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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Jul22

“Serei o próximo a morrer?”

Talis Andrade

Agência Pública (@agenciapublica) / Twitter

 

 

  • “Internamente, funciona assim: tudo o que a diretoria não gosta, ela classifica como ‘ideológico’
  • “Minha família já pediu diversas vezes para eu repensar, para sair daqui, mas o trabalho não pode parar"
  • “A saída do Bruno [do cargo de chefia da CGRIIC] foi um inferno para nós"

 

por Caio de Freitas Paes /Agência Pública

Não é segredo que a Fundação Nacional do Índio (Funai) parece ignorar sua principal missão – a proteção aos povos indígenas – durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Não à toa, após o assassinato do indigenista licenciado Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips os servidores da pasta se rebelaram contra a atual diretoria: a categoria lançou, junto ao Instituto de Estudos Socioeconômicos, um dossiê com mais de 200 páginas, uma espécie de radiografia do atual desmonte da Funai, e iniciou uma greve nacional pela saída de Marcelo Xavier da presidência do órgão.

O cargo é ocupado pelo delegado da Polícia Federal (PF) desde julho de 2019. No período, o governo inundou a Funai com agentes de segurança: para se ter ideia, segundo o dossiê recém-lançado, mais da metade das coordenações regionais do órgão estava sob controle de militares, policiais militares e federais até maio passado. Alguns deles já falaram em “meter fogo” em povos isolados, cometeram agressões físicas contra indígenas e envolveram-se em acordos de arrendamento de reservas.  

No fim das contas, o brutal crime ocorrido no Vale do Javari (AM) fez com que alguns indigenistas rompessem a mordaça. A maioria dos entrevistados na ativa da Funai relatou em detalhes à Agência Pública parte da rotina de assédios, intimidações e ameaças de morte que tem sofrido nos últimos quatro anos.

Presidente da Funai precisa sair já - 22/06/2022 - Opinião - Folha

Servidores da Funai afirmam sofrer assédios, intimidações e ameaças

 

“Assim, não precisa nem contratar pistoleiros para nos matar”

 

Daniel Cangussu foi o único indigenista do grupo ouvido pela Pública a não pedir anonimato, dada sua notória insatisfação com a presidência de Marcelo Xavier. Ele atua há mais de dez anos na Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia, onde se especializou na localização e no contato com povos isolados. 

“Com o desmonte [da Funai], ficamos desmoralizados na ponta… acabamos ‘isolados’ também. Os invasores sabem que não temos porte de arma regulamentado, nem forças de segurança ao nosso dispor. As intimidações são constantes”, afirma o indigenista.

Sua rotina de trabalho envolve tanto o planejamento e a realização de expedições em busca de vestígios de indígenas como também a proteção dos isolados contra grileiros, madeireiros e pistoleiros que cercam as terras monitoradas pela Funai.

“No fim de 2021, uma pessoa abordou a gente, eu e minha equipe, em nosso trajeto de trabalho, nos alertando do perigo que estávamos enfrentando. Meses depois, descobrimos que aquela mesma pessoa estava armando uma emboscada para nós”, diz.

O servidor conta que a descoberta ocorreu quase que por acaso, vinda de alguém convidado a participar do ataque. “Quando recebemos ameaças, o relato vem primeiro pela boca dos outros. Receber ameaças [de morte] virou algo comum, infelizmente. Dizem que são ossos do ofício, quando não deveria ser”, afirma.

Cangussu narra ainda o avanço de invasores em áreas indígenas entre o Amazonas e o Pará durante o governo Bolsonaro. “Por exemplo: na calha do [rio] Madeira, houve um aumento de atividades criminosas, especialmente desmatamento e grilagem. Nas idas a campo, virou comum passarem caminhões cheios de invasores armados, de pistoleiros, circulando nas áreas indígenas – onde é proibido.”

Ouvido antes da confirmação das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, Cangussu afirmou ainda que “há diversas formas de ‘contratar’ a morte de indigenistas e jornalistas que atuam na Amazônia”. De acordo com ele, “uma delas é desmontar a estrutura de apoio e proteção da Funai, outra é passar a impressão que os servidores são os culpados quando algo dá errado. Assim, não precisam nem contratar pistoleiros para nos matar”.

 

Servidores da Funai em Atalaia do Norte são ameaçados e Sindsep-AM pede  proteção

Receber ameaças [de morte] virou algo comum”, afirma indigenista

 

“Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”

 

Outro indigenista que atua na Amazônia e pediu para não ser identificado deu uma amostra da segurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados. “Temos menos de cinco coletes à prova de balas, todos vencidos, o que não dá para todos se estivermos em campo.”

O mesmo servidor relata como as promessas de invasões armadas têm chegado aos seus companheiros de trabalho nas bases mais avançadas na Amazônia. “Normalmente, a ameaça chega pela fofoca e pelo burburinho dos moradores na região, logo depois surgem os avisos – que ‘[eles] vão invadir a base e matar’ a gente”, afirma.

“Infelizmente, toda a economia daqui gira em torno do ilegal. Tem quem trabalha cortando toras de madeira, quem opera máquinas, quem conserta motores destas máquinas na cidade. Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”, diz o indigenista.

“E ainda passamos por tudo isso sem receber qualquer adicional de periculosidade pela função, sem porte de arma, ganhando apenas meia diária extra quando estamos nas bases avançadas, em uma escala perversa de, às vezes, trabalhar por 30 dias ininterruptos”, afirma o mesmo servidor.

 

Serei o próximo a morrer?” – Z1 Portal – Melhores Notícias Online

“Faço o que acredito, mas às vezes parece que estou numa guerra”, diz.

 

“Serei o próximo?”

 

Entre os indigenistas ouvidos pela reportagem, há quem atue no mesmo setor onde Bruno Pereira fez seu nome, a Coordenadoria-Geral de Índios Isolados e de Contato Recente (CGRIIC). Ocorreram diversas mudanças na chefia da CGRIIC ao longo do governo Bolsonaro, especialmente após a saída de Bruno Pereira da Funai, em 2019.

“A saída do Bruno [do cargo de chefia da CGRIIC] foi um inferno para nós. Primeiro, destacaram o ‘missionário’ [Ricardo Lopes Dias], que atrapalhou muito nosso trabalho, e os que vieram depois seguiram a mesma toada”, afirma outro servidor, também lotado no arco do desmatamento na Amazônia.

Esse indigenista relata que, gradualmente, a Funai mudou seu próprio entendimento quanto aos indícios de presença de povos isolados na floresta, dificultando a proteção aos indígenas.

“Temos vestígios contundentes de presença [indígena] por aqui há anos, com pegadas, fios de cabelo, cultura alimentar [restos de alimentos consumidos pelos indígenas] e outros elementos que provam sua existência, mas tudo segue desacreditado pela diretoria. Afinal, se reconhecerem, eles terão de demarcar a área, obrigatoriamente”, diz.

 

Serei o próximo a morrer?” - Agência Pública

Servidores denunciam insegurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados

 

O servidor relata também a ofensiva de invasores nos arredores da base onde atua. “Já fizemos denúncias sobre o avanço de mineradoras – que têm até usado explosivos nas proximidades – e de outros invasores, como pescadores ilegais, mas ninguém nos dá retaguarda”, afirma.

“Não autorizam nenhuma operação para desmontarmos as invasões, não dá para enfrentar [os invasores] assim, correndo risco de tomar bala no peito. Teve o caso do Maxciel em 2019, o do Bruno agora, e a gente fica se perguntando: ‘Serei o próximo’?”, diz o indigenista.

“Minha família já pediu diversas vezes para eu repensar, para sair daqui, mas o trabalho não pode parar. Dói muito pensar no Bruno, que era meu amigo pessoal, dói saber que ele não volta mais. Mas essa força há de gerar mudanças”, afirma o indigenista.

