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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Jul21

Compra via delator de sistema de investigação para MPF do Rio é ilegal

Talis Andrade

 

Por Sérgio Rodas /Consultor Jurídico.

A exigência de aquisição, por um delator, de um equipamento de investigação israelense como parte do pagamento de sua multa civil e sua entrega a procuradores da “lava jato” do Rio de Janeiro é uma obrigação ilegal em acordos de colaboração premiada e viola o princípio constitucional da licitação.

O empresário Enrico Vieira Machado comprou, sem licitação, o software UFED Cloud Analyzer, desenvolvido pela Cellebrite, para o Ministério Público Federal do Rio. A aquisição foi feita em 5 de dezembro de 2017, por R$ 474.917,00, em Nova Lima (MG). A obrigação de adquirir o programa foi inserida em seu acordo de colaboração premiada, firmado com o MPF e homologado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.

Advogados ouvidos pela ConJur afirmam que tal cláusula no termo de delação é ilegal. O jurista Lenio Streck diz que a obrigação de comprar equipamento para o MPF “foge aos objetivos da colaboração premiada”.

“É mais uma invenção da força-tarefa do MPF. Especializados em dar explicações, já dá para ver que ‘tudo foi de acordo com a lei’. Ok. Qual lei? Eis a questão. Pior: um equipamento que, podem falar o que quiserem, é um equipamento ligado a extração de dados. Logo, o delator compra equipamentos próprios de uso policial e fornece ao MPF e à polícia. O que mais nós não sabemos?”, questiona Lenio.

“Esse caso reflete bem o grau de ‘independência’, ou descolamento da legalidade, para não dizer outra coisa, a que chegaram os procuradores da ‘lava jato'”, declara o criminalista Alberto Zacharias Toron. “Como disse o ministro Gilmar Mendes, se fossem acrobatas, pensariam que podem voar… Em outras palavras, é ilegal e imoral o que fizeram”.

O advogado ressalta que cabe ao Estado, e não ao MPF, decidir a destinação de verbas pagas por colaboradores. E avalia que o caso é semelhante ao da tentativa, pelos procuradores de Curitiba, de criar uma fundação para gerir os R$ 2,5 bilhões repassados pela Petrobras referentes a multas que pagaria a autoridades norte-americanas. O fundo foi alvo de questionamentos no Supremo Tribunal Federal e, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, acabou sendo dividido entre o combate aos incêndios na Amazônia e programas estaduais de enfrentamento à epidemia de Covid-19 no país.

“Esse episódio lembra a história do dinheiro que os ‘irmãos’ de Curitiba queriam obter do Departamento de Justiça dos EUA para investir numa fundação própria. Aqui a diferença é que queriam equipamentos para suas atividades. Ainda que o juiz, num estranho gesto de cumplicidade, tenha homologado o acordo, é evidente que o dinheiro deve se voltar prioritariamente à vítima e, o que restar, cabe ao Estado definir o destino. O MPF quis se prevalecer de uma situação anômala e que não pode subsistir. É isso”, analisa Toron.

Sem licitação
O software UFED Cloud Analyzer foi comprado por Enrico Machado e entregue ao MPF do Rio sem licitação. Os procuradores argumentaram que a transação foi legal. “A aquisição dos equipamentos de extração de dados de celulares da empresa Cellebrite se deu com respaldo legal, com base no artigo 7º, parágrafo 1º, da Lei 9.613/98, após devida autorização judicial”, informou o MPF, em nota. O dispositivo determina que a União e os estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada.

“Conforme demonstrado judicialmente”, disse o MPF, “a aquisição se deu nas mesmas condições de especificação e preço de ata de registro de preço da Polícia Rodoviária Federal (Ata de Registro de Preços 04/2017), tendo alguns kits sido destinados à Polícia Federal que, à época, sofria com equipamentos obsoletos e em número insuficiente para análise dos materiais apreendidos. Outros kits foram enviados para a PGR e para outras unidades do MPF nos estados, que sequer possuíam a ferramenta — fundamental para qualquer investigação com dispositivos eletrônicos”.

