Casas submersas em Lajeado (RS) nesta quarta-feira (6) após a passagem de um ciclone. — Foto: Diego Vara/Reuters
Casa ilhada após ciclone em Bom Retiro do Sul (RS) nesta terça-feira (5). — Foto: Diego Vara/Reuters
Após ciclone, parte fértil do solo é varrida pela correnteza no RS — Foto: Reprodução Globo Rural
Chuvas fortes causam mortes, estragos, enchente e deixa centenas de pessoas desabrigadas — Foto: DIOGO ZANATTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Sugestões quanto ao que pode e deve ser feito
por Paulo Brack e Eduardo Luís Ruppenthal
1. Trazer o tema das mudanças climáticas e seus eventos extremos, com base em instituições de referência internacional e nacional, para o centro do debate, localmente, regionalmente e mundialmente, no âmbito governamental, legislativos, conselhos, ministério público e demais setores que tratam de políticas públicas socioambientais. A questão climática tem relação estreita com o aumento dos GEE, o que remete, obrigatoriamente, a que se discuta a matriz energética atual e, de forma inescapável, o modelo de economia hegemônico e energívoro que emite elevadas quantidades de gases de efeito estufa, diminuindo-se o uso de combustíveis fósseis, mas revendo-se a concentração de megaparques de geração elétrica, que vêm gerando impactos ambientais importantes. Em resumo, rever a pegada ecológica e debater com a sociedade, principalmente questionando-se os setores que concentram capital e encabeçam as maiores fontes de liberação de GEE ou mineração predatória em minerais raros, em especial o lítio, associados às fontes de geração mais renováveis, no que chamam de transição energética, porém ainda presa ao paradigma do crescimento econômico e concentração ilimitados.
2. Diagnosticar os maiores riscos sobre as bacias hidrográficas, por parte dos órgãos de meio ambiente e instituições de pesquisa, juntamente com as prefeituras locais.
3. Fortalecer os Comitês de Bacia, em uma recomposição democrática, longe da influência, muitas vezes dominante, de representação de setores econômicos. Os conselhos devem ser compostos, predominantemente, por membros da sociedade, superando-se os atuais conflitos de interesse de representantes vinculados a setores empresariais ou governamentais, recorrentemente com visão econômica imediatistas. Também devem receber apoio e recursos financeiros da cobrança pelo outorga ou uso da água por parte de grandes usuários.
4. Fiscalizar e proteger as cabeceiras do Rio Taquari-Antas e nas demais regiões de nascentes dos rios do Estado. Planejar e buscar programas e projetos para reflorestamento das matas ciliares conforme legislação vigente sobre as APPs, sem o retrocesso da inconstitucional Lei n. 14.285/2021. Há que se controlar e coibir as licenças ambientais para atividades que, inclusive, estão a comprometer a qualidade, a quantidade e a vazão de água na bacia. Arquivar o PL 364/2019 do deputado Alceu Moreira, inconstitucional, que retira a proteção dos Campos de Altitude da Lei 11.428/2006, Lei da Mata Atlântica.
5. Proteger as margens dos rios, em especial as matas ciliares da bacia do rio Taquari-Antas.. Há que se lembrar que o Rio Taquari-Antas constitui-se em um dos principais Núcleos da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, enquadrado como Patrimônio da UNESCO e Patrimônio Nacional neste bioma reconhecido pelo Artigo 225 da Constituição Federal, sendo necessária, portanto, a revisão de todas as atividades que comprometam a vegetação nativa e a biodiversidade que, além de Patrimônio Internacional, desempenha papel fundamental nas funções ecológicas e econômicas (serviços ecossistêmicos) da bacia.
6. Preparar governo e sociedade para o enfrentamento dos eventos climáticos extremos. Onde há negacionismo, não se reconhece a gravidade e não há ações, neste caso de adaptação, precaução e prevenção. O efeito El Niño era esperado, houve alerta e não houve preparo de parte de governos para engajamento da população em tomada de medidas prévias e emergenciais, incluindo o deslocamento de pessoas das áreas potencialmente mais atingidas para áreas mais seguras e rotas de fugas. É necessário o treinamento de pessoas para a prevenção, que envolva todas as comunidades, e ações ligadas às medidas emergenciais. A implantação de um sistema de alerta por parte do governo do Estado, defesa civil e de governos dos municípios sujeitos a estas tragédias e preparo da população frente a novos eventos como o que ocorreu no vale do rio Taquari. Avisos prévios, com instalação de sirenes e comunicação pública com carros de som, nos municípios risco de eventos climáticos extremos, neste caso, em toda a Bacia Hidrográfica do Rio Taquari.
7. Rever conjuntamente os empreendimentos hidrelétricos na bacia. Dezenas de barragens, de médias e pequenas centrais hidrelétricas na bacia, alteram a vazão e devem ter controle para se evitar a abertura de comportas. Há que se averiguar a mudança na vazão do rio Taquari-Antas, em decorrência destes empreendimentos, em seu conjunto ou isoladamente, situação que deve ser avaliada por instituições de pesquisa independentes e pelo Ministério Público, e controlada por demais instituições públicas, em especial do executivo estadual e municipais. Há que se fazer modelagens de controle conjunto das comportas de barragens, evitando-se o efeito dominó da abertura conjunta e um pulso d’água agravante da situação. Tudo isso remete a que se estude a situação dos rios, frente a tantas hidrelétricas na bacia, reconhecendo-se um limite para tais, antes da emissão de novas licenças ambientais para novos empreendimentos que afetem matas ciliares e alterem a vazão dos rios da bacia. A integração de instituições de pesquisa, governos e outros setores é fundamental e urgente para se antecipar às tragédias climático-ambientais como as que ocorreram. Cabe se respeitar a Avaliação Ambiental Integrada de toda a bacia hidrográfica, prevista em 2001. A segurança das barragens deve ser avaliada, frente a novas cheias, pois do contrário as tragédias podem ser muito mais elevadas do que as que ocorreram em setembro de 2023 nos municípios da porção mais baixa do rio Taquari.
8. Recuperar as condições naturais, vegetação ciliar e manutenção da sinuosidade dos rios e demais cursos de água (Baptista & Cardoso, 2013) com reflorestamentos genuínos, com diagnóstico e identificação prévia das áreas com maior demanda de recuperação da Mata Ciliar e demais tipos vegetacionais, com planejamentos de programas e projetos. Trazer à necessidade de MORATÓRIA À CONVERSÃO DOS CAMPOS DE CIMA DA SERRA/ CAMPOS DE ALTITUDE (protegidos pela Lei 11.438/2006, compatíveis com a pecuária em campos nativos e turismo rural e ecológico).
Bibliografias indicadas:
Baptista, M.; Cardoso, A. Rios e cidades: uma longa e sinuosa história. Revista da UFMG, v. 20, n.2, p. 124-153, jul./dez. 2013.
Fearnside, P. Hidrelétricas na Amazônia: impactos ambientais e sociais na tomada de decisões sobre grandes obras. Vol.1. Manaus: Editora do INPA, 2015.
Neiff, J. J. Bosques Fluviales de la Cuenca Del Paraná. In Arturi, M.F.; Frangi J.L. y Goya, J.F. Ecologia y manejo de los bosques de Argentina. s/d
Wohl, Ellen et al. River Restoration. Water Resources Research. 41. W10301. 12 p.
WWF. Análisis de riesgo ecológico de la cuenca del río Paraguay: Argentina, Bolivia, Brasil y Paraguay. 2012.