos proprietários e 16,8 milhões de hectares.

Não só a agricultura familiar perdeu em número como também perdeu no seu papel na produção de alimentos.

O censo indica que a participação da agricultura familiar na produção de:

arroz caiu para 11%,
feijão fradinho para 34%,
feijão preto para 42%,
milho para 12,5%,
frango para 36%,
bovinos para 31%,
ovos para 9%,
trigo para 18%,
banana para 49%,
mandioca para 70%,
leite para 64%,
suínos para 34,5%.

Nas comodities a participação da agricultura familiar ficou em:

9,3% para a soja,
35,4% para o café arábica,
50% para o café robusta,
7% para a laranja,
0,1% para o algodão,
1,9% para a cana de açúcar,
57% para o cacau.

Em termos de valor da produção (alimentar ou não) a participação da agricultura familiar caiu de 33% em 2006 para 23% em 2017, uma queda de 1/3, em 11 anos.

Em termos da ocupação de mão de obra, a agricultura familiar perdeu 2,2 milhões de trabalhadores, caindo para 10,1 milhões de ocupados, seja de membros da família ou contratados. Isto tem a ver com a redução do número das propriedades familiares, mas também com o aumento da mecanização nas lavouras em algumas culturas e regiões e da substituição dos cultivos temporários por criação animal em outras. A mecanização se deu sobretudo na região sul, que perdeu 28% do pessoal ocupado.

O número de propriedades familiares com trator aumentou significativamente, chegando a 45% de todos os tratores em uso na agricultura brasileira, agronegócio incluído. A diferença entre os grandes e os pequenos está na potência dos tratores, 90% dos utilizados pelos segundos tendo menos de 100 CV.

Embora os dados do censo não permitam generalizar o tipo de mudanças técnicas na produção da agricultura familiar, várias indicações de pesquisas acadêmicas indicam que houve uma forte mudança de modelo produtivo. Nas regiões sul e sudeste, o aumento do uso de tratores e a orientação do crédito para a produção de commodities, em particular o milho e a soja, apontam para o abandono do modelo derivado da agricultura tradicional, com policulturas e criações consorciadas e a adoção de monoculturas empregando adubos químicos, sementes híbridas/transgênicas e agrotóxicos. Em outras regiões, verificou-se uma queda nos cultivos alimentares e uma expansão dos pastos plantados voltados para a criação de gado bovino.

Olhemos agora para a estruturação desta categoria de agricultores familiares, tendo por base o tamanho das propriedades.

Os dados que passo a apresentar foram calculados pela CONTAG e mostram a estrutura fundiária da agricultura familiar: (i) menos de 10 ha: 2.090.000 (54%), incluindo 1% sem área própria; (ii) entre 10 e 50 ha: 1.354.500 (35%); (iii) eEntre 50 e 100 ha: 425.700 (11%).

O tamanho da propriedade não define, obrigatoriamente, a condição econômica do produtor. Outros estudos, baseados na renda média (RM) auferida, apontam para dados ainda mais preocupantes.

Grupo I (extrema pobreza), com RM de menos da metade da RM nacional da agricultura familiar: 2.244.600 (58%). Este grupo recebe 11% do valor básico da produção (VBP) da agricultura familiar.

Grupo II (pobreza), com RM entre metade e três vezes a RM nacional: 1.277.100 (33%). O grupo recebe 21% do VBP da agricultura familiar.

Grupo III (remediados a ricos): com RM superior a três vezes a RM nacional: 348.300 (9%). O grupo recebe 68% do VBP da agricultura familiar.

Estes dados indicam que a riqueza auferida pela agricultura familiar está muito concentrada em uma parcela de apenas 9% desta categoria. Embora não exista correlação precisa entre tamanho de propriedade e renda, há uma clara tendência de se aproximarem estes indicadores. Se acrescentarmos à estes dados a distribuição geográfica da agricultura familiar esta tendência fica ainda mais clara. Quase metade da agricultura familiar (47,5%) se encontra na região nordeste e a grande maioria no semiárido, contando 1.840.000, em números aproximados. Pelas dificuldades naturais do clima na caatinga com instabilidade crescente de oferta hídrica e secas cada vez mais frequentes e prolongadas podemos considerar que este grupo mais pobre deve estar fortemente concentrado entre os agricultores familiares desta região.

Para fazer uma síntese, este grupo de agricultura familiar da região semiárida (nordeste e parte do sudeste), com menos de 10 ha e, eventualmente, uma parcela dos que tem entre 10 e 50 ha, produzindo para o autoconsumo e dependente de rendas externas (Bolsa Família, aposentadoria, contribuições de familiares, trabalho fora, outras), empregando métodos tradicionais de produção com baixa produtividade, deveria ser objeto do foco de um programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que discutirei em outro artigo.

Especulo que este público deve integrar perto de 1,8 milhão de beneficiários. Deixo em aberto como deveríamos chamar estes agricultores para não usar a categoria de miseráveis ou de extrema pobreza. Minifundistas? É verdade que a maioria cabe nesta definição empregada pelo INCRA, mas uma parcela escapa a este critério, que pretende combinar tamanho e renda. Outros 400 mil agricultores familiares desta categoria de extrema pobreza estão distribuídos por todos os outros biomas e as características destes biomas deverão orientar programas específicos. Talvez o nome melhor seja produtor de produtor tradicional de subsistência.