 

A “turma da PF”Presidente da Funai critica jornalista e indigenista desaparecidos na  Amazônia: 'Sabem dos riscos e insistem em ir lá' | Brasil | O Globo

Marcelo Xavier

 

Se nas áreas mais cobiçadas da Amazônia o risco é de morte, nos corredores da sede da Funai em Brasília há outros tipos de ameaça aos indigenistas críticos à gestão de Marcelo Xavier. “Internamente, funciona assim: tudo o que a diretoria não gosta, ela classifica como ‘ideológico’ – é só ver o caso de Ituna-Itatá, com aquele relatório assinado pelo diretor na época”, disse à Pública um servidor lotado em Brasília.Funai exonera diretor responsável por proteção de indígenas isolados |  Distrito Federal | G1

César Augusto Martinez

 

O indigenista se refere a Cesar Augusto Martinez, delegado da PF tal como Marcelo Xavier, que comandou o setor responsável pela área de proteção a povos isolados, a Diretoria de Proteção Territorial (DPT), entre julho de 2020 e junho passado. Martinez deixou o cargo logo após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, alegando, porém, que sua saída não tinha relação com o crime no Vale do Javari.

Enquanto diretor, o delegado da PF bancou pelo menos uma medida controversa: a exclusão de terras indígenas não demarcadas da proteção por parte da Funai. Além disso, sua filha conseguiu um estágio remunerado na Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental da Funai enquanto Martinez ainda trabalhava no órgão, como revelado pela Folha de S.Paulo.

O delegado ganhou destaque com a polêmica sobre a derrubada da interdição da Terra Indígena (TI) Ituna-Itatá, no Pará, um caso que se arrasta desde 2020.

Como mostrado pelo portal InfoAmazonia, a posição dos servidores é que existem fortes indícios da presença de povos isolados nos limites do território, o que manteria a interdição do local, mas Martinez, na condição de diretor responsável, contestava. A Folha de S.Paulo reportou que o delegado da PF teria assinado um despacho qualificando o relatório dos servidores sobre Ituna-Itatá como “irregular, ideológico e imprestável”.

Antes, o jornalista Rubens Valente havia revelado que o senador bolsonarista Zequinha Marinho (PL) teria discutido esse mesmo relatório com a presidência da Funai, com o parlamentar apontando supostas “improbidade ou irregularidades, cunho ideológico e imprestabilidade” do estudo – contrário aos interesses de invasores da terra indígena.

“Sobre a presença de isolados, nenhum perito da PF tem capacidade de avaliar de forma ‘técnica’ os relatórios, porque toda a metodologia foi construída por décadas, pelo aprendizado com indígenas, mateiros, sertanistas, gente que ‘engrossou o couro’ de tanto andar no mato”, disse um dos servidores à Pública. Sua posição crítica ao delegado e ex-diretor da Funai ecoa em outros relatos colhidos pela reportagem.

“O Martinez e a ‘turma da PF’ usaram um suposto método científico para desacreditar os relatórios sobre povos isolados, e fizeram isso como se fossem ‘legalistas’”, afirma um dos servidores, enquanto outro indigenista diz que “as partes da lei sobre direitos humanos são ignoradas pela ‘turma da PF’, mas o direito à propriedade privada é ‘cláusula pétrea’, é sagrado”.

 

Outro lado

 

A Pública procurou a Funai e os nomes citados, mas não houve resposta até a publicação. 

O presidente da Funai “pediu minha cabeça”, denuncia servidor

O indigenista e servidor Guilherme Martins, na Funai desde 2018, contou em entrevista exclusiva à repórter Alice Maciel, da Pública, que o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), Geovânio Pantoja Katukina, foi omisso nas buscas pelo colega Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips. 

Ele diz que houve retaliação direta ao seu trabalho na TI Ituna-Itatá (Pará). “Eu era ponto focal nessa região do médio Xingu há quatro anos, mais ou menos. A gente fez uma expedição lá, achamos vestígios dos indígenas isolados na região, eu elaborei um relatório contextualizando a presença dos índios isolados na região, denunciando o esquema criminoso de grilagem, desmatamento, de esbulho territorial na terra indígena. Em retaliação a esse meu trabalho, um dia eu chego na minha mesa na CGIIRC para trabalhar e o Geovânio Pantoja, meu coordenador, me avisa que eu não trabalho mais lá, que eu fui removido de ofício, sem a minha anuência, sem ter acesso anterior ao processo. Eu não fiquei sabendo de nada. Quando ele me chamou, o processo da minha remoção já estava pronto, assinado pelo coordenador da CGIIRC, e eu fui transferido para o setor de RH, de folha de ponto. Quando eu fui pedir explicações sobre o motivo dessa transferência, o então coordenador-geral da CGIIRC disse explicitamente que foi em retaliação ao meu trabalho em Ituna-Itatá que o presidente da Funai “pediu minha cabeça”. Leia reportagem de Alice Maciel aqui

 

Mulher de indigenista pede retratação de Bolsonaro

19
Jun22

Justiça obrigou Arthur Lira a reconhecer paternidade de filha com doença rara

Talis Andrade

Amarildo Charges e Caricaturas — Arthur Lira, Líder do centrão, é eleito  presidente...

 

Presidente da Câmara questionou paternidade confirmada em exame de DNA. Mãe recorreu ao Estado para bancar remédio essencial para tratamento de epilepsia e autismo

 

por Alice Maciel /Agência Pública

 

  • Lira não queria reconhecer a filha, diz ex-mulher
  • Jovem tem 19 anos, aos 4, foi diagnosticada com um tipo raro de epilepsia
  • Procurado, Lira diz que "a vida privada de um homem público não interessa quando não há nenhuma relação de irregularidade ou ilegalidade"

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), não tornou pública a existência de uma filha, fruto do relacionamento extraconjugal que teve em 2002 com *Letícia, à época com 20 anos, que trabalhava distribuindo panfletos da campanha de reeleição do político à Assembleia Legislativa de Alagoas. A Agência Pública teve acesso à decisão judicial de primeira instância, publicada em dezembro de 2010, que o obrigou a assumir a paternidade da menina, após teste de DNA, já com 7 anos de idade — não foram localizados recursos e decisões judiciais posteriores relativos ao processo de investigação de paternidade. Hoje, Gabriela* tem 19 anos, e aos 4, foi diagnosticada com um tipo raro de epilepsia que causa atraso no desenvolvimento psicomotor, chamada de síndrome de West. 

A jovem precisa de cuidados especiais e apoio nas necessidades básicas como comer, se trocar e andar, leva uma vida humilde e mora numa casa simples numa cidade próxima a Maceió. A Pública apurou que, em 2016, sua mãe precisou recorrer à Justiça para conseguir junto ao governo do estado um remédio de alto custo para tratar as frequentes convulsões da filha. Gabriela fica sob os cuidados da avó quando a mãe sai para trabalhar como atendente de bilheteria.

O presidente da Câmara foi procurado para dar sua versão da história. A reportagem enviou dez questões relacionadas ao tema. A resposta, encaminhada por nota, segue na íntegra: “O povo brasileiro quer saber o que estamos fazendo para combater a inflação, reduzir o preço dos combustíveis, da energia, do gás de cozinha, dos alimentos. O povo brasileiro espera medidas que gerem mais empregos, renda e traga desenvolvimento. É isso que estamos fazendo dia-a-dia: buscando soluções que melhorem a vida de cada cidadão e cidadã. Esse é o nosso foco permanente. A vida privada de um homem público não interessa quando não há nenhuma relação de irregularidade ou ilegalidade”.

Também procuramos Letícia pessoalmente, em 25 e 26 de maio, mas ela não quis falar sobre sua relação com o deputado federal que tem patrimônio declarado de R$ 1,7 milhão. “Eu não tenho nada para falar, sou uma pessoa normal, que segue a minha vida, trabalhando e fazendo as minhas coisas. Sem falar que minha vida pessoal não diz respeito a ninguém”, afirmou. Os nomes de mãe e filha foram alterados na reportagem para preservar suas identidades, assim como o local exato onde residem. 

Em 2008, a bilheteira entrou com uma “Ação de Investigação de Paternidade Cumulada com Alimentos” contra o então deputado estadual. O processo, que já está arquivado, tramitou sob sigilo, mas a sentença foi divulgada em órgão oficial da imprensa. Optamos por não divulgá-la e não citar trechos na íntegra também com o intuito de preservar a identidade de Letícia e Gabriela. Nela, há um resumo do caso. 

