A Espanha se tornou o primeiro país europeu a aprovar uma lei que permite às mulheres se ausentarem do trabalho devido a fortes cólicas menstruais. Aprovada por 185 votos a favor e 154 contra, a medida tem como objetivo quebrar o tabu em relação ao tema.
“Hoje é um dia histórico de progresso nos direitos feministas”, escreveu no Twitter a ministra da Igualdade, Irene Montero, do Podemos, partido de esquerda radical que é um parceiro minoritário na coalizão de governo com os socialistas.
Aprovada no dia 16 de fevereiro, o texto da lei estabelece que “as licenças médicas em que a mulher se encontre em caso de menstruação incapacitante secundária, ou dismenorreia secundária associada a patologias como a endometriose, serão consideradas situação especial de incapacidade temporária por contingências comuns”.
“Trata-se de dar uma regulamentação adequada a esta situação patológica de forma a eliminar qualquer tipo de preconceito negativo no local de trabalho”, acrescenta a lei, que não especifica um limite de dias para a ausência, considerada como “incapacidade temporária”.
Com a aprovação da licença menstrual, a Espanha une-se a países como Japão, Indonésia e Zâmbia, que também consideram a medida. Na Itália, um projeto de lei nesse sentido foi apresentado em 2016, mas nunca foi aprovado. Na Alemanha, mulheres podem solicitar ao médico da família uma licença por conta de dores menstruais – mas a decisão fica a critério do médico.
A mesma lei ainda facilita o acesso ao aborto legal, cria licença pré-parto para gestantes a partir de 39 semanas e outras regras para aumentar os direitos reprodutivos no país. Uma outra aprovação ainda amplia os direitos das pessoas trans.
A medida também prevê ainda mais educação sexual nas escolas e distribuição gratuita de contraceptivos e produtos de higiene menstrual nos institutos.
A Espanha é considerada um país referência para os direitos das mulheres na Europa, principalmente após aprovação de uma lei sobre violência de gênero em 2004. O governo de Pedro Sánchez se declara feminista e tem mais mulheres do que homens em suas fileiras.
Vídeo mostra na porta de quartel a saudação nazista em ato golpista bolsonarista em São Miguel do Oeste (SC) em 2 de novembro
Comissão de Direitos Humanos do Senado também solicita que corporação 'assegure integridade física' de Maria Capra, parlamentar em São Miguel do Oeste
Por Joana Caldas e John Pacheco, g1 SC
A Comissão dos Direitos Humanos do Senado Federal enviou um ofício ao diretor-geral da Polícia Federal, Márcio Nunes de Oliveira, pedindo que a corporação responsabilize os autores de ameaças a vereadora Maria Tereza Capra (PT), que atua emSão Miguel do Oeste, no Oeste catarinense. O documento também solicita à PF "providências para assegurar a integridade física" da parlamentar.
A vereadora começou a ser ameaçada após se posicionar contra umato antidemocrático na cidade, ocorrido em 2 de novembro, em que manifestantes questionaram o resultado do segundo turno das eleições, bloquearam uma rodovia e fizeram um gesto suspeito de ser uma saudação nazista. O gesto é alvo de investigação pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
O ofício foi enviado à PF na quarta-feira (9). Og1entrou em contato com a Polícia Federal em Santa Catarina e não havia obtido retorno até a última atualização desta reportagem.
No mesmo dia, o Senado enviou um documento com os mesmos pedidos ao Subprocurador-Geral da República dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena. A Subprocuradoria informou em 18 de novembro que o ofício está sob análise.
Os documentos são assinados pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, senador Humberto Costa (PT).
A 40ª Promotoria de Justiça da Capital, que trata dos crimes de ódio em Santa Catarina, informou que recebeu cópia do boletim de ocorrência registrado pela vereadora. Também disse que o caso é investigado pela Polícia Civil.
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) também informou que a vereadora será ouvida no procedimento investigatório criminal que apura a suspeita de atos de apologia ao nazismo ocorridos em um ato em São Miguel do Oeste em 2 de novembro (veja mais informações abaixo).
O que diz a vereadora
Maria Capra contou que, após o ato de 2 de novembro, fez um vídeo e o publicou em uma rede social. Depois, começou a receber ameaças e tirou o post do ar.
"Insurgi-me contra aquela situação na frente do quartel", afirmou a vereadora. Capra disse se preocupar, já que um homem foi preso em São Miguel do Oeste combandeiras neonazistas. "Indignei-me e pedi que as autoridades tomassem providências", declarou.
Capra afirmou que foi atacada nas redes sociais. No dia seguinte ao ato em São Miguel do Oeste, a Câmara de Vereadores apresentou uma moção de repúdio contra ela. Além disso, uma pessoa entrou com um pedido de cassação do mandato dela. Og1não conseguiu contato com a Câmara de Vereadores de São Miguel do Oeste.
"Pediam minha retratação, que eu pedisse desculpas. Como não falei nada, começaram as ameaças na rede social e também nos grupos bolsonaristas, fizemos print, e no meu carro". No veículo da parlamentar, foram escritos xingamentos.
Capra decidiu sair da cidade após as ameaças. "Tem todo um contexto. Além dessas ameaças nas redes sociais, falavam [nos grupos bolsonaristas] 'eu vi ela na padaria'. Eles queriam me pegar na Câmara. Disseram 'não basta cassação, tem que ter eliminação'", relatou a vereadora.
Ela afirmou que fez um boletim de ocorrência (B.O.) na Delegacia de Polícia de São Miguel do Oeste.
Ato em 2 de novembro
O ato ocorreu em frente ao 14º Regimento de Cavalaria Mecanizado, base do Exército na cidade. Em investigação preliminar, o MPSC apontou quenão houve intenção de apologia ao nazismono gesto e que não há evidências de prática de crime.
MP apura gesto semelhante ao nazista feito por bolsonaristas em ato em Santa Catarina
O relatório com a apuração preliminar sobre o gesto chegou à 40ª Promotoria de Justiça de Florianópolis no dia seguinte. Essa promotoria é especializada no combate aos crimes de racismo, ódio, intolerância, preconceito e discriminação, com atribuição estadual, e vaicontinuar a investigação.
Nesta sexta (11), o MPSC informou que a 40ª Promotoria de Justiça pediu uma série de diligências relacionadas ao caso, entre elas, a busca de imagens e tomada de depoimentos de pessoas que estavam no ato.
Nas redes sociais, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) reproduziu nota oficial repudiando os atos nazistas em São Miguel do Oeste e pedindo investigação sobre o caso.
"A sociedade brasileira não pode tolerar posturas como essa. Fazer esse gesto vestindo camisa da seleção brasileira é também uma ofensa às nossas Forças Armadas, que lutaram bravamente contra as forças nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial", diz o comunicado.
O governo da Alemanha emitiu uma declaração de repúdio diante das cenas de gestos nazistas por parte de manifestantes bolsonaristas. A suposta saudação foi identificada em um ato em São Miguel do Oeste, contra a derrota de Jair Bolsonaro
Carlos Latuff ilustra a vantagem de ser militar golpista no Brasil
Segundo a Procuradoria, grupo pretendia sequestrar o ministro da Saúde, matar seus seguranças, se necessário, e desencadear "condições de guerra civil por meio da violência" para derrubar governo e o sistema democrático. No Brasil os safados seriam beneficiados com uma anistia ampla, geral e irrestrita
A Procuradoria federal da Alemanha apresentou nesta segunda-feira (23/01) acusações de alta traição contra cinco pessoas suspeitas de planejar o sequestro do ministro da Saúde, Karl Lauterbach, e a derrubada do governo alemão.
Segundo os promotores, o grupo formado há cerca de um ano pretendia desencadear "condições de guerra civil na Alemanha por meio da violência" a fim de derrubar o governo e a democracia parlamentar.
Todos os cinco indiciados estão presos desde o ano passado, quando as autoridades revelaram pela primeira vez os detalhes da suposta conspiração.
Em nota, a Procuradoria federal, com sede na cidade de Karlsruhe, informou que o grupo estava disposto a usar violência e até cometer assassinatos para alcançar seus objetivos.
Nesta segunda-feira, o ministro da Saúde agradeceu aos investigadores e ao Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão) por sustar a trama. "Os oficiais do BKA arriscam suas vidas por nós. Isso é uma grande conquista", escreveu Lauterbach no Twitter.
O que eles planejavam?
Em um plano de três etapas, os conspiradores pretendiam atacar as fontes de energia a fim de causar um blecaute nacional, sequestrar o ministro da Saúde e matar seus seguranças, se necessário, e depois convocar uma assembleia para depor o governo e nomear um novo líder.
A Procuradoria concluiu que o grupo tinha o objetivo de substituir o sistema democrático por um "sistema autoritário de governo baseado no modelo do Império Alemão".
Segundo os promotores, os suspeitos fizeram preparativos cada vez mais concretos e formaram dois ramos separados de seu grupo, um militar e outro administrativo.
O que mais se sabe sobre os indiciamentos?
Segundo a Procuradoria federal, os cinco indiciados – quatro homens e uma mulher – responderão ao tribunal regional superior em Koblenz, no estado da Renânia-Palatinado.
Eles foram acusados formalmente de "fundar ou ser membro de uma organização terrorista doméstica" e "preparar um ato de alta traição" contra o governo federal.
Alguns dos indiciados também enfrentam outras acusações, como preparar um ato grave de violência que constitua uma ameaça ao Estado ou financiar o terrorismo.
26 de março de 2021. Um homem baixo e roliço caminha pela praça margeada por palmeiras e colunas douradas, no jardim do Templo de Salomão, em São Paulo. Ele é acompanhado por seis pessoas vestidas elegantemente, entre elas o deputado federal Aroldo Martins (Republicanos-PR) e o bispo da Igreja Universal Eduardo Bravo. Um vídeo mostra o homem passeando por uma réplica do Tabernáculo, admirando artefatos religiosos e falando ao microfone diante de um candelabro de sete braços. Segundo ele, nesse lugar é possível ver que “a palavra de Deus está viva”. Ele fala de uma “frieza do evangelho” na Alemanha e diz que o Brasil é um exemplo para que a Europa reavive sua fé.
O homem no vídeo é Waldemar Herdt, 58 anos, membro do Parlamento Federal Alemão representando a AfD (sigla em alemão para “Alternativa para a Alemanha”), o maior partido de extrema direita do país. No fim de março, ele viajou ao Brasil, onde se encontrou com políticos e pastores, visitou empresas e igrejas. O que faz um deputado alemão viajar ao Brasil em meio à pandemia de coronavírus? A resposta para essa pergunta remete a um homem importante para o networking da direita cristã; a grupos de seguidores da Bíblia que fazem alianças no mundo inteiro e tentam redefinir os direitos humanos; e a um partido alemão que vem buscando intensamente o intercâmbio com forças da extrema direita no Brasil.
