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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Set23

TRF de 4 mudou jurisprudência para declarar suspeição de juiz Eduardo Appio

Talis Andrade
 
 
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Por Sérgio Rodas

A declaração de suspeição do juiz Eduardo Appio, da 13ª Vara Federal de Curitiba, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) contrariou a jurisprudência da própria corte e foi uma resposta lavajatista à decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de declarar a imprestabilidade das provas do acordo de leniência da Odebrecht para todos os casos em tramitação no país.

Toffoli oficiou a Advocacia-Geral da União e outras autoridades para que identifiquem quais agentes públicos atuaram no acordo sem passar pelos trâmites formais e tomem as providências para apurar responsabilidades. Para advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a decisão do ministro tem potencial para afetar a maior parte dos acordos fechados pela "lava jato".

Menos de 12 horas depois, no mesmo dia 6 deste mês, a 8ª Turma do TRF-4, por unanimidade, contra-atacou e declarou a suspeição de Appio — e, com isso, anulou todas as suas decisões na "lava jato".

Ao fazê-lo, porém, o TRF-4 alterou a jurisprudência que vinha seguindo para negar declarações de parcialidade de magistrados lavajatistas. O relator do caso, desembargador Loraci Flores, argumentou que o rol de hipóteses de suspeição de juízes do artigo 254 do Código de Processo Penal é meramente exemplificativo, conforme vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça.

O problema é que o STJ consolidou essa posição desde, pelo menos, 2016. E a 8ª Turma do TRF-4 não aplicou essa jurisprudência ao negar uma exceção de suspeição apresentada contra o desembargador Marcelo Malucelli, então relator dos processos da "lava jato" na corte.

No julgamento, de 22 de março deste ano, a 8ª Turma declarou que "as hipóteses de impedimento e suspeição descritas nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal constituem um rol exaustivo, revelando-se imprescindível ao seu reconhecimento a existência de fundamentos concretos, não bastando, pois, que a parte alegue genérica e infundadamente a suspeição do magistrado" (Exceção de Suspeição Criminal 5025685-52.2022.4.04.7000).

Malucelli, que integra a 8ª Turma da corte, é pai do advogado João Eduardo Malucelli, sócio do ex-juiz Sergio Moro em um escritório de advocacia. A ele é creditada uma decisão mandando prender o advogado Rodrigo Tacla Duran, a despeito de o caso estar no Supremo Tribunal Federal. O desembargador, porém, nega que tenha dado a ordem. Após a divulgação desses fatos, ele pediu afastamento dos processos relacionados à "lava jato".

Diálogos entre procuradores da finada "lava jato" apontam que Malucelli costurou junto com integrantes do Ministério Público uma saída para que a 13ª Vara Federal de Curitiba fosse comandada pelo juiz Luiz Antônio Bonat, simpatizante da autodenominada força-tarefa, quando Moro deixou de ser juiz para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, no começo de 2019. 

Com o afastamento de Malucelli, Loraci Flores assumiu a relatoria dos processos da "lava jato" na 8ª Turma do TRF-4, no fim de abril. A ConJur mostrou que ele não podia exercer a função, uma vez que seu irmão, o delegado da Polícia Federal Luciano Flores, trabalhou em investigações do caso.

O artigo 252, I, do Código de Processo Penal estabelece que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que "tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da Justiça ou perito".

Luciano Flores foi o responsável pela condução coercitiva e inquirição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por grampear a ex-primeira-dama Marisa Letícia em conversas pessoais que acabaram divulgadas em jornais, a despeito de a prática ser proibida pela Lei 9.296/1996. Devido à atuação do irmão, Loraci Flores se declarou impedido de julgar caso envolvendo o ex-ministro Antonio Palocci.

 

Afronta ao STF


Loraci Flores criticou o uso, por Eduardo Appio, de diálogos da "vaza jato" para anular duas decisões da juíza Gabriela Hardt contra Tacla Duran.

"Ocorre que, afora colocar sob manifesta suspeita a atuação da juíza substituta que vinha atuando naquela unidade judiciária, tal decisão ainda se baseou em elementos de convicção retirados da denominada 'vaza jato', quando nem os ministros do C. STF, quando do julgamento do HC 164.493, utilizaram daquela prova. Aliás, o próprio ministro Gilmar Mendes, que proferiu o voto condutor daquele acórdão, ressaltou a impossibilidade de utilização da prova ilícita ainda quando obtida de boa-fé (entrevista concedida à Agência Brasil, publicada em 23/08/2016, por Michèlle Canes, repórter da Agência Brasil — Brasília)", apontou o desembargador.

A citação ao voto de Gilmar está distorcida. Ao se manifestar pela suspeição de Sergio Moro para julgar o presidente Lula no HC 164.493, o decano do STF mencionou que "a doutrina brasileira aceita a possibilidade de utilização de prova ilícita pró-réu, a partir do princípio da proporcionalidade, considerando o direito de defesa".

Porém, para evitar questionamentos à decisão, Gilmar só usou mensagens da "vaza jato" como exemplo, e não como fundamento de sua decisão. Afinal, disse o ministro, "a utilização desses trechos de diálogos é absolutamente despicienda para concluirmos que houve uma violação do dever de imparcialidade do magistrado (Moro)".

Vale ressaltar que o ministro do STF Ricardo Lewandowski, agora aposentado, afirmou em decisão que as mensagens trocadas entre Moro e procuradores no Telegram foram periciadas pela Polícia Federal e consideradas autênticas. Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que tais provas não servem para condenar lavajatistas, mas para absolver réus prejudicados por eles, sim.

 

Titularidade curta


Com o objetivo de ressignificar o legado de Sergio Moro, Deltan Dallagnol e companhia, Appio assumiu a titularidade da 13ª Vara Federal de Curitiba em 8 de fevereiro deste ano. Ele ocupou a vaga deixada por Luiz Antônio Bonat, que em junho do ano passado foi eleito desembargador do TRF-4.

Em sua primeira sentença da "lava jato" desde que assumiu a posição, o juiz absolveu o empresário Raul Schmidt Felippe Júnior das acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O julgador declarou a nulidade da quebra de sigilo bancário do réu, promovida pelo Ministério Público Federal sem autorização judicial.

Em um dos seus últimos atos no comando da 13ª Vara de Curitiba, ele determinou a instauração de inquérito para investigar a instalação de um grampo ilegal na cela do doleiro Alberto Youssef na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

Appio foi afastado em maio deste ano, depois de representação apresentada por Marcelo Malucelli. Segundo o desembargador, Appio ligou para o seu filho depois de uma decisão que restabelecia a prisão de Tacla Duran.  

Exceção de Suspeição 5044182-80.2023.4.04.7000

 
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11
Set23

Alexandre Garcia mentiroso contumaz boatou que o “governo petista” causou a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul

Talis Andrade

por Rede Brasil Atual

São Paulo – A Advocia-Geral da União (AGU) e a Polícia Federal vão investigar e responsabilizar o jornalista Alexandre Garcia, que disseminou fake news nesta sexta-feira (8), insinuando que o “governo petista” foi responsável pela tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul. O advogado-geral da União, Jorge Messias, informou em suas redes sociais que sua pasta vai “buscar a responsabilização” do jornalista.

“Determinei à Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia a imediata instauração de procedimento contra a campanha de desinformação promovida pelo jornalista. É inaceitável que, nesse momento de profunda dor, tenhamos que lidar com informações falsas”, postou o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU).

Também em suas redes, o ministro da Justiça, Flávio Dino, escreveu que a Polícia Federal vai adotar “as providências previstas em lei” contra o bolsonarista, que difundiu a informação em um canal de YouTube. Dino também reforçou que fake news não são “piada”.