Segundo o documento, Letícia teria relatado nos autos que não conseguiu nem mesmo ter acesso a Arthur Lira para contar da gestação. De acordo com ela, ao saber da filha por meio de seu assessor, o político teria se recusado a reconhecer a paternidade da criança. À época, Lira era casado com Jullyene Lins e já tinha um herdeiro de 3 anos, Arthur Lira Filho, nascido em janeiro de 2000. Seu caçula também é fruto do matrimônio com a ex-mulher. Álvaro Lins de Lira nasceu em março de 2006.Não há qualquer versão de queda de braço nem disputa entre uma Casa e  outra', disse Arthur Lira | Repórter 70 | O Liberal

Lira não queria reconhecer a filha, de acordo com ex-esposa do parlamentar

 

O teste de DNA realizado pelo laboratório da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) apontou o então deputado estadual como o pai biológico de Gabriela com mais de 99% de probabilidade. Mesmo assim, o parlamentar, por meio de seu advogado, contestou o exame. A defesa argumentou que o teste não seria próprio para confirmar a paternidade, e sim para caracterizar sua exclusão. 

Como ele não apresentou nenhum estudo científico para o argumento, o juiz intimou o perito responsável pelo DNA — um professor renomado da universidade federal —, que, segundo o magistrado, se posicionou contra a realização de novo exame, diante da ausência de justificativa plausível. Após as explicações do pesquisador, o juiz reforçou em sua sentença que o resultado do teste de DNA tem total credibilidade. 

Com a confirmação do parentesco, a sentença proferida em dezembro de 2010 determinou a Arthur Lira pagar à filha a pensão de 20% referente ao seu subsídio líquido — o salário bruto do parlamentar era de R$ 20 mil — e ainda a inclusão do nome do deputado e dos avós paternos de Gabriela na certidão de nascimento. 

 

Sem recursos para tratamento de doença 

 

Apesar de carregar o nome do político no documento de identidade, Gabriela não foi assumida publicamente. Em 2016, Letícia precisou recorrer à Justiça para que o Estado fornecesse mensalmente um medicamento anticonvulsivo para a filha, orçado à época em R$ 1.184,20. 

“Diante do custo do medicamento, a beneficiada desta ação, humilde, não tem condições financeiras para custeá-lo, restando apenas a proteção do judiciário para salvar sua vida”, informa a defesa, acrescentando ainda que Gabriela tem epilepsia e transtorno do espectro autista (TEA). Letícia e Gabriela foram representadas nos autos pela Defensoria Pública. O pedido foi acatado pela Justiça e, diante da demora do fornecimento do remédio, a defensora alertou: “O que está em ‘jogo’ é a saúde de uma criança doente e carente de recursos”. 

Naquele ano, Arthur Lira já estava em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados, recebendo salário líquido de R$ 23,6 mil — o que representaria R$ 4,7 mil de pensão, considerando-se a determinação da sentença de 2010. Na campanha de 2014, ele declarou à Justiça Eleitoral patrimônio de R$ 1,16 milhão, incluindo duas fazendas. Além de atuar na política, Lira é agropecuarista, criador da raça de gado nelore.

A reportagem questionou ao parlamentar se paga a pensão alimentícia à filha, mas ele não respondeu às perguntas enviadas, encaminhando apenas a nota citada. O desconto relativo à pensão alimentícia também não é divulgado no portal da transparência da Câmara dos Deputados por serem considerados de “natureza pessoal”.

Sua filha, conforme dados do processo, era usuária do Sistema Único de Saúde (SUS), e a médica da jovem relatou no laudo anexado ao processo que ela fez uso de todas as alternativas terapêuticas disponíveis e fornecidas pelo SUS. “Menor é portadora de grave atraso neuropsicomotor com espectro autista secundário à epilepsia de difícil controle. Aos 4 anos de vida desenvolveu epilepsia de West. Evoluiu posteriormente para epilepsia multifocal”, diz o documento.

A médica observa que Gabriela chegou a tomar vários anticonvulsivantes nacionais “e mesmo assim apresentava crises tônicas diariamente”. Ela relata que prescreveu um remédio importado que é utilizado “quando os anticonvulsivantes nacionais não conseguiram controlar epilepsias farmacorresistentes”. Depois que a menina começou a experimentar a medicação, segundo o laudo, houve melhora significativa das convulsões, assim como do desempenho motor. A médica ressaltou ainda que o uso do remédio possibilitou que Gabriela conseguisse sair da cadeira de rodas — o que não acontecia antes devido ao grande número de convulsões diárias. “Diante do exposto, solicitamos o fornecimento dessa medicação”, concluiu ela.

 

Laudo afirma que filha de Lira necessita de remédio para o tratamento da epilepsia, orçado à época em R$ 1.184,20

 

Lira não queria reconhecer a filha, diz ex-mulher

 

Mulher de Arthur Lira à época em que Letícia engravidou, Jullyene Lins disse à Pública que o deputado escondeu por muito tempo dela a existência da menina. Segundo a ex-esposa, o parlamentar só lhe contou a história após três anos do nascimento de Gabriela, em 2006, quando temeu que o caso viesse à tona devido à disputa política. Naquele ano, ele se candidatou para o segundo mandato na Assembleia.  

De acordo com Jullyene, Lira teria lhe dito: “Olha, não vou reconhecer, não sei se é minha filha, mesmo se fizer DNA, o advogado vai dar um jeito”. Ela afirmou que ficou indignada com a postura do companheiro e diz ter sugerido que ele “pelo menos” ajudasse a menina financeiramente. No entanto, segundo Jullyene, Lira teria respondido: “Não quero saber, pra mim nem existe, não quero saber e você vai ficar calada”. 

Jullyene contou que essa história foi o estopim da separação do casal. “Uma pessoa, que é pai dos seus filhos, tem uma conduta dessa, aí foi por água abaixo”, observou. Ela relata que o relacionamento com Arthur Lira já não andava bem porque o deputado, ainda casado, havia assumido publicamente o relacionamento que mantinha com outra mulher. 

“Ele sempre foi muito namorador. A mulher já é tida para aguentar as traições do marido, e no Nordeste isso é pior ainda. Porque o machismo é assim aqui no Nordeste: se a mulher trair o homem, é rapariga, prostituta, mas, se o homem trair, ele é o gostosão, o fodástico. Então, ele sempre teve muitas namoradas e ao mesmo tempo ciúmes de mim. Eu não podia sair de casa, só saía com motorista”, relatou Jullyene. 

Os dois se conheceram em uma festa em Maceió, quando Lira era vereador no município. Com três meses de namoro, resolveram morar juntos e ficaram casados por dez anos. Jullyene lamenta que quando o conheceu teve que parar de trabalhar e de estudar. À época, ela, com pouco mais de 20 anos, fazia letras na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “Ele era possessivo”, disse Jullyene. “Eu não podia usar um biquíni, eu não podia ficar em casa de short. Porque a casa de político realmente é muito cheia, só podia andar de calça jeans.”

 

Jullyene Lins foi casada com Arthur Lira e afirma que sofreu violência verbal e psicológica

 

Ex-mulher relata que Arthur Lira a teria agredido fisicamente

 

De acordo com Jullyene Lins, Arthur Lira exigia que a esposa fosse “uma dona de casa perfeita”. Ela conta que o deputado chegava em casa passando os dedos nos móveis para conferir se estava tudo limpo e, quando encontrava alguma poeira, gritava: “Você é uma inútil, não presta pra nada. Só presta mesmo pra cuidar dos meninos, pra dar educação, pelo menos não faz eu passar vergonha em um restaurante”. 

“Eu era a dondoquinha, tinha que andar bem-vestida, arrumada, eu era no pedestal para política, para caminhar, para fazer a reunião com as mulheres junto com a mãe dele, pra cuidar dos meninos e para cuidar da roupa dele. Pra isso eu prestava. Porque, se tinha uma blusa amassada, ele pegava, amassava mais, jogava no chão e gritava comigo perguntando o que eu estava fazendo dentro de casa, que não estava vendo que a blusa dele estava mal passada”, lembrou emocionada. 

Jullyene diz que por causa do abandono — o companheiro sairia na maioria das vezes sozinho —, das traições e da violência, teve depressão. Ela relata que começou a beber, fumar e tomar muito remédio devido à tristeza, às crises de ansiedade e de pânico. O quadro teria se agravado após a suposta agressão física contra ela. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) absolveu Arthur Lira da denúncia de agressão. Os ministros consideraram que a punição prescreveu e que não haviam provas.  

