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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

17
Set20

General Ajax pulou do STF para o STJ: tem posto cativo na alta cúpula do Judiciário

Talis Andrade

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por Jeferson Miola

- - -

Com a proximidade do fim do mandato de Dias Toffoli como presidente do STF, no último 28 de agosto o general Ajax Porto Pinheiro foi exonerado do cargo em comissão [CC] nível CJ-3 [salário de R$ 12.940,02 + auxílio moradia de R$ 3.235,00] que ocupava como “Assessor Especial” do gabinete da presidência do STF.

Em resposta a pedido formulado através da Lei de Acesso a Informações em maio passado [aqui], a presidência do STF informou que o general prestava “assessoramento direto e imediato” a Toffoli “no relacionamento com outros Poderes” [sic].

O general Ajax havia sido nomeado ao mesmo posto em novembro de 2018 em substituição ao também general Fernando Azevedo e Silva.

Assim como na indicação do seu antecessor Azevedo e Silva, Ajax também foi alçado à “assessoria” da alta cúpula do judiciário brasileiro com as bênçãos do então Comandante do Exército, o general-tuiteiro Villas Bôas, aquele que durante a eleição intimidou o STF para impedir a candidatura presidencial do Lula.

Apesar de exonerado do STF, o general Ajax, que já recebe polpuda aposentadoria como militar da reserva, não ficou desamparado, no ministério do ar.

No mesmo 28 de agosto, dia da sua exoneração do STF, ele foi agraciado com a nomeação para o cargo de “Assessor Técnico” [Portaria 284/2020] do gabinete do presidente do STJ [Superior Tribunal de Justiça] que foi empossado na mesma data, o ministro Humberto Martins.

É importante lembrar que o STJ responde, hoje, por muitas demandas de interesse pessoal e familiar do clã Bolsonaro.

No STJ, o general manteve o mesmo CC que tinha no STF, o CJ-3, que se soma à referida polpuda aposentadoria que ele já recebe como oficial da reserva do Exército brasileiro.

Entre o 1º e o 2º turnos da eleição presidencial de 2018, o general Ajax publicou um vídeo histriônico, pelo qual se pode conhecer seu enorme fervor e fanatismo bolsonarista.

É provável, aliás, que tal devoção bolsonarista tenha afiançado sua designação para cumprir missão em postos de trabalho na alta cúpula do judiciário.

É difícil encontrar semelhança, mundo afora, de situações em que generais, mesmo da reserva das Forças Armadas, sejam alojados nas Cortes constitucionais ou superiores de justiça de qualquer país. E esta é, também, uma experiência inédita na história do Brasil.

Este desvio institucional, que não aconteceu nem mesmo durante a ditadura, acontece justamente agora, durante um governo que ameaça o Estado de Direito e as instituições com a escalada fascista-ditatorial.

Em regimes civis de governo sob a vigência duma democracia não tutelada, seria intolerável a existência de posto de trabalho cativo para um general do Exército na alta cúpula do judiciário – o que não é, efetivamente, a realidade do Brasil.

 

22
Jul20

Presidência do Bolsonaro, parida nos quartéis, é bancada pelas Forças Armadas

Talis Andrade

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Por Jeferson Miola

O plano da Presidência do Bolsonaro nasceu muito antes de 2018. Concebido como projeto secreto da cúpula militar, foi parido nos quartéis e conduzido com inteligência estratégica. Os obstáculos ao plano foram todos removidos do caminho – como, por exemplo, a candidatura do Lula e o altíssimo risco que seria a participação do Bolsonaro nos debates eleitorais.

A gratidão do Bolsonaro ao comandante do Exército deixou implícito o engajamento dos comandos militares na mecânica conspirativa para elegê-lo: “General Villas Boas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, declarou ele, talvez aludindo aos twitters do general para ameaçar e tutelar o STF.

A candidatura presidencial do Bolsonaro para a eleição de 2018 foi lançada publicamente 4 anos antes, já em 29 de novembro de 2014, no pátio da Academia Militar de Agulhas Negras [AMAN], precedendo a formatura da turma de cadetes daquele ano. Isso significa, portanto, que este projeto já estava sendo gestado e preparado na caserna muito antes de 2014.