Um segundo grupo seria o dos proprietários com 10 a 50 ha, cujo número é quase igual ao grupo intermediário pelo critério de renda média, muito embora isto não signifique uma exata coincidência. Com efeito, um agricultor familiar pode ser remediado ou até rico e ter menos de 10 ha de terra. Ou ser miserável com mais de 50 ha. Mas acredito que estas serão exceções à regra que emparelha tamanho da propriedade e renda.

Este segundo grupo será bastante diversificado, com os mais pobres se aproximando do grupo da extrema pobreza e os menos pobres se aproximando dos remediados/ricos. Ele se caracteriza pela adoção de sistemas de produção misturando práticas tradicionais e outras ditas modernas em proporções variadas segundo a cultura e o local; pela produção para autoconsumo combinada com produção para o mercado; pouco uso de maquinário; pouco acesso ao crédito bancário; baixa produtividade; terras de má qualidade ou desgastadas; pouca área disponível; vulnerabilidade climática, embora devendo ser menos grave que na região semiárida.

Este grupo deve estar principalmente voltado para a produção de alimentos para os mercados locais/microrregionais. Ele deve estar distribuído em todas as regiões e chegar a um número total de 1,3 milhão de agricultores familiares. Também não sei como chamar este grupo.

Um terceiro grupo seria o dos AF com RM superior a três vezes a RM nacional. São considerados remediados ou até ricos; empregando as técnicas da agroquímica; mecanizados; com acesso ao crédito bancário; integrados às indústrias de transformação como moinhos de trigo e de milho, produtores de rações, aves, suínos, leite, uvas, óleos vegetais, sucos, outras; com áreas médias maiores do que 50 ha, embora uma parcela com 20 a 50 ha possa estar nesta categoria.

Eles somam uns 400 mil agricultores familiares, com forte concentração na região sul. Muitos destes agricultores se voltaram para a produção de commodities, sobretudo soja e milho, e a região sul absorveu mais de 50% do crédito distribuído pelo PRONAF na última década para estes dois produtos. Este grupo, claramente, podia ser chamado de agronegocinho, mas o nome é um tanto pejorativo e devíamos buscar outra denominação. Quem sabe usamos produtor integrado/modernizado?

Este extenuante e impreciso estudo da caracterização da agricultura familiar se fez necessário para podermos pensar em propostas de políticas e programas diferenciados, tanto nos objetivos como nos instrumentos a serem empregados. Isto vai ser o objeto de um artigo futuro, depois de analisarmos as políticas adotadas entre 1996 e 2022.

29
Jul23

Quase 800 indígenas foram assassinados durante governo Bolsonaro

Talis Andrade

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Documento do Conselho Indigenista Missionário quer Comissão da Verdade para investigar mortes e conflitos armados


Bruna Bronoski

Agëncia Pública


* Maioria das mortes foi no Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima
* No Mato Grosso do Sul, documento registra indígenas comendo lixo

 

Ao sair para buscar lenha numa fazenda vizinha à reserva de Taquaperi, no Mato Grosso do Sul, um jovem indígena Guarani-Kaiowá de 18 anos foi morto por cinco disparos de arma de fogo. No Amazonas, a cacique do povo Kulina denunciou o assassinato de ao menos sete indígenas das aldeias da região, entre eles o de um adolescente de 15 anos, decapitado. Em Roraima, a tentativa de assassinato de um grupo de cinco indígenas Xirixana por garimpeiros resultou na morte de uma liderança. Para fugir dos disparos, as vítimas se jogaram no rio Uraricoera. Todos os crimes ocorreram em 2022. Ao todo, quase 800 indígenas foram assassinados entre 2019 e 2022.

Os três estados citados acima — Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima — são os mais letais para indígenas no Brasil, conforme o relatório anual do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), divulgado nesta quarta-feira (26) ao qual a Agência Pública teve acesso. Os dados do período de 2019 a 2022, sob o governo de Jair Bolsonaro (PL), são da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e das secretarias estaduais de saúde.

Nos estados de Roraima e Amazonas, onde está a Terra Indígena Yanomami (TIY), houve 208 e 163 assassinatos de indígenas no período, respectivamente. Em terceiro lugar no ranking de mortes violentas contra indígenas aparece o Mato Grosso do Sul, com 146 casos. Juntas, as três unidades federativas foram responsáveis por 65% dos assassinatos no período. Em todo o país, foram registrados 795 homicídios nos quatro anos.

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Christian Braga/Greenpeace. No Amazonas e Roraima, onde está a Terra Yanomami, foram registrados 371 assassinatos de indígenas

 

As mortes por assassinato não são a única causa de extermínio indígena. Invasão de terras, negligência ou negativa de assistência médica, redução de verba pública para órgãos de proteção, racismo, ameaças e violência física e sexual são causas apontadas para o extermínio de indígenas. Outro ponto levantado pelo relatório é a falta de políticas públicas contra o suicídio.