Jullyene ainda briga na Justiça para que o parlamentar quite um ano de pensão aos filhos (de 2012 a 2013) que ele teria ficado sem pagar, segundo ela. 

A ex-esposa do presidente da Câmara dos Deputados depôs contra o político na Operação Taturana, deflagrada em 2007 pela Polícia Federal (PF). Arthur Lira, segundo o Ministério Público Federal (MPF), teria liderado um esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa de Alagoas, quando ele ainda era deputado estadual (2001-2007). Jullyene teria sido uma das funcionárias fantasmas empregadas no gabinete do parlamentar.  

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24
Dez21

Retrospectiva 2021

Talis Andrade

 

No ano em que completou 10 anos, Pública investiga ainda mais os poderosos

 

Não parecia possível, mas 2021 foi ainda mais dramático que 2020. Não apenas pelo agravamento da pandemia, mas pelo aumento da fome, dos despejos, do desemprego, do recorde de desmatamento da Amazônia, que provocou uma seca atroz no Centro-Sul do país, trazendo sofrimento para os agricultores familiares e alta no preço dos alimentos.

A combinação de pandemia e insegurança alimentar, em ambos os casos agravada pela gestão do governo federal, fez desse um ano duro para a maior parte da população, enquanto Jair Bolsonaro distribuía dinheiro a rodo para seus aliados no Congresso, através do orçamento secreto de Arthur Lira. As violações de direitos, especialmente dos mais vulneráveis, se tornou rotina no governo, acusado de genocídio indígena no Tribunal Penal Internacional.

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Queimada vista em meio a área de floresta próximo a capital Porto Velho, em Rondônia

 

Por aqui, seguimos investigando a condução da crise sanitária e econômica pelo governo Bolsonaro e examinando com lupa os efeitos de sua política de devastação no meio ambiente e sobre a vida das pessoas. Também continuamos olhando de perto para a influência cada vez maior de militares e fundamentalistas religiosos na política, com retrocesso da democracia e dos direitos humanos. Nosso compromisso com o jornalismo independente com foco no interesse público nos fez revelar histórias que deveriam ter sido contadas muito antes, como as denúncias de que o fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, teria mantido por três décadas um esquema de exploração sexual de meninas.

Foi neste ano também que a Pública completou 10 anos. A comemoração não teve a festa e os encontros presenciais que queríamos, mas nos fez refletir sobre a caminhada que nos trouxe até aqui e também sobre o futuro: o nosso, do jornalismo, do Brasil e do planeta. Em nosso evento virtual – Pública +10 – realizamos debates com personalidades relevantes da academia e dos movimentos sociais sobre como o Brasil de hoje vai chegar em 2031. Falamos sobre o bolsonarismo, a barbárie na política, o fundamentalismo religioso e sobre os militares que ocupam cada vez mais o governo, temas que serão decisivos no ano que se avizinha. Também falamos sobre o que quer a juventude e sobre como o negacionismo científico agrava as mudanças climáticas.

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A última mesa do festival Pública+10, mediada pela co-diretora e fundadora da Agência Pública, Marina Amaral, uniu Ailton Krenak e Déborah Danowski para refletir sobre as mudanças climáticas

 

No dia de nosso aniversário, 15 de março, publicamos uma reportagem que mostrou que, apesar de a primeira mulher vacinada contra Covid-19 no Brasil ser negra, dois meses após o início da imunização, o país registrava duas vezes mais pessoas brancas do que negras vacinadas. Assim como em 2020, nossa cobertura da pandemia seguiu intensa: revelamos que o governo soube dias antes sobre o colapso do sistema de saúde que ocorreu em Manaus em janeiro, investigamos como o governo Bolsonaro enviou 2,8 milhões de comprimidos de cloroquina produzida pelo Exército para todo o país e mostramos que a Secretaria de Comunicação e o Ministério da Saúde pagaram influenciadores digitais para fazer propaganda de “atendimento precoce” contra a Covid-19. Meses depois, a reportagem foi citada na CPI da Pandemia pelo senador Renan Calheiros, que perguntou ao depoente, o ex-chefe da Secretaria de Comunicação do Governo, Fábio Wajngarten, se ele conhecia a Agência Pública.

Essa não foi a única vez que nosso trabalho serviu de base para as discussões da CPI. Descobrimos que a Senah – Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, grupo evangélico comandado pelo Reverendo Amilton Gomes de Paula, fez ofertas paralelas de vacinas ao Ministério da Saúde e a prefeituras. Semanas depois, o reverendo foi ouvido pela CPI. No relatório final da comissão, há seis menções ao trabalho da Pública.

A má condução da pandemia é um dos temas mais recorrentes nos mais de 140 pedidos de Impeachment de Jair Bolsonaro, que logo no início de seu terceiro ano de mandato passou a ser o presidente com mais pedidos de impedimento na história do país. Desde 2020, catalogamos os pedidos em uma ferramenta. Enquanto novos pedidos de impeachment se empilhavam na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, o governo Bolsonaro perseguia cientistas – como mostramos no podcast Cientistas na Linha de Frente e nesta entrevista com Pedro Hallal, epidemiologista que foi alvo de processo da CGU por se posicionar contra o presidente -, cedia ao lobby de madeireirasflexibilizava a aprovação de novos agrotóxicos e, mesmo com a crise da saúde, fez avançar a pauta antiaborto. E esses são só alguns exemplos do que investigamos por aqui.

Mostramos também que os filhos do presidente praticam tiro em um clube nos Estados Unidos que é acusado de usar sinais nazistas e que a irmã do novo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Alvaro Pereira Leite, é sócia da Glock, fabricante que vende armas para o governo federal.

No ano em que adotamos a emergência climática como prioridade para nossas investigações, tivemos, pela primeira vez, uma correspondente cobrindo in loco a Conferência do Clima da ONU. De lá, revelamos que a baixa credibilidade internacional do governo brasileiro atrapalhou as tentativas de atrair investidores. Com a cobertura da COP, inauguramos nossa série de investigações sobre Emergências Climáticas, tema cada vez mais urgente e que será ainda mais recorrente em nossas investigações. Como sempre, vamos priorizar o ponto de vista das comunidades tradicionais da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga e das regiões costeiras sobre o tema. Neste ano, já mostramos como os indígenas têm usado seus saberes ancestrais para combater o fogo e como os quilombolas Kalunga resistem à cobiça de grileiros para preservar o cerrado.

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O quilombola Boaventura Carvalho afirma que o rio de onde vive “há dois anos, estava cheio de água, até a borda. Quase uma lagoa.”. Agora, ele está seco

 

Seguimos cobrindo a violência ligada à questão fundiária na Amazônia em nosso projeto Amazônia sem Lei, que neste ano ganhou um podcast. Revelamos que em pouco mais de um ano, foram exportadas 100 mil toneladas de madeira da Amazônia, inclusive de árvores ameaçadas de extinção, mostramos que indígenas Yanomami isolados correm sério risco de ter contato forçado com o garimpo e investigamos a relação entre o tráfico de drogas e a madeira ilegal na Amazônia.

Em 2020, publicamos reportagem em que 14 mulheres denunciavam ter sido abusadas sexualmente na infância por Dinamá Pereira de Resende, um homem que promovia atividades religiosas com crianças em Várzea da Palma, Minas Gerais. Após a publicação, outras vítimas apareceram, o caso foi reaberto e em novembro de 2021, Dinamá foi condenado a 87 anos de prisão. No ano seguinte, em abril, publicamos outra reportagem sobre crimes sexuais contra crianças e adolescentes em que o acusado é Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, uma das maiores redes de varejo do país. 

A reportagem foi resultado de uma investigação realizada em sigilo durante quatro meses de uma equipe composta por dois editores e quatro repórteres, que entrevistou diversas mulheres abusadas quando crianças em uma rede de exploração sexual de meninas que funcionou durante mais de 30 em suas propriedades no litoral e na própria sede das Casas Bahia, em São Caetano do Sul.