“O Brasil foi especial”
Neuenkirchen-Vörden, no noroeste da Alemanha. Uma estrada serpenteia através do bucólico povoado. O gramado em frente às casas está bem aparado, bandeiras da Alemanha tremulam ao vento, e dá para ver algumas vacas no pasto. Um pouco afastado dali, encontra-se um terreno gigantesco protegido por árvores e um muro. Um caminho de cascalhos conduz até a casa onde Waldemar Herdt vive com sua família. É final de julho. Depois de ter cancelado duas entrevistas em Berlim em cima da hora, o político de extrema direita da AfD se dispôs a realizar um encontro em sua casa.
A AfD foi fundada em 2013. Em 2017, ingressou no Parlamento alemão com 12,6% dos votos. No momento de sua criação, era sobretudo um partido nacionalista, ultraliberal, contra a União Europeia. No entanto, com a chegada de centenas de milhares de refugiados na Alemanha, as forças de direita radical se afirmaram dentro do partido. Hoje a AfD é um partido com conexões em movimentos de extrema direita e grupos neonazistas. Seus políticos costumam chamar a atenção por causa de comentários racistas e antissemíticos. Björn Höcke, integrante da AfD, por exemplo, chamou o Memorial do Holocausto (que lembra a morte de 6 milhões de judeus pelo nazismo) em Berlim de “memorial da vergonha”.
Na entrada da enorme casa de Waldemar Herdt, uma placa saúda os visitantes: “Deus abençoe esta casa/ e todos que nela entram e dela saem”. O repórter já almoçou? A esposa de Herdt havia preparado algo. “Não mesmo? Tem certeza?” Herdt conduz então o repórter até uma sala espaçosa com chão de ladrilho. O filho adulto do político está ocupado atrás de cinco monitores de televisão, atendendo ligações para a transportadora da família. Uma grande vidraça dá vista para o imenso jardim. Trampolim, balanço, uma tenda para eventos. Um cachorro faz algazarra na coleira.
Antes de a entrevista começar, Herdt ainda precisa responder a algumas mensagens e ligações. Elas têm a ver com Armênia, Grécia, Uzbequistão. Não tem como não notar: tudo passa por Waldemar Herdt. “O Brasil foi especial”, diz Herdt entusiasmado, com sotaque russo. Ele é originário do Cazaquistão. O maior país da América Latina vem assumindo um papel cada vez mais importante para a direita cristã europeia.
“Internacional conservadora”
O plano de viajar ao Brasil surgiu em 2019, durante o National Prayer Breakfast na Casa Branca, em Washington. Uma vez por ano, políticos e grupos religiosos do mundo todo reúnem-se na capital dos Estados Unidos por iniciativa de uma organização cristã conservadora. O encontro é considerado um importante evento para fazer lobby de grupos de interesse cristãos nos EUA. Alguns desses grupos são católicos, muitos são evangélicos, e não são poucos os fundamentalistas. Até mesmo Donald Trump, então presidente dos EUA, falou por lá. “Não foi um discurso presidencial”, diz Herdt: “Foi uma pregação”. No ano de 2019, 4.500 pessoas participaram do evento, sobretudo políticos, mas também pastores e empresários. Dez parlamentares viajaram da Alemanha. Herdt também teve conversas com parlamentares brasileiros nesse evento. Com quem exatamente, ele não revela. Mas uma coisa ele quer falar: “Durante o Prayer Breakfast, percebi que não apenas eu, mas toda a AfD não possui relações com a América Latina”. Isso iria mudar em breve.
Membro da AfD, maior partido da extrema direita alemã, Waldemar Herdt visitou o Templo de Salomão em São Paulo
Em julho deste ano, a famosa política da AfD Beatrix von Storch também viajou ao Brasil e se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro. Depois da visita, que foi amplamente divulgada pela imprensa brasileira, a deputada federal falou em uma entrevista para a BBC que pretende criar uma “internacional conservadora”, uma alusão a Internacional Comunista. Em um texto no jornal da direita alemã Junge Freiheit, ela reclama que a esquerda opera hoje em nível mundial. “As suas redes chegam desde as Nações Unidas e União Europeia até aos tribunais internacionais, desde os gigantes da internet até aos meios de comunicação social nacionais. Antifa, ‘Fridays for Future’ e ‘Black Lives Matter’ atuam como organizações em nível mundial. A menos que os conservadores também trabalhem em rede em nível mundial, estarão sempre em desvantagem e ficarão para trás. O governo de Bolsonaro compreendeu isto e está, portanto, aberto à cooperação internacional com os conservadores de outros países”, declarou.
No Brasil, ela se encontrou ainda com outros políticos influentes, entre eles o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro. Steve Bannon, ex-estrategista-chefe de Donald Trump, anunciou Eduardo Bolsonaro como líder do “The Movement” na América Latina, uma rede internacional de direita que se encontra em planejamento. Ao contrário da visita de Waldemar Herdt, o encontro com Beatrix von Storch, que é neta do ministro de finanças de Hitler, gerou uma grande indignação, sobretudo por grupos judeus e organizações de direitos humanos.
Beatrix von Storch, líder de extrema direita, se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto
Von Storch, assim como Herdt, integra a ala cristã-conservadora da AfD. Nessa corrente, uniram-se representantes de diferentes confissões cristãs: igrejas evangélicas livres, anglicanos, opositores do papa Francisco e católicos tradicionalistas. Seu posicionamento costuma estar em grande afinidade com as posições oficiais das igrejas católica e evangélica. O lema dessa direita religiosa é a defesa daquilo que consideram ser o “Ocidente cristão”: a luta contra o aborto e direitos LGBTQI, a promoção da família tradicional como norma universal e a resistência a uma suposta “islamização”.
A visita de Beatrix, no entanto, teve poucos resultados concretos até agora – ao contrário da viagem do Waldemar Herdt. Ele continua sendo o político mais importante da nova aliança entre a AfD e o Brasil.
Algo podre
Uma pauta que une evangélicos e a nova direita ultraconservadora no mundo é, ao lado da criminalização do aborto, a luta contra a comunidade LGBTI. É também por esse motivo que buscam intensamente contatos no exterior. “Eles querem transformar sua agenda em um tema global”, diz Christina Vital, professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense – UFF e colaboradora do Instituto de Estudos da Religião – Iser. “Para isso, estão se unindo a inúmeras forças, atuando em redes internacionais.” Segundo Vital, evangélicos brasileiros têm conexões diretas com a Casa Branca. Contatos na Europa, no entanto, são poucos até agora, e nenhum significativo na Alemanha. Será que Waldemar Herdt quer mudar isso?
Herdt sobre Feliciano: “Se procurar, todo mundo tem algo podre”
O político da AfD conta que ficou impressionado por haver uma coalizão entre deputados religiosos no Parlamento brasileiro e muitos deles serem pastores. “No Brasil, é possível expressar a fé, sem que se sinta pressão contrária da sociedade.” Herdt se encontrou com inúmeros políticos evangélicos e pastores no Brasil. Um encontro com o também evangélico Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, estava igualmente previsto, mas não pôde ocorrer devido a uma viagem de férias. Em compensação, Herdt se encontrou com Marcelo Crivella (Republicanos), bispo licenciado da Universal e ex-prefeito do Rio de Janeiro. Também com a deputada Bia Kicis (PSL-DF), apoiadora radical de Bolsonaro.
Mas um interlocutor em especial chama atenção: Marco Feliciano (PSC-SP). Deputado, vice-líder do governo e pastor. Trata-se provavelmente de um dos mais importantes elos entre as igrejas evangélicas e a política e de alguém altamente controverso. Inúmeras vezes, fez manifestações consideradas racistas e homofóbicas. Sobre isso, Herdt diz apenas: “Se procurar, todo mundo tem algo podre [em tradução livre]”. Além do mais, ele alega não ter feito nenhuma pesquisa detalhada antes desse encontro.
AfD em busca de conexões com o Brasil
Waldemar Herdt não é o único político da AfD atrás de conexões com o Brasil. No dia 28 de outubro de 2018, dia em que Bolsonaro foi eleito presidente, Petr Bystron, líder da AfD no Comitê de Relações Exteriores do Parlamento Alemão, o descreveu como um “verdadeiro conservador” e comemorou: “A revolução conservadora agora chegou à América do Sul”.
Outros políticos também celebraram a vitória do homem que, durante a campanha, ameaçou fuzilar seus oponentes políticos e pendurou em seu escritório fotos de torturadores. Christian Blex, por exemplo. Conhecido por ser especialmente radical, o deputado da AfD no Parlamento do estado da Renânia do Norte-Vestefália tem relações familiares no Brasil e está no país com frequência. “Por motivos meramente pessoais”, ele enfatiza. Já que seu foco está na política interna da Alemanha, ele diz não querer se envolver em questões internacionais. No entanto, ficou contente com a vitória de Bolsonaro, com quem simpatiza por negar a “besteira climática” e não compactuar com o “pânico com o corona”. Para Blex, é lógico que suas posições não agradam ao “mainstream da esquerda”. Ele teria proposto a criação de um Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha no Parlamento estadual, mas a tentativa não deu certo. “Quem sabe no próximo período de legislatura”, diz.
Outro político da AfD com ligações com o Brasil é Torben Braga, 30 anos, deputado no Parlamento do estado da Turíngia. Ele foi assessor de imprensa da Associação Alemã de Fraternidades Estudantis, uma instituição notoriamente racista. É considerado um afilhado político de Björn Höcke, figura mais radical da sigla. Braga nasceu e cresceu no Brasil, frequentou a escola no Rio de Janeiro. Suas chances de ingressar no Parlamento Federal Alemão nas eleições de setembro são boas. Nas redes sociais, Braga também comemorou a vitória de Bolsonaro, mas, quando entrevistado, se comporta de maneira mais contida. Quanto à disseminação de ódio contra minorias? Afinal, Bolsonaro afirmou que prefere um filho morto a um filho gay, fez ofensas racistas à população negra, disse a uma deputada que ela não merecia sequer ser estuprada. Braga alega que não conhece essas citações e por isso não pode se manifestar sobre elas.
Ligado à políticos radicais da AfD e ex-assessor de organização racista, Torben Braga é um entusiasta de Jair Bolsonaro
Além disso, a AfD apresentou ao Executivo diversos Kleine Anfragen, questionamentos oficiais sobre a ajuda externa ao Brasil. Com isso, os deputados dos parlamentos podem fazer perguntas que devem ser respondidas e publicadas pelo governo em tempo útil. “Trata-se de um mero pretexto para atribuir um ar democrático ao governo de Bolsonaro”, diz Yasmin Fahimi, política da SPD que preside o Grupo Parlamentar Brasil-Alemanha no Parlamento alemão. “Muitas questões problemáticas não são trazidas à tona.”