O documento também pontua a necessidade de criação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade (CNIV), a exemplo da comissão instalada para investigar crimes da ditadura civil-militar brasileira.

 

Governo negligencia fome, doenças e mortes evitáveis

 

O governo Bolsonaro não demarcou nenhum centímetro de Terra Indígena no Brasil, como prometido antes da posse. Sua política indigenista é considerada “genocida” e promotora da “naturalização da morte indígena”. O governo Bolsonaro foi o primeiro desde a redemocratização a não homologar nenhuma TI, o que, para o CIMI, contribuiu para a desassistência à saúde e à morte indígena.

O relatório indica que, sem a demarcação de suas áreas, há grupos que não possuem terras ou águas suficientes para produzir os próprios alimentos. Eles ficam assim dependentes de políticas de assistência social.

O cerco, segundo o relatório, ocorreu dos dois lados sob o governo Bolsonaro. De um lado, não houve andamento dos estudos de Grupos Técnicos (GTs) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), nem daqueles criados por determinação judicial, para que qualquer território indígena reivindicado fosse reconhecido no Brasil. De outro, o governo federal interrompeu o fornecimento de cestas básicas entre agosto e dezembro de 2022, antes e depois do período eleitoral, entre outras desassistências.

Segundo o documento, ao menos 800 indígenas das etnias Avá-Guarani, do oeste do Paraná, e Mbya Guarani, do Rio Grande Sul, vivenciaram situações de fome, principalmente entre crianças. Segundo o CIMI, os “espaços diminutos” em que vivem impedem qualquer forma de sobrevivência pela terra. 

Em Dourados (MS), houve registros de indígenas se alimentando de lixo para comer. O relatório traz o depoimento da liderança indígena Erileide Domingos, da aldeia Guyraroka, que denunciou o caso à Organização das Nações Unidas em agosto de 2022. “A fome é resultado da desorientação do Estado brasileiro. É muita falta de piedade com o outro, de olhar os pobres, sem condições, sem emprego, sem possibilidade de plantar, não conseguimos produzir nada, não conseguimos ser ninguém”, relata Erileide no documento.

 

Omissão na saúde matou mais de três mil crianças indígenas, diz relatório

 

A omissão na área da saúde é outro ponto que levou à morte centenas de indígenas em todo o país.

Mais de 3.550 crianças de até 4 anos de idade morreram entre 2019 e 2022 em territórios indígenas. Os estados de Roraima e Amazonas carregam a maior quantidade de casos, desta vez seguidos pelo Mato Grosso. 

Uma em cada três mortes infantis registradas pela Sesai eram evitáveis, conforme análise de dados do CIMI a partir da Nota Técnica do Ministério da Saúde. Falta de acompanhamento da gestação, casos de gripe e pneumonia, desnutrição, diarreias e doenças infecciosas tratáveis estão entre os motivos que evitaram que 1.504 crianças pudessem chegar à fase adulta.

Para o CIMI, a desassistência médica é fator diretamente ligado à política indigenista empregada pelo governo federal nos últimos quatro anos. O caso de maior repercussão foi a falta de acesso às políticas públicas de saúde por parte dos indígenas Yanomami, denunciado pela Pública em diversas reportagens. O Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (Dsei-YY) registrou, só em 2022, 134 mortes de crianças entre 0 a 4 anos.

Na TI Yanomami, a invasão do garimpo estrangula serviços públicos indigenistas, entre eles os de saúde, denuncia a Hutukara Associação Yanomami (HAY) no relatório. “A captura da estrutura de saúde por garimpeiros gerou uma situação de desassistência generalizada no território”, afirma o documento sobre os postos de saúde que fecharam no território pela sensação de insegurança com a presença da atividade ilegal e armada.

 

Governo atrasou vacina e não reforçou políticas para prevenir o suicídio

 

Entre os adultos, a maior quantidade de mortes foi no Mato Grosso, com 136 casos. Entre as causas estão o atraso da chegada da vacina aos territórios, estadias em más condições quando grupos de indígenas se dirigem aos centros urbanos em busca de serviços, infecções gastrointestinais causadas por poluição da água, consumo de agrotóxicos pela água, entre outros.

Se crianças e adultos indígenas morrem por desassistência médica, a omissão estatal entre os jovens indígenas ocorre pela falta de outra política pública: a de prevenção ao suicídio. Novamente, estados já citados em outras estatísticas negativas lideram a causa da morte por suicídio entre indígenas. A cada cinco registros no quadriênio 2019-2022, dois ocorreram no estado do Amazonas e um no Mato Grosso do Sul. Ao todo, 535 indígenas tiraram a própria vida no período. Destes, 35% eram jovens menores de 19 anos.

 

Destruição de bens indígenas

 

O Conselho das Aldeias Wajãpi-Apina denunciou, em fevereiro de 2022, a poluição dos rios pela invasão garimpeira na Terra Indígena (TI) Waiãpi, no Amapá: “Fotos e vídeos de várias aldeias mostram as águas com muita lama e como dependemos dos rios para beber água e tomar banho, isto gerou muita preocupação para os nossos chefes e famílias.”