Apesar de o Caso Klein gerar impactos importantes como inspirar um Projeto de Lei que quer alterar o prazo prescricional para a reparação civil das vítimas de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, a reportagem foi pouco repercutida pela imprensa tradicional brasileira. Isso nos mostra a importância de seguirmos independentes e firmes na missão de investigar os poderosos.

Também continuamos a nos engajar em parcerias e projetos colaborativos. Com o Canal Meio, lançamos uma newsletter em série em que a diretora executiva Natalia Viana contava sua experiência como a única jornalista brasileira a trabalhar com o Wikileaks no Cablegate, o vazamento de mais de 250 mil telegramas diplomáticos. Essa história, que completou dez anos no fim de 2020, está na origem da Agência Pública e se mantém: neste ano, graças a um outro vazamento divulgado pelo Wikileaks, revelamos quem são os brasileiros associados a um grupo europeu ultraconservador e antidireitos.

Também participamos do Pandora Papers, a maior investigação colaborativa da história do jornalismo, que envolveu mais de 600 repórteres de 117 países e territórios e revelou documentos de paraísos fiscais em todo o mundo. A série revelou que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, mantém uma offshore em paraíso fiscal. Fomos parceiras do Centro Latinoamericano de Periodismo de Investigación (CLIP) em uma investigação transnacional sobre a exportação de madeira amazônica e seguimos investigando o uso de agrotóxicos no Brasil e suas consequências com a Repórter Brasil.   

Seguindo nossa missão de fomentar o jornalismo independente no país, fizemos mais uma edição das nossas já tradicionais microbolsas. Desta vez, em parceria com o Idec, para reportagens sobre acesso à internet no Brasil. Também participamos da fundação da Ajor – Associação de Jornalismo Digital, uma entidade que busca profissionalizar e fortalecer o jornalismo digital no Brasil e já conta com mais de 50 veículos associados.

Com o valioso apoio de nossos 1.600 Aliados, completamos um ano produzindo o Pauta Pública, nosso podcast quinzenal. Entrevistamos diversos jornalistas que nos ajudam a compreender os tempos complexos em que vivemos. 

2021 foi um ano que, apesar de difícil, nos fez celebrar o fato de que há dez anos estamos aqui, fazendo e incentivando o jornalismo investigativo e independente, fundamental para a democracia, tão atacada. Nos próximos meses, vamos lançar um livro comemorativo, dividindo um pouco do que aprendemos até aqui. 

Em 2022, esperamos estar nas ruas, finalmente voltando de vez a sujar os sapatos e olhar nos olhos das pessoas que nos contam suas histórias. Estaremos de olho em quem faz as mudanças climáticas se acelerarem e em quem sofre primeiro com isso; nas eleições que vão definir o futuro de nossa democracia e, como sempre, nas violações de direitos humanos cometidas pelos poderosos.

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Cinco vezes em que nossas reportagens fizeram a diferença

1) Gastos do governo com influenciadores digitais para divulgar “atendimento precoce” contra Covid-19: Após a publicação da reportagem, no final de março de 2021, a bancada do Psol na Câmara protocolou uma denúncia contra o Ministério da Saúde na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal por “abuso do poder e desvio de finalidade manifestado pela atuação do governo federal”. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas também pediu para que o governo federal esclarecesse a fonte dos recursos usados para pagar a campanha com influenciadores. A Justiça Federal em São Paulo deu prazo de 72 horas para que a AGU respondesse a uma Ação Civil Pública que pedia a devolução dos recursos pagos em janeiro pela Secom nas ações de marketing reveladas pela reportagem. Em 30 de abril, a Justiça Federal em São Paulo proibiu que a Secretaria Especial de Comunicação Social do governo federal promova campanhas publicitárias defendendo tratamento precoce contra a covid-19 ou promova o uso de remédios sem comprovação científica contra a doença. Além disso, a justiça obrigou a retratação dos quatro influenciadores digitais pagos pelo governo para divulgar “atendimento precoce” contra a doença.

2) Grupo evangélico fez oferta paralela de vacinas ao Ministério da Saúde e prefeituras: A reportagem que revelou a atuação da Senah, liderada pelo reverendo Amilton Gomes, na compra de vacinas pelo governo, pautou e repercutiu na imprensa nacional. Em agosto, o reverendo foi chamado para dar depoimento para a CPI da Covid. Além disso, na mesma semana publicamos uma reportagem que mostra como o reverendo articulou encontros com o presidente da República, empresários e políticos do DF. A reportagem ajudou a embasar o diálogo durante o depoimento do reverendo, e o início da matéria chegou a ser lido durante a sessão pelo Senador Fabiano Contarato (REDE). Entrevistas e investigações da Pública foram citadas algumas vezes no relatório final da CPI da Covid.

3) As acusações não reveladas de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia: Após a publicação da reportagem, a Família Klein decidiu suspender as atividades do Instituto que levava o nome do empresário e promovia atividades na área da educação. No dia 29 de abril, mulheres se reuniram na frente da sede das Casas Bahia, em São Caetano do Sul, em manifestação para pedir que a rua com o nome do empresário seja rebatizada, assim como um centro médico público que o homenageia. Motivado pela reportagem, o Ministério Público do Trabalho abriu inquérito para apurar a relação das Casas Bahia com as denúncias. O inquérito pretende ouvir testemunhas que teriam conhecimento sobre os fatos revelados, incluindo seguranças, ex-funcionários, motoristas de táxi e secretárias pessoais. Em julho, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) propôs um PDL que retire o título de “Cidadão Paulistano” concedido em homenagem a Klein em 2006. Baseada nas revelações da Pública, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL), apresentou um Projeto de Lei que visa alterar o prazo prescricional para a reparação civil das vítimas de crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

4) Brasil registra duas vezes mais pessoas brancas vacinadas que negras: Nossos repórteres foram convidados a apresentar o levantamento feito para a reportagem em reunião do Conselho Nacional de Saúde sobre o Plano de Vacinação. No dia 30 de março, o Conselho publicou uma recomendação cobrando a adoção de ações antirracistas no acesso à saúde. O documento é destinado ao Ministério da Saúde, secretarias e conselhos de saúde dos estados e município

5) Áudio revela ameaças e intimidação de advogada da Renova aos atingidos pelo desastre de Mariana: O Ministério Público Federal entrou com pedido de suspeição do juiz da 12ª Vara da Justiça Federal em Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Júnior, responsável por julgar os processos envolvendo a tragédia de Mariana. A reportagem da Pública que revelou ameaças e intimidação de advogada da Fundação Renova durante reunião com os atingidos, publicada em fevereiro, foi citada na argumentação.

Mais republicadas

 

Nenhuma das campanhas do governo Bolsonaro pagas com dinheiro público mencionava isolamento social

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78 republicações – UOL, MSN, Yahoo.

Entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, foram investidos mais de R$10 milhões em marketing de influência apenas pelo Ministério da Saúde, incluindo campanhas de combate à tuberculose, de doação de sangue, de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e de vacinação contra o sarampo. 

Em 2020, apenas 27% do total gasto no ano – R$4,8 milhões – foi para ações relacionadas à pandemia de coronavírus. Leia mais

 

 

Fazendeiros jogam agrotóxico sobre Amazônia para acelerar desmatamento

61 republicações – UOL, Carta Capital, Metrópoles.

Soja e pecuária foram responsáveis pelo despejo de agrotóxicos com uso de avião sobre floresta amazônica e outros biomas em área do tamanho de 30 mil campos de futebol. 

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16 de novembro de 2021 /Hélen Freitas,

Para acelerar o desmatamento de grandes áreas e abrir espaço para a soja e o gado, fazendeiros estão jogando grandes quantidades de agrotóxicos de avião sobre a floresta Amazônica e outros biomas. Levantamento inédito feito pela Agência Pública e Repórter Brasil revela que, nos últimos 10 anos, cerca de 30 mil hectares de vegetação nativa foram literalmente envenenados. A área corresponde a 30 mil campos de futebol. Leia mais

 

As acusações não reveladas de crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da Casas Bahia

48 republicações – Marie Claire, El País, O Dia, Ponte, eldiário.es.

 

Agrotóxicos podem aumentar vulnerabilidade à Covid-19, diz relatório inédito

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47 republicações – Ig, Outras Palavras, Brasil de Fato.