“Reitero que fake news é crime, não é ‘piada’ ou instrumento legítimo de luta política. Esse crime é ainda mais grave quando se refere a uma crise humanitária, pois pode gerar pânico e aumentar o sofrimento das famílias. A Polícia Federal já tem conhecimento dos fatos e adotará as providências previstas em lei”, escreveu Dino.

Há dois anos, Garcia foi demitido da CNN Brasil após afirmar que os remédios defendidos por Jair Bolsonaro, comprovadamente sem eficácia contra a covid-19, “salvaram milhares de vidas”. Na ocasião, antes da demissão, ele foi desmentido ao vivo pela jornalista Elisa Veeck.

Alexandre Garcia disse que é “preciso investigar, porque não foi só a chuva” que causou as enchentes no estado gaúcho, matando pelo menos 46 pessoas. As afirmações mentirosas provocaram revolta nas redes.

“Enquanto gente como o psicopata irresponsável do Alexandre Garcia não estiver NA CADEIA por espalhar desinformação que se transforma em discurso e ação de ódio, essa gente não vai parar. É preciso traçar uma risca no chão, não dá mais”, protesta o jornalista William De Lucca no Twitter.

 

“Dopado de cloroquina”

“Alexandre Garcia, o jornalismo terra plana dopado de cloroquina informa que as inundações no Sul são culpa de uma sabotagem do PT. Não é lelé da cuca, é um mau caráter mesmo, inconsequente, irresponsável e sensacionalista, um jornalismo Olavista”, escreveu no Twitter o também jornalista Guga Noblat.

Brian Mier, correspondente da Rede Tel SUR em inglês, lembrou o passado comprometedor do bolsonarista, cujas alianças espúrias vêm de muito antes de Bolsonaro. “Alexandre Garcia, ex-assessor do presidente da ditadura militar Figueiredo, analista de notícias da Globo e CNN está sob investigação hoje por mentir no YouTube que as enchentes no Rio Grande do Sul que mataram 43 pessoas após o ciclone da semana passada foram causadas pela sabotagem de barragens do governo Lula”, postou Mier em inglês.

 

Porta voz da ditadura

O deputado federal Ivan Valente (Psol-SP) classifica Garcia como “notório bolsonarista” e também lembra que ele “foi porta voz da ditadura militar”, para depois acrescentar que o ex-CNN “fez acusações mentirosas ao governo federal em relação às enchentes no Rio Grande do Sul”.

Para Valente, ele “se aproveita da tragédia para espalhar mentiras, a cara do bolsonarismo”, e conclui que o jornalista decadente “precisa responder por isso”.

 

Outra mentirosa do gabinete do ódio

Uma bolsonarista identificada como médica, Samara L. Baum espalhou um vídeo do deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) dizendo que as doações para as vítimas das enchentes haviam sido paralisadas à espera da volta do presidente Lula de viagem. Após a repercussão e saber que a Polícia Federal vai investigar as informações falsas, a mentirosa pediu desculpas em um vídeo.

Para De Lucca, Garcia é “psicopata”

29
Jul23

A morte lançada do céu

Talis Andrade
 

NO ATAQUE À ALDEIA DE BARÉ, NA DÉCADA DE 1970, O BANHO DE VENENO FOI SOBRE UMA MALOCA, ONDE OS INDÍGENAS SE REUNIAM EM DIA DE CELEBRAÇÃO. FOTO: RAPHAEL ALVES (01/12/2017)

 

Laudo obtido com exclusividade por SUMAÚMA mostra oito aldeias dizimadas por armas químicas nos anos 1970 para a construção da BR-174 (segunda parte)

 

 

(continuação) Diante do microfone e dos olhares dos militares, o indígena Baré Bornaldo relatou o ataque à aldeia So’o Mydy, que ocorreu entre o final de 1974 e o início de 1975. “Era dia de Maryba, a festa de iniciação do menino-guerreiro. Gente de outras aldeias foi participar”, contou. De repente e do alto, veio o ataque: “Era veneno. Jogaram em cima da maloca”. Bornaldo disse ainda que, ferido, viu um parente ter o pescoço cortado.

BARÉ BORNALDO (À ESQ.) AOS 11 ANOS, EM 1969. QUANDO A ALDEIA EM QUE VIVIA FOI ATACADA, ELE TINHA 14. FOTO: FUNAI. À DIREITA, O REGISTRO DE 1912 MOSTRA A REGIÃO ONDE HOJE FICA A TI WAIMIRI ATROARI. FOTO: ARQUIVO BRASILIANA FOTOGRÁFICA DIGITAL

 

No relato do indígena, o Exército espalhou o terror pela floresta. Eram tantas as vítimas e era tão grande o medo de novos ataques que os mortos não tiveram rituais fúnebres – para os Kinja, isso representa um severo risco de feitiço e outros infortúnios cosmológicos. Baré Bornaldo testemunhou que os parentes conseguiram cremar alguns corpos, mas a maioria foi deixada para trás. “Não tinha ninguém para cuidar dos corpos”, lamentou. Outro sobrevivente, Temehe Tomas, acrescentou que o medo de que os ataques fossem retomados era mais forte: “Abandonaram os corpos dos parentes – ficaram por lá mesmo”.

Manoel Paulino, que foi chefe de campo da Funai no período mais violento dos ataques, afirmou ter presenciado o próprio Exército cavar uma vala comum, com uma retroescavadeira, e enterrar as vítimas perto de um antigo posto da fundação, local onde hoje há uma aldeia. Os sobreviventes dos ataques não presenciaram os enterros porque foram obrigados a fugir. Paulino é uma testemunha-chave no processo.

Outra testemunha, essa ouvida pela perícia antropológica, relembrou, de outro ponto de vista, o que aconteceu na aldeia de Baré Bornaldo. Wamé Viana descreveu o voo de um avião jogando o que parecia ser água. Ele estava indo com outros parentes a uma festa na aldeia So’o Mydy, e quando chegaram já estavam todos mortos – todos, menos Bornaldo, então um adolescente. “Nós salvamos ele, no meio do povo morto. Chegamos dias depois. [Os corpos] Já estavam apodrecendo, urubu comendo. Quando chegamos, o tio pegou ele e levou pra salvar. Ele tinha uma febre forte”, disse Wamé. Bornaldo jamais esquecerá aqueles dias: “Quando a aldeia ficou bem quente, fiquei com febre muito alta. A maloca ficou aquecida. As folhas das árvores não caíram. Matou só as pessoas que estavam lá”. Então diz: “Morreu uma maloca inteira”.

 

‘Queimava tudo por dentro’

 

Os sintomas que os Kinja relataram após os ataques com armas químicas – calor, febre, enjoo, dor de cabeça e paralisia nos membros – são, “à primeira vista”, segundo o perito Dal Poz Neto, compatíveis com a patologia dos nerve agents, produtos que afetam o sistema nervoso central. O Exército é acusado de ter lançado sobre as aldeias uma ou mais armas químicas desse tipo. Os efeitos nas vítimas são quase imediatos: corrimento nasal, visão turva, sudorese excessiva, tosse, respiração rápida, confusão mental, dor de cabeça, perda de consciência, paralisia e insuficiência respiratória. E podem ser fatais. Entre os químicos desse tipo está o chamado gás VX. Desenvolvida na Inglaterra em 1952, essa substância, normalmente mantida em estado líquido, possui baixa volatilidade, propriedades adesivas e é inodora, afirma o laudo.