Analistas entrevistados pela reportagem acreditam que, com a saída de Donald Trump, o país pode vir a assumir um papel de liderança para a direita cristã. E há motivos para afirmar que o político da AfD Waldemar Herdt exerce um papel central para o networking dessa aliança conservadora-cristã internacional.
“Valores da Bíblia que guiam meu caminho”
Herdt migrou para a Alemanha em 1993. Cresceu no Cazaquistão, formou-se engenheiro agrícola, foi diretor de uma cooperativa de produção. Desde 2004, é dono de uma construtora no estado alemão da Baixa Saxônia. Antes de ingressar na AfD, ele se engajou no pequeno Partido dos Cristãos Seguidores da Bíblia. Até o início deste ano, Herdt era o porta-voz da Associação Regional Norte dos “Cristãos na AfD”. “São os valores da Bíblia que guiam meu caminho”, escreve ele em sua homepage.
Herdt é um homem que fala bastante sobre “humanismo”, reforça o tempo todo que a família é o mais importante, se diz pacifista. Não é daquele tipo clássico da AfD que propaga o ódio às minorias. Mesmo assim, ele fala em “histeria do clima” e diz que “o sentimento de culpa coletivo alemão” em relação ao nazismo estaria tirando a dignidade dos alemães. Volta e meia, ele alerta sobre um “novo modelo de sociedade” e para uma suposta “ideologia de gênero”. “Na Alemanha, a legislação vem mudando por pressão de descrentes – a ponto de que, em breve, iremos parar em Sodoma e Gomorra”, afirma. “Uma rede de direita conservadora não faria mal, como contrapeso.” explica. Essa virou sua missão mais importante.
A igreja que Herdt frequenta é uma construção de dois andares com vidros em tom azulado, localizada em uma rua bastante movimentada, não longe da estação central de trem de Osnabrück (cidade de 160.000 habitantes no estado da Baixa Saxônia). Na entrada, um letreiro: “Igreja Evangélica Livre Fonte da Vida” (Lebensquelle em alemão). Acima, uma cruz. Tirando isso, o prédio não chama atenção. Herd se engaja ativamente nos compromissos da igreja evangélica. A “Fonte da Vida” faz parte das comunidades pentecostais que, via de regra, não fazem uma leitura bíblica de forma crítica. Estima-se que essa vertente confessional em específico tenha 60 mil adeptos na Alemanha.
Igreja evangélica alemã “Fonte da Vida” recebe críticas por supostamente fazer terapia de conversão para homossexuais
A “Fonte da Vida” tem um canal próprio no YouTube, e nos cultos as bandas tocam música pop cristã. Os músicos se parecem com jovens adultos quaisquer: barba de três dias, brincos, camisetas. Suas apresentações são emotivas, melodramáticas até: “Você venceu a morte por mim. Obrigado, Jesus”. Na frente do palco, pessoas dançam, batem palmas, estendem as mãos para o alto. “Obrigado, Jesus. Obrigado, Jesus.” A “Fonte da Vida”, no entanto, recebe críticas por realizar “terapias de conversão” para a “cura da homossexualidade” e tratamentos duvidosos contra dependência química.
De vez em quando, outros pregadores são convidados a Osnabrück – essas visitas estão documentadas no YouTube. Alexey Ledyaev, da Letônia, é um deles. Ledyaev comanda a “New Generation Church” em Riga e é conhecido por pregações homofóbicas agressivas. Waldemar Herdt diz que ele é seu “amigo”. Dentro desse contexto, também fez uma aparição na campanha eleitoral, em um evento que o pregador organizou em nome dos “Watchmen on the Wall”. Os Watchmen são um projeto conjunto de Ledyaev e do pregador estadunidense fundamentalista de extrema direita Scott Lively. Em uma pregação durante a fundação dos Watchmen, Ledyaev afirmou que os LGBTI tentaram erigir uma “ditadura da homossexualidade” e que os Watchmen devem proteger a sociedade da “cultura da morte”, além de apoiar políticos que compartilham dos seus valores. Lively é coautor do livro Suástica rosa, que responsabiliza homossexuais pelo Holocausto. Em um evento dos Watchmen em Riga em novembro de 2018, Waldemar Herdt apareceu junto de Lively, sendo apresentado como um aclamado convidado especial. Apesar disso, quando questionado, Herdt admite que pode até conhecer o pregador, mas só consegue se recordar dele vagamente.
A aliança
No verão de 2019 Waldemar Herdt viajou a Moscou e apresentou uma ideia: a criação de uma “comissão de direitos humanos alternativa”. Ele a explica desta forma: “Cheguei à conclusão de que todas as organizações de direitos humanos têm um toque de ideologia de gênero esquerdista. O lado conservador não tem nenhuma representação. Precisamos de uma comissão interparlamentar baseada em valores cristãos, conservadores e patrióticos”.
Alguns meses depois, em dezembro de 2019, a bancada da AfD no Parlamento Federal decide de fato fundar a “Comissão Interparlamentar de Direitos Humanos” (IPMK, na sigla em alemão) – presidida por Waldemar Herdt. Em um comunicado à imprensa, a AfD escreve que a comissão vai se ocupar da “ideologia esquerdista ambientalista oculta na definição clássica de direitos humanos”. Até agora, segundo Herdt, a comissão conta com parlamentares e especialistas de 30 países, entre eles Estados Unidos, Portugal, Sérvia, Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Mongólia e, recentemente, o Brasil. Resoluções estariam sendo elaboradas para virar projetos de lei. A despeito da pandemia, a IPMK já realizou diversos eventos. Entre eles, uma conferência on-line sobre o tema “extremismo”, onde se reuniram parlamentares e ativistas russos, pregadores estadunidenses e Sam Brownback, que havia sido nomeado por Trump como embaixador especial para a liberdade religiosa.
No mundo todo, o tema dos direitos humanos e a ocupação de cargos políticos em posições relevantes nessa área têm se tornado uma espécie de porta de entrada para a direita cristã. Inclusive no Brasil, onde Marco Feliciano, interlocutor de Herdt, foi escolhido em 2013 presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. “Ele não chegou a esse posto por já ter trabalhado na área, mas por querer acabar com os temas LGBTQI”, diz a antropóloga Christina Vital. Também a ministra Damares Alves, evangélica, vem tentando estabelecer uma nova definição de direitos humanos. E o que pensa Herdt? Para ele, direitos humanos significam sobretudo três coisas: “direito à vida, direito ao trabalho e direito à crença religiosa”, diz. Entretanto, essa é apenas uma parcela do que consta na constituição da Alemanha e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em junho, o Instituto Alemão para Direitos Humanos já soava o alarme em um estudo detalhado sobre a AfD. Esse estudo concluiu que, do ponto de vista da teoria dos direitos humanos, a AfD defende posições que não encontram base na Constituição.
Este ano Waldemar Herdt não vai concorrer de novo ao Parlamento Federal Alemão. Até chegou a se candidatar durante a primeira prévia do partido, porém não foi escolhido. Apesar disso, o grêmio da IPMK vai continuar, como ele mesmo enfatiza na entrevista. E Herdt pretende seguir atuando como porta-voz da IPMK. Além disso, está prevista uma conferência no Parlamento alemão no ano que vem. Os principais convidados são os interlocutores de Herdt no Brasil: Bia Kicis, Kennedy Nunes, Aroldo Martins, Luiz Philippe de Orleans e Bragança. É o começo de uma nova aliança.
"O cristofascismo brasileiro que eu estou descrevendo é a instância da prática doódio mediante o incentivo das Grandes Corporações Evangélicas e das Grandes Corporações Católicas que estão no poder ou que estão aliadas ao poder. Elas constroem um conjunto de políticas de ódio aos movimentos heterodoxos, aos comunistas, aos servidores públicos, etc. Essa prática política se liga com uma longa tradição no Brasil (velocidade diacrônica) que ajudou no longo processo de construção entre a igreja católica e o Estado brasileiro", afirmaFábio Py[1] em entrevista a Valtenci Lima de Oliveira[2], publicada na Revista Inter-Legere, Vol 5, n.33/2022. A entrevista nos foi enviada pelo entrevistado.
Valtenci Lima de Oliveira entrevista Fábio Py
Em 1970 a teóloga alemã Dorothee Solle criou o termo “cristofascismo”, para descrever as igrejas cristãs alemães, especialmente as luteranas, em sua relação de apoio ao nazismo de Adolf Hitler, que culminou na II Guerra mundial, nos Campos de Concentração e em milhões de mortes. Essa terminologia seria aplicável ao Brasil? Por que o Sr. chama o cristofascismo de “teologia do poder autoritário”?
Dorothee Solleusa o termocristofascismono contexto dosEstados Unidos, quando estava fazendo a “rememoração” do que aconteceu naAlemanha nazista, comHitlere as relações que via com osmovimentos supremacistas brancos nos Estados Unidos. Essa é uma primeira indicação que é importante se fazer:Solletenta conectar o espírito dogoverno autoritário fascista, o governo racista e truculento nazista com o espírito de certos grupos, de protestantes, batistas, metodistas, pentecostais presbiterianos ligados ao modus fundamentalista que praticavam violência direta contra o outro, “o diferente”, ou “a diferente”. Esse é o desenho da percepção daDorothee.
Nesse caso, quando eu vou falar sobre ocristofascismo aqui no Brasileu pego essa instância deDorothee Sollee tento pensar dentro da lógica da formação doEstado brasileiro. Nesse caso, no âmbito da história do tempo presente. Então, eu penso que não é apenas a prática degrupos supremacistasdesse tipo, mas acaba sendo uma prática dosmovimentos religiosos fundamentalistasque ao chegar ao poder expandem sua forma de prática política. Eles constroem um discurso de prática política baseada no ritual dafamília tradicional cristã, mas para espalhar o seu ódio.
Então, nesse caso ocristofascismo brasileiroque eu estou descrevendo é a instância daprática do ódiomediante o incentivo dasGrandes Corporações Evangélicase dasGrandes Corporações Católicasque estão no poder ou que estão aliadas ao poder. Elas constroem um conjunto depolíticas de ódioaos movimentos heterodoxos, aos comunistas, aos servidores públicos, etc. Essa prática política se liga com uma longa tradição noBrasil(velocidade diacrônica) que ajudou no longo processo de construção entre aigreja católicae oEstado brasileiro.