O registro afirma que os garimpeiros provocam danos aos bens naturais essenciais que afetam o modo de vida indígena no entorno e dentro da TI.

Mais ao oeste, outro caso de invasão ao maior patrimônio indígena, a floresta. A autorização para abrir um ramal dentro da TI Jaminawá/Iguarapé Preto, ligando dois municípios, partiu do Instituto de Meio Ambiente do Acre. Por se tratar de Terra Indígena, o licenciamento ambiental da obra deveria passar pelo órgão federal competente, o Ibama, e não pelos órgãos estaduais.

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Hellen Loures/CimiHellen Loures/Cimi. Relatório denuncia impactos de desmatamento, criação de gado, agrotóxicos e obras de infraestruturas nas terras indígenas

 

A lista de danos aos territórios, demarcados ou não, é grande. Construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), criação de gado, arrendamento de terras, uso de agrotóxicos, construção de presídios estaduais e federais, desmatamento de área sagrada, contaminação das águas e animais por mercúrio, loteamento e outras formas de invasão e destruição ao patrimônio indígena ocupam algumas páginas do relatório.

As maiores estatísticas ocorreram com casos de desmatamento, registrados em 74 TIs, segundo dados do Prodes. Em seguida, aparece a extração ilegal de madeira, areia, castanha e outros recursos naturais, com 65 ocorrências. Já as atividades ilegais de garimpo e mineração, assim como a de caça e pesca ilegais, atingiram, cada uma, ao menos 45 TIs, segundo o relatório. Uma TI pode constar em um, dois ou mais tipos de ocorrência.

De acordo com o CIMI, os danos ao patrimônio indígena têm como consequência o aumento de conflitos por direitos territoriais. O assassinato do jovem Guarani-Kaiowá com cinco disparos de arma de fogo que abre esta reportagem foi seguido de conflitos por território. 

O documento relembra que o crime incitou ações de retomada indígena, como são chamadas as manifestações e acampamentos para reivindicar uma área ancestral. Conforme documenta o CIMI, as manifestações no município de Coronel Sapucaia (MS) foram “reprimidas com violentas e ilegais operações policiais e emboscadas contra lideranças, que deixaram mortos e feridos”.

 

Sinal “verde” para violar direitos

 

Nomeado em julho de 2019 para presidir a Funai e exonerado só no penúltimo dia do governo Bolsonaro, em 29 de dezembro de 2022, o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier defendeu um ex-coordenador regional da fundação em Mato Grosso do Sul, preso por operação da PF pelo envolvimento no esquema de arrendamento de Terras Indígenas e cobrança de propina para aluguel de pastos. O ex-presidente da Funai disse, em ligação interceptada pela PF, que estava tentando intervir nas investigações que incriminavam o ex-servidor.

“As ações e discursos do governo federal e da Funai, sob a presidência de Marcelo Xavier, serviram como sinalizações que criaram nos invasores a expectativa de que suas posses ilegais dentro de terras indígenas seriam legalizadas em breve”, destaca o CIMI sobre as tentativas de Xavier, via normativas da Funai, de legalizar o garimpo e a extração de madeira em TIs.

O governo agiu em diversas frentes contra os direitos indígenas, aponta o CIMI. Na pasta da Justiça sob Bolsonaro, o então ministro Sérgio Moro definiu, com base da tese do marco temporal, uma relação de áreas indígenas que poderiam ser demarcadas. Proposta pela bancada ruralista, a tese retiraria amplamente os direitos indígenas, afirmam os povos originários e especialistas.

12
Jul23

Mais de 21 milhões de brasileiros passaram fome severa em 2022, diz relatório da ONU

Talis Andrade

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EFEITO BOLSONARO

 

Relatório de cinco agências da ONU indica que a quantidade de brasileiros que enfrenta algum tipo de insegurança alimentar alcançou a marca de 70,3 milhões. O número se refere ao período de 2020 a 2022, ano de programas eleitorais de auxílios que consumiram bilhões para trocar votos por alguns trocados. Houve aumento de 14,6% em relação ao último levantamento da entidade, quando havia 61,3 milhões nessa situação.

Os dados ainda revelam que desse total, 21,1 milhões, ou seja, 9,9% da população brasileira, possui insegurança alimentar severa. A informação foi divulgada pelo jornal O Globo, e portal Brasil 2447.

Para ofertar pão e circo (motociata, cavalgada, cantores sertanejos via prefeitos etc) foi criado um orçamento secreto, a pec das bondades ou pec do desespero eleitoral, ou ainda a pec do teto ou hímen complacente. Bilhões e mais bilhões gastos, e o povo com fome, e o povo sem agua, inclusive os índios - agua potável negada pela ministra Damares Alves - na Floresta dos rios envenenados. 

Leia abaixo reportagem da Télam sobre a situação da fome na América do Sul: 

O número de pessoas que sofrem com a fome no mundo se estabilizou em 2022 após sete anos de alta, representando um "avanço modesto" na América do Sul, uma das regiões que registrou um dos maiores progressos contra esse flagelo no último ano, de acordo com cinco agências da ONU que alertaram que ainda é "inatingível" cumprir a meta de alcançar a segurança alimentar no planeta até 2030.