Um dos sobreviventes, não identificado, detalhou ao perito o que acontecia com as vítimas dos ataques aéreos do Exército: “Deixava a gente confuso. Atacava na aldeia, esquentava rápido. Poucos minutos, morria. Nós não conseguimos entender até agora que arma foi usada naquela época. Era assim: um índio ia caçar, ele sentia tipo uma flechada no corpo. Gritava e corria pra aldeia, já sentindo sintoma, aquecendo o corpo dele. Parecia que queimava tudo por dentro. Demorava um pouco, morria. Sentia calor muito intenso. Ficava deitado, gritando, molhando o corpo com água. Em pouco tempo, morria. Pra nós é difícil entender qual arma foi usada”.

Para os Kinja tratou-se de maxi, uma palavra de sua língua que originalmente quer dizer feitiço ou veneno. Por causa dos massacres da ditadura, ela ganhou novos significados. A substância malévola que os atacantes manipulavam, diz o laudo, “vem desde então adquirindo significados mais precisos, à medida que se ampliam os conhecimentos a respeito do aparato industrial e tecnológico à disposição da sociedade não-indígena”. Hoje, os indígenas usam o termo maxi também para designar agrotóxicos e poluentes, além de armas químicas e biológicas.

Há evidências de pelo menos oito operações coordenadas do Exército, com despejo de armas químicas seguido de invasão por terra. Após examinar a dinâmica desses ataques às aldeias, o perito judicial concluiu que tudo parece indicar uma “guerra de ocupação”, com a finalidade de expulsar os Kinja de seu território.

 

Assistente técnico da AGU trata indígenas como ‘testemunhas inidôneas’

 

Na audiência judicial na TI Waimiri Atroari, enquanto Baré Bornaldo narrava como todos ao seu redor foram mortos pelo que veio do céu, um homem branco, vestido com trajes civis e sentado na plateia, balançava a cabeça, demonstrando contrariedade. Tratava-se do coronel reformado Hiram Reis e Silva, um militar alinhado à ideologia anti-indígena das Forças Armadas. Estava ali porque havia sido indicado pelo Exército à Advocacia-Geral da União como “assistente técnico” da defesa no processo. Designado em janeiro de 2019, o primeiro ano do governo do extremista de direita e capitão reformado Jair Bolsonaro, ele tinha como papel acompanhar a elaboração da perícia antropológica.

Apesar de Lula ter tomado posse em janeiro deste ano como presidente, até o fechamento desta reportagem o coronel reformado Reis e Silva seguia como representante do governo federal no processo. Após questionamentos de SUMAÚMA, a AGU passou a buscar um acordo com o MPF. Mas não pediu formalmente a retirada de Reis e Silva do caso.

O coronel reformado serviu no Batalhão de Engenharia de Construção do Exército na Amazônia, responsável por parte da obra da BR-174. Não durante o período dos ataques, contudo, mas mais de cinco anos depois, entre 1982 e 1983 . O militar de 72 anos também foi professor de matemática no Colégio Militar de Porto Alegre e diz ser presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (Sambras), uma ONG cujo CNPJ está registrado em nome da ambientalista gaúcha Hilda Wrasse Zimmermann, morta em 2012. Desde 2018, a Sambras é considerada inapta pela Receita Federal, por falta de documentação. O site da organização já não está no ar.

 

O MILITAR REFORMADO HIRAM REIS E SILVA, QUE FOI INDICADO PARA SER ASSISTENTE TÉCNICO DA DEFESA NO PROCESSO JUDICIAL, TEM ASSUMIDA POSTURA ANTI-INDÍGENA E DE OCUPAÇÃO DA AMAZÔNIA. FOTO: OMAR FREITAS/AGÊNCIA RBS (29/05/2015)

 

Foi graças a uma parceria entre o Colégio Militar e a Sambras que Reis e Silva diz ter percorrido, num caiaque, rios da bacia amazônica entre as cidades de Tabatinga, no Amazonas, e Belém, no Pará, durante os anos de 2008 e 2009. A partir de suas viagens pela Amazônia, o coronel escreveu vários livros, publicados por ele mesmo na internet. Em um deles, intitulado Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Branco Tomo III, afirma, a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em março de 2009: “A decisão [da demarcação] tem apenas um triste e melancólico significado – colocar a soberania brasileira em cheque (sic). O território pertence agora a uma ‘nação indígena’ e nela não poderão viver ou sequer transitar os chamados ‘não índios’, porque os facínoras do Conselho Indigenista de Roraima não os reconhecem como irmãos brasileiros”.

A julgar pelo que publica no Facebook, Reis e Silva é um bolsonarista típico. Espalha memes que sugerem o desejo de atropelar Lula e os ministros do Supremo Tribunal Federal, vídeos com mensagens para “caso algum petista filho da puta alienado vier falar merda” e notícias tendenciosas segundo as quais “se o marco temporal [para a demarcação de terras indígenas, pauta cara aos ruralistas] cair, será o fim da propriedade privada”.

Se, na audiência na Terra Indígena Waimiri Atroari, o coronel reformado demonstrou sua contrariedade com o testemunho dos Kinja sobreviventes, dias depois tornou sua posição ainda mais explícita. Em documento disponível na internet, datado de março de 2019 e intitulado “Circo de Horrores”, ele afirma que a ação movida pelo MPF é “carregada de um viés puramente ideológico, baseado no testemunho de indivíduos inidôneos sem que sejam apresentadas quaisquer tipos de provas contundentes”. Além dos relatos dos anciões Kinja, a ação do MPF se baseia em testemunhos de indigenistas e antropólogos respeitados, entre eles Stephen Baines, atualmente professor da Universidade de Brasília, e Egydio Schwade, um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

A atitude de Reis e Silva na audiência levou os Waimiri Atroari a pedirem – com sucesso – que ele fosse proibido de entrar em seu território para acompanhar o perito judicial. “As lideranças e demais membros da etnia presentes ao ato, muito observadores que são, perceberam o comportamento de expressão negativa do coronel Reis e Silva, fato que lhes deixou muito insatisfeitos”, afirma a petição dos advogados da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), apresentada à Justiça Federal do Amazonas em julho de 2022. “Os Kinja se sentiram tachados de mentirosos, o que para eles é muito grave, pois na cultura Kinja a mentira é algo impensável e rechaçada veementemente!”, prossegue a petição.

E então conclui: “[Os indígenas] não admitem que adentre em sua terra uma pessoa que se postou corporalmente de forma negativa quando um Guerreiro Kinja, ancião, prestava seu depoimento sob compromisso de verdade e que depois, ao falar com a imprensa, deu a entender que todos os depoimentos dados pelos Kinja não seriam verdadeiros”. O documento se refere a uma entrevista que Reis e Silva deu à agência de notícias Associated Press logo após a audiência, em que afirmava que teria “outra versão dos fatos”.

Diante do inconformismo dos Kinja, AGU e MPF cederam e, num acordo referendado por Raffaela Cássia de Souza, juíza substituta da 3a Vara Federal do Amazonas em julho de 2022, as duas instituições abriram mão de ter seus assistentes técnicos acompanhando a perícia.

Ao longo de mais de 40 dias, SUMAÚMA tentou de várias formas entrevistar Reis e Silva. Ele não respondeu ao e-mail enviado a um endereço disponível na internet nem às mensagens a seus perfis no Facebook. O Colégio Militar de Porto Alegre, onde o coronel aposentado deu aulas, se recusou a fornecer seu telefone. A pedido do setor de Comunicação Social, SUMAÚMA enviou então um e-mail à instituição, explicando do que tratava a reportagem e solicitando um contato com o coronel. O colégio disse não ter os contatos do ex-professor. Também foi enviado um e-mail a um endereço publicado na internet e mensagens a um telefone celular, ambos identificados como sendo da esposa de Reis e Silva. Não houve resposta.