Dessa relação no passado se construiu uma série de rituais que para posse depresidente,ditadores,governadoresdoBrasil, que serviu de inspiração teológica para a governança que estava por vir. Cito a relação deVargascom oCardeal Leme. Cito também o bispo deSão Pauloà época paraJuscelino Kubitscheke também,Dom Eugênio Salescom aDitadura civil-empresarial-militar. O poder teológico autoritário docristofascismoatravessa a instância do tempo presente também mediante o acúmulo da longa duração dateologia católica romanae sua afinidade com osgovernos brasileiros. Portanto, a “teologia do poder autoritário” seria uma composição da velocidade sincronia e diacrônica, atravessando tanto o presente como o passado. Minha compreensão da “teologia do poder autoritário” do Estado brasileiro atual é então uma complexa relação de diacronia e sincronia, tal comoR. Koselleck(2006) destaca ao defender que “a sincronia é atravessada pela diacronia”.
Vivemos nos últimos anos uma crise política no Brasil, pautada no tema da corrupção, em função do Lava-Jato. Como uma espécie de resposta a essa crise, surgiu o bolsonarismo prometendo varrer a corrupção do país e utilizando os seguintes slogans na campanha: “BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS” e “CONHECEREIS A VERDADE E A VERDADE VOS LIBERTARÁ”. O que você nos diz sobre isso?
Sobre esta questão é muito interessante pensar nas diferentes geografias e temporalidades, logo, olhar não só para o caso brasileiro. Pois, esse discurso decorrupçãocomo ela a culpada de não sermos “desenvolvidos”, é umafalácia, um equívoco proposital dentro dalógica de desenvolvimento capitalista. Esse tipo de argumento não é novo na história da humanidade. Ao contrário: uma das narrativas mais exploradas porHitlerpara assumir o poder foi a sinalização dos seus opositores como corruptos. Da mesma forma, operouMussolinino ambiente italiano. Nesse caso, noBrasilem tempos tão complexos de absoluto aprofundamento doliberalismo econômico, tem-se como metodologia governamental o arroubo de uma expressão autoritária como base política para implementação das políticas de encolhimento do Estado.
A primeira coisa que gostaria de sinalizar é de que essa caminhada histórica já existiu na história da humanidade. Essa desculpa de varrer acorrupçãoe de que vai trazer averdade, inclusive parte do jargão daAlemanha, vem sendo usado noBrasildeBolsonaro: “Alemanha acima de tudo” e este jargão “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Esses slogans já existem, sendo utilizados por governos autoritários no passado e que noBrasil, a lógica anticorrupção daLava Jatofoi seu anúncio. ALava-jatoimplodiu ogoverno petistae abriu caminho para aextrema-direitachegar ao poder.
Junto àLava-Jato, um outro braço político de apoio aos acontecimentos políticos foi a chamadaFrente Parlamentar Evangélica. Lembra-se que essa conexãoLava-jatoe aFPE foi umbilical com a viagem peloBrasildeDeltran Dallagnolpelas grandes igrejas doBrasil. Essas viagens doslavajatistaspelasigrejas tradicionaiseigrejas pentecostaisdoBrasilauxiliou no processo de consolidação da direita como real possibilidade ao poder. Então, na minha leitura olavajatismoe aFPEque são atores políticos que no ano 2018 se unem de uma forma muito clara para construção de um novo governo, nesse caso do agora evangélico, Jair Messias Bolsonaro.
Será que houve uma debandada de religiosos das periferias das cidades grandes para o bolsonarismo? Se houve, qual seria o motivo?
Primeiro quero destacar que a origem daorganização social brasileiraé absolutamenteconservadora. Essa coisa doBrasildo “jeitinho”, da forma de viver, isso não pode ser desprezado, eas camadas populares assentadastambém assumem essa condição de conservantismo das relações sociais. Contudo, eu não acho que seja só isso. Penso que existem mais elementos. Não se pode deixar de dizer que nos últimos anos antes dogoverno Bolsonarofoi levado por um governo teoricamente de esquerda, como uma grande coalizão encabeçada pela esquerda, que era oPT. Ao longo do tempo, oPTse tornou ainda mais num partido pragmático das eleições e foi perdendo suas articulações nas camadas mais populares dasociedade brasileira.
OBolsa Famíliafoi um amplo programa de distribuição de renda aos brasileiros, mas nem tudo pode ser resolvido com uma distribuição de renda. Deve-se levar em conta que embora os impactos doBolsa Famíliafossem importantes, o preço das amplas alianças com os setores mais diversificados (como partes da direita) poderiam a longo prazo ser uma dificuldade ao projeto petista. Por exemplo, a figura deMarcos Felicianoganhou força política quando embora estivesse ligado aogoverno petista, com cargos, utilizou a posição para tanto mostrar as diferenciações com a esquerda como tendo palanque como adversário das ideias do PT.Marcos Felicianofoi um agente importante daFPEque ajudou a desenhar Bolsonaro como resposta fácil diante do que vinha acontecendo no país apósDilma Rousseff. O discurso do próprioFelicianoe dos agentes daFPEcom a ampla retórica cristã acabou solapando as camadas mais baixas da população. Até porque, como já disse, ascamadas populares são conservadoras como o Brasil é. Contudo, ocorreu desde 2016 um trabalho muito bem tecido para que as periferias votassem em peso emBolsonaro.
Estamos no ano de um novo pleito eleitoral para a Presidência da República. Em sua análise, o apoio ao presidente Bolsonaro por parte dos evangélicos continuará? Qual a tendência?
Então, acabei de escrever um artigo em que defendo que está acontecendo uma perda no apoio dosetor evangélico de Bolsonaro. Nas pesquisas eleitorais isso já vem reverberando.Bolsonaroem 2018tinha por volta de 70% e agora tem 50% ou quarenta e poucos por cento dosetor evangélico. Por isso, creio que estamos diante de outro panorama que tínhamos em 2018, contudo não estou entusiasmado como alguns setores da esquerda que já estão dizendo que oLulavai vencer facilmente porque já conseguiu emparelhar com oBolsonaronas pesquisas. Acho que essa análise é sobretudo precipitada. Porque só agoraBolsonaroestá ajustando seus caminhos depropaganda, de mídias. Ele vem atuando muito diretamente a partir das igrejas. Ele vem tentando aprimorar e construiroutro programa social, que claramente estava se desenvolvendo a partir do arrocho que vem acontecendo pelapandemia, vem investindo em obras públicas, vem circulando o país.
Mesmo diante disso,Bolsonarosegue com 50% de apoio nos setores evangélicos – vale a pena lembrar que as camadas mais populares do país sãoevangélicas. Então eu diria que a tendência é de muitadisputa eleitoral,disputa políticaque vai acontecer até o final ano. Eu também não acredito queBolsonarovenha a sair do poder de forma pacífica, caso perca, ninguém coloca centenas de militares o poder para sair do mesmo. Mesmo com a perda de parte doeleitorado evangélico, pode-se dizer que ter 50% de votos de partida é um dado importante paraBolsonaro. É verdade, que algumasAssembleias de Deus, saíram um pouco de perto deBolsonaro; isso de fato vem acontecendo. Contudo, eu acho que mesmo com tantos problemas de governo, com a falta deprojeto de governo, mesmo com escândalos decorrupção, também com apandemiano mundo e noBrasil, o apoio de Bolsonaro segue tendo o apoio de 20% da população brasileira e no meio evangélico 50%. De fato, ele parte com um número significativo para o início do ano eleitoral.
Vislumbramos no Brasil nos últimos anos um descalabro de enormes proporções com a questão ambiental. Ao que parece a pauta ambiental, também, não é uma prioridade do atual governo. É possível alguma interferência das alas cristãs que apoiam o governo no sentido de sensibilizá-lo quanto a está importante questão, uma vez que a própria teologia cristã traz esta preocupação?
Sobre a questão ecológica,ambientaleu não tenho muita esperança. Porque as principais lideranças evangélicas, quero dizer, os grandesempresários da fé, sãolatifundiários, ou suas comunidades religiosas estão repletas dele. Quase sempre que os próprios pastores têm terrenos, propriedades, tem empresas que exploram o meio ambiente. Ou são ou estão ligados com a alta cúpula delatifundiáriosno Brasil. Então pra mim só tem como resolver essa questão ecológica brasileira, primeiro fazendo umaReforma Agrária Popular. Com amplo diálogo com oMST, aComissão Pastoral Terra, oMPA, os grandesmovimentos sociaisnoBrasil.
Oqueestou dizendo é: se não houver umaReforma Agráriaseria, concreta, não dá para começar a encaminhar aquestão ecológica. Porque são os pequenos agricultores, osmovimentos indígenasque são os principais preocupados com a questão ambiental. Eu não acredito nasGrandes Corporações Cristãs, que ou os pastores são latifundiários e tem poder de muitas terras ou a própriaIgreja Católicasegue tendo terras. Essas corporações então pouco interessadas na pauta ecológica, ou na pauta de sensibilização da Amazônia,contra a soja, contra o boi. Não tem preocupação com isso. Por isso, não tenho nenhuma esperança. Sem ospovos indígenasnoBrasilse não há uma discussão sobre terra, sobrereforma agrária popular.
Lembro de um detalhe importante sobre osmovimentos indígenas, a demarcação de suas terras e a ponta doimperialismo americano. Lá, em 2012 eu era professor de Seminário, e aí veio um missionário americano conversar comigo. OSemináriorecebia essas pessoas porque estava precisando de dinheiro e assim nutria-se as esperanças de “pingar dinheiro” dos “pais formadores”. Assim, oSeminário Teológico Batista do Sul do Brasilaceitou o retorno de missionários daConvenção Batista do Sul dos EUA. Um deles, veio falar comigo, e no meio da conversa falou: “e aAmazônia, o que você acha?”. Eu falei da importância para o Brasil de ser uma floresta do Mundo, mas de seu valor para o país. Uma das coisas que ele me falou, eu lembro nitidamente: “vocês têm doze mil índios pra toda aquela terra. Em toda aquela região e isso é um egoísmo”.
Assim, creio que seja isso: de um lado as grandes figuras doteatro evangélico hegemônicosão latifundiárias. Tem terras, se ligam abancada do boi. E, do outro as grandes agências missionárias americanas tem seus olhos voltados sobre o território brasileiro, sobre aAmazônia. E, sobre ela, defendem que seja um território mundial, e não diretamente do Brasil. Então eu diria que embora ateologia cristã, sadia e dialogal, tenha uma preocupação ecológica profunda – vale lembrar deHolzmann,Boffe outros, os braços diretos doimperialismo americano– como são os grandes pregadores e as grandes agências missionárias, sua preocupação éexplorar a Amazôniapara o grande capital.
Na relação religião e política, o senhor conseguiria identificar o crescimento de uma esquerda evangélica no Brasil e na América Latina, ou ainda é muito cedo? E, até que ponto poderia corresponder a um equilíbrio de forças e pensamento na política nacional?