Relatório inédito feito por pesquisadores do Brasil, Portugal e Dinamarca afirma que modelo de produção agrícola deixou o Brasil mais exposto aos efeitos da pandemia

27 de maio de 2021 /Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil

ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO

  • Desde o começo da pandemia, governo federal liberou mais de 600 novos pesticidas, 10 por semana
  • Agrotóxicos comercializados no Brasil podem causar deficiências no sistema imunológico, dizem pesquisadores da Abrasco
  • Agronegócio está relacionado ao surgimento de novas zoonoses e desenvolvimento de comorbidades, diz relatório .Leia reportagem                                 

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A íntima relação entre cocaína e madeira ilegal na Amazônia

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Fotos de apreensões de cocaína acondicionada em cargas de madeira nos portos de Itaguaí (RJ), Itapoá (SC) e Paranaguá (PR) entre 2019 e 2021

 

47 republicações – Animal Político (México), elDiário (Espanha), InSight Crime (EUA).

Pesquisadores e policiais apontam uso crescente de cargas de origem florestal na exportação de drogas — madeira de crime ambiental é hoje uma das principais “maquiagens”

16 de agosto de 2021 /Ciro Barros

  • Pesquisador vê sobreposição entre as rotas do crime ambiental e o narcotráfico
  • Facções veem crimes ambientais como oportunidade de acumular capital
  • Região de conflitos, Barcarena (PA) se consolidou na rota do narcotráfico.

     

  • Os produtos florestais, frequentemente oriundos de crimes ambientais, vêm servindo cada vez mais de maquiagem para o envio de drogas ao exterior. O destaque vai para as cargas de madeira, campeãs de apreensões nos contêineres enviados do Brasil à Europa.

    Pesquisas recentes já apontam o volume significativo de exploração ilegal no mercado madeireiro nacional e sua relação com o desmatamento na Amazônia. Segundo um estudo da ONG Imazon publicado em 2020, cerca de 70% da madeira explorada no Pará entre agosto de 2017 e julho de 2018 tinha origem ilícita — a exploração ocorreu em áreas onde não havia autorização do Estado. 

    Além de apontar a grilagem e a extração ilegal de madeira como duas das principais causas do desmatamento, o relatório “Máfias do Ipê”, produzido pela ONG Human Rights Watch em 2019, mostrou a relação dessa atividade com a violência. A pesquisa analisou 28 casos de assassinatos, 4 tentativas de assassinato e outros 40 casos de ameaças relacionadas à extração ilegal de madeira entre 2015 e 2019.

    A novidade apontada pelos entrevistados é a sobreposição cada vez maior das rotas entre as facções criminosas do narcotráfico e os grupos ligados aos crimes ambientais. Pesquisadores dizem que o crime ambiental pode estar servindo como uma nova forma de capitalização para os narcotraficantes, com indícios do uso de cargas de origem florestal para maquiar o envio de drogas ao exterior.

    A situação é apontada por fontes ligadas à Polícia Federal (PF) e por pesquisadores da área de segurança pública ouvidos pela Pública. “O principal produto florestal usado para a exportação de drogas para a Europa é a madeira”, afirma Aiala Couto, geógrafo da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e pesquisador associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ao Instituto Clima e Sociedade. Couto desenvolve uma pesquisa a ser publicada neste ano que trata da territorialização do crime organizado na Amazônia e a relação deste com os crimes ambientais. Segundo ele, os produtos minerais, com destaque para o manganês, ocupam o segundo lugar na lista de apreensões. Leia mais

 

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10 anos de Pública

Em 2021, comemoramos os 10 anos da Agência Pública. Em março, fizemos um evento especial e convidamos grandes nomes para debater o presente e o futuro do Brasil. Falamos de juventude, militares na política, negacionismo científico e mudanças climáticas, entre outros temas. Relembre aqui.

 

 

 

 

 

07
Jul21

Coronel Guerra, que falou com Dominghetti sobre vacinas, é ligado ao clã Bolsonaro e acusado de integrar milícia do Rio

Talis Andrade

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Reportagem revela identidade de militar com quem Dominguetti conversou nos EUA; coronel reformado abriu uma empresa em Maryland no ano passado

 

por Alice Maciel e Bruno Fonseca /Agência Pública


Irmão mais novo do coronel foi preso por fraudes com respiradores durante pandemia +
Acusado de integrar milícia, irmão mais velho do coronel também foi preso e troca curtidas com Fabrício Queiroz nas redes +

 

A Agência Pública descobriu a identidade do “coronel Guerra”, militar com quem o representante da empresa americana Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominguetti, trocou mensagens sobre fornecimento de vacinas. Segundo a reportagem apurou, trata-se de Glaucio Octaviano Guerra, coronel da Aeronáutica reformado em 2016. A Pública também descobriu que, em 2 de novembro do ano passado, ele abriu uma empresa, a Guerra International Consultants, no estado de Maryland, Estados Unidos. 

O coronel Guerra é o irmão do meio de uma família de militares e policiais com histórico de acusações de corrupção e ligações com a Família Bolsonaro. Cláudio Guerra, o mais velho dos três, é um ex-policial federal que já foi acusado de integrar a milícia do Rio de Janeiro, foi preso duas vezes e atualmente tem a aposentadoria cassada pelo Ministério da Justiça. A última foto postada por ele nas redes sociais foi curtida pelo ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, o policial militar denunciado no esquema das rachadinhas, Fabrício Queiroz. A relação é recíproca: Cláudio também curtiu a foto mais recente de Queiroz com sua família nas redes.

Reprodução/Instagram. Irmão de coronel Guerra, Cláudio Octaviano Guerra curtiu a foto mais recente de Fabrício Queiroz e sua família

Reprodução/Instagram. Em contrapartida, Queiroz também curtiu a foto mais recente de Cláudio Guerra


Já o irmão mais novo do coronel Guerra é Glauco Octaviano Guerra, ex-auditor fiscal preso em maio do ano passado na Operação Mercadores do Caos, acusado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) de envolvimento em um esquema de desvio de verba pública na aquisição de ventiladores para atender pacientes com covid-19. A operação apreendeu 97 respiradores pulmonares importados pela MHS Produtos e Serviços, controlada por Glauco, conforme informações do MPRJ. 

Sua empresa também possui mais de 400 contratos com as Forças Armadas que somam mais de R$ 1,4 milhão, incluindo o fornecimento de alimentos como leite condensado, sorvete de chocolate, cereja, salgadinhos de camarão. 

Glauco Guerra ainda integra o grupo de cinco auditores investigados pela Corregedoria da Receita Federal por enriquecimento ilícito que alegaram que seus dados teriam sido acessados ilegalmente, mesma tese usada pelo senador Flávio Bolsonaro para tentar anular o inquérito das “rachadinhas”. A defesa de Flávio argumentou que o acesso ilegal de dados era uma prática na Receita, como mostraria o caso dos auditores. Mas o argumento perdeu força, em fevereiro deste ano, quando Glauco Guerra foi exonerado pelo ministro Paulo Guedes por ato de improbidade administrativa. 

Por meio da assessoria de imprensa, o senador Flávio Bolsonaro informou não conhecer nenhum dos irmãos Guerra. Tentamos contato com Glaucio, Cláudio e Glauco por e-mail e redes sociais, sem retorno. Não conseguimos contato por telefone. A reportagem também buscou a esposa de Glaucio, que vive nos Estados Unidos com o coronel e seus filhos. 

As mensagens trocadas entre o coronel Guerra e Luiz Paulo Dominguetti, reveladas pelo Fantástico no último domingo, apontam que o militar é mais uma peça fundamental no quebra-cabeça do mercado paralelo de vacinas que envolve o Ministério da Saúde, governos estaduais e prefeituras, militares, políticos e religiosos.

Pastor Amilton Gomes

No dia 1º de julho, a Pública revelou que a Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), liderada pelo reverendo Amilton Gomes, também participou das negociações junto à Davati e o poder público. No dia 4 de julho, mostramos que as negociações contaram com o apoio de um deputado federal da bancada evangélica, o pastor Roberto de Lucena (Podemos/SP).Poder360 Entrevista: Roberto de Lucena (Podemos-SP), deputado federal -  YouTube

Procurada, a Davati respondeu via assessoria que “a venda de vacinas no Brasil não foi concretizada porque a empresa não recebeu formalização de interesse de compra por parte do Ministério da Saúde” e “que não houve, de sua parte, qualquer procedimento indevido”. A assessoria também afirmou que “nunca foi assinado nenhum documento” e que “a empresa estará à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos juridicamente necessários, certa de que não houve, de sua parte, qualquer procedimento indevido”.