Segundo a AGU, a indicação do coronel para acompanhar o caso — feita pelo Exército e aceita pela agência — “levou em consideração a dificuldade verificada para encontrar outros profissionais com conhecimento acerca do caso e capacidade de apresentar esclarecimentos úteis à solução da controvérsia, em especial em virtude do tempo transcorrido desde os fatos discutidos nos autos”.

O Exército, por sua vez, afirmou, em nota a SUMAÚMA, que havia indicado Reis e Silva “em função de sua capacitação técnica e experiência profissional, como engenheiro militar e conhecedor da região”, que desconhece “qualquer fato ou conduta do assistente técnico no sentido de desrespeitar indígenas durante audiência realizada em 2019” e que “o respeito aos povos originários está incorporado na cultura institucional do Exército desde sua gênese”.

SUMAÚMA solicitou ao Exército, usando a Lei de Acesso à Informação, cópia da documentação em que a nomeação de Reis e Silva foi definida. A resposta foi negativa: “Tais documentações dizem respeito ao sigilo profissional cliente-advogado, referem-se à estratégia processual e não poderão ser divulgadas” (continua)

20
Jul23

A CARA DO GOLPE - Capítulo 4 Os suspeitos: Silvinei Vasques

Talis Andrade

O diretor-geral da PRF Silvinei Vasques é alvo de inquérito do MPF por interferir na eleição. Foto Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil

 

Investigado por facilitar bloqueios de estradas, Silvinei Vasques já foi alvo de processos por propina, ameaça de morte, espancamento, abuso de autoridade e prejuízo à União
 
 
Por Marcelo Menna Barreto / Extra Classe
 

O inspetor e diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, coleciona polêmicas dentro da corporação na qual ele ingressou em 1995 e comanda desde abril de 2021.

Além dos crimes eleitorais – retenção de eleitores no Nordeste e a operação “corpo-mole” que favoreceu os bloqueios de estradas em todo o país desde segunda-feira, 1º –, Vasques já respondeu a oito processos disciplinares e teve uma condenação por agressão.

Na quarta-feira, 2, o MPF requisitou a instauração de inquérito policial para investigar as condutas adotadas pelo diretor-geral da PRF no dia da eleição de segundo turno, em 30 de outubro.

Devido à operação do órgão que parou ônibus com eleitores nas estradas, ele é investigado por “má conduta” na gestão da PRF e possível desvio de finalidade que teria visado “interferir no processo eleitoral”.

O ministro Alexandre de Moares, que ordenou a investigação, determinou multa de R$ 100 mil por hora e de caráter pessoal para Vasques a partir do dia 1º, além da possibilidade de afastamento e prisão em flagrante por crime de desobediência.

Silvinei também é alvo do STF por suspeita de “omissão e inércia” em relação aos bloqueios de rodovias que começaram na noite de domingo por grupos de extrema-direita inconformados com o resultado da eleição. A PRF não agiu para conter a desordem e pediu autorização ao judiciário para fazer uma operação que é de suas atribuições e autonomia.

 

Silvinei e o sigilo de cem anos

 

Antes disso, o policial rodoviário já tinha sua ficha corrida entre a série de documentos sob proteção de 100 anos de sigilo decretadas pelo governo que deixa o Palácio do Planalto em janeiro de 2023.

Próximo do filho 01 do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ), Vasques se tornou diretor-geral da PRF com a ascensão de Anderson Torres ao cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.

Ele já chegou para o comando da PRF com oito processos disciplinares contra ele na instituição. Sob a proteção dos Bolsonaro, no entanto, nada aconteceu ao agente. Apenas um processo acabou em punição, o do espancamento de um frentista de posto de gasolina. A PRF decretou o sigilo dos casos em 2021.

Todas as solicitações de dados a respeito feitas via Lei de Acesso à Informação por veículos de imprensa foram rejeitadas por Anderson Torres.

 

Propina e ameaça: “tiro na testa”

 

Natural de Ivaiporã, Paraná, Silvinei Vasques, que entrou em 1995 na PRF, chegou a ser investigado em 1997, quando ainda cumpria o período de estágio probatório da carreira pública federal.

A acusação: cobrança de propinas de uma empresa de guincho interessada em trabalhar nas rodovias federais da região de Joinville (SC) e ameaça de morte.

No inquérito, consta do relato de uma das vítimas a ameaçada de morte “com um tiro na testa”.

A investigação se arrastou por oito anos. O MPF ofereceu a denúncia em 2009. A Justiça Federal levou dois anos para se manifestar e só o fez em 2011, para informar que os crimes de Vasques estavam prescritos.

 

Lesão corporal e abuso de autoridade

 

No ano 2000, quando era apenas um agente rodoviário, Vasques respondeu a uma ação criminal por lesão corporal e abuso de autoridade na cidade de Cristalina, interior de Goiás.

No dia 17 de outubro daquele ano, Vasques estacionou a viatura da PRF em um posto de combustíveis para abastecer e mandou que o frentista lavasse o veículo.

O funcionário do posto de gasolina informou que o estabelecimento não trabalhava com lavagem de veículos. A negativa desencadeou um ataque de fúria do agente, que espancou o frentista Gabriel Rezende a socos e chutes.

Vasques foi processado e perdeu. O governo federal foi obrigado a pagar uma indenização de R$ 71 mil de indenização à vítima das agressões. A Corregedoria da PRF pediu a exclusão do agente do serviço público, mas o crime já estava prescrito.

Desde 2017, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta cobrar de Vasques o ressarcimento da indenização paga ao frentista agredido.

Os valores corrigidos somam R$ 99 mil. A cobrança tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), mas não avança desde 2019.

O Ministério da Justiça também pediu a expulsão do policial da corporação por causa do não pagamento, mas ele foi beneficiado pela prescrição e ainda ganhou um prêmio ao ser promovido a diretor-geral por indicação do senador Flávio Bolsonaro.

 

PRF tem extrapolado competências e violência

Em maio, agentes da PRE torturaram e mataram por asfixia, com gás lacrimogêneo, Genivaldo dos Santos, em Sergipe

A PRF é uma polícia ostensiva e não tem competência para investigação de crimes. Apesar disso, no governo Bolsonaro a corporação registrou investimento em inteligência com a compra de softwares de rastreamento, identificação e interceptação de números de celulares, ações que dependem de autorização judicial.

Entre 2019 e o último mês de junho, policiais rodoviários prenderam 1.226 pessoas em cidades onde não há estradas federais. Só este ano, já somam 52 mortes resultantes de violência policial em ações com participação direta ou indireta da PRF.

Em junho, uma operação conjunta da PRF com Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro na Vila Cruzeiro, resultou na morte de 23 pessoas.

Em outubro de 2021, a PRF realizou uma operação contra uma quadrilha de assaltantes de banco em Varginha (MG). Ao final, 26 homens envolvidos acabaram mortos. Entre eles, vítimas desarmadas e outros que estavam dormindo.

A ação da PRF partiu de uma escuta clandestina no celular de um suspeito. Ao perceber as irregularidades promovidas, a própria superintendência da Polícia Federal (PF) em Minas Gerais decidiu abandonar a investigação. No entanto, os filhos do presidente Bolsonaro, Flávio e Eduardo (PL/SP) usaram suas redes sociais para parabenizar os policiais rodoviários e comemorar o trabalho.