Nos últimos anos, com a série depolíticas governo do PTde acesso à universidade, como o incentivo através de cotas, bolsas de manutenção de estudantes, etc. vários grupos das camadas populares conseguiram acesso à universidade. Com isso, ampliou-se a formação universitária intelectual entre osetor evangélico. A reflexão crítica dos espaços universitários ajudou ao povo das igrejas naformação humanística. Nesse intenso processo de intermediação entre as universidades e as igrejas irá ocorrer um novo crescimento do setor daesquerda evangélica. Ao mesmo tempo, lembra-se que osetor evangélicosempre teve setores críticos à vida moderna, como de grupos por exemplo daConfederação Evangélica Brasileira, nos quais construíram congressos nacionais entre as décadas de cinquenta e sessenta. Entre eles, o mais importante foi o de 1962, chamado de “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”.
Também, lembra-se que aesquerda evangélicalutou contra aditadura militar, ocorrendo vários casos, inclusive doZwinglio Mota Dias,Ivan Dias,Anivaldo Padilha, como pessoas caçadas pela ditadura militar. Por isso, posso dizer com muita felicidade que embora não fossemos tão numéricos, que sempre se teve um pessoal muito aguerrido, de muita luta. De fato, não tenho a expectativa de ter um equilíbrio entre asesquerdas e direitas evangélicasnos próximos anos, mas posso afirmar com muita certeza que esse grupo das esquerdas sempre farão muito barulho. E, creio que cada dia haverá mais vozes. Cito por exemplo a recente criação de umaBancada Evangélica PopularemSão Paulo, que visa enfrentara aFrente Parlamentar Evangélica, que é um braço absoluto, importante nogoverno Bolsonaro.
ABancada Evangélica Popularvem se organizando com pessoas de muita luta, periféricas sensíveis as lutas da capital monetária do país. Ela vem somando setores como asEvangélicas pela Igualdade de Gênero(EIG), por setores das comunidades pentecostais daZona Sul de São Paulo, peloCEBI,Koinonia, esses últimos que tem uma contribuição significativa às demandas deDireitos Humanose as religiões. Embora não sejamos grandes assim, e embora, não tenha expectativa de equiparar em dez anos, em vinte anos o número dosconservadores, creio na potente missão desse grupo: humanizar e lutar as lutas contra o capital transvestidos com a áurea bíblica. Que esse grupo pulse sobretudo o reconhecimento da dignidade humana, o reconhecimento de todas as pessoas, de diferentes expressões de gênero. Embora, acredite que as forças conversadoras sejam muito mais numéricas penso que as instâncias dasesquerdas evangélicaspodem ser o que as narrativas primeiras daBíblia, chamam de “Cidade Refúgio”, isto é, um local que as pessoas com todos os acúmulos sociais se sintam acolhidas e vivam suas expressões de vida.
Referências
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LOWY, Michael. A guerra dos Deuses, Petrópolis: Vozes, 2000.
PACHECO, Ronilso. Teologia negra: sopro antirracista do Espírito, Rio de Janeiro, Novos Diálogos, 2019.
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PY, Fábio. Bolsonaro’s Brazilian Christofascism during the Easter period plagued.
PY, Fábio. Padre Paulo Ricardo: trajetória política digital recente do agente ultracatólico
PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020a.
SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.
Notas
[1] Fábio Py é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Além de inúmeros artigos – alguns dos quais listados nas referências; é autor do livro Pandemia cristofascista. São Paulo: Editora Recriar, 2020.
[2] Pesquisador do Grupo de Pesquisa Mythos-Logos: Estudos do Imaginário e Parcerias do Conhecimento. A presente entrevista foi realizada em decorrência da palestra realizada pelo Prof. Fábio Py em programação promovida pelo Instituto Humanitas de Estudos Integrados, e do Grupo de Pesquisa Mythos-Logos, disponívelaqui.
Na entrevista, Bolsonaro repetiu mentiras e teorias conspiratórias
Presidente concedeu entrevista para dois propagadores de teorias conspiratórias ligados ao Querdenken, movimento negacionista e antivacinas que está na mira do serviço de inteligência alemão por laços com nazistas
O presidente Jair Bolsonaro se reuniu na primeira quinzena de setembro com dois membros da cena conspiracionista e negacionista da pandemia na Alemanha.
Bolsonaro concedeu uma entrevista para Vicky Richter e Markus Haintz, ligados ao Querdenken ("pensamento lateral" em alemão), movimento que organizou no último ano protestos contra as medidas do governo alemão para frear a pandemia de covid-19. Em abril, o serviço de inteligência interno alemão colocou setores do movimento sob vigilância nacional por suspeita de "hostilidade à democracia e/ou deslegitimação do Estado que oferece riscos à segurança".
A entrevista com Bolsonaro, concedida pelo presidente em Brasília, foi publicada em redes sociais ligadas a Richter e Haintz nesta segunda-feira (20/09).
A dupla alemã também realizou entrevistas com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo federal, e a deputada bolsonarista Bia Kicis. Os encontros foram registrados entre os dias 8 e 10 de setembro. A dupla também fez filmagens no ato antidemocrático de 7 de Setembro na Avenida Paulista, em São Paulo, que contou com a participação de Jair Bolsonaro.
Dupla de conspiracionistas
Haintz se apresenta como "advogado, jornalista e ativista pela liberdade". Baseado na cidade de Ulm, ele é uma figura proeminente do movimento Querdenken e costuma usar os protestos negacionistas do movimento para discursar contra o governo alemão e medidas de isolamento. Em agosto, ele chegou a ser detido pela polícia durante um protesto em Berlim.
Várias manifestações do Querdenken no último ano contaram com participação explicita de grupos neonazistas e de extrema de direita, além de seguidores do culto conspiracionista QAnon.
Em abril, ao colocarem setores do Querdenken sob vigilância, as autoridades alemãs mencionaram que essas alas constituem ameaça por questionarem a legitimidade da democracia e do Estado alemão. As autoridades também citaram ligações entre o movimento Querdenken e os grupos de extrema direita Reichsbürger e Selbstverwalter, que negam a existência do Estado alemão ou não se consideram parte dele. O Facebook também já baniu dezenas de páginas ligadas ao Querdenken.
Em outubro de 2020, Haintz foi demitido de uma faculdade de Biberach, onde atuava como professor, por causa das suas atividades no Querdenken. Um administrador da instituição afirmou à época da demissão que as declarações de Haintz legitimam a violência e que o advogado deveria "se envergonhar" pelo seu envolvimento no Querdenken.
Em seus discursos e publicações no Telegram (ele possui 100 mil assinantes), Haintz pinta a Alemanha como "uma ditadura" sob a chanceler federal Angela Merkel.
No entanto, Haintz viu sua posição no movimento ser enfraquecida recentemente após alguns rivais internos passarem a espalhar boatos de que ele trabalha como informante do serviço secreto.
Em uma publicação recente no Telegram, ele afirmou que há "um ataque global contra as liberdades" e que a sua viagem ao Brasil e outros países tinha como objetivo buscar aliados. Nos últimos dias, ele compartilhou no Twitter diversas publicações de Eduardo Bolsonaro e imagens das manifestações antidemocráticas do Sete de Setembro.
Já Richter se apresenta como uma ex-militar da Bundeswehr (Forças Armadas da Alemanha) e possui vários canais negacionistas no YouTube, Twitter e Telegram, nos quais propaga conteúdo antivacinas e teorias conspiratórias. Em uma publicação no Telegram, ela afirmou que conversou com a ministra Damares Alves sobre "a elite cabalística por trás do tráfico de crianças" no mundo e "estupros rituais em comunidades indígenas", temas que ecoam teorias conspiratórias do culto QAnon.
Outras publicações ecoam o discurso radical da base bolsonarista e parecem ter a intenção de apresentar o presidente brasileiro para o público extremista alemão. Nessas publicações, Bolsonaro aparece como "perseguido" pelo Judiciário e "boicotado" pela imprensa internacional. "O fato de que ele enfrenta comunistas e globalistas desagrada os poderosos", diz uma publicação.
Outras mensagens tem teor ainda mais conspiracionista, afirmando falsamente que "sete ministros do STF" chegaram a "fugir temporariamente do país" por medo de serem presos por Bolsonaro. Outros textos elogiam a gestão negacionista de Bolsonaro durante a pandemia.
A dupla alemã Vicky Richter e Markus Haintz também participou da fundação do partido Die Basis, uma agremiação negacionista da pandemia surgida em 2020 e que afirma ter quase 30 mil membros. A legenda chegou a disputar uma eleição regional em março, mas não obteve votação expressiva. Richter e Haintz deixaram o partido no início de setembro após disputas internas.
Vicky Richter entrevista a ministra Damares Alves
Palco para negacionismo
Na entrevista com a dupla alemã, que se estendeu por uma hora, Bolsonaro repetiu mentiras e teorias conspiratórias que ele já havia propagado durante o último ano.
Ele afirmou falsamente que hospitais inflacionaram o número de doentes com covid-19 para receber mais dinheiro, atacou a Coronavac – a vacina promovida pelo governo de São Paulo, chefiado pelo seu rival João Doria –, defendeu tratamentos ineficazes e potencialmente perigosos contra a doença – como a cloroquina – e até mesmo chás medicinais.
Ele também sugeriu que a melhor forma de se proteger contra o vírus é ser contaminado, reiterando novamente a tese da imunidade de rebanho pela infecção. "Eu disse para as pessoas não terem medo, que enfrentassem o vírus", disse Bolsonaro. "A liberdade é mais importante que a vida", completou, quando falava sobre sua oposição à vacinação obrigatória.
Bolsonaro também reclamou da TV Globo, se apresentou como "perseguido", defendeu o armamento da população e mentiu sobre não haver escândalos de corrupção em seu governo.
Já na entrevista com Eduardo Bolsonaro, a dupla Haintz-Richter abordou temas como voto impresso e as manifestações antidemocráticas do Sete de Setembro. O deputado aproveitou a oportunidade para espalhar mentiras sobre as urnas eletrônicas, reclamar da imprensa e se queixar da China.
A entrevista de Richter com Damares, por sua vez, abordou inicialmente a biografia da ministra, mas logo passou para temas mais caros a grupos conspiracionistas. Richter parecia especialmente interessada em práticas de povos indígenas. Damares afirmou que alguns indígenas têm práticas de "estupro coletivo como prática cultural" e "estupro como castigo" para mulheres.
Em uma pergunta, Richter afirmou à ministra que há "uma grande cabala" mundial por trás do "tráfico de crianças" e perguntou se Damares não tinha medo de enfrentar esses supostos grupos. "Eu recebo muitas ameaças de morte", respondeu Damares.
O termo cabala era originalmente usado para se referir à mística judaica, mas com o tempo antissemitas passaram a usar o termo como sinônimo para "conspiração" ou "complô". Esse uso de forma derrogatória costuma ser usado tanto por antissemitas quanto por seguidores do culto QAnon.