Questionada sobre a relação da Davati com o coronel Guerra, a assessoria da empresa afirmou que não poderia responder, pois não teria conhecimento dessa informação.

Reprodução/Instagram. Ostras e champagne: coronel Guerra vive nos EUA com a família. Antes de se aposentar, ele foi chefe de Logística da Comissão Aeronáutica Brasileira no país

 

Coronel brasileiro em solo americano teria negociado vacinas com PM


Glaucio Octaviano Guerra, nascido em 1970, no Rio de Janeiro, atuou como coronel no Centro de Comunicação Social da Aeronáutica até setembro de 2016, quando foi transferido para a reserva das Forças Armadas. No seu último pagamento disponível, em fevereiro deste ano, ele recebeu pouco mais de R$ 16 mil do governo federal, já descontados deduções e impostos.

Antes de se aposentar, o militar ocupava um cargo internacional de destaque: era chefe da Divisão de Logística da Comissão Aeronáutica Brasileira em Washington, DC, nos Estados Unidos. Ele foi oficialmente designado ao posto em 2013, por portaria assinada pelo então ministro da Defesa, Celso Amorim. Desde fevereiro de 2014, o então tenente-coronel tinha autorização das Forças Armadas para se ausentar do país. A partir de março do mesmo ano, ele já começaria a receber os encargos da nova função. A portaria definiu que Guerra permaneceria no cargo até março de 2016, meses antes dele se retirar da ativa.

Reprodução/ Instragan. Em outubro de 2018, coronel e esposa comemoram voto em Jair Bolsonaro para presidente

 

Segundo a Pública apurou, a Guerra International Consultants LLC está registrada em seu nome. A empresa fica no estado de Maryland, famoso por abrigar empresas da indústria de defesa dos EUA e diversas companhias internacionais ligadas ao setor militar — é nesse estado que fica a sede da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos. A cidade mais populosa do estado é Baltimore, justamente onde Guerra estaria em 22 de maio, segundo mensagem no celular do PM Dominguetti reveladas pelo Fantástico no último domingo. 

Empresa de coronel nos EUA está registrada em um pacato bairro residencial em Maryland. Mensagens de celular de Dominguetti apontaram que contato chamado coronel Guerra esteve na cidade


A empresa Guerra International Consultants foi aberta em 2 de novembro do ano passado e permanece ativa. Ela está registrada num subúrbio tranquilo de uma área chamada Potomac, no condado de Montgomery (Maryland). No quarteirão arborizado onde casas de tijolos de dois andares se enfileiram lado a lado não há indicação da empresa de Guerra ou de outros negócios comerciais.

O coronel já teve uma segunda empresa, a Velox LLC, registrada no mesmo estado, mas na região de Bethesda, vizinha a Potomac. A empresa de transportes de cargas, criada em 2016 em seu nome e de sua esposa, consta nos registros de empresas do estado de Maryland como “not in good standing”, o que significa que o negócio tem alguma pendência com o governo, fisco ou foi submetida a alguma penalidade. A reportagem tentou contato através do telefone disponível dessa empresa, que não atendeu.

CPI da Covid: saiba quem é Luiz Dominghetti Pereira, que depõe hoje após  relatar pedido de propina

Luiz Paulo Dominguethi

 

CPI descobriu que Dominguetti trocou mensagens sobre vacinas com “coronel Guerra”


O escândalo da comercialização de vacinas com participação da americana Davati  foi revelado após o policial militar de Minas Gerais e representante da empresa no Brasil, Luiz Paulo Dominguetti, denunciar à Folha de S. Paulo um esquema de propina dentro do Ministério da Saúde. 

Durante depoimento à CPI da Covid, em 1º de julho, seu celular foi apreendido pelos senadores após ele divulgar um áudio do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) insinuando contato com a empresa de medicamentos. 

A troca de mensagens entre o policial e o Coronel Guerra encontra-se no aparelho apreendido. “Cmt boa tarde. Podemos falar com serafim e ajustar ambos assuntos: Vacinas e AU”, escreveu o policial militar para “Coronel Guerra”, em 20 de maio. Serafim ainda não foi identificado pela CPI da Covid. Guerra respondeu: “Vamos sim. Deixa eu sair aqui do DOD. Não da para usar telefone aqui”. A sigla DOD em inglês é usada para se referir ao Departamento de Defesa. 

No dia 22 de maio, Dominguetti voltou a falar com o coronel: “Hoje conseguimos avançar em uma conversa com nossos parceiros”. Em resposta, Guerra disse: “Sim. Qualquer hora. Estou no campeonato com meu filho em Baltimore”.

Na data, houve um campeonato de luta na cidade, o Newbreed Baltimore Championship, organizado por uma federação de jiu jitsu no ginásio do Maryland Sportsplex. Poucos dias antes, uma postagem na rede da esposa do coronel Guerra comemorou que o filho estaria voltando a lutar jiu jitsu. A reportagem descobriu que um treinador de jiu jitsu com o qual o filho do coronel faz aulas estava oficialmente registrado na competição. Baltimore fica localizada em Maryland, o mesmo estado onde está a empresa do coronel reformado.

Reprodução/Instagram. Em mensagens de Dominguetti obtidas pela CPI, o contato chamado coronel Guerra diz que estava em Baltimore junto ao filho para um campeonato. Na data, houve uma competição de jiu jitsu na cidade, esporte que o filho do coronel Guerra pratica. O treinador do filho esteve no compeonato


Segundo as mensagens obtidas pela CPI, em 31 de maio, os dois voltaram a se falar: “Cel bom dia. Acredito que seria bom senhor dar uma ligada ao serafim. Estão bastante descontentes com a falta de comunicação. Estou tentando ajustar para não cair. Mas peço ao senhor essa disponibilidade para ajustar lá também”, escreveu.  “Dominguetti, tá tudo alinhado”, retornou Guerra. 

Em 2 de junho o policial pediu novamente que o Coronel entrasse em contato com Serafim. “Para que esse documento chegue e que consigamos avançar (sic) com serafim. Hoje seria de suma importância que o senhor entrar em contato com ele”. “Vou entrar”, respondeu o coronel. 

As conversas também apontam que Guerra tinha contato direto com o presidente da Davati, Herman Cárdenas. “Bom dia. O Herman e isolou das calls com a AZ (a CPI suspeita que a sigla AZ refere-se à Astrazeneca) desde quinta-feira. Acredito que ele esteja analisando a documentação mas o alocador é um…”, escreveu o coronel. (O Fantástico não teve acesso ao restante da mensagem)”. “Estou no aguardo da call dele. Americano é um pouco fdp”, acrescentou. 

Irmão mais novo de coronel, ex-auditor fiscal é dono de empresa que faturou com as Forças Armadas


A empresa do irmão mais novo do coronel Guerra, o ex-auditor da Receita Glauco Octaviano Guerra, fechou mais de 400 contratos com o governo federal a partir de maio de 2018. Segundo a Pública apurou, até 13 de novembro do ano passado, a MHS Produtos e Serviços faturou mais de R$ 1,4 milhão com esses contratos e a maior parte desse valor foi pago pelo Comando do Exército. A MHS foi aberta por Glauco um ano antes, em 2017.

O principal serviço prestado pela MHS foi o fornecimento de alimentação para refeitórios militares. Foram entregues às Forças Armadas latas de leite condensado, sorvete de chocolate, cereja e salgadinhos de camarão, entre outros itens. A empresa também atendeu às operações de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) realizadas pelo Exército e à intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB). Além disso, a MHS fechou contratos sob a rubrica de assistência médica e odontológica para os militares.

A MHS está registrada em um bloco de um centro comercial na Avenida das Américas, na capital carioca. Coincidentemente, no mesmo centro comercial, atuaria a esposa de Flávio Bolsonaro, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro. A Pública encontrou no Diário Oficial do Rio de Janeiro uma concessão de registro para que a dentista trabalhasse no endereço entre 2018 e 2020.