Na gestão de Vasques, ainda foram registrados a morte de Gevanildo de Jesus Santos. Com problemas mentais, ele tentou resistir a uma abordagem da PRF em Umbaúba (SE) em maio passado e acabou morrendo após ter sido submetido à tortura. Os policiais imobilizaram a vítima com spray de pimenta e trancaram no porta-malas de uma viatura onde jogaram bombas de gás lacrimogêneo.

08
Mar23

Caso das joias mostra que imagem de Bolsonaro se deteriora rápido e expõe disputa por seu capital político

Talis Andrade
 
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O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa Michelle durante o lançamento de sua campanha para a reeleição em l Juiz de Fora,  Minas Gerais, em 16 de agosto de 2022.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua esposa Michelle durante o lançamento de sua campanha para a reeleição em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 16 de agosto de 2022. AFP - MAURO PIMENTEL
 

Polícia Federal e Advocacia Geral da União vão investigar conduta de agentes públicos que entraram no país com objetos de luxo recebidos em viagem internacional. Especialistas ouvidos pela RFI dizem que o destino dos presentes deve ser o acervo público

 

por Raquel Miura /RFI 

As joias de mais de R$ 16 milhões que o governo da Arábia Saudita deu ao então presidente Jair Bolsonaro e sua mulher Michelle, em outubro de 2021, têm rendido muitos memes na internet e acaloradas conversas nos corredores de Brasília, especialmente no PL, partido do clã Bolsonaro. O assunto ganhou novos contornos esta semana com a informação de que chegou às mãos do ex-presidente uma caixa que entrou ilegalmente no país. Ao deixar o governo, ele teria levado alguns dos objetos.

É o tipo de história que gruda no imaginário popular porque traz elementos de um animado folhetim: os cobiçados brindes vieram daquela que é, talvez, a família mais rica do mundo, que controla o governo e o petróleo sauditas. Um dos presentes, um colar cheio de diamantes, chegou ao Brasil escondido dentro de uma escultura de cavalos. Um assessor do ex-governo, que trazia parte dos presentes, acabou barrado na alfândega, o paradeiro dos itens de luxo masculino é incerto e, para coroar o enredo, o delegado da receita que fez a apreensão já teve seu trabalho mostrado num programa da TV americana sobre fiscalização aduaneira.

O analista político André Felipe Rosa disse à RFI que o caso reverbera no meio político porque gera dúvidas se o clã Bolsonaro terá fôlego para para herdar o capital político da extrema direita. “Na minha análise política, o clã Bolsonaro começa, de uma forma mais acelerada, a se deteriorar e pode ter dificuldades para ter um nome competitivo", afirma. 

"É importante destacar que hoje a figura de Bolsonaro já é praticamente carta fora do baralho, e precisa de um sucessor. Nesse caso seria a própria Michelle Bolsonaro. Mas o atual governo, sabendo das reais possibilidades, busca descobrir casos que possam ser estratégicos para a desconstrução da imagem desses players. A continuar essa linha de narrativa, muito provavelmente não haverá nome competitivo eleitoralmente vindo do clã Bolsonaro na próxima disputa”, afirmou Rosa.

Onde está o relógio?

Os presentes milionários destinados a Bolsonaro e Michelle foram entregues pelo príncipe Mohammed bin Salman Al Saud ao então ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, que representou o Brasil naquela viagem ao Oriente Médio. O caso foi trazido pelo jornal Estado de S.Paulo e, com a repercussão, a Polícia Federal foi mobilizada para apurar a história. 

As joias femininas acabaram barradas pela Receita, já na chegada. As masculinas, incluindo um relógio e um relicário árabe, entraram no país numa mala que não foi revistada. A informação de que esses objetos acabaram nas mãos de Bolsonaro e depois sido levados com ele elevou a temperatura política entre apoiadores do ex-presidente. 

Bolsonaro afirma que os presentes foram encaminhados ao acervo da Presidência da República. A ex-primeira dama tem dito que não sabia da existência do agora famoso colar de diamantes. O ex-ministro de Minas e Energia diz que seguiu os procedimentos legais que pautam a troca de presentes entre autoridades de Estado.

“O correto, se fosse um bem que ficaria sob a guarda da Presidência da República, ou seja, para o acervo da Presidência, seria entrar no país pelas mãos de um diplomata através de uma mala diplomática, que nem é aberta na Receita Federal”, afirmou a advogada especialista em direito tributário, Raquel de Andrade Vieira Alves.  

“Na esfera criminal, quem praticou a conduta em apuração é o servidor que fez o transporte desses bens. No caso, um ex-ministro de Estado e um dos assessores. Então a investigação da Polícia Federal recai sobre a conduta desses agentes. E aí teria que ser verificado se realmente eles agiram a mando da autoridade hierárquica superior, ou se agiram por vontade própria”, completou a advogada.

Pressão sobre a Receita

Entre as questões que precisam ser respondidas estão o destino final das joias masculinas entregues a Bolsonaro, a razão pela qual o assessor do ex-presidente que integrava a comitiva tentou esconder o presidente de Michelle e se ele recebeu ordens para isso. Também gerou especulações a pressão sobre servidores da Receita para que os presentes retidos fossem liberados.

“Qual foi o fundamento utilizado pelos integrantes do governo para reaver os presentes? Foi a comprovação de que foram incorporados ao acervo da Presidência e, portanto, ao patrimônio da União? Em caso positivo, não há que se falar em responsabilidade. Por outro lado, foi uma tentativa de pressionar as autoridades fiscais, através de integrantes do governo, a fazer a liberação das joias sem o pagamento de imposto ou de joias que deveriam ir para o acervo público? Nesse caso, a gente claramente estaria diante de uma conduta que deve ser repreendida. Então hoje não é possível ainda dizer se houve ou não houve um crime, mas a investigação responderá”, explicou à RFI o advogado tributarista Felipe Renault, destacando que os detalhes do caso e da investigação não foram divulgados oficialmente.

Por lei, qualquer pessoa tem que declarar bens que comprou ou ganhou no exterior, cujo valor ultrapasse U$ 1 mil. O viajante tem de pagar uma taxa de 50% sobre o valor do produto. Se for pego mentindo sobre o que traz na bagagem, terá ainda que arcar com uma multa, que varia de 25% a 50% do valor do objeto.

“O agente da Receita pode até considerar que um bem, mesmo que passe desse limite de U$ 1 mil, é de uso pessoal e que foi necessário na viagem, como uma máquina fotográfica, um computador ou um celular que a pessoa está usando. E aí o fiscal pode liberar a entrada sem o pagamento. Mas a regra é a declaração, até para que o contribuinte não corra o risco de ter maiores problemas. Declara e aí, ao mostrar ser um bem pessoal atrelado à viagem, ele é liberado”, orienta Raquel Alves. 

Mas quando se trata de itens recebidos por agentes públicos e autoridades, há outras regras que também balizam o seu destino, inclusive um acórdão de 2016 do Tribunal de Contas da União que limitou bastante as chances de um presidente da República levar para casa algum presente. Apenas objetos de "caráter personalíssimo", como bonés, gravatas, perfumes ou camisetas entram nas exceções. O restante é considerado patrimônio da União. 

“Pelo entendimento do TCU, não me parece que joias, principalmente com esse valor, possam ser enquadradas como bem personalíssimo. Até porque, quando a gente fala em missões internacionais, é tradicional essa troca de presentes entre os chefes de Estado, o Brasil recebe e dá presentes. E certamente, o presente que foi levado pelo país para Arábia Saudita foi pago com dinheiro público. E é de se esperar que aquele bem que veio do exterior como presente também o fosse. Então faz sentido esse acórdão do TCU, determinando que os objetos passem a integrar o acervo público”, avaliou à RFI Tadeu Puretz, advogado e coordenador de pós-Graduação em Direito do Ibmec. 