A dupla ainda se encontrou com a deputada de extrema direita Bia Kicis, uma aliada próxima de Bolsonaro. Eles discutiram supostos riscos da aplicação de vacinas em grávidas e uso de máscaras. "O uso de máscaras faz você perder sua identidade", disse Kicis, que regularmente publica conteúdo negacionista nas redes. "Eu desejo que os conservadores se aliem e construam uma rede", afirmou a deputada para os alemães. "Precisamos nos manter juntos e lutar contra o comunismo."
Bolsonaro e deputada de ultradireita Beatrix von Storch em julho
Essa não é a primeira vez que Bolsonaro e seu filho Eduardo e a deputada Bia Kicis se reúnem com alemães do espectro político populista e extremista de direita. Em julho, o presidente recebeu no Planalto a deputada alemã de ultradireita Beatrix von Storch. Filiada à AfD, Von Storch é uma figura influente da ala arquiconservadora e cristã do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem membros acusados de ligações com neonazistas. Uma organização ligada ao partido também chegou a ser colocada sob vigilância dos serviços de inteligência alemães no início do ano. Neta do antigo ministro das Finanças de Adolf Hitler, Von Storch ficou conhecida na Alemanha por publicações e afirmações xenófobas.
À época, o encontro com a deputada alemã causou ultraje entre organizações judaicas brasileiras.
Filha de brasileira e alemão, Juliana Wimmer é candidata a deputada pelo Partido Verde. Ela vê o populismo de direita como ameaça real à democracia alemã, e a atual gestão no Planalto, como risco ao mundo inteiro
por Clarissa Neher /DW
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Apesar da aparente pouca idade, a teuto-brasileira Juliana Wimmer, de 31 anos, tem uma longa trajetória de engajamento político, que neste ano pode culminar com a consolidação do início de uma carreira na política alemã. A jovem jurista é uma das candidatas do Partido Verde para o Bundestag (Parlamento alemão).
Formada em Direito, mestre em Políticas Públicas e com experiências de trabalho no Ministério alemão da Justiça e no Centro Europeu para Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR), Wimmer começou a cogitar a candidatura há cerca de um ano, após conversas com colegas da legenda. A ideia foi também impulsionada pelo crescimento da sigla populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD).
"Nunca pensei que um partido destes pudesse entrar em qualquer parlamento aqui na Alemanha. Agora vimos que eles chegaram para ficar, por isso, é importante nos levantarmos e dizermos que temos uma visão da política diferente desta legenda que não é democrata", conta Wimmer à DW Brasil. Ela lembra o episódio ocorrido em 18 de novembro, quando deputados da AfD liberaram a entrada no Bundestag de ativistas de extrema direita e influencers conspiracionistas que invadiram gabinetes na tentativa de intimidar parlamentares e um ministro.
Wimmer é desde 2018 assessora da deputada do Partido Verde Katja Keul e estava trabalhando no dia do incidente. "Recebi um e-mail do partido alertando para ficarmos nos escritórios e fecharmos a porta. Isso me deixou chocada e mostrou que realmente esse partido no Parlamento é um perigo para todos. Isso me motivou como alemã, mas também como estrangeira, a deixar claro que esse não é um Bundestag que desejo e também a participar mais ativamente deste Parlamento", ressalta.
O passo rumo ao Parlamento não foi algo completamente inesperado na carreira da jurista. A política sempre esteve presente na vida de Wimmer. Filha de uma brasileira e de um alemão que se conheceram no Brasil no fim da década de 1980, Wimmer nasceu em Berlim em 1989. Nas conversas em família, tanto a política alemã quanto a brasileira eram temas constantes.
"Na escola aqui, tínhamos uma aula de política e, quando terminei o colégio, sentia falta destas aulas. Também queria participar ativamente de um partido e da campanha eleitoral de 2009", conta.
A escolha do partido
Com a decisão tomada, faltava então escolher a legenda. Para isso, Wimmer fez uma pesquisa sobre as plataformas de cada um dos partidos alemães. "O Partido Verde foi o que mais me convenceu pelos seus valores baseados na ecologia, pacifismo e feminismo". Com 19 anos na época, decidiu entrar para a juventude verde.
Wimmer nasceu em Berlim
Em 2015, com 28 anos, ela passou a integrar grupos de trabalho da legenda que tratam de política externa e questões locais do distrito eleitoral onde mora em Berlim. A história de vida de Wimmer foi fundamental para o foco em temas internacionais.
"As duas nacionalidades são muito importantes para mim. Essas duas perspectivas e culturas foram uma das razões que me levaram a trabalhar com política externa", destaca.
Neste ano, veio o grande passo na carreira política: em 21 de março, Wimmer participou da seleção interna do Partido Verde para a escolha dos nomes que entrariam na lista de candidaturas da legenda em Berlim para as eleições de 26 de setembro.
A jurista concorreu com outros 25 candidatos e conquistou a oitava posição. As chances da teuto-brasileira de entrar no Parlamento dependem da quantidade de votos que a legenda obtiver. Na Alemanha, cada eleitor tem direito a dois votos: o direto no candidato do distrito eleitoral e o na legenda. Metade das 598 cadeiras do Bundestag são ocupadas por candidatos eleitos diretamente e a outra metade pelas listas distritais, sendo distribuídas conforme a proporção de votos das siglas.
Caso conquiste uma cadeira no Bundestag, a política internacional deve ser uma das plataformas de seu mandato. Wimmer defende uma atuação alemã no exterior voltada para a paz, desarmamento, e para prevenção de conflitos, com uma visão feminista e envolvendo a sociedade civil.
Ela pretende também contribuir para uma maior diversidade no Parlamento. "As raízes migratórias fazem parte da minha identidade. Há muitos alemães que também tem uma outra nacionalidade e esse grupo ainda é pouco representando no Bundestag. No meu mandato, também pretendo lutar por todas as crianças de migrantes que vieram para a Alemanha", acrescenta.
Governo Bolsonaro
Ao comentar a política brasileira, Wimmer lamenta os inúmeros retrocessos ambientais e de direitos humanos que vêm ocorrendo desde o início do governo de Jair Bolsonaro. "Antes da pandemia, ainda havia grupos que estavam sendo beneficiados com o governo, como a elite ou quem votou nele, mas agora todo mundo está sofrendo", afirma, acrescentado que o descaso do presidente com a crise do coronavírus é "irresponsável".
"Essa política não é sustentável e se tornou um perigo, não só para o Brasil, mas pro mundo inteiro quando vemos essas mutações", comenta.
Para a jurista, o governo da chanceler federal alemã, Angela Merkel, apesar de ser crítico de Bolsonaro, poderia fazer muito mais para pressionar o presidente brasileiro. "O poder econômico da Alemanha e da União Europeia é muito forte, mas ele não está sendo usado suficientemente para mostrar que o Brasil agora não é um parceiro confiável no comercio mundial". Como exemplo de pressão que poderia ser feita, ela cita a aprovação de leis que aumentem a transparência e os padrões exigidos em relação a produtos importados do Brasil.
Além disso, ela considera importante iniciativas que apoiem a sociedade civil e mostrem que o país europeu está ciente do que o ocorre no Brasil, como a carta de deputados alemães enviada ao Congresso brasileiro com um pedido para não flexibilizar leis de proteção ambiental.
Atualmente com chances reais de comandar o novo governo alemão, como mostram pesquisas recentes de intenção de voto, o Partido Verde poderia no futuro aumentar a pressão sob Bolsonaro. No entanto, segundo Wimmer, uma mudança neste aspecto dependerá muito da coalizão que formará o novo governo. Caso seja feita uma aliança com os social-democratas, a tendência é o fortalecimento das conexões com a sociedade civil, o endurecimento das críticas e o uso do poder econômico.
"Se só for possível uma coalizão com a CDU, será bem difícil mudar o caminho que estamos agora, pois os conservadores têm em mente os interesses econômicos e são muito influenciados pelo lobby da economia alemã, e isso é o que impede o atual governo alemão de se posicionar mais fortemente contra a política de Bolsonaro", avalia.
Em matéria de transparência, parece que a Transparência Internacional, especialmente a TI-B (seção brasileira da TI) tem mais lições a aprender do que a ministrar. Reportagem publicada pela Carta Capital, por exemplo, traz novos detalhes da parceria da TI-B com a Lava Jato. Pode parecer incrível — como se já não tivéssemos visto coisas do balacobaco! —, mas, entre as peripécias, planejou-se até mesmo criar um “selo” para candidatos bons e maus. Embora o objetivo fosse abençoar nomes considerados liberais, cogitou-se uma mobilização para granjear apoios à esquerda. Recomendo que leiam a reportagem.
Pois bem. Agora vem a público uma outra informação do balacobaco. No dia 31 de janeiro, a direção da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, enviou uma notificação à sede da Transparência Internacional, na Alemanha, relatando um caso realmente sui generis.
A FGV acusa a seção brasileira da Transparência Internacional de ter firmando um Memorando de Entendimento para desenvolver um trabalho em parceria com o Ministério Público Federal — leia-se: Lava Jato — utilizando, para tanto, mão de obra, expertise e até instalações da Fundação, mas sem o seu conhecimento — e, pois, sem um contrato.
Destaco trechos do documento, que é muito claro. No começo, tudo parecia bem. Acompanhem.
PARCERIA ANTIGA Como é de conhecimento de V.Sas., em 30 de agosto de 2016 a Fundação Getúlio Vargas – FGV e a Transparency International Secretariat – TI-S celebraram Memorando de Entendimentos, formalizando a participação da FGV no Centro de Conhecimento Anticorrupção.
Também como é de conhecimento de V.Sas., em 17 de julho de 2017 a Transparência Internacional – Programa Brasil -TI-B, e a FGV, por meio de sua Escola de Direito do Rio de Janeiro, firmaram um acordo geral para cooperação técnica, de modo a viabilizar o desenvolvimento de “uma variedade de Projetos de Pesquisa Aplicada dentro da temática de combate à corrupção, promoção e compliance nos setores público e privado e avanço de práticas de transparência”, prevendo, neste Acordo, que cada projeto de pesquisa seria objeto de um Termo Aditivo específico, com o detalhamento e condições.
No mesmo 17 de julho de 2017, FGV e TI-B firmaram o 1º Termo Aditivo ao Acordo, visando criar mecanismo que, a partir da participação da sociedade civil, possibilitasse o desenvolvimento de propostas legislativas de combate à corrupção.
Em 17 de agosto de 2017, foi firmado o 2º Termo Aditivo ao Acordo, visando desenvolver pesquisa destinada a analisar os mecanismos de integridade e compliance de empresas estatais brasileiras e para propor iniciativas capazes de aprimorá-los.
Todas as pesquisas, objeto dos 1º e 2º Aditivos, foram plenamente realizadas, nos termos da contratação, com a produção de relevante bem público para a sociedade brasileira.