Na opinião do professor da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, a compra do programa pelo delator e posterior entrega ao MPF foi uma forma de burlar a necessidade de se fazer licitação. De acordo com o docente, a verba arrecadada via acordo de colaboração premiada é destinada ao patrimônio público, que tem regras orçamentárias de gestão do dinheiro.

“O MPF não pode se assenhorar, como se fosse dono, do dinheiro objeto da colaboração premiada, porque no Estado Democrático de Direito só existem gestores, não existem donos do patrimônio público”, afirma Serrano, explicando que a quantia deveria ser destinada à União ou a fundos especificados por lei, como o Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

Ainda que o dinheiro fosse destinado ao MPF, a compra do equipamento teria que passar por licitação, ressalta o professor, citando o artigo 37, XXI, da Constituição Federal. O dispositivo exige, salvo exceções legais, para obras, serviços, compras e alienações, que seja feito processo licitatório para assegurar “igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

O UFED Cloud Analyzer não é o único software do tipo. Portanto, não é caso de inexigência ou dispensa de licitação, destaca o docente. Ele também avalia que não dá para adquirir um programa sofisticado desses por ata de registro de preço, que deve ser usada para contratação de bens e serviços rotineiros da administração pública.

Outro problema de usar como referência ata de registro de preços da Polícia Rodoviária Federal, conforme Pedro Serrano, é que o menor custo não é o único fator que guia as licitações.

“Existe o princípio de tratar de forma igual os administrados, ou seja, os potenciais contratantes. O fato de a ata de preços da PRF ter chegado a esse resultado em 2017 não quer dizer que seja o melhor preço. Para se chegar a essa conclusão, seria preciso fazer uma licitação específica para ver hoje, no atual cenário, quem teria condições de praticar o melhor preço. É comum, em licitações específicas, se atingir preço melhor do que nas atas de registro de preço, genéricas como essa da PRF”.

Uso do Dispositivo
A empresa que vendeu o equipamento UFED Cloud Analyzer é a Tech Biz Forense Digital. O site da companhia diz que o programa é um “instrumento de investigação original e poderoso” que “coleta automaticamente os dados e metadados existentes na nuvem e os prepara em um formato de análise forense”.

“Os examinadores podem pesquisar, filtrar e classificar de forma eficiente os dados para identificar rapidamente detalhes (‘Quem? Quando? Onde?’) de um crime e avançar em suas investigações.” Conforme o site da Tech Biz, “o acesso aos dados privados é instantâneo e é possível obtê-lo com ou sem o consentimento do usuário”. A empresa faz a ressalva de que esse acesso facilitado “não exclui a necessidade de mandados de segurança, sendo apenas um facilitador do processo, que costuma ser longo”.

“Os citados equipamentos não têm qualquer relação com “espionagem”. Trata-se da solução padrão utilizada pela Polícia Federal, polícias civis e até mesmo por CPIs para análise forense de dados de celulares e tablets. Podemos citar como exemplos recentes do seu uso a descoberta de provas importantes no caso do assassinato do menino Henry e a extração de dados de celulares apreendidos na CPI do Covid”, disse, em nota, o MPF.

Isto é, prossegue a instituição, “o software não invade qualquer dispositivo de forma remota. Sua única função é extrair e analisar dados de equipamentos apreendidos, por meio de ordem judicial”. “A Procuradoria-Geral da República tinha total ciência das aquisições realizadas, tanto que solicitou que alguns kits lhe fossem destinados.”

21
Jan21

Juristas pedem à PGR que denuncie Bolsonaro por sabotar vacinação

Talis Andrade

 

Para ex-ministro da Justiça, ‘Bolsonaro é um delinquente que indiscutivelmente tem praticado crimes’ 

Por André Guilherme Vieira

O descaso de Jair Bolsonaro com a efetivação de um plano de vacinação para o país levou um grupo de 352 pessoas, formado por juristas, intelectuais, artistas e ambientalistas, a solicitar a abertura de uma ação criminal contra o presidente da República no Supremo Tribunal Federal (STF), responsabilizando-o por “sabotar e frustrar” o processo de imunização de modo a colocar em risco a saúde pública.

A petição foi ajuizada na Procuradoria-Geral da República (PGR) na sexta-feira e é dirigida ao chefe do órgão, Augusto Aras — única autoridade com competência para denunciar o presidente da República na eventualidade da prática de crime comum.