O evento político-eleitoral ocorreu dentro de uma instalação militar. Considerando-se os princípios da hierarquia e disciplina militar que regem a caserna, é difícil acreditar que aquele ato político-partidário não tenha sido previamente consentido/conhecido pelo comando da AMAN e, também, pelo comando do Exército.

Bolsonaro, na ocasião, estava acompanhado dos filhos Eduardo e Carlos, e foi recepcionado pelo  grupo de aspirantes-a-oficial que,  como uma claque treinada, bradava  “Líder!, Líder!, Líder! …” – vídeo aqui. O então ministro da Defesa Celso Amorim, provavelmente alienado acerca daquele evento partidário que precedeu a cerimônia de formatura, participara da solenidade oficial que se seguiu.

Mesmo com o fim da ditadura, os militares não deixaram de politizar, doutrinar e ideologizar as tropas a partir da perspectiva reacionária, autoritária e anticomunista da guerra fria; assim como cultivaram no horizonte a ambição da retomada do poder.

As [1] jornadas de 2013, com movimentos financiados por fundações dos EUA, bem como [2] a sabotagem de Cunha/Aécio/FHC/Temer, e [3] o ativismo político da Lava Jato dirigido pelos EUA, foram fatores fundamentais para a desestabilização política e a instalação do caos no país.

Os militares farejaram ali uma oportunidade para viabilizarem o projeto secreto de retorno ao poder – desta vez, porém, para permanecerem por um longo período de tempo.

Com o emprego de conhecimentos e dispositivos da guerra cibernética e de manipulação da política – transformada em teatro de operações de batalhas diversionistas e guerras psicológicas –, eles conseguiram catalisar todas frações da oligarquia, a Globo e a mídia em torno do candidato da extrema-direita, apresentado como o único capaz de derrotar Haddad e o PT.

A vitória do Bolsonaro, mesmo que maculada pelas trapaças acobertadas pelo TSE e pela corrupção do sistema de justiça, foi estratégica para as FFAA. A falsa “fachada democrática” serve a eles como argumento de legitimidade de um governo militar “eleito”; “democrático” [sic].

É difícil não se reconhecer, hoje, a natureza militar do governo/regime. Ao recorde de ministros militares no Planalto, somam-se mais de 6 mil militares lotados na máquina estatal, além de outro contingente significativo de policiais militares que ilegalmente colonizaram a política e se aboletam em gabinetes parlamentares e do Executivo.

A colonização das instituições civis de Estado por militares é de tal gravidade que o general bolsonarista Ajax Porto Pinheiro continua lotado no gabinete da presidência do STF, onde exerce tutela direta sobre Dias Toffoli.

A marcha rumo ao regime dos quartéis tem na data de 19 de abril de 2020 um significado análogo ao evento de lançamento da candidatura do Bolsonaro na AMAN, em novembro de 2014. Em 19 de abril passado, Bolsonaro se juntou à manifestação inconstitucional que pedia o AI-5, o fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar.

Aquele ato inconstitucional que “coincidiu” com a celebração do dia do Exército Brasileiro foi realizado em área de jurisdição do Quartel-General do Exército, o “forte-apache”. É difícil acreditar, por isso, que a iniciativa não tenha tido a anuência prévia – ou a complacência – do comando do Exército. Ou alguém se ilude que a área de segurança máxima da defesa nacional seria ocupada sem o conhecimento, ou sem o consentimento prévio do comandante Edson Leal Pujol?

No dia seguinte, Bolsonaro mandou às favas o texto constitucional vigente e declarou: “A Constituição sou eu!”. E, algumas semanas depois, dizendo que “as Forças Armadas também estão ao nosso lado”, Bolsonaro ameaçou: “Acabou a paciência, não tem mais conversa. Daqui pra frente faremos cumprir a Constituição [dele] a qualquer preço”.

O sobrevôo de outra manifestação inconstitucional [31/5] com o ministro da Defesa é prova do engajamento das FFAA na escalada militar. O uso de helicóptero do Exército, de cores camufladas, ao invés de equipamento aéreo da estrutura civil da presidência da República, tem mais que valor simbólico; é uma clara mensagem militarista.