RETOMO Tudo claro até aqui, certo? FGV e TI-B empenhadas em ações contra a corrupção. Como na música de Claudinho & Buchecha, as coisas caminhavam na base do “só love, só love”.
Destaco, de qualquer modo, essa vocação que tem a Transparência Internacional, do Brasil ou não, para ser uma espécie de polícia global, né? É uma pena que, em terras nativas, tenha se embrenhado em caminhos escuros, que envolvem até disputa eleitoral. Mas sigamos. A relação com a FGV vai começar a azedar. Afinal, até esse ponto, parece, a Lava Jato não havia entrado na história. Sigamos com o documento.
Em 03 de julho de 2019, a TI-B notificou-nos, fazendo referência à cláusula anticorrupção do Acordo, a partir de uma due dilligence promovida por V.Sas., previamente à assinatura do que seria o 3º Termo Aditivo, que previa a realização conjunta do projeto de pesquisa “Lava Jato Global: lições para o combate à corrupção”.
Fazendo menção a investigações promovidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, a TI-B solicitou à FGV explanação sobre toda e qualquer investigação e processos judiciais e administrativos contra pessoas físicas e jurídicas relacionadas à FGV, além da execução de ações de remediação, tendo a FGV apresentado todas as informações requeridas.
Mesmo tendo recebido as informações solicitadas, e para decepção da FGV, a TI-B promoveu, unilateralmente, o distrato do Acordo, encerrando, no segundo semestre de 2019, as relações entre as Instituições.
EXPLICO O Ministério Público do Rio investigou a FGV, acusando a fundação de fraudes em contratos de consultoria com o governo do Rio. A TI-B houve por bem, então, romper unilateralmente o contrato. Onde já se viu, né?, entidade e pessoas tão retas e sérias envolvidas com uma instituição investigada? Coisa realmente muito feia. É mesmo? Voltemos ao documento. Prestem atenção. O roteiro começa a ficar mais interessante.
Em 6 de dezembro de 2020, foi publicada matéria do site CONJUR, sob o título “Aras bloqueia repasse de R$ 270 milhões para clone de fundação da ´lava jato´”, reportagem esta que faz menção a um Estudo produzido pela TI-B para o Ministério Público Federal, Estudo este que foi divulgado nas redes sociais da própria TI-B (https://www.facebook.com/transparenciainternacionalbrasil ), anexo à Nota Pública intitulada “MPF desmente, mais uma vez, informações falsas de que a TI receberia e administraria recursos do Acordo de Leniência da J&F”.
Apenas a partir dessa publicação, a FGV tomou conhecimento da existência de um Memorando de Entendimentos (MOU), firmado entre o Ministério Público Federal e a TI-S em 12 de dezembro de 2017, ou seja, ainda durante a vigência do Acordo entre a TI-B e a FGV, MOU este que, além das Partes mencionadas, incluía a J&F Investimentos S/A e a TI-S, representada pelo Sr. Bruno de Andrade Brandão.
Nos termos deste MOU, a participação da TI-S foi expressamente justificada por deter a Instituição expertise para promover a estruturação do sistema de governança envolvendo recursos financeiros destinados a projetos sociais.
Desnecessário dizer que a FGV não é parte deste MOU e dele só agora teve conhecimento, não tendo participado, em qualquer momento ou por qualquer forma, das conversações e tratativas que neste documento resultaram.
RETOMO Perguntará o leitor que está acompanhando até aqui: “Mas por que a FGV está dizendo que não faz parte desse fabuloso Memorando de Entendimento? É aí que está o busílis. A Fundação foi usada na celebração do troço sem ter sido nem avisada. Vocês se deram conta, certo? Ainda estava em curso uma parceria entre a seção brasileira da TI e a FGV quando esse outro acordo foi feito. Quem o assinou em nome a TI da Alemanha foi Bruno Brandão, o mesmo que celebrava os entendimentos com a fundação em nome da seção brasileira.
O que segue explica tudo direitinho:
Pois viu-se a FGV surpreendida ao saber que, para desincumbir-se das obrigações assumidas no âmbito deste MOU, a TI-S valeu-se, sem o conhecimento e tampouco a aprovação da FGV, dos conhecimentos de professor de seus quadros, Professor Michael Freitas Mohallem, indicado, na ficha catalográfica do documento intitulado “Governança de Estudos Compensatórios em casos de Corrupção” (resultado do referido MOU), como coautor do mesmo.
Mais grave: na página 111 deste documento, é admitida a utilização das instalações da FGV para a realização de entrevista, sendo que a Fundação não foi consultada sobre uso de espaço seu para tal finalidade, e, portanto, não o autorizou.
Demonstrando que a FGV não fez parte desse serviço, nada recebendo pelo mesmo, o acordo geral para cooperação técnica firmado entre TI e FGV exigia, como já mencionado supra, que cada projeto de pesquisa seria objeto de um Termo Aditivo específico, com o detalhamento e condições, o que em nenhum momento foi feito em relação aos serviços tratados no citado MOU.
RETOMO Se a direção da FGV não está mentindo na notificação que faz à Transparência Internacional, na Alemanha, a fundação acabou fazendo parte de um… sei lá como chamar — troço? — sem que soubesse. Tanto um professor seu como suas instalações passaram, como posso dizer?, por uma espécie de apropriação, né?
A própria FGV resume para a TI o ocorrido: (i) a FGV não foi consultada sobre o eventual interesse em participar ou não;
(ii) a FGV não recebeu qualquer solicitação formal para autorizar a participação de um de seus professores de tempo integral na coautoria do Estudo encomendado pelo MPF;
(iii) a FGV não autorizou a utilização das suas instalações para a realização de qualquer atividade relacionada, direta ou indiretamente, ao Estudo;
(iv) a TI não firmou com a FGV qualquer Termo Aditivo para participação desta última no projeto objeto do MOU assinado entre a TI e o MPF, o que era exigido por força do Acordo Geral firmado.
E acrescenta a direção da FGV: Parece-nos, mais do que descortês, grave o fato de a TI-B se (i) apresentar como expert em determinada área do conhecimento, (ii) ser contratada por órgão estatal para a realização de estudos e, ato seguinte, (iii) promover os estudos a partir e com a coautoria com professor dos quadros da FGV, tudo sem conhecimento ou autorização expressa da Fundação Getúlio Vargas, quando o próprio Acordo Geral firmado entre TI e FGV exigia formalização de Termo aditivo a cada novo projeto a ser desenvolvido pelas duas instituições.
ENCERRO A coisa não fica bonita para a Transparência Internacional — a da Alemanha ou seção brasileira. Mas é preciso que a FGV apure também se, dentro da fundação, houve atuação imprópria.
É preciso combater a corrupção e é preciso tomar cuidado com a indústria de combate à corrupção.
Sim, os males precisam de remédios. E, como escreveu Padre Vieira, é preciso saber quem remedeia os remédios. Ou o país acaba se entupindo de cloroquina moral.
A situação sanitária do Brasil é muito preocupante
Professora distribui álcool em escola de São Paulo
DW - O Brasil registrou oficialmente 54.742 casos confirmados de covid-19 e 1.351 mortes ligadas à doença nesta quinta-feira (11/02), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).
Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 9.713.909, enquanto os óbitos chegam a 236.201.
Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.
Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,3 milhões de casos, e da Índia, com 10,8 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 474 mil pessoas morreram nos EUA.
Brasil pode ficar isolado mundialmente por causa de possíveis variantes do coronavírus
Por Raquel Miura
Especialista ouvido pela RFI diz que país só não errou mais na pandemia por falta de tempo e afirma que demora na vacinação e comportamento da população e de autoridades podem levar o Brasil a ser celeiro de mutações do vírus.
A situação sanitária do Brasil é muito preocupante, mas a população e os governos agem como se os números de casos de coronavírus estivessem em queda vertical. A avaliação é do infectologista Dalcy Albuquerque, membro da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. A consequência disso já se vê no número de mortes e internações, disse o especialista, e pode também levar ao aparecimento de novas mutações do vírus, devido à alta taxa de transmissão.
“Aqui o controle da pandemia é muito fraco, muito falho. O vírus está se reproduzindo livremente, especialmente quando as pessoas estão nas ruas, sem cuidado. E nessa ampla replicação viral, pode haver ‘erros’ no processo, daí as chances de se ter variantes. O Brasil tem fronteira com outros países, temos voos indo e vindo de quase todo o mundo, o nosso país é grande e a situação sanitária é grave. Com tudo isso, o país pode vir a ser um celeiro de novas variantes do coronavírus”.
O médico explicou que a maioria dessas alterações em partes do vírus que surgem da replicação não se desenvolve. Mas alguns desses ‘erros’ podem se tornar predominantes, uma nova cepa, ou conviver com o original, como acontece com as variantes originárias do Reino Unido, África do Sul e da região Norte do Brasil. Em princípio são mudanças que até agora tornaram o vírus mais transmissível, mas não mais letal. “Nós fazemos muito pouco da vigilância virológica, testamos pouco as pessoas e fazemos pouca pesquisa sobre a genotipagem do vírus, ao contrário da Europa, por exemplo. Na Inglaterra, a partir de certa quantidade de exames, se faz uma análise mais detalhada. E nós não fazemos. Pode então haver novas variantes já circulando e nós não sabemos. E por não sabermos, não levamos adiante políticas públicas para combater isso, com isolamento de certas áreas, controle sanitário mais assertivo para barrar a propagação”.
Dalcy Albuquerque diz que o país faz feio no combate à pandemia. “Sob o ponto de vista médico, epidemiológico, o Brasil só não errou mais por falta de tempo, não teria como errar mais do que já errou. Inclusive pela ausência do governo federal na condução de uma política nacional, de uma coordenação. Não houve apoio a hospitais de campanha, negociação antecipada e ágil de vacinas, ao contrário, houve descrédito com medidas sérias contra o vírus. O país voltou a ter aumento nos casos e nada foi feito, continuou-se tudo como se o número tivesse em ritmo de queda”.
A mutação do vírus, a falta de cuidado da população, a inércia do governo federal e a demora na vacinação em massa podem levar a perda inclusive dos efeitos da campanha de imunização já em andamento. “Se houver nova variante importante, pode-se perder o que foi vacinado. Muitas prefeituras estão suspendendo a vacinação por falta de doses. É preciso acelerar a produção pelos institutos brasileiros. E aqui nova falha do governo federal que, diferentemente de outros países, negociou com apenas um fornecedor, Oxford/AstraZeneca. Temos o imunizante da Sinovac devido a uma negociação direta do governo paulista. Outros países negociaram antecipadamente com vários fabricantes.”
