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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

31
Jan24

Tradução de "Lula" de Fernando Morais revela biografia do presidente do Brasil na França

Talis Andrade

O primeiro volume da biografia “Lula” (Companhia das Letras, 2021), de Fernando Morais, está sendo lançado na França neste início de 2024, pouco mais de dois anos depois de sua publicação no Brasil. Ao contrário da versão em português, a tradução francesa, traz um subtítulo: “da luta sindical ao combate político”, e um prefácio assinado pelo ex-diretor do jornal “Le Monde Diplomatique”, Ignacio Ramonet

Fotomontagem com o escritor Fernando Morais e as capas dos seus livros em francês e português.Fotomontagem com o escritor Fernando Morais e as capas dos seus livros em francês e português. © Divulgação companhia das letras e ithaque
 

A biografia ”Lula”, traduzida por Ana de Staal e Gilles de Staal, chega às livrarias francesas pela editora “Ithaque”. O livro foi lançado na última sexta-feira (26) em Paris, na presença de Ignacio Ramonet, que assina o prefácio, e do sociólogo Michael Löwy, de origem brasileira. “Fernando Morais é um mestre da não-ficção. (...) E prova isso, mais uma vez, com essa magistral biografia de um dos maiores líderes progressistas da América Latina e do mundo”, escreve o ex-diretor do “Le Monde Diplomatique” na introdução da versão francesa.

Fernando Morais, que termina a redação do segundo volume da biografia “Lula”, não pôde vir à França para participar do lançamento, mas concedeu uma entrevista à RFI à distância sobre a publicação do livro em francês. Ele lembrou que vários de seus livros já foram publicados na França, onde tem “a sorte de ser bem tratado pela crítica”, mas acredita que o interesse por “Lula” no país será ainda maior.

“O livro está saindo no momento em que o presidente Lula readquire, sobretudo no panorama Internacional, um papel que o Brasil tinha perdido nos últimos 6 anos. Felizmente, volta agora com muita força e com uma coisa boa, sobretudo para nós, jornalistas, com posições polêmicas” do Lula em relação à Ucrânia ou ao conflito entre Israel e o Hamas, por exemplo, afirma. Fernando Morais completa dizendo que “muita gente quer saber que Lula é esse”.

Duas prisões

“Lula” é uma biografia, mas a narrativa não é linear. O autor escolheu começar pelo episódio da prisão de Lula, em 2018. Fernando Morais conhece o atual presidente da República há mais de 50 anos, desde o período de liderança sindical e das greves no ABC no final dos anos 1970 e final da Ditadura Militar no Brasil. Na época em que o livro foi lançado, em 2021, teve gente no Brasil que o acusou de querer influenciar a campanha eleitoral que começava.

O autor de “Chatô” e “Olga” reivindica a sua independência jornalística e autoral. Garante que Luiz Inácio Lula da Silva nunca tentou “nenhum tipo de censura”, e que “Lula” “é um livro tão honesto quanto os nove livros anteriores” dele.

“Eu cheguei à conclusão de que o melhor para traduzir para o leitor, não só o personagem, mas o Brasil, (era) pegar dois momentos fundamentais da vida do Lula, que são as duas prisões que ele sofreu, em dois momentos diferentes da vida política brasileira, por duas razões diferentes”, esclarece. A primeira prisão, em 1980, no final da Ditadura Militar, e a segunda agora, em um período democrático. “Isso é muito mais revelador e muito mais tentador. Começar com o juiz assinando a prisão dele e ele decidindo: ‘me entrego ou resisto?’”. 

Fernando Morais demorou cerca de 10 anos para acabar o primeiro volume e dá os últimos retoques no segundo volume, que deve chegar às livrarias brasileiras ainda em 2024. “O segundo, talvez, até desperte mais polêmica porque eu vou acompanhar toda a crise do golpe contra a Dilma do ponto de vista do Lula”, antecipa.

Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o título de Cidadão Honorário de Paris das mãos da prefeita Anne Hidalgo, na prefeitura da capital francesa. Acompanhado da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-ministro da Educação e candidato derrotado na eleição presidencial de 2018, Fernando Haddad, Lula defendeu as conquistas obtidas durante os anos do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder, “apesar de quaisquer erros”. O líder petista lembrou dos brasileiros mais “desfavorecidos” ao receber a honraria e não perdeu a oportunidade de atacar o juiz Sérgio Moro.

Luiz Inácio Lula da Silva, metalúrgico e filho de analfabetos que entrou na política pelo sindicalismo e ganhou fama mundial, que foi preso duas vezes e mantém tanto uma legião fiel de seguidores quanto uma forte rejeição, volta à Presidência do Brasil depois de uma campanha marcada pela polarização. Neste vídeo, a repórter Nathalia Passarinho relembra algumas das cenas mais marcantes da trajetória de Lula – início na política, eleições perdidas, chegada à Presidência, prisão pela Lava Jato e, agora, sua volta ao Palácio do Planalto.