Devido à decisão da corte de contas, Lula e Dilma Rousseff, que já tinham deixado a presidência à época, devolveram 472 objetos que estavam em seus acervos pessoais e foram levados de volta à Brasília.

O ministro da Justiça e Segurança Pública afirmou que o relato de que o governo de Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante de R$ 16,5 milhões para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro pode configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. O jurista Wálter Maierovitch, que é colunista do UOL, comenta

 

10
Jan23

Prisões de golpistas envolvem vândalos, financiadores, políticos e policiais

Talis Andrade
Polícia e Exército se concentram na frente do QG do Exército para desmobilizar acampamento. Foto Marcello Casal 

 

 

Cerca de 1.500 pessoas foram levadas para a Polícia Federal, mas ministro tem expectativa de, ainda hoje, divulgar número definitivo de prisões

 

por Cézar Xavier /Vermelho

- - -

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, confirmou, hoje (10), que os órgãos responsáveis pela investigação do ataque às sedes dos Três Poderes, já identificaram alguns dos financiadores da ação.   

Embora cerca de 1.500 pessoas tenham sido levadas para a Polícia Federal, o ministro ressalta que equipes especializadas estão interrogando e qualificando os crimes. Segundo ele, a expectativa é que, ainda hoje, à noite, divulgue-se um número definitivo de prisões.

O governo do Distrito Federal, por sua vez, divulgou uma lista com 277 nomes de pessoas presas. São 158 homens e 119 mulheres. Os golpistas foram levados para o Centro de Detenção Provisória 2, na Papuda.

A Polícia Civil afirma que, pelo menos, 15 crimes foram cometidos. Entre eles, estão golpe de Estado, dano a bem público e lesão corporal. O ministro Flávio Dino diz que os financiadores identificados poderão responder por associação criminosa (até três anos de prisão) e prática de crimes contra o Estado Democrático de Direito (até oito anos de prisão), tentando destituir um governo legitimamente eleito, entre outros delitos previstos no Código Penal brasileiro. O crime de golpe de estado pode implicar em até 12 anos de reclusão.

O número de presos deve aumentar. Na Academia Nacional de Polícia, há centenas de pessoas detidas que estão passando por uma triagem da Polícia federal para serem liberadas ou presas por envolvimento na depredação.

O Ministério também divulgou que recebeu, em 24 horas, 30 mil denúncias e informações sobre os terroristas que cometeram os atos de vandalismo na Esplanada dos Ministérios. 

Segundo o secretário de Acesso à Justiça, Marivaldo Pereira, neste primeiro momento as apurações darão prioridade aos dados de quem financiou o envio de caravanas de radicais bolsonaristas para Brasília e os gastos dos acampamentos em frente a quartéis do Exército.

As informações podem ser enviadas para denuncia@mj.gov.br.

 

Associação criminosa

 

“Já foram identificados os primeiros financiadores, sobretudo em relação aos ônibus: aqueles que organizaram o transporte, que contrataram os veículos. Estas pessoas já estão todas identificadas”, disse Dino à imprensa.

Ele informou que, entre os financiadores, há desde pequenos comerciantes até empresários do agronegócio e indivíduos ligados a colecionadores, atiradores desportivos e caçadores. 

A previsão é que o relatório da Advocacia-Geral da União com os nomes das companhias seja entregue ainda hoje (10) à Justiça Federal do Distrito Federal. O órgão vai pedir medidas cautelares para o bloqueio dos bens das empresas e solicitar que a Justiça reserve parte dos recursos para cobrir os estragos na Esplanada dos Ministérios.

“O que posso afirmar é que a investigação está em curso; já foram feitas as primeiras individualizações e, com isso, haverá o prosseguimento que cabe: a aplicação das sanções previstas em lei”, acrescentou o ministro.

Segundo Dino, os primeiros financiadores identificados estão espalhados por dez unidades federativas (a maioria do Sul e Centro-Oeste).

O novo foco dos investigadores está na ligação dos terroristas com líderes políticos que tenham articulado a vinda de bolsonaristas radicais a Brasília, no último fim de semana. Já se sabe que estes políticos mantiveram contato com os empresários que financiaram a ação.

Segundo a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão, cerca de 1,5 mil pessoas foram detidas no local por envolvimento nos atos de vandalismo. O ministro Flávio Dino, contudo, disse que o número ainda não é definitivo.

“Tivemos a apreensão de aproximadamente 1,5 mil pessoas, mas agora estamos tratando das individualizações. Trata-se da maior operação de polícia judiciária da história do Brasil, mas não se trata de uma prisão em massa. É preciso identificar cada pessoa e o que ela fez. Temos equipes trabalhando nisso, fazendo as oitivas, lavrando autos de apreensão e de prisão em flagrante. Além disso, houve algumas situações humanitárias que foram solucionadas ontem mesmo. Nossa expectativa é que, ainda hoje, à noite, tenhamos um número definitivo”, concluiu Dino.

 

Sem anistia

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou nesta terça-feira (10) que as instituições punirão “todos os responsáveis” pelos atos de terrorismo.

“Dentro da legalidade, as instituições irão punir todos os responsáveis, todos. Aqueles que praticaram os atos, aqueles que planejaram os atos, aqueles que financiaram os atos e aqueles que incentivaram, por ação ou omissão. Porque a democracia irá prevalecer”, declarou Moraes.

“Mas as instituições não são feitas só de mármore e cadeiras. São feitas de pessoas, de coragem, de cumprimento da lei. Não achem esses terroristas que até domingo faziam badernas e crimes, e que agora reclamam que estão presos querendo que a prisão seja uma colônia de férias. Não achem que as instituições irão fraquejar”, continuou Moraes.

Quase ao mesmo tempo, no Senado, o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) fez um discurso duro contra os atos de terrorismo – e também reforçou que ‘minoria extremista’ será identificada, investigada e punida.

 

Idosos, mulheres e crianças

 

Um ônibus com bolsonaristas detidos pela Polícia Federal deixou o ginásio da Academia Nacional da PF, no início da tarde desta terça-feira (10), em direção à Rodoviária Interestadual de Brasília. O grupo era composto principalmente por idosos com comorbidades. Mulheres com crianças também foram liberadas.

Eles estavam no local desde a manhã de segunda (9), após serem retirados do acampamento instalado no Quartel-General do Exército. Ao todo, 1,2 mil foram detidos. Cerca de 50 ônibus foram usados para levar o grupo para a Superintendência da Polícia Federal. O grupo levado à rodoviária já passou por triagem e foi liberado nesta manhã.

Desde a noite de segunda, a PF começou a liberar menores de idade, mulheres com crianças pequenas e idosos, que tiveram prioridade na triagem. A Polícia Federal ainda não divulgou um balanço de quantas pessoas foram soltas e quantas continuam presas.

Liderados pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), deputados bolsonaristas pedem garantia de direitos humanos a presos em atos. O ofício, enviado à Defensoria Pública da União e ao Ministério dos Direitos Humanos, cita pessoas que estariam sendo “tolhidas de condições básicas em termos de alimentação, hidratação e alojamento”.

Por meio de nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disse que “expressa preocupação com todas as pessoas do país que se encontram presas”. Disse também que estaria monitorando as prisões.

 

55 ônibus apreendidos

 

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) interceptou e apreendeu, em menos de 24 horas, 55 ônibus envolvidos nos atos golpistas. O efetivo da PRF está estrategicamente distribuído em um “cinturão” viário que compreende as principais rodovias de acesso à capital federal.  Em todos os casos, os passageiros são identificados e conduzidos para unidades da Polícia Federal. 