A senha para se entender que se trata de um governo/regime militar que não se subordina ao poder civil e à Constituição civil foi dada no manifesto dos colegas de turma do general Augusto Heleno contra o STF e replicada, com nuances de linguagem, pelo próprio Bolsonaro e outros generais do Planalto e da reserva: “as FFAA não cumprem ordens absurdas”. Ou seja, os militares não cumprem ordens civis!

A Presidência do Bolsonaro, que foi parida nos quartéis, é sustentada pelas Força Armadas. Bolsonaro foi o motor eleitoral dos militares; ele é instrumento deles e continuará sendo até o momento que os militares entenderem que ele deve ser descartado, se deixar de ser operacional e funcional para a continuidade do regime.

Para 2022, se Bolsonaro estiver irremediavelmente avariado, Sérgio Moro poderá ser o motor eleitoral para a perenização do regime militar com o aprofundamento do Estado policial, mesmo que no contexto de uma eleição fraudada e manipulada, como se pode prever que deverá ser.

Os militares não pretendem recuar do status conquistado; eles pretendem continuar no poder por um longo tempo e a qualquer custo.

 

15
Jul20

Por coerência, Gilmar deveria pedir saída de general do gabinete do Toffoli

Talis Andrade

 

por Jeferson Miola

- - -

A crítica de Gilmar Mendes sobre a co-responsabilidade dos militares com a postura genocida do governo Bolsonaro – que ganhou dimensão ainda mais catastrófica com a pandemia – apenas reflete a realidade estabelecida.

As nações indígenas e quilombolas, por exemplo, desde antes da pandemia são confrontadas com ameaças de morte e extermínio/etnocídio [ou genocídio, como afirmou Gilmar] partidas de diferentes frentes/ministérios do governo militar.

Na pandemia, estas práticas etnocidas/genocidas foram amplificadas, como testemunham os vetos criminosos do Bolsonaro às medidas essenciais previstas no plano emergencial para enfrentamento à COVID nos territórios indígenas e a distribuição, pelo Exército, de dezenas de milhares de doses de cloroquina em territórios indígenas em Roraima.

Das quase 75 mil mortes associadas à COVID-19 no Brasil até o presente, a imensa maioria de pessoas negras e pobres, um enorme contingente delas poderiam ter sido evitadas, se o governo militar não tivesse negligenciado e sabotado as medidas definidas em protocolos nacionais e internacionais para o enfrentamento da pandemia.

O Ministério da Saúde, órgão que tem a atribuição legal de coordenar o esforço nacional de combate à pandemia, é causa inequívoca da barbárie.

Há 60 dias sob o comando interino de um general da ativa do Exército, o ministério foi aparelhado com a nomeação de quase 30 militares ineptos e incompetentes para funções que requerem o concurso de profissionais de excelência, tecnicamente muito bem preparados.

A crítica à presença de militares incompetentes ocupando funções especializadas não é só pela incompetência e despreparo deles, o que em si seria suficiente para afastá-los dos cargos; mas porque é incompatível com o papel constitucional e profissional das Forças Armadas ocupar funções políticas em governos civis ou atuar na política como um Partido Militar.

Os desatinos do governo militar na condução do país estão causando uma confluência de catástrofes – econômica, ambiental, sanitária e humanitária.

É preciso dar razão a Gilmar Mendes. Os militares são indesejáveis na saúde, é verdade. Mas os militares são indesejáveis, à luz da Constituição, em qualquer função política e partidária – não só no Executivo e Legislativo, como também no Judiciário.

O lugar dos militares é nos quartéis, obedientes ao comando do poder civil e da Constituição civil e dedicados à defesa do território e da soberania nacional. A presença das Forças Armadas na política é reprovável e incompatível com o Estado de Direito.

Assim como defende, corretamente, o afastamento dos militares de funções ministeriais para as quais são incompetentes, por coerência Gilmar também deveria pedir a saída do general Ajax Porto Pinheiro do gabinete da presidência do STF.

Segundo informou a própria presidência do Supremo, o General Ajax presta assessoramento direto e imediato a Dias Toffoli no relacionamento com outros Poderes[sic]. Essa sui generis modalidade de “assessoramento direto e imediato” pode ser interpretada, também, como tutela militar.