“O presidente Jair Bolsonaro é um delinquente que indiscutivelmente tem praticado, reiteradamente, vários crimes ao longo do período em que vem ocupando a função presidencial”, afirmou ao Valor o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, um dos signatários do documento.

O ex-ministro fez referência às atitudes adotadas por Bolsonaro desde o início da pandemia, como a minimização da doença que já matou mais de 2 milhões de pessoas no mundo e cerca de 210 mil no Brasil; o encorajamento público do uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia para combater a covid-19, como a cloroquina e a ivermectina; e o estímulo frequente à formação de aglomerações em locais públicos, com apoiadores reunidos sem máscara em seu entorno.

“O presidente da República tem fomentado toda sorte de subterfúgios e sabotagens para retardar ou mesmo frustrar o processo de vacinação, embora o país seja historicamente reconhecido como referência internacional de prevenção de doenças por meio imunobiológico”, diz o texto da petição.

A peça jurídica enfatiza a postura de Jair Bolsonaro de desestimular e questionar repetidamente a eficácia da vacinação para combater o coronavírus.

“Em lugar de engajar-se nas tratativas com fornecedores internacionais [de vacinas] e motivar as instituições nacionais de pesquisa e desenvolvimento a realizarem suas missões institucionais, dedicou-se a levantar dúvidas sobre a efetividade das vacinas e ressaltar a facultatividade da sua aplicação”.

A petição destaca ainda que recentes pesquisas de opinião revelaram o aumento do percentual de brasileiros que declararam que não se vacinarão contra a covid-19 após o presidente da República colocar em dúvida e atribuir falsos efeitos colaterais a diversos imunizantes.

“A situação pode ainda ter se agravado após o pronunciamento do representado [Bolsonaro] informando que não vai tomar qualquer vacina, por entender que já teria anticorpos em razão de ter contraído a doença ainda no início da pandemia de covid-19”.

A petição também registra postagens de Bolsonaro nas redes sociais. Em uma delas, um seguidor que se identifica como um jovem de 17 anos faz um apelo para que o presidente não compre a vacina do Butantan para evitar “interferência da ditadura chinesa”. Em letras maiúsculas, Bolsonaro responde: “Não será comprada”.

O documento conta com nomes de juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Alberto Zacharias Toron, Igor Tamasauskas, Marco Aurélio Carvalho e o ex-secretário de Justiça de São Paulo, Belisario dos Santos Junior. Também assinam o pedido enviado a Aras o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, o ex-secretário de Saúde de São Paulo, Gonzalo Vecina Neto, e ainda o escritor Milton Hatoum, a autora e filha de Jorge Amado, Paloma Jorge Amado, o cineasta Walter Salles, as atrizes Marieta Severo e Paula Lavigne, o ex-jogador e comentarista esportivo Walter Casagrande e a deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP).

Sobre o fato de o procurador-geral da República ter sido indicado ao cargo por Bolsonaro fora da tradição da lista tríplice composta por meio de votação, o ex-ministro José Carlos Dias ressalta que o dever de Augusto Aras é analisar a representação pelo viés jurídico.

“Essa é uma outra questão, a responsabilidade do procurador-geral da República é cumprir com o seu dever, ainda que eu não possa dizer se ele irá ou não cumpri-lo”.

03
Out19

DIRETO DE DEFESA Criminalistas comemoram decisão do STF, mas modulação preocupa

Talis Andrade

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Por Rafa Santos

A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal de garantir ao réu o direito de ser o último a ser ouvido nas alegações finais garantiu o contraditório e o amplo direito de defesa. É o consenso entre especialistas ouvidos pela ConJur.

“O STF reconheceu o direito de defesa, o devido processo legal e consagrou a regra do processo penal democrático. Nada demais. Mas nesses tempos de cólera para a advocacia, a decisão do Supremo é alvissareira. Eça de Queiroz faria o Conselheiro Acácio comemorar o feito...”, pontua o criminalista e ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros Técio Lins e Silva.