Um ônibus apreendido em Santa Maria (DF), que seguia para Minas Gerais, tinha entre os passageiros dois policiais militares armados (um reformado e outro da ativa), que usaram spray de pimenta no interior do ônibus para causar tumulto.

Em outro caso, na mesma área, a vistoria encontrou estojos de bombas de gás lacrimogêneo já deflagradas, além de um cartão de acesso do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

 

Responsabilidade governamental

 

Anderson Torres e Ibaneis Rocha participaram da posse do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino Foto: Renato Alves/ Agência Brasília

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prisão de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, que comandava a Segurança Pública do Distrito Federal. Ele já foi exonerado da pasta, mas estava viajando para a Flórida (EUA), onde se encontra Bolsonaro, no momento dos atentados.

O governador Ibaneis Rocha (MDB) também foi afastado do cargo. O governador pode ser punido com impeachment e até ser preso. 

Policiais militares do Distrito Federal foram flagrados tirando selfies e até comprando água de coco durante os ataques golpistas em Brasília no domingo. As investigações ainda estão em andamento, mas esses agentes podem ser punidos com exoneração e até detenção, se for comprovado que infringiram regras do Código Militar.

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Bethlucida2
@Bethlucida2
Os nazistóides do Brasil!!!
 
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Frota 77
@77_frota
Deputado eleito Andre Fernandes divulgou o ato:
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Luiz Müller
@luizm
ATENÇÃO!! O corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Benedito Gonçalves, aceitou a denúncia para cassar os mandatos de: Eduardo Bolsonaro, Carla Zambelli, Bia Kicis, Gustavo Gayer, Nikolas Ferreira, Magno Malta e para prender o presidente Bolsonaro.
 
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Militar da reserva do Exército, Adriano Camargo Testoni estava acompanhado da esposa, Evelise Rodrigues, em atos terroristas na Esplanada.

"Forças Armadas filha da puta. Bando de generais filha da puta. Vanguardeiros de merda. Covardes. Olha aqui o que está acontecendo com a gente", grita Testoni 
04
Nov22

PRF e PGR poderão ser denunciados por prevaricação

Talis Andrade

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Atenção, personagens do jogo invasão do Capitólio: não escaparão da punição das leis, de um processo por prevaricação, quando Bolsonaro for apeado do poder

14
Jun22

DOSSIÊ INÉDITO MOSTRA COMO BOLSONARO CUMPRIU A PROMESSA DA ‘FOIÇADA NO PESCOÇO DA FUNAI

Talis Andrade

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Marcelo Xavier, da PF, Álvaro Simeão, da AGU, e o ruralista Nabhan Garcia são os responsáveis por colocar a Funai contra os povos indígenas que deveria proteger

 

20
Mai22

Na palavra "quaisquer" do artigo 53-CF cabe "qualquer coisa"?

Talis Andrade

 | Paixão/Gazeta do Povo

 

Por Lenio Luiz Streck /ConJur

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A literatura sempre chega antes. Num início até hoje singular, a obra O Mito de Sísifo articulou a ideia de que só existe apenas um problema filosoficamente sério: o suicídio. Se o mundo tem três dimensões e se o espírito tem 9 ou 12 categorias, são questões que vêm depois. Antes é preciso responder ao primeiro problema. Que não vale apenas para a vida e vale também para as instituições e para o Direito. O que proponho neste texto é refletir para além e a partir das reflexões de Camus: as instituições e o Direito podem cometer haraquiri?

As últimas semanas têm apresentado um esboço dessa crise. Há muita gente com boa-fé defendendo a imunidade absoluta de parlamentar, por causa da palavra "quaisquer" que consta no artigo 53 da Constituição. Muito bem. Os que defendem a imunidade absoluta de boa-fé pensam que amanhã a vítima pode ser a oposição. Não tiro as boas razões de quem assim pensa.

Porém, minha preocupação é com quem defende a imunidade absoluta porque "para este caso agora cai bem a defesa". Algo como "a liberdade é mais importante do que a vida" (sic). De todo modo, a isso chamo, em termos de teoria do direito, de textualismo ad hoc. E já escrevi muito sobre textualismo. E o que exsurge do artigo 53 não é uma pura colagem entre significante e significado. Tal "isomorfia" seria textualismo. Por exemplo: se um parlamentar fizer um pronunciamento incitando a matança de índios. De negros. Ou que se quebre a cabeça de juízes. Ou fizesse como em Ruanda durante a guerra civil, em que morreram oitocentas mil pessoas? Para que serve a imunidade?

 

Anarco-textualismo

 

Para responder às perguntas levantadas, antes desenvolvo aqui uma ideia que tratei em textos anteriores: as interpretações anarco-textualistas.

Por anarco-textualismo, leia-se a utilização ad hoc da pretensão universalizante de um determinado conceito que se confunde com o próprio texto. Em face disso e no contexto da primeira vez que foi utilizado (aqui), esse conceito traduz a ideia de que podem existir interpretações violadoras do próprio texto que buscam compreender. Exemplo: acreditar que as forças armadas poderiam ser chamadas a se insurgir contra algum dos Poderes da República a partir de uma interpretação "paradoxo-suicidal" do artigo 142 da Constituição. Veja-se que se o artigo 142 pudesse ser lido desse modo, a democracia estaria em risco a cada decisão do STF e bastaria uma desobediência de um dos demais poderes. A democracia dependeria dos militares e não do poder civil. Logo, por qual razão o poder emanaria do povo?

Para ser mais claro: o que é um paradoxo? É algo sobre o qual não podemos decidir. O mais famoso é o "Paradoxo de Epimênides": "Um cretense disse: 'todos os cretenses são mentirosos'". O apóstolo Paulo (Atos, 17), usando-o, disse: se este enunciado é verdadeiro, é falso, já que um cretense mentiroso o fez.

Com base numa atitude fundamentalmente paradoxal, leituras anarco-textualistas são aquelas que suplantam os sentidos a partir de uma interpretação que se insurge contra os próprios sentidos. É disto que se trata. Pretender alguma universalização a partir do caos. Na Constituição dos Estados Unidos, o paradoxo estaria na interpretação textualista pela qual se aceitaria a discriminação racial e, assim, não conceder a igualdade no famoso Brown v. Board of Education. Porque textualmente a lei e a Constituição permitiam a segregação, como dizia Adrian Vermeule (para detalhes, ler aqui). Antes que surjam mal-entendidos, remeto o leitor para os verbetes Literalidade e Voluntarismo, do meu Dicionário de Hermenêutica. Também para o texto "Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista?", facilmente encontrável no Google.

Nesse tipo de interpretação, é como se as palavras fossem apenas veículos de conceitos. Como se não houvesse uma metáfora entre significante e significado. Achar que um texto contém toda a norma e de antemão contém todos os sentidos é algo que, analogamente, pode-se chamar de "psicopatia interpretativa". Esta é a questão e isto é fundamental. Enquanto o voluntarismo é uma esquizofrenia (o sujeito sai atribuindo sentidos à torto e à direito), o anarco-textualismo é uma epistemo-psicopatia.