 

13
Jul20

Conflito entre Gilmar e militares intensifica pressão para saída de Pazuello da Saúde

Talis Andrade

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247 - As críticas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao comando dos militares no Ministério da Saúde, em plena pandemia do coronavírus no Brasil, aumentaram a resistência de setores das Forças Armadas à presença do ministro e general Eduardo Pazuello no comando da pasta, de acordo com Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo.

Gilmar Mendes afirmou em live transmitida pela TV 247 no sábado, 11, que  “o Exército está se associando a esse genocídio” causado pela ingerência dos militares contra pandemia e a ocupação militar do Ministério da Saúde, em secretarias e na chefia do órgão. Ele reforçou a crítica no domingo, 12, após um tweet pedindo que a presença dos militares seja revista

“Não me furto (...) a criticar a opção de ocupar o Ministério da Saúde predominantemente com militares. A política pública de saúde deve ser pensada e planejada por especialistas, dentro dos marcos constitucionais. Que isso seja revisto, para o bem das FAs e da saúde do Brasil”.

Forças Armadas Ocupam todos os espaços civis 

A jornalista Mônica Bergamo informa que “no Exército, a impaciência é geral”. “Um dos militares que integram a cúpula da organização afirmou à coluna que Pazuello já deveria ter se retirado da ativa e que está ‘forçando a barra’ ao permanecer”, ressaltou.

O militar teria dito que a situação é “desconfortável”, fazendo com que o Exército fique “tomando pedrada”, como no caso do ministro Gilmar Mendes, e ainda lembrou que metade dos cargos no Ministério da Saúde são ocupados por militares.

Por outro lado, ministros militares divulgaram no início da tarde desta segunda-feira, 13, uma nota de repúdio contra Gilmar Mendes. Assinam a nota o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e os comandantes das três Forças, Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antonio Carlos Moretti (Aeronáutica). Uma outra já havia sido publicada no fim de semana.

Além da nota, a cúpula militar anunciou que está entrando com uma representação contra o ministro do STF na Procuradoria Geral da República (PGR). O general Fenando Azevedo foi tutor ou assessor de Tofolli, uma aberração hoje exercida pelo general Ajax Pinheiro. 

13
Jul20

General é assessor “direto e imediato” de Toffoli junto a “outros Poderes”, informa STF

Talis Andrade

General Ajax Porto Pinheiro e Dias Toffoli

 

"Esta aberração institucional aconteceu em meio ao clima de tutela militar e de conspiração contra o Estado de Direito marcado pelas ameaças infames do general Villas Bôas ao Supremo para impedir a libertação do ex-presidente Lula"

por Jeferson Miola

- - -

Em resposta à consulta feita em 26/5/2020 por meio da Lei de Acesso a Informações, o gabinete da presidência do STF informou que “o cargo em comissão – que foi ocupado pelo General Fernando Azevedo e Silva e, atualmente, encontra-se ocupado pelo General Ajax Porto Pinheiro – é de Assessor Especial do Gabinete da Presidência”.

A presidência do STF informou que as atribuições do general Ajax Porto Pinheiro “se referem ao assessoramento direto e imediato ao Presidente do Supremo Tribunal Federal no relacionamento com outros Poderes e demais agentes externos”.

A página do general Ajax no wikipédia contradiz esta informação. Lá, consta que o cargo “é responsável pelo assessoramento do presidente do Poder Judiciário em assuntos relacionados à segurança pública, dentre outros”.

Na resposta, o STF ainda ressalta, talvez como eventual atenuante, “que as referidas atribuições do cargo foram/são desempenhadas pelos referidos militares, já na reserva, na qualidade de civis”. Seria muito inocente acreditar que quando um militar passa para a reserva ele se desmilitariza.

Embora o STF não tenha respondido diretamente ao questionamento sobre a existência de cargo “cativo” para o comissionamento de militares que se revezam em ocupá-lo, o fato é que antes da presidência do ministro Dias Toffoli, não há registro no STF de general para exercer nenhuma função, menos ainda as informadas pela presidência.

O 1º general nomeado para este cargo foi o atual ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, em 27/9/2018, logo no início do mandato do Toffoli. Azevedo e Silva foi indicado a Toffoli pelo então Comandante do Exército, general Villas Bôas, ainda no período eleitoral. Ele atuou na elaboração do programa de governo e na campanha de Bolsonaro.