A esposa de Flávio Bolsonaro foi denunciada, junto ao marido, em 2020, por suposta participação no esquema de rachadinha de salários de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Segundo a denúncia do MPF, a dentista teria recebido parte do dinheiro desviado em sua conta bancária.

Cláudio Octaviano Guerra. Irmão mais velho do coronel Guerra, Cláudio tem foto na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar). O coronel guerra esteve na Aeronáutica até 2016, quando foi para a reserva

Irmão Guerra mais velho já foi preso e teve aposentadoria cassada por corrupção


O terceiro e mais velho dos irmãos Guerra, Cláudio Octaviano Guerra, também tem sua parte em casos de corrupção envolvendo a família. A Pública descobriu que, assim como Glauco, Cláudio, que era policial federal, foi demitido do serviço público por acusações de corrupção.

Segundo reportagem do G1, Cláudio foi detido no Rio de Janeiro em 2007, junto a outros policiais suspeitos de favorecer presos durante escoltas no âmbito da operação Furacão, que mirou figuras importantes do Jogo do Bicho na cidade. Em 2009, a Justiça Federal do Rio de Janeiro o condenou a 2 anos e 9 meses de reclusão, pena que não havia sido comprida até 2017, segundo sentença da 09ª Vara Federal Criminal que declarou extinta a pretensão executória. Em 2016, o MPF do RJ chegou a pedir a prisão do policial.

A Pública apurou que, em 2016, Cláudio foi punido pelo Ministério da Justiça com a cassação da sua aposentadoria depois de enquadrado pelos artigos de improbidade administrativa, prática de ato que importe em escândalo ou que concorra para comprometer a função policial, prevalecimento abusivo da condição de funcionário policial e prática de ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa, natural ou jurídica, com abuso ou desvio de poder, ou sem competência legal.

Ele sofreu uma segunda punição no ano seguinte, em dezembro de 2017, que reforçou a cassação da sua aposentadoria. Novamente, o Ministério da Justiça apontou as infrações de improbidade administrativa e abuso da condição de funcionário policial.

De acordo com dados do Portal da Transparência, o ex-policial segue com a aposentadoria cassada.

 

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25
Mar20

Deltan captava recursos de empresários para Instituto Mude

Talis Andrade

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Caixinha, obrigado! 

 

Investigação da Pública em parceria com o Intercept analisou diálogos em que procurador pede recursos para empresários e indica doadores para o instituto contra corrupção


por Alice Maciel, Bruna de Lara

Agência Pública/The Intercept Brasil
ESPECIAL: VAZA JATO


Sócia de acusados pela Lava Jato, investidora anjo do Mude não foi alvo da denúncia de procuradores
Ligação de empresária com Eike Batista e Esteves era conhecida
Deltan se reuniu com empresários a portas fechadas na Procuradoria


O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, captou investimentos de grandes empresários para financiar o Instituto Mude – Chega de Corrupção, criado para promover, além da própria operação, as dez medidas de combate à corrupção e suas opiniões políticas. Mensagens trocadas entre o procurador e membros do Instituto Mude no Telegram, recebidas pelo Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Agência Pública, revelam que ele se reuniu com empresários, às vezes a portas fechadas, na sede da Procuradoria, para arrecadar verbas para a entidade. Uma empresária que foi “investidora anjo” da organização: a advogada Patrícia Tendrich Pires Coelho seria depois investigada pela Lava Jato, mas não foi denunciada pela operação.

Apesar de saber que a empresa de Patrícia, a Asgaard Navegação S. A., fornecia navios para a Petrobras e ter conhecimento de sua proximidade com o empresário Eike Batista e com o banqueiro André Esteves, fundador do BTG Pactual – dois alvos da força-tarefa coordenada por Dallagnol –, o procurador não só aceitou a sua ajuda financeira como fez a ponte da empresária com os membros oficiais do instituto e se reuniu com ela para tratar da doação.

Em um diálogo com a integrante do Mude, Patrícia Fehrmann, em 29 de junho de 2016, Deltan diz que conheceu Patrícia Coelho em uma viagem – ele não diz para onde – no dia anterior à conversa: “Caramba. Essa viagem de ontem foi de Deus. Além dela, estava um deputado federal que se comprometeu a apoiar rs”, escreveu, não revelando quem seria o parlamentar a apoiar a entidade que se define como “apartidária”.

Enquanto discutiam a formalização do Mude no chat #Mude Delta,Fáb,Pat,Had,Mar, (formado por membros da organização, incluindo Deltan Dallagnol), um dos fundadores do instituto, Hadler Martines, escreveu em 29 de agosto de 2016: “Talvez vocês já tenham feito isso mas sobre nossa investidora anjo, dei uma boa pesquisada sobre seu histórico e realmente ela parece ser uma grande empresária multimilionária e com grande trânsito com grandes empresários nacionais. Hoje ela é sócia de empresa de frotas de navios (Aasgard) e de mineração e portos (Mlog). Algumas coisas que me chamaram atenção: – sua empresa fornece navios para a Petrobras; – ela é ex-banco Opportunity (famoso Daniel Dantas) – ela foi ou é muito próxima do Eike Batista e também do André Esteves (BTG)”.

Dallagnol não respondeu ao comentário. Ele e os integrantes do Mude que participavam do chat – Fábio Oliveira, Patrícia Fehrmann, Hadler Martines e o pastor Marcos Ferreira – se encontraram com Patrícia Coelho dia 8 de setembro daquele ano no Rio de Janeiro, de acordo com os diálogos no Telegram.

No dia 11, Hadler voltou a levantar suspeitas sobre a “investidora anjo”: “Sobre nossa reunião com o Anjo, ainda estou com uma pulga atrás da orelha tentando entender a razão do apoio financeiro tão generoso (sendo cético no momento)”, escreveu. “Me pergunto se ela quer ‘ficar bem’ com o MPF por alguma razão… Ela já foi conselheira do Eike e pelo que li dela, ela o representava em algumas negociações. Sugestão: fiquemos atentos. Desculpem o provérbio católico, mas quando a esmola é demais, o santo desconfia…”.

Ele enviou no grupo um link com a reportagem da revista Exame: “Eike tenta sacar uns US$ 100 milhões, mas André Esteves barra”. A matéria informa que Patrícia Coelho era apresentada por Eike Batista como sua consultora. A reportagem também diz que Patrícia é egressa do banco Opportunity e sócia da companhia de navegação Asgaard.

Dessa vez, Deltan respondeu ao colega: “Boa Hadler. Mais cedo ou mais tarde descobriremos isso”. Minutos depois, Deltan enviou uma mensagem para o procurador Roberson Pozzobon questionando se o nome de Patrícia havia aparecido nas investigações.

O nome da consultora de Eike Batista e “investidora anjo” do Instituto Mude, Patrícia Coelho, apareceu nas investigações da Operação Lava Jato, e foi Deltan Dallagnol quem deu a notícia para os colegas, no dia 25 de outubro de 2017: “Caros, uma notícia ruim agora, mas que não quero que desanime Vcs. A Patricia Coelho apareceu numa petição nossa e me ligou. Ela disse que tinha sociedade com o grego Kotronakis (um grego que apareceu num equema de afretamentos da petrobras e que foi alvo de operação nossa), mas ele tinha só 1% e ela alega que jamais teria transferido valores pra ele… Falei que somos 13, cada um cuida de certos casos, que desconheço o caso e que a orientação geral que damos para todos que procuram é: se não tem nada de errado, não tem com o que se preocupar; se tem, melhor procurar um advogado rs. Ouvindo sobre o caso superficialmente, não posso afirmar que ela esteve envolvida ou que será alvo, mas há sinais ruins. É possível que ela não tenha feito nada de errado, mas talvez seja melhor evitar novas relações com ela ou a empresa dela, por cautela”, escreveu, e concluiu: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas”.

Hadler lembrou ao procurador das suas desconfianças: “Delta, sobre essa questão, lembro bem como apesar de estarmos felizes com o apoio que estávamos recebendo à época, ficamos com um pé atrás. Especialmente por prestar serviços à petro e por ter sido sócia do Eike. Essa notícia não chega a nos surpreender e também não nos desanima. Obrigado por compartilhar!”.

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