O relatório alertou que cerca de 735 milhões de pessoas passaram fome naquele ano, o que equivale a 9,2% da população mundial. Os autores do relatório incluem a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Apesar do crescimento contínuo desde 2015, o número se estabilizou e até mesmo registrou uma ligeira queda, com 3,8 milhões de pessoas a menos em comparação com 2021.

A América Latina obteve avanços no combate à fome, exceto na região do Caribe, onde a situação se agravou. O relatório também aponta para o aumento da desnutrição crônica na Ásia Ocidental e na África, conforme divulgado pela agência de notícias AFP, que também mencionou a participação do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Programa Mundial de Alimentos (PAM) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) no documento.

O relatório anual sobre o estado da segurança alimentar e nutricional no mundo especifica que, na África, uma em cada cinco pessoas sofre de desnutrição crônica.

O documento retrata um "instantâneo de um mundo ainda se recuperando de uma pandemia global e agora enfrentando as consequências da guerra na Ucrânia, que agitou ainda mais os mercados de alimentos e energia", de acordo com o relatório.

Desde 2019, essas duas crises adicionaram 122 milhões de pessoas ao mapa da fome.

Embora a recuperação econômica após a pandemia tenha melhorado a situação, "não há dúvida de que esse progresso modesto foi prejudicado pelo aumento dos preços dos alimentos e da energia, amplificado pela guerra na Ucrânia" que eclodiu em 24 de fevereiro do ano passado, especificou o relatório.

O relatório adverte que, sem esforços mais bem direcionados, a meta de "acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição em todas as suas formas até 2030 permanecerá fora de alcance".

Na América Latina e no Caribe, a prevalência da desnutrição - o indicador que mede a fome - caiu de 7% em 2021 para 6,5% em 2022, o que representou uma redução de 2,4 milhões no número de pessoas que passam fome.

No entanto, essa redução é explicada pela evolução na América do Sul (de 7% para 6,1%), enquanto o Caribe registrou um aumento notável de 14,7% em 2021 para 16,3% em 2022. Se o progresso continuar nesse ritmo, cerca de 600 milhões de pessoas ainda podem sofrer com a fome em 2030, principalmente na África.

Isso representa "cerca de 119 milhões de pessoas a mais do que se nem a pandemia de Covid-19 nem a guerra na Ucrânia tivessem ocorrido", afirmaram as agências da ONU.

Os principais fatores de insegurança alimentar - conflitos, contração econômica e catástrofes climáticas - e as desigualdades recentes se tornaram um "novo normal", destacaram.

Álvaro Lario, presidente do FIDA, apontou a falta de investimento e "vontade política para implementar soluções em larga escala".

Cindy McCain, diretora-executiva do PAM, alertou que a fome está aumentando "ao mesmo tempo em que os recursos necessários para proteger os mais vulneráveis estão sendo perigosamente reduzidos".

Assim como no ano anterior, em 2022, 2,4 bilhões de pessoas sofriam de insegurança alimentar aguda ou moderada. Ou seja, três em cada dez pessoas não tinham acesso à alimentação adequada.

Por outro lado, a capacidade das populações de acessar alimentos saudáveis se deteriorou em todo o mundo, devido ao impacto prolongado da pandemia nas economias e ao aumento dos preços dos alimentos, ressaltou a ONU.

Mais de 3,1 bilhões de pessoas não puderam pagar por uma dieta balanceada em 2022, levando à desnutrição, deficiências ou obesidade.

12
Jul23

Farra das visitas a Mauro Cid na prisão

Talis Andrade

CPMI dos Atos Golpistas e Exército vão investigar visitas a Mauro Cid personagem-chave para elucidar crimes cometidos por Bolsonaro, um kid preto em silêncio nos inquéritos e falante e alegre nas animadas farras na prisão especial do quartel 

A CPI Mista dos Atos Golpistas e o Exército vão investigar a farra das visitas ao ex-assessor de Jair Bolsonaro Mauro Cid, que recebeu 73 pessoas desde que foi preso, em 3 de maio. Entre os visitantes, 41 eram militares

Escreve Valdo Cruz, G1: Pegou muito mal, durante o não-depoimento do tenente-coronel Mauro Cid à CPI, a informação de que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro recebeu visitas de Fábio Wajngarten, interessado direto no depoimento dele na CPI, e do coronel Jean Lawand Júnior, também investigado.

A CPI busca saber agora quando foi a visita de Lawand a Mauro Cid. Se antes ou depois de divulgadas as mensagens em que o coronel defende um golpe de Estado e cobra de Mauro Cid uma ação de Jair Bolsonaro para tentar impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se foi depois da divulgação, é ainda mais grave. Para todo efeito, tem gravidade, já que Lawand sabia das mensagens e poderia ser alvo de investigação, o que já acontece hoje.