Após aceitar o convite para o ministério bolsonarista, Azevedo e Silva indicou o general Ajax Porto Pinheiro para substituí-lo no cargo, o que aconteceu em 30/11/2018.

Em vídeo de propaganda eleitoral divulgado alguns dias antes do 2º turno da eleição de 2018, o general Ajax revelou-se um fanático e fervoroso militante bolsonarista – além, naturalmente, de odioso antipetista.

Apesar de ter escalado na carreira do Exército durante os governos petistas, que inclusive lhe prestigiaram com missões internacionais, o general Ajax transborda incompreensível ressentimento e ingratidão em relação aos governos do PT, aos quais delirantemente acusa de terem “aparelhado” o Exército [sic].

Nas pregações eleitorais para “meus ex-cadetes, ex-capitães, amigos, militares e familiares”, o general explora o mito do “inimigo interno”. Eles – ou seja, o PT – “foram escorraçados do poder. Agora, eles voltam numa situação diferente, e tenho certeza, eles voltam com sede de vingança. Se eleitos, nós, do Exército, seremos as principais vítimasEles tentarão fazer como na Venezuela. Isso acontecerá caso eles vençam as eleições”, discursou o general bolsonarista.

Algumas semanas depois da divulgação deste vídeo eleitoral, Ajax foi nomeado por Dias Toffoli como assessor especial, onde inacreditavelmente continua lotado até hoje.

É de se anotar o grave contexto em que se deu a nomeação dos generais para atuarem diretamente no gabinete do presidente do STF. Esta aberração institucional aconteceu em meio ao clima de tutela militar e de conspiração contra o Estado de Direito marcado pelas ameaças infames do general Villas Bôas ao Supremo para impedir a libertação do ex-presidente Lula e sua candidatura presidencial.

É difícil encontrar explicação aceitável – ou, ao menos, razoável – para a nomeação de generais no gabinete do presidente da Suprema Corte. Nem mesmo se fosse para supostos temas “relacionados à segurança pública”, como consta no wikipédia do general Ajax, se poderia aceitar isso.

Mais fora ainda de qualquer razoabilidade é a nomeação dos generais para o “assessoramento direto e imediato ao Presidente do Supremo Tribunal Federal no relacionamento com outros Poderes e demais agentes externos”.

Neste caso, e considerando o projeto de poder militarista no país e o avanço do “Partido Militar”, fica difícil não caracterizar a situação como sendo de tutela consentida do presidente do STF pelas Forças Armadas.

Esta é uma realidade absolutamente inédita, não encontrável na literatura sobre as teorias do Estado democrático. A presença e a participação de militares na política, assim como no coração do Judiciário, é absolutamente reprovável e inaceitável em qualquer democracia; é uma afronta ao Estado de Direito.

A pergunta que o STF precisa responder, por isso, é: por que mantém um general lotado no gabinete da Presidência da Suprema Corte para assessorar no relacionamento com outros poderes?

10
Jun20

Os militares são o governo e Bolsonaro é o projeto deles

Talis Andrade

 

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III - Bolsonaro tem papel de 'causar explosão' para permitir ação 'reparadora' de militares

Ricardo Ferraz entrevista Piero Leirner
 
 

BBC Brasil - Acho que aqui cabe a pergunta clássica, muito repetida desde a eleição de Bolsonaro: corre-se o risco de um golpe militar no Brasil?

Piero Leirner - Depende de como você está considerando a ideia de "golpe". O que vejo aqui desde 2014? Uma série de intervenções feitas por militares e a construção de uma rede de outros agentes públicos que agiu em cooperação com eles, na tal "sinergia".

Para fazer isso, houve manipulação de informações, ingerências, operações não explícitas, ameaças e, acima de tudo, propaganda e muito bombardeio ideológico. Todo este processo foi executado, até o momento da eleição de Bolsonaro, com a preocupação de manter o discurso de que "as instituições estão funcionando", mas estavam "em risco" por conta do PT e dos "políticos".

Dilma Rousseff foi grampeada falando de dentro do Planalto. Uma falha de segurança no Palácio do Jaburu quase derruba Michel Temer (no grampo de Joesley Batista). Criou-se uma intervenção no Rio de Janeiro que travou o Congresso por quase um ano. Quem fez isso? Sempre parece ter partido de alguém de fora das Forças Armadas, mas os militares sempre estiveram indiretamente envolvidos, na órbita desses eventos.