Para o advogado criminalista André Callegari, a decisão respeitou a Constituição. “A ordem natural num processo de partes é que o acusado fale por último, ainda que o colaborador seja também um corréu. É indiscutível que há um interesse dele na sua versão contra o delatado, o que justifica que este deve ser o último a falar. A única dúvida que tenho é se cabe modulação em HC. Porque ou se concede a ordem ou não se concede. Uma vez concedida, o próprio artigo 580 do CPP determina o efeito extensivo a corréus que estejam na mesma situação fático-jurídica concretizando o princípio da isonomia”, explicou.

O entendimento de Callegari é parecido com o do advogado e professor de direito Welington Arruda. “Tenho a impressão que o STF, pela maioria, tem protegido a Constituição. Achei acertado garantir ao réu o direito de se manifestar após todos aqueles que formalmente estejam lhe imputando alguma conduta criminosa, e isso ocorre tanto por parte do Ministério Público, quanto por parte do delator, que atua como verdadeiro assistente da acusação, apesar de também ser réu. Não há inovação, apenas a garantia da ampla defesa e do contraditório”, comenta.

tese que prevaleceu no STF foi apresentada pelo criminalista e professor Alberto Zacharias Toron,que teve a iniciativa de pedir para apresentar as alegações finais por último em sua atuação na defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Na ocasião, o então juiz Sergio Moro negou o pedido e a questão foi levada até o Supremo, que anulou a condenação.

A tese de Toron se tornou praticamente um consenso entre advogados criminalistas. A advogada e doutora em Direitos Humanos Maíra Zapater, por exemplo, concorda integralmente com o argumento de que “réus delatores fornecem conteúdo acusatório e por isso a defesa deve falar depois deles”.

A decisão do STF também tem repercussão além da esfera jurídica, já que seus desdobramentos irão afetar processos do MPF oriundos da atuação da força-tarefa da "lava jato" que envolvem líderes políticos, empresários e ex-agentes de alto escalão do Estado. Esses casos também podem ser caracterizados pelo amplo uso do instrumento da delação premiada instituída por lei em 2013.

Na opinião do doutor em direito penal Conrado Gontijo, a decisão do STF é importante também para balizar novos acordos de delação premiada. “Ao firmarem acordos de colaboração premiada, os delatores assumem a obrigação de atuar para comprovar as acusações feitas em face dos delatados, pelo Ministério Público. São, portanto, auxiliares do órgão de acusação”, explica.

Modulação temerária
Gontijo, no entanto, acredita que as discussões travadas pela corte sobre uma possível fixação de uma tese para tratar a questão são temerárias. “É grande o risco de que, ao fixar uma tese, o STF, em vez de efetivamente reverenciar o direito à ampla defesa, restrinja a possibilidade de que situações concretas, nas quais esse direito fundamental tenha sido violado, sejam examinadas. O essencial é que, sempre, seja resguardado, na maior amplitude possível, o direito fundamental à ampla defesa. Não se pode conceber que, a pretexto de proteger a ampla defesa, sejam criadas barreiras ao seu exercício”, argumenta.

Na sessão desta quarta-feira (2), os ministros decidiram adiar a definição da tese a ser aplicada ao caso. A proposta foi apresentada pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que propôs duas restrições a decisão.

A primeira é que ela só se aplique a quem reclamou da ordem das alegações finais na origem do processo. A segunda é que ela só seja válida para quem comprovar o dano causado pela desobediência da ordem.

"É a transformação em lei do princípio do Direito Civil napoleônico pas de nulité sans grief, não há nulidade sem prejuízo em francês", explica o constitucionalista Lenio Streck. Ele também escreveu um coluna em que aponta que “todos dão “à literalidade” o sentido que querem para chegar em um objetivo já previamente estabelecido”.

Apesar de enxergar na decisão do Supremo um importante precedente que “consagra a extensão plena do direito ao contraditório no âmbito do processo penal”, o constitucionalista Rodrigo Mudrovitsh também se mostrou preocupado com uma possível modulação. “É importante agora que não se restrinja a amplitude desse mesmo direito através de modulações temporais ou condicionadas a comprovações de prejuízo”, explica.

Na fim da noite desta quarta, o próprio Toffoli resolveu adiar a decisão sobre como adaptar o julgamento para não anular todas as condenações recentes. O tema seria discutido em Plenário nesta quinta, mas foi adiado, sem data marcada.