Ao tomar conhecimento do número "elevadíssimo" de visitas a Mauro Cid, o ministro Alexandre de Moraes decidiu restringi-las apenas à mulher, filhos e advogados. As demais, apenas se autorizadas por ele.

O ministro questionou ao Batalhão da Polícia do Exército, onde o ex-ajudante de ordens está preso, as regras das visitas e por que tantas foram liberadas, inclusive as de investigados pelos atos golpistas de 8 de janeiro deste ano.

Segundo interlocutores do comando do Exército, o depoimento de Mauro Cid ocorreu dentro do previsto, já que ele havia sinalizado que não pretendia falar à CPI, como tem ocorrido nos depoimentos à Polícia Federal.

Mas a avaliação dentro do governo Lula é que o ex-ajudante de ordens acaba prejudicando a imagem do Exército e passou a imagem de que realmente tem "culpa no cartório" ao se manter em silêncio.

 

Neste trecho do Café do MyNews, do dia 03 de maio de 2023, os jornalistas Mara Luquet e Afonso Marangoni repercutem a prisão do ex-assessor de operações e braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, em uma operação da Polícia Federal. A prisão de Cid foi uma determinação do Ministério Público junto ao ministro do Superior Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Mauro Cid teria, junto a outros representantes públicos e integrantes da equipe de Bolsonaro, falsificado cartões de vacina contra a Covid-19 para entrar nos Estados Unidos após a derrota do ex-presidente nas eleições passadas. De acordo com Afonso Marangoni, a prisão do braço direito de Bolsonaro foi decretada na Vila Militar, onde Mauro Cid reside, o que gerou desconforto nos militares. Já segundo o jornalista João Bosco Rabello, a prisão de Cid pode levar a desdobramentos que envolvem o ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres. Ainda, após deixar sua residência, Jair Bolsonaro declarou que os Estados Unidos não o pediram carteira de vacinação. 

12
Jun23

Prefeito de Campinas Dário Saadi constrói 'casa' popular de apenas 15m²

Talis Andrade

Mente doentia inimiga do pobre criou novo tipo da casa popular para o coitado do vivente morrer de fome frio no inverno e de fome e calor no verao e treinar para viver na cadeia quando vingar a ditadura de Bolsonaro com a rainha Ester 

 

Prefeito bolsonarista dos Republicanos esconde o custo da cada caixao de tijolos, que apelidou de descanso. Arquitetos dizem o monto contraria diretriz da ONU. Especialistas da USP e Unicamp chamam o forno de "inaceitável" para uma vida e morte Severina

 

A construção de casas populares em Campinas está em desacordo com as diretrizes da ONU para habitação adequada. O governo municipal está construindo 116 moradias de 15 m², com apenas um cômodo e um banheiro, para abrigar 450 pessoas no Residencial Mandela, no distrito do Ouro Verde. Essas pessoas atualmente vivem em áreas de risco e ocupações. O projeto custa R$ 6 milhões. O prefeito Dario Saadi esconde o pre₢o de cada casita. 

Reportagem do portal O Vale destaca que, de acordo com a ONU Habitat, uma moradia é considerada adequada quando até três pessoas compartilham um quarto habitável com uma área mínima de 9 m², além de espaços como cozinha e banheiro. Um cômodo tão pequeno compromete a saúde e o bem-estar dos moradores. No entanto, as casas em Campinas abrigarão, em média, 3,8 pessoas, chegando a ter famílias com até sete pessoas. Arquitetos consultados pela reportagem afirmam que as casas em Campinas comportam apenas uma pessoa, contrariando a determinação do órgão internacional.

As casas em Campinas têm o tamanho de uma van e não permitem que duas pessoas deitem lado a lado. Com apenas 15 m², elas representam menos da metade do tamanho minimo permitido das moradias do programa Minha Casa Minha Vida do governo federal.

As republicanas casas em Campinas não permitem que duas pessoas deitem lado a lado. Dizem que assim foram idealizadas pela senadora Damares Alves para evitar acasalamentos 
05
Mai23

Qual é o real propósito da CPI do MST em investigar o movimento?

Talis Andrade
 
 
 
Imagem
 
 

Possível relator, Ricardo Salles ( o passa a boiada ) afirmou que se deve tratar o MST com "tolerância zero" em campanha para deputado federal em 2018

 

por Camila Bezerra /Jornal GGN

Se aprovada (e provavelmente vai), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) deve gerar bastante disputa ideológica na Câmara dos Deputados pelos próximos meses.

Isso porque a comissão, que deve somar 27 membros titulares e outros 27 suplentes, será composta apenas por deputados federais, cuja bancada é, em sua maioria, favorável ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Apenas o Partido Liberal (PL), sigla do ex-mandatário, elegeu 99 das 513 cadeiras da Casa na última eleição.

Relator

Deputado federal e ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP) é o nome favorito à presidência da CPI do MST.

À imprensa, Salles afirmou que a CPI convocará os líderes de todos os estados para depor e, depois, que “irá fazer o caminho do dinheiro”, a fim de identificar os “financiadores” do movimento.

Salles defende ainda a discussão sobre a regularização fundiária do País, para tratar questões como terras indígenas, unidades de conservação, assentamento do Incra, entre outros.