Note que a invasão de um poder por outros começou lá atrás. Villas Bôas injetava a política dentro dos quartéis, afirmando que o Exército é uma instituição de Estado, não de governo. Isso é a invasão da política no poder armado. Depois, o poder armado instalou uma sucursal no STF, que ainda está presente com um general, o assessor da presidência Ajax Porto Pinheiro.

Agora o padrão se repete, mas Augusto Heleno (ministro-chefe do GSI) diz que isso causa "instabilidade". Então vamos voltar à pergunta: há sentido em se falar em "golpe", se esses movimentos partem dos mesmos setores do Estado que seguem no protagonismo das ações? A palavra "golpe" tem uma eficácia: dizer que há um rompimento institucional. Mas acho que ela também livra a cara de todos os atores que se mexeram nesse sentido até 2018. Ocorra o que ocorrer, prefiro pensar numa linha de continuidade.

 

BBC Brasil - Os militares aprovam, então, a forma como Jair Bolsonaro faz política, colocando as instituições brasileiras frequentemente em xeque?

Piero Leirner - "Os militares", assim, no genérico, fica difícil de dizer. Mas os que estão no governo o apoiam, sim.

Há duas questões: eles percebem que as instituições estão sendo colocadas em xeque pelos militares? Ou, ao contrário, as instituições é que estão colocando eles em xeque? É preciso respondê-las dentro de um processo mais amplo, que parte, sobretudo, de "inversões de sinais", algo que se faz muito em "operações psicológicas", descritas em manuais de campanha militares.

Se voltarmos uma década, veremos que se propagou dentro das Forças Armadas a ideia de que elas estavam sendo atacadas pelos governos petistas na tentativa de controle da hierarquia, dos currículos das escolas militares, de interferência nos valores e missões da instituição e, especialmente, com a Comissão da Verdade. A partir daí, eles projetaram essa ideia para o todo, e aderiram à visão de que o PT visava a "divisão" do Brasil: em classes, raças, gêneros, "ideologias" etc.

Aí eles alardeiam: "as instituições foram colocadas em xeque". E o que fazer? Tomar o Estado e começar um processo de aparelhamento, exatamente o que eles alegavam que o PT promovia.

Aí, vamos para a segunda questão: foi o governo Bolsonaro que colocou as instituições em xeque, ou elas mesmas se colocaram, antes? Eu acho que o governo Bolsonaro é a projeção de instituições que primaram pela subversão de seus papéis: as Forças Armadas, onde a política entrou por uma porta e a disciplina saiu por outra, e o Judiciário, que resolveu mergulhar na política. Não é uma questão de se os militares aprovam ou não o governo: eles são o governo e Bolsonaro é o projeto deles. (Continua)

08
Jun20

As Forças Armadas jogam nas duas pontas

Talis Andrade

 

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II - Bolsonaro tem papel de 'causar explosão' para permitir ação 'reparadora' de militares

Ricardo Ferraz entrevista Piero Leirner
 
 

BBC Brasil - Em linhas gerais, qual é o projeto das Forças Armadas para o país?

Piero Leirner - Trata-se de um projeto de refundação do Estado. Fazendo um paralelo com sistemas de informática, pense na ideia de "reiniciar o sistema", como um "reboot em modo de segurança", ou seja, quando o "administrador" tem total controle sobre o que "roda" e o que "não roda" naquele sistema.

Para isso, ele aciona ferramentas. As principais sempre foram - e tudo indica que continuarão a ser - o Poder Judiciário e o aparato policial. Entram aí também órgãos de controle e fiscalização e "aparelhos ideológicos", que mobilizam setores estratégicos da sociedade.

Os militares têm um jargão próprio para nomear essa interação. É a ideia de "sinergia". O ex-comandante Villas Bôas, por exemplo, falava da "sinergia entre Exército e TRF-4" (Tribunal Regional Federal da quarta região, responsável pelo julgamento dos processos da Lava Jato em segunda instância). Essa "sinergia" está presente no STF (Supremo Tribunal Federal), com os "assessores militares" que apareceram por lá, como os generais Fernando Azevedo (atual ministro da Defesa) e Ajax Porto Pinheiro (assessor da presidência do STF). Mas também existe em lugares menos visíveis, como na Escola Superior de Guerra (ESG), na concessão de medalhas e homenagens, no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e em redes de parentesco.