No anarco textualismo, dispensa-se o intérprete. E qualquer um pode interpretar. Afinal, o sentido está dado. Como no Medievo: o mito do dado. Esse é o ponto central do conceito. Por isso é que a ciência jurídica deveria se constituir em uma barreira contra a negação de que o Direito é um texto alográfico e não autográfico. A alografia dos textos jurídicos salva (ou deveria salvar) o Direito dos intérpretes ad hoc. Por que o Direito é alográfico[1] ? É porque ele sempre necessita da intermediação. A linguagem jurídica só funciona com essa (inter)mediação. Se uma lei diz que três pessoas disputarão uma cadeira no Senado (o exemplo é de Paulo de Barros Carvalho), um anarco-textualista poderá sustentar, com veemência, que três pessoas disputarão um móvel do Senado. Já um jurista deve(ria) saber que cadeira tem outro sentido… De fato, por vezes o textualismo é caricato.

Observe-se: na democracia não é proibido fazer sinonímias e/ou interpretações literais. É desejável que se cumpra a lei nos seus limites. O texto importa. Deixemos que ele diga algo..., mas não pensemos que o texto contém o todo do mundo. Portanto, o problema não é esse. O problema é aceitar o textualismo como um método. Se alguém o adotar, assume um compromisso. Para assim agir em todos os momentos. O que não pode fazer é escolher a hora em que quer ser textualista.

 

O açaismo jurídico e o haraquiri institucional

 

Antes de retornarmos ao busílis do artigo 53 e para além da aludida interpretação anarco-textualista do artigo 142 da CF, deixo apenas mais um exemplo para que o leitor possa assimilar a ideia. Veja-se o "caso Wal do Açaí". Suspeita de ser funcionária fantasma, assessora de Bolsonaro durante 15 anos e sem nunca ter ido a Brasília, Wal passou a ser representada pela AGU na ação de improbidade administrativa a que ela responde juntamente com o presidente. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal. E quem a defende? A AGU. É como se o gerente assaltasse o próprio banco e o banco pagasse (e bem) o seu causídico. A AGU comete um haraquiri institucional ao defender "Wal do Açaí". Trata-se, permito-me a ironia, de um "açaismo jurídico". Essa leitura anarco textualista destrói o sentido do que representa a própria AGU no contexto institucional. Aliás, repercutiu muito mal no meio da advocacia pública esse "açaismo".

Sigo. O anarco-textualismo é uma contradição em seus próprios termos. Sobre o artigo 53, nos Comentários à Constituição do Brasil (obra que ajudei a coordenar), Marcelo Cattoni e eu de certa forma antecipamos a insurgência interpretativa que defende a imunidade absoluta dos parlamentares. Cito na íntegra:

Quanto à expressão quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, reforça o entendimento de que a imunidade material abrange as esferas penal, cível e administrativa/política. Mas isso não quer dizer que possa invocar a prerrogativa o parlamentar que tenha feito pronunciamento — dentro ou fora do parlamento — em desconexão com o exercício do mandato legislativo. Ou seja, a imunidade somente deflui de atos praticados em decorrência da função parlamentar. Imunidade não é blindagem. Seria uma contradição que, em nome da democracia e da garantia da liberdade do exercício do mandato, viéssemos a entender que o parlamentar é uma pessoa acima da lei, podendo "dizer qualquer coisa" e invocar a proteção da expressão semântica "quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Também não bastará a simples invocação de estar proferindo determinadas opiniões "no exercício do mandato"[2].

Eis o ponto fulcral: a tese da imunidade absoluta promove um verdadeiro haraquiri institucional. Trata-se de uma contradição performativa. Não posso dizer "Estou morto". Assim como não há liberdade absoluta. Não fosse por nada, isso extinguiria os crimes contra a honra, dignidade etc. Mais: um discurso é sempre um ato de fala. Faz-se coisas com palavras...! Ao que se sabe, nenhum país do mundo descriminaliza esses delitos. Se a imunidade serve para proteger o mandato, o mandato não pode servir para acabar com a democracia. Logo, não há imunidade autodestrutiva. O mandato parlamentar não pode servir para destruir o seu suporte: a democracia parlamentar. Parece evidente isso, pois não?

 

Concluindo

 

Para os pretensos defensores de suicídios interpretativos (o haraquiri institucional), espero ter sido claro: o paradoxo não pode ser defendido enquanto tese uma vez que é a própria anti-teoria. Já para os descrentes na democracia e no Direito, relembro nosso papel: como juristas, não temos o direito de desistir do Direito. E para resumir, talvez precisemos carregar a virtude de Sísifo que foi condenado pelos deuses a cumprir um trabalho hercúleo.

Numa última palavra, o anarco-textualismo precisa ser combatido. Senão por convicção, pelo menos por necessidade.

Nenhum direito pode ser absoluto (inclusive o da imunidade parlamentar) e nenhuma interpretação pode pretender destruir as condições de possibilidade da sua própria existência.

No limite, a democracia não é um produto das instituições modernas, mas antes a sua matéria prima e é por isso que deve(ria) ser defendida contra o abuso dos poderes constituídos. A liberdade deriva da democracia e não contrário.

 

[1] O conceito é de Eros Grau, que tem relação com a relação "texto-norma" de Fr. Müller.

[2] CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Ferreira Gilmar; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz; LEONCY, Léo Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 1150.

15
Mai22

Dia sim, dia sim militares ameaçam golpe

Talis Andrade

 

 

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Lenio Luiz Streck no Twitter
 
 
Surpresa: por trás de Daniel Silveira tem uma coisa de nome “rachadinha”. Diz o MPF. Mas, sem problema: será indultado! “Bora” insultar o STF! Chama-se “liberdade de agressão”! E pedir AI-5. Em nome da democracia, é claro.
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Chinelagem: Zambelli quer anistia geral a condenados por atos antidemocráticos. Silveira na CCJ. O país virou um escracho. E 1-Maio teve novas manifestações golpistas. Até qdo? E pensar que a grande mídia colocou Bolsonaro lá! Mas ninguém é mãe da desgraça. Diz aí Cantanhede!
 
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Fui o autor do parecer da OAB (Com. Estud.Constitucionais) sobre o “indulto” de Bolsonaro. Na pesquisa, escapou-me a opinião de Pontes de Miranda (um desconhecido - sarcasmo!). Entre ele e os juristas bolsonarianos, fico com o velho. Gracias, Rui Espíndola. Não é ato de império.Image
 
Por que cobrar da grande mídia? Óbvio. Lembram do propinoduto? Diário? Não existiria toda essa desgraça sem Moro e a mídia (JN, Merval e cia). Corremos risco de golpe. Sim. E a mídia entrevista Moro. Sem nem tocar na decisão da ONU. Não aprendem. Gostam de alimentar crocodilos.
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Vou copiar o Thiago Brasil. Abaixo. Antes, digo: A ONU faz uma decisão história e Cantanhede e Merval entrevistam o pipoqueiro! O Brasil é uma fraude mesmo!
 
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O réu não se ajuda. 13 de maio: Moro cita Luís Gama. Tsk. Tsk. E tasca: “mais do que um presente do império…”. Ah, para com isso. Falso como terra plana. Moro citar Luis Gama é como Bolsonaro citar Rui Barbosa. Qdo não há do que falar, o melhor é calar, já disse Wittgenstein!
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Wal do Açaí “trabalhou” 15 anos como asses. parl. sem NUNCA ter estado em BSB. Vendia açaí. Processada junto com seu chefe (Bolsonaro), será defendida pela AGU. É como se o gerente assaltasse o próprio banco e o banco pagasse (e bem) seu causídico. Chama-se Açaismo jurídico!Image
 
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Espanha e Portugal passaram por longas ditaduras, que acabaram nos anos 70. Por lá ninguém pensa em questionar a democracia. Zero. E no Brasil os militares arrastam as correntes. Ameaçando com golpe. Dia sim, dia sim. Por lá, estariam presos esses insurretos institucionais.
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