 

Polêmicas

 

Ligado aos ruralistas, Salles, no entanto, tem um longo histórico de polêmicas que deveriam ser considerados antes da definição do seu nome como relator da CPI do MST.

Em 2018, enquanto candidato à Câmara, o ex-ministro pregava “tolerância zero contra o MST”, além de fazer alusões a armas de fogo e munições em um dos panfletos de campanha.

Este ano, o agora parlamentar afirmou que o MST “se disfarça de ONG para encher o bolso de dinheiro”, e que o objetivo de uma comissão seria investigar supostas ações terroristas dos trabalhadores, a quem descreve como bandidos e picaretas

 

Conflito de interesses?

 

Sócio de um empresário do agronegócio, Ricardo Salles negou ao Globo que ser presidente da CPI traria conflito de interesses, pois ele se compromete a técnica enquanto relator.

“Eu sou um dos que mais conhece o assunto na Casa e me comprometi com o presidente Arthur Lira e demais líderes a fazermos um trabalho sóbrio, respeitoso e técnico. Não haverá pirotecnia”, disse.

 

Alternativa

 

Quem também pode assumir a presidência da comissão é Luciano Zucco (Republicanos-RS), investigado pela Polícia Civil por incentivar atos antidemocráticos de bolsonaristas.

O parlamentar postou no Instagram uma foto de um ato antidemocrático em frente ao Comando Militar do Sul. O domumento da Polícia Civil foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

 

Tiro no pé

 

Nesta terça-feira (2), o grupo de advogados, juristas e defensores públicos Prerrogativas informou que os trabalhadores convocados para depor na CPI terão assessoria jurídica.

Coordenador do grupo, o advogado Marco Aurélio de Carvalho está confiante com os resultados da CPI, pois acredita que a visibilidade e as discussões em torno do trabalho do MST serão uma oportunidade de desmistificar a ideia sobre o movimento dos trabalhadores e ainda de dar visibilidade às ações do MST.

“Não tenho dúvidas de que essa CPI será um tiro no pé da oposição. O MST mostrará ao país a importância da reforma agrária e da função social da propriedade. O MST tem a nossa solidariedade, a nossa admiração, o nosso respeito e o nosso irrestrito apoio”, disse Carvalho ao jornal Folha de São Paulo.

João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, disse em entrevista ao Brasil de Fato que a CPI não tem um fato pré-determinado.

“O MST não tem convênio com o governo em nenhum estado. O movimento já demonstrou que é uma organização que produz alimentos saudáveis e por isso queremos essa reunião com o Lira para fazer um bom debate sobre o assunto”, continuou Rodrigues.

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23
Jan23

'Ando doido pra morrer': 20 anos depois, a dor de quem continua a conviver com a fome

Talis Andrade

 

Por Fantástico

Uma reportagem especial do Fantástico mostrou o sofrimento de quem passa fome no Brasil nos últimos 20 anos. Em 2001, os repórteres Marcelo Canellas e Lúcio Alves conversaram com Maria Rita, a lavadeira que morreu de fome 15 dias depois da entrevista ao Jornal Nacional. Duas décadas depois, eles voltaram a Araçuaí (MG) e conversaram com João da Conceição, primo de Maria, e a esposa dele, Maria Aparecida. De lá pra cá, pouco ou nada mudou [Aconteceu o golpe contra Dilma Roussef. E com os presidente Michel Temer e Jair Bolsonaro a fome morte severino voltou. A fome braba]

Tudo o que eles têm para passar o mês cabe numa caixa de papelão: feijão, farinha, arroz e óleo. A conta atrasada chega em forma de ameaça. Aos 74 anos, João não suporta tamanha incerteza.

“Fica difícil, né? Eu ando doido pra morrer. Eu morrendo, descanso. Descanso dessa vida. Leva pra onde Deus quiser”, diz.

 

João e Maria Aparecida — Foto: Fantástico

João e Maria Aparecida — Foto: Fantástico

Abatido pela velhice e pela doença, João não consegue mais trabalhar na roça e nem tirar o sustento da terra, como faz Maria, agricultora de um assentamento no interior de Alagoas.

 

18
Out22

Nikolas Ferreira e Satanás

Talis Andrade

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A multiplicação dos pães 

A tentação de Jesus

Então, foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome; E, chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães. Ele, porém, respondendo, disse: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Então o diabo o transportou à Cidade Santa, e colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus.Novamente, o transportou o diabo a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles. E disse-lhe: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares. 10 Então, disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele servirás. 11 Então, o diabo o deixou; e, eis que chegaram os anjos e o serviram.

 

O tentador de Nikolas Ferreira

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artevillar
@artevillar1
Sobrou até pra Jesus...
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Está escrito:

"Então, o diabo o deixou; e, eis que chegaram os anjos e o serviram".