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27
Set19

STF toma decisão prevista em lei desde 1941

Talis Andrade

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Por Paulo Moreira Leite

 
Se alguém está em dúvida sobre os fundamentos da decisão tomada ontem por 7 a 3 ministros do STF, que definiu a ordem das alegações finais, sugiro a leitura do artigo 403 do Código de Processo Penal, em vigor desde 1941 - ou seja, há 78 anos. Diz o texto, publicado quando nenhum dos atuais ministros sequer havia nascido:

Art. 403. Não havendo requerimento de diligências, ou sendo indeferido, serão oferecidas alegações finais orais por 20 (vinte) minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais 10 (dez), proferindo o juiz, a seguir, sentença. (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).
 
É isso aí. Ao contrário do que ocorreu em inúmeros julgamentos da Lava Jato, uma questão resolvida de modo cristalino quando o Brasil se encontrava sob o Estado Novo de Vargas, e não sofreu qualquer emenda ou alteração substantiva desde então, até agora esteve embaralhada de forma a prejudicar o fundamento essencial das democracias - o direito de defesa.

Podemos admitir que, até a aparição do advogado Alberto Zacarias Toron, na sessão do STF que julgou um recurso de Aldemir Bendine, em 27 de agosto, ninguém tivesse reparado nessa contradição espantosa entre a ordem das alegações finais em muitas decisão da Lava Jato -- e aquilo que está definido num Codigo que deve ser cumprido por todos os tribunais brasileiros, em qualquer instância.
 
Depois que o STF anulou a sentença contra Bendine, justamente em função disso, o espantoso não é que um grande número de condenados possam fazer fila no Judiciário para recuperar direitos previstos em lei.

O surpreendente é que, dentro e fora do Supremo, uma questão como essa, resolvida de modo claro e explícito, ainda possa gerar dúvidas nas autoridades que têm a obrigação de fazer cumprir as leis em vigor no país.

A mais tentativa de impedir a correta aplicação do artigo 403 do Código Penal e enfraquecer o direito de defesa consiste em apagar as diferenças entre os réus que se transformaram em delatores e aqueles que enfrentam uma denuncia.

Sabemos que, num julgamento, os papéis de réus e delatores são mais que diferentes. São opostos. Os delatores não só negociaram - previamente - um perdão judicial e até 2/3 da redução da pena privativa de liberdade, mas também já chegam ao tribunal com uma missão definida: reforçar e até agravar a condenação dos demais. É assim que garantem e até ampliam os próprios benefícios. Ainda que não tenham esse título formal, é uma questão de simples honestidade reconhecer que sua função é ajudar a acusação.

Ao embaralhar a ordem dos depoimentos, os julgamentos da Lava Jato criaram uma dificuldade suplementar ao direito de defesa, pois os réus nem sempre podiam estar informados daquilo que eram acusados nas alegações finais, aquelas que marcam o encerramento dos debates entre as partes.

Apesar do placar de 7 a 3, obtido na ausência de Marco Aurélio de Mello, que poderia ter cravado um probabilíssimo oitavo voto, o caso só estará resolvido em novo debate, marcado para a próxima semana. Há um novo risco aí.

Com o nome técnico de "modulação", pretende-se aplicar o velho casuísmo jurídico para impedir que um direito cristalino possa beneficiar a todos aqueles que tiveram suas garantias mutiladas pela Lava Jato -- a começar por Lula.

As propostas já sugeridas seriam até divertidas, se não fossem destituídas de lógica e bom senso. Uma delas seria só aplicar o novo entendimento após o STF sacramentar a decisão de ontem - decisão inaceitável, quando se trata de uma regra reconhecida em lei há quase 80 anos.

Outra possibilidade é só reconhecer o artigo 403 e anular as penas indevidas quando a defesa já tiver apresentado recurso, durante o julgamento em primeira instância. O inaceitável, aqui, é pretender punir um réu por um eventual erro de seu advogado - em vez de corrigir um erro, mesmo tardiamente.

A ideia da modulação é clara: fazer um brinde ao direito de defesa, mas impedir que seja acessível a todo brasileiro e toda brasileira, independente de origem, religião ou opinião política.

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