Volta ao normal
O infectologista diz que o comércio, os serviços, a indústria só voltarão mesmo ao normal se a população for vacinada. Ainda assim, considera que as aulas, especialmente na rede pública, deveriam ser retomadas para não agravar ainda mais o fosso social do país e porque, na escola, muitas vezes as crianças estão mais protegidas, sob vários aspectos, do que na rua. “O tema é polêmico, mas acho que com um rigoroso protocolo, com participação de professores, funcionários e sobretudo dos pais, que devem orientar os filhos a seguir as regras de higiene da escola, como usar máscara, não comer do lanche do colega, a escola, especialmente a pública, deve reabrir e receber os estudantes”.
Albuquerque diz que não vê com olhos muito otimistas a guerra contra o coronavírus no Brasil, mas isso pode mudar se a produção das vacinas aumentar. “Considerando o ritmo da vacinação, a gente hoje não vê uma boa perspectiva. A Fiocruz e o Butantan estão prometendo entregar um volume bem maior e crescente de doses, o que, se confirmado, mudaria o cenário, mas sem isso a gente perde a corrida. E pode colocar a perder a vacinação feita até aqui se houver uma mutação importante do vírus. E aí corre o risco de ficar isolado no mundo, com brasileiros barrados ou tendo de ficar de quarentena para entrar em qualquer país. Nossos vizinhos na América Latina já estão em ritmo mais acelerado de vacinação”.
França reforça medidas nas escolas contra cepas brasileira e sul-africana
Texto por RFI
As novas cepas do coronavírus, mais resistentes e contagiosas, podem gerar uma nova onda epidêmica na França e representam uma ameaça às campanhas de vacinação. Na tentativa de controlar o avanço das variantes da Covid-19, que os epidemiologistas acreditam que serão majoritárias em março ou abril, o país anunciou um novo reforço no protocolo sanitário nas escolas.
O Ministério da Educação anunciou que as classes serão automaticamente fechadas se um aluno for contaminado pela variante sul-africana ou brasileira. Atualmente, na região parisiense, mais de 250 classes estão fechadas por conta de casos da Covid-19: pelo menos 50 em Paris, 77 em Versalhes e 119 em Créteil.
Todos os alunos e professores serão testados e deverão ficar dez dias de quarentena, contra sete no caso das outras cepas. A medida também vale para uma criança que tenha estado em contato com essas variantes, seja através de amigos ou familiares.
As máscaras caseiras de tecido também foram proibidas nas escolas francesas. Os estudantes do ensino fundamental e médio agora terão de usar máscaras cirúrgicas descartáveis, consideradas mais eficientes para barrar a transmissão do coronavírus.
Para evitar um novo lockdown, o governo francês aposta no recesso escolar de fevereiro, que começou nesta segunda-feira (8) em várias regiões e deve durar duas semanas. Na região parisiense, as férias começam neste sábado (13).
"As próximas semanas serão decisivas", disse o epidemiologista Arnaud Fontanet, membro do comitê cientifíco criado pelo governo para ajudar na gestão da epidemia, ao canal de TV BFMTV, nesta segunda-feira (8). "A cepa britânica vai determinar quais serão as próximas medidas", reitera.
Casos de novas cepas disparam em três semanas
Em 27 de janeiro, o número de casos detectados das novas cepas, principalmente a britânica, chegava a 14%, contra 3,3% de casos positivos em 7 e 8 de janeiro. Para acompanhar sua evolução no território, todos os testes PCR positivos deverão ser analisados com uma técnica que permite detectar a presença possível das três variantes, segundo a Direção Geral da Saúde.
Fora de controle, a cepa britânica poderia levar a um aumento descontrolado do número de casos e a uma retomada da epidemia da Covid-19, de acordo com o virologista francês Bruno Lina, que coordena a vigilância epidemiológica em torno das cepas. "Por enquanto, o cenário não é excessivamente sombrio, ainda temos a possibilidade de controlar esse vírus", afirma.
A situação preocupa os profissionais da saúde, principalmente porque o governo fez uma aposta arriscada ao decidir não decretar, por hora, um novo lockdown. "O governo preferiu preservar a economia, a educação e o social, porque todos estão exaustos com essa repetição de lockdowns", afirma Fontanet. "Se funcionar, tudo bem, mas se a partir de um momento constatarmos que a epidemia continua progredindo, uma hora ou outra precisaremos adotar medidas mais rígidas", salienta
"A epidemia estacionou em um nível elevado", argumenta o epidemiologista Antoine Flahault ao canal BFMTV. Para ele, a estratégia adotada pelo governo francês é "extremamente perigosa." Ele defende a adoção de um lockdown imediato, com o fechamento das escolas, por um período limitado.
(Com informações da AFP
"Mutações podem destruir nossas conquistas", diz Merkel
A chanceler federal Angela Merkel defendeu nesta quinta-feira (11/02), perante os parlamentares no Bundestag (Parlamento alemão), a decisão tomada pelos governos federal e estaduais de prolongar até 7 de março o lockdown por causa da pandemia de covid-19.
Ela disse concordar com o argumento de que há uma clara tendência de declínio nos números de novas infecções, mas alertou para o perigo representado pelas mutações do novo coronavírus, "que podem destruir todas as conquistas" das últimas semanas.
Merkel lembrou que as variantes do coronavírus são bem mais perigosas e transmissíveis e estão se impondo perante a variante inicial, o que já pode ser confirmado em outros países.
Na Alemanha, já foram registrados casos das variantes identificadas pela primeira vez na Reino Unido, na África do Sul e no Brasil, disse.
"Eu não acredito que esse vai e vem, abre e depois fecha de novo, realmente traga mais previsibilidade para as pessoas do que esperar mais alguns dias", comentou.
Ao mesmo tempo, a chanceler federal reconheceu erros na condução da pandemia. No verão europeu de 2020, uma vida mais ou menos normal voltara a ser normal, lembrou. "Mas não fomos precavidos o suficiente nem rápidos o suficiente", observou.
Segundo ela, o governo deveria ter reagido de forma mais rápida quando as infecções voltaram a subir, impondo logo um lockdown. A explosão no número de infecções que se viu a seguir foi consequência de uma "atitude hesitante" por parte do governo, disse.
Oposição critica
A oposição criticou a gestão da pandemia pelo governo. A líder da bancada do partido populista de direita AfD, Alice Weidel, acusou o governo de agir de forma inconstitucional, de impor amplas restrições às vidas dos cidadãos e criar efeitos colaterais imensuráveis
O partido A Esquerda e o liberal FDP voltaram a pedir maior participação do Parlamento na tomada de decisões. O presidente do FPD, Christian Lindner, disse que a população aguardava uma abertura maior diante do "imenso desgaste" que o lockdown provoca na sociedade.
Até 7 de março
A decisão de prolongar o lockdown em vigor desde meados de dezembro foi tomada em Berlim, nesta quarta-feira, durante um reunião entre Merkel e os governadores estaduais. O lockdown estava previsto para acabar no próximo domingo.
O principal critério para uma abertura é a incidência semanal de novas infecções. Os governos querem que ela fique pelo menos abaixo de 50 por 100 mil habitantes, de preferência abaixo de 35. O número está em queda na Alemanha já há vários dias, e nesta quinta-feira caiu de novo, para 64 novas infecções por cem mil habitantes.
Membro do Conselho Alemão de Ética afirma que público deveria confiar em cientistas e em pessoas que "realmente conhecem o assunto", e não em teóricos da conspiração e opositores da vacinação
Pessoas que se recusam a tomar a vacina contra covid-19 não deveriam ter acesso a ventiladores e outras medidas de emergência se ficarem doentes, disse, em tom de provocação, um membro do Conselho Alemão de Ética (Deutscher Ethikrat) ao jornal Bild neste sábado (19/12). No Brasil faltam leitos hospitalares, e os defensores da Cloroquina, notadamente políticos, juízes, procuradores, promotores, terrivelmente evangélicos, deveriam fazer o mesmo.
O conselho formado por especialistas independentes assessora o governo e o Parlamento em questões sobre medicina, lei e ciência que têm impacto na sociedade.
"Quem quiser recusar a vacinação definitivamente, deveria sempre carregar um documento com a inscrição: 'Eu não quero ser vacinado!'", disse Wolfram Henn, um geneticista que também atua como vice-presidente do Conselho Central de Ética da Associação Médica da Alemanha. "Quero deixar a proteção contra a doença para os outros! Quero, se ficar doente, deixar meu leito de terapia intensiva e respirador para os outros."
Embora Henn aponte que as questões relacionadas à vacinação são compreensíveis e justificadas, ele recomendou confiar no conselho de "pessoas que realmente conhecem o assunto". Pesquisadores de todo o mundo, disse ele, "aceleraram o ritmo com um custo enorme, mas não à custa da segurança".
"Dentro de alguns meses, também haverá vacinas contra o coronavírus do tipo clássico, como aquelas que foram comprovadas um bilhão de vezes durante décadas contra a gripe ou hepatite", acrescentou.
Henn também criticou propagadores de teorias da conspiração e negacionistas do coronavírus, apontando que as decisões não deveriam ser deixadas para "'pensadores laterais' e opositores da vacinação", referindo-se ao movimento Querdenken ("pensamento lateral", em alemão), o grupo que tem liderado a maioria das manifestações contra as medidas para frear a pandemia impostas pelo governo alemão.
"Recomendo com urgência que esses alarmistas visitem o hospital mais próximo e apresentem suas teorias da conspiração aos médicos e enfermeiras que acabaram de sair de superlotadas unidades de terapia intensiva completamente exaustos", disse.
Após a sua entrevista ao Bild, Henn disse à emissora WDR que quis fazer uma provocação para estimular reflexão. "Em primeiro lugar, quero provocar e, no bom sentido, estimular a reflexão. [As pessoas] devem pensar quais são as consequências de suas ações."
"É perfeitamente claro que, no final, ninguém abrirá mão do tratamento em caso de emergência. A questão é que as pessoas que apresentam críticas muito rapidamente e que gostam de apontar para aquilo que se opõem também deveriam expressar o que realmente defendem. E se elas se voltam contra algo, então deveriam realmente pensar nas consequências de suas ações se elas forem levadas até o fim."
A Alemanha tem sido palco de um movimento barulhento contra as medidas relacionadas ao coronavírus. Vários grandes protestos foram realizados na capital, Berlim, e outras grandes cidades. No mês passado, um protesto na cidade de Leipzig atraiu mais de 20.000 participantes.
A Alemanha está atualmente sob um lockdown rígido que deve durar até pelo menos 10 de janeiro. O país vem enfrentando um aumento robusto no número de casos e mortes, apesar de seu sucesso no início da pandemia.
Na sexta-feira, a Alemanha registrou 33.777 novos casos, marcando a primeira vez que o país teve um aumento diário superior a 30.000. Autoridades de saúde também relataram mais de 25.700 mortes desde o início da pandemia. A partir de uma reportagem do DW