33 milhões de brasileiros passam fome. E esse deputado Satanás diz que isso é imitar o jejum de Jesus no deserto. Reportagem da agência alemã DW: Fome no Brasil pode chegar a "situação explosiva"ImageCharge: Na fila do osso. Por Lula Cabral

Ossos de boi, arroz e feijão quebrado formam cardápio de um Brasil que  empobrece - Brumado Urgente

 Enquanto o povo come osso, JBS alcança lucro histórico com a exportação de  carne |Vídeo mostra moradores procurando comida em caminhão de lixo em Fortaleza

AS BONDADES DE JESUS NA PRIMEIRA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E DOS PEIXES – MATEUS 14,13-21

por Ricardo Mariz de Oliveira

- - -

Quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas, quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé. Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” Jesus, porém, lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. Jesus disse: “Trazei-os aqui.” Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a benção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões. Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças.


Visto por sua repercussão social, este foi um dos milagres mais espetaculares de Jesus, porque de uma só vez alimentou uma multidão de mais de cinco mil pessoas, e fez isso a partir de apenas cinco pães e dois peixes, mas todos ficaram satisfeitos! Também foi um feito assombroso para as ciências, pois, se em todos os milagres Jesus ultrapassou as leis da natureza, neste multiplicou a existência de matérias!

Quando se decidiu a alimentar aquele povo todo, certamente Jesus não dependia daqueles pouquíssimos peixes e pães, já que poderia tê-lo feito a partir do nada, mas o uso dos poucos pães e peixes tem significados muito mais relevantes do que o acontecimento em si.

Já de início, na narrativa de São Mateus podemos notar o estado de espírito de Jesus, e a imensidão da sua bondade. 

Realmente, Jesus tinha ficado abatido com a notícia que recebeu sobre a morte de João Batista, motivo pelo qual pensou em ir para longe de todos, procurando um lugar afastado e deserto no qual pudesse orar por seu primo executado iniquamente. Mas não conseguiu se isolar, pois, chegando lá, encontrou uma multidão já a sua espera, perante a qual ele abriu mão da sua tristeza e do seu intento de isolamento e se pôs a atendê-la. Neste sentido, Mateus consegue nos transmitir com finura o modo como presenciou a reação de Jesus, o qual, ao invés de deixar de atender os anseios de tantos homens e mulheres, porque preferia estar só, “encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes”.

Porém, sua bondade para com os homens e mulheres que ali estavam não se limitou a isso, pois, ao se aproximar a noite, dedicou-lhes outra ação benemérita, de lhes propiciar alimentação em plena terra de ninguém! 

Ademais, sua bondade ainda não se esgotara, nem ficou limitada a simplesmente atender as necessidades daquelas pessoas, pois, ao lhes dar comida, o fez conjuntamente com ensinamentos catequéticos.

De fato, ele poderia ter feito descer pão do céu, caindo diretamente nas mãos de cada um, mas se valeu dos pães e dos peixes que alguém tinha, e do trabalho dos discípulos para os distribuir a todos.

Agindo assim, Jesus mostrou a importância da solidariedade, manifestada primeiramente por alguém (outro evangelista diz que era um menino) que abriu mão do alimento que tinha, e em segundo lugar pelo trabalho dos discípulos ao se encarregarem de ir de grupo em grupo para entregar os pães e os peixes que Jesus fizera aparecer dos poucos iniciais.

Podemos dizer que, tal como os discípulos e o dono dos cinco pães e dos dois peixes, Jesus também foi solidário com o povo, mas solidariedade é ato entre pessoas iguais, ao passo que Jesus, ainda que homem, era o próprio Deus encarnado no ventre de Maria. Assim, a sua ação multiplicadora daqueles poucos alimentos emanou da profunda misericórdia divina, a mesma que ele sempre disse existir e que dedicou a todos.

E no fim, o recolhimento das sobras da comida nos ensina que não devemos desperdiçar o que Deus nos concede, mesmo quando já estejamos satisfeitos em nossas necessidades e aparentemente não mais precisemos dele. Ao contrário, devemos sempre nos sentir atentos ao que conseguirmos, gratos e cuidadosos, porque o que hoje nos sobra pode fazer falta amanhã, ou pode faltar a alguma outra pessoa.

Subjacente a tudo, há a permanente dependência que submete a humanidade a Deus, como aquelas mais de cinco mil pessoas dependeram de Jesus ao longo daquele dia. Temos a tendência de pensar que alguns bens já são nossos, que os adquirimos com nosso trabalho e ninguém tem o direito de os retirar da nossa posse. Mas, ainda que seja assim, não lembramos que foi Deus quem colocou todas as coisas no mundo e não pensamos que a própria vida, com a qual e durante a qual trabalhamos e conquistamos essas coisas, nos foi dada por Deus, assim como cada dia em que ela se prolonga e nós o vivemos com saúde, não depende de nós, mas de uma graça divina sempre renovada.

Assim, todo o acontecimento da multiplicação dos pães e dos peixes, desde antes de ocorrer, já quando Jesus resolveu abandonar seu propósito de ficar sozinho, até o final com a colheita das sobras, não pode passar despercebido em seu significado mais profundo da dependência humana e da misericórdia divina. Não fosse esta, sequer teríamos vida e todas as graças que dela brotam!

 

A multiplicação dos pães: milagre ou simples partilha?

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