28
Jan23

Antologia “Poesia intratável” revela produção poética contemporânea brasileira na França

Talis Andrade
 
 
 
 
A obra tradutória de Inês Oseki Dépré - YouTube
 
 
 
 

“Poésie intraitable” (Poesia intratável): este é o título da nova antologia da poesia contemporânea brasileira, que acaba de ser publicada na França pela editora Les Presses du Réel/Al Dante poesia, dirigida por Laurent Cauwet. A obra, bilingue, é organizada pela experiente Inês Oseki-Dépré, que também assina o prefácio e a tradução de todos os poemas que integram a seleção.

A antologia de poesia contemporânea apresenta ao público francês 33 poetas brasileiros, de várias regiões do Brasil, dos mais emblemáticos aos mais jovens, de João Cabral de Melo Neto a Lorena Martins, passando pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Paulo Leminski ou Arnaldo Antunes. O título intrigante de “Poesia intratável” foi a alternativa encontrada para passar ao leitor francês a ideia de “Poesia/risco”, que também indica o rabisco, de Augusto de Campos. “Nós procuramos uma palavra que tivesse o sentido de arriscar e, ao mesmo tempo, um traço. (...) ‘Poésie intraitable’ porque tem também o traço (trait em francês), o rabisco”, explica a tradutora.

Inês Oseki-Dépré incluiu em sua seleção vários poetas que já morreram porque considera “que a poesia contemporânea não é necessariamente a poesia de poeta vivo”. Ela ressalta que esses autores, que já faleceram há muito tempo como João Cabral, Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Paulo Leminski, “servem de referência, continuam sendo um modelo ou um antimodelo para os poetas que vêm a seguir”.

Grande presença de mulheres

A presença de poetas mulheres, principalmente mais jovens, é marcante na antologia, mas a paridade ainda não é total. A pouca visibilidade das mulheres na história da poesia influencia a produção das poetas atuais, acredita Inês Oseki-Dépré. “O poeta homem existe desde muito tempo, e eles constituíram uma espécie de memória, de reserva masculina, e, em geral, o poeta se refere a formas que foram trabalhadas por outros homens. As mulheres não têm essa memória”, analisa. A falta desse paradigma torna a escrita poética feminina “muito livre. Eu chamei de poesia performativa, quer dizer, uma poesia do real, uma poesia imediata”, descreve.

Uma característica comum a todos os poetas e poemas que integram a seleção seria a “poesia crítica, de resistência”. A tradutora lembra que começou a trabalhar nessa antologia em um momento crítico para o Brasil, depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Eu achei que a gente podia identificar a atitude deles como uma espécie de resistência, que não se manifesta na temática ou nas escolhas. É uma poesia de vamos continuar. Eu achei que devia fazer aparecer essas pessoas que continuam escrevendo, que continuam acreditando na poesia e na arte. E esse é o traço comum dessa antologia”, aponta Inês Oseki-Dépré.

A organizadora tentou “dar um panorama diferente do que se faz no Brasil em matéria de resistência à letargia, à morosidade ou ao desânimo. E em matéria de voz. Há muito muitos poetas que são promissores. É uma tentativa de dar apoio a poetas menos conhecidos para que eles continuem”. Duas poetas que integram a antologia serão em breve publicadas na França: Patricia Lavelle e Angélica Freitas que terão seus livros lançados em junho, pela mesma editora, Les Presse du Réel/Al Dante.

Como traduzir coisas intraduzíveis?

Inês Oseki-Dépré, nasceu em São Paulo e vive na França desde 1966. Ela foi professora da Universidade de Aix-en-Provence e, há anos, promove a literatura, e principalmente a poesia, brasileira e portuguesa. Ela assina várias traduções importantes de autores de referência como Fernando Pessoa, Lygia Fagundes Telles e Haroldo de Campos. Em 1999, ela recebeu o importante prêmio Roger Caillois pela tadução da obra “Galáxias” do poeta concretista. Mas fez várias traduções também do francês para o português, começando por “Escritos” de Jacques Lacan. “Quer dizer, eu comecei já com coisas difíceis”, salienta.

Ao ser questionada sobre seu método de tradução, ela responde com uma pergunta: “Como traduzir coisas intraduzíveis? Você tem que inventar o método, a maneira, tem de ficar muito próxima do texto. O Haroldo (de Campos) chama isso de isomórfico.” E quando não dá para traduzir, como na obra de Guimarães Rosa repleta de “brasileirismo, você tem que inventar”, explica. O objetivo é dar ao leitor, no caso francês, o mesmo prazer de leitura no texto original e para isso Inês Oseki-Dépré tenta entrar na cabeça do autor.