Toda essa maquinaria permaneceu mais ou menos latente depois do regime militar, mas voltou a rodar seus protocolos em meados dos anos 2000. Galvanizou cada vez mais os militares, com capturas ideológicas nas fileiras das Força Armadas, por volta de 2010, 2011. Mas tudo de forma sutil.

 

BBC Brasil - Se os militares estão tão presentes no governo, por que aceitam que Jair Bolsonaro dê declarações vistas como estapafúrdias a respeito da pandemia de covid-19 e entre em rota de colisão com os poderes Judiciário, Legislativo e com governadores e prefeitos, em vez de buscar ações que promovam a união nacional para combater a doença?

Piero Leirner - As declarações de Bolsonaro não são estapafúrdias apenas diante da pandemia. São diante de tudo. Seu papel é funcionar como uma espécie de "para-raios sem fio terra". Ele causa a explosão, para possibilitar a ação reparadora dos bombeiros.

Esse foi o modelo escolhido, e foi escolhido justamente por ser assim: Bolsonaro atrai o caos para si, enquanto a "solução da ordem" emerge das "instituições que estão funcionando". Dentre elas, a que se considera mais funcional e que fez um trabalho de convencimento da opinião pública para parecer assim é a instituição militar. Então, não é que os militares "aceitam" o que o Presidente diz ou faz.

De um lado, eles colocam que "não podem fazer nada, pois o jogo democrático não permite que eles intervenham". De outro, eles não só "aceitam" como "operam" essas manifestações. E saem lucrando, reafirmando sua "vocação democrática".

"A partir daí, os outros poderes começam a reagir, invadindo atribuições. E o que começa a aparecer? A ideia de que são os outros poderes que passam dos limites da democracia. E isso de fato ocorre, pois replicam todos os mecanismos da "sinergia" que foram estabelecidos no passado. Há, assim, uma retroalimentação dessas posições. As Forças Armadas jogam nas duas pontas: no "vitimismo bolsonarista" e na "tolerância" e "respeito" ao jogo institucional, reafirmando sistematicamente estarem longe do golpismo.

Como essa sempre foi uma operação baseada em contradições, justamente o que não se busca é a "união nacional". Pelo menos até a hora em que tudo ficar tão insuportável, desorganizado e caótico, que o único jeito será apelar para que eles deem um jeito nessa situação.

 

BBC Brasil - Como você vê esse embates entre o governo e o poder Judiciário, especialmente com o STF a partir da instauração dos inquéritos das fake news e da investigação das denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro?

Piero Leirner - Em primeiro lugar, é bom observar que isso segue um padrão: o próprio governo cria uma situação que força uma interferência de outro poder no Executivo, e aí eles entram com a ameaça de "interferir na interferência". Ambos os lados acionam seus mecanismos para dizer que estão na "legalidade".

Desde o começo, o governo poderia simplesmente ter se recusado a entregar o vídeo da reunião ministerial e interromper o processo. O que o STF faria? Nada. Como nada fez quando Renan Calheiros se recusou a receber a notificação do STF de afastamento da presidência do Senado, em 2016, e, dois dias depois, o plenário derrubou a decisão monocrática de Marco Aurélio Mello.

Mas, nesse caso, o governo sabia que, para seus propósitos, era melhor escalar o conflito. E o STF? Agora o Tribunal se tornou a força moral de defesa da "civilização contra a barbárie". Todos os que são antigoverno apostam suas fichas no "padrão lavajatista", que voltou a ser acionado com a saída de Moro. A PF age a favor, age contra, e o que sobra? A ideia de que estamos em um embate final entre duas forças contrárias.

Isso, na linguagem militar, é chamado de "operação em pinça". Sabe aquela tática do "bom policial versus mau policial"? No final, quem se rende é o interrogado. Ou seja, todo mundo acaba aceitando o "reboot do Estado" porque não suporta mais essa situação. Ao que tudo indica, os militares vão forçar essa situação. Se não pela ação direta, pela caneta dos juízes.

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