“A minha ideia era sempre querer tentar adivinhar o que o autor quis fazer, me colocar na cabeça dele, fazer uma espécie de imitação de como ele quis fazer. Assim, o método mimético que consiste a achar que eu estou na cabeça do autor, o que ele está querendo dizer, o que está querendo transmitir; se é inovador, se é cínico, se é brincadeira. É tentar me colocar no lugar da escrita original”, detalha

 

13
Jan23

Bolsonaro contribuiu para aumento dos 'piores instintos' no Brasil, diz ex-ministra da Justiça francesa

Talis Andrade

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A ex-ministra de Justiça francesa, Christiane Taubira, veio à RFI nesta quinta-feira (12) para falar de seu mais novo livro “Frivolités” (Frivolidades), editado pela Robert Laffont, e aceitou comentar a atual situação política no Brasil. “Durante quatro anos, Bolsonaro consolidou sua posição de extrema direita e (...) que resultou na situação atual”, disse a ex-ministra do governo socialista de François Hollande.

A análise sobre a situação brasileira atual não estava na pauta da entrevista de Christine Taubira. Ao ser questionada pela redação brasileira, a ex-ministra da Justiça francesa, que nasceu na Guiana Francesa, enfatizou que não gosta de falar de improviso, principalmente em se tratando de uma questão tão séria, mas aceitou falar em consideração ao povo brasileiro.

“Como guianense, sou vizinha do Brasil. Mas é claro que, como política, tenho uma visão que vai além da vizinhança geográfica e física. O Brasil é um grande país. É uma potência que faz parte daquilo a que chamamos de países emergentes. É um país que tem cada vez mais peso na cena internacional e, consequentemente, o mundo inteiro olha para o Brasil como uma democracia que enfrenta dificuldades”, afirmou.

Christiane Taubira, ex-minsitra da Justiça da França.
Christiane Taubira, ex-minsitra da Justiça da França. AP - Rafael Yaghobzadeh

 

 

A ex-ministra disse que, como muitas pessoas em todo o mundo, acompanhou “preocupada o mandato do Sr. Bolsonaro, que tem uma posição política de extrema direita”. Segundo Taubira, durante quatro anos, como presidente do Brasil, Bolsonaro "consolidou essa visão de extrema direita, de intolerância, exclusão, desprezo, racismo contra os povos indígenas e contra os negros, por exemplo, além da homofobia”, lembrou a ministra, que foi uma das responsáveis pela implementação na França do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2013. Ao agir assim, o ex-presidente do Brasil “contribuiu realmente para o aumento dos piores instintos, de pensamentos e atitudes de exclusão na sociedade brasileira. Infelizmente, isto surtiu efeito e resultou na situação atual”, analisa.

 

Novo governo Lula

A ex-candidata às eleições presidências francesas de 2002 e 2022 pelo Partido Radical de Esquerda, espera que o presidente Lula consiga conciliar de novo o Brasil. “Espero agora que a cultura da democracia se imponha novamente no Brasil, que as instituições, que parecem, apesar de tudo sólidas, se mantenham, e que este país volte a ser solidário e igualitário, porque foi isso que vimos nos dois mandatos anteriores do Sr. Lula.”

Christiane Taubira ressalta que “a preocupação do presidente Lula é de ajudar os mais vulneráveis, ajudar os mais pobres, promover a educação e, portanto, assegurar que a sociedade brasileira no seu conjunto possa melhorar”.



12
Jan23

Tradição de impunidade desde redemocratização levou ao caos de Brasília, diz historiadora francesa

Talis Andrade
 
Brasil inicia buscas por responsáveis de invasão a sedes dos Três Poderes
Brasil inicia buscas por responsáveis de invasão a sedes dos Três Poderes AP - Eraldo Peres

Para contextualizar e entender o ataque de militantes radicais bolsonaristas à Praça dos Três Poderes nesse domingo (8), a historiadora francesa Juliette Dumont, professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL) da Universidade Sorbonne Nouvelle de Paris, volta ao fim da Ditadura Militar. Ela ressalta a Lei da Anistia, essa “tradição de impunidade”, “esse pecado original da redemocratização”.

Segundo Juliette Dumont, a invasão de Brasília mostra “que essa impunidade leva ao caos e a uma anomia”.

A comparação com o ataque ao Capitólio por militantes trumpistas é pertinente, mas ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil houve “leniência” das forças de segurança, diz a professora do IHEAL. A exemplo de vários intelectuais e políticos brasileiros, a historiadora francesa pede que, desta vez, não haja anistia e que os responsáveis por esse ataque anunciado à democracia brasileira sejam punidos, com rigor.

“A questão é saber se o novo governo Lula vai poder realmente ter uma margem de manobra”, questiona a especialista em história do Brasil.

 

RFI: Qual é a sua reação após a invasão de militantes radicais bolsonaristas contra a Praça dos Três Poderes, em Brasília?

Juliette Dumont: É uma dupla reação. Primeiro o espanto diante de cenas totalmente alucinantes e, ao mesmo tempo, a sensação de que isso era muito previsível. Faz meses que, como historiadora, comentarista do que está acontecendo no Brasil, eu e meus colegas dizemos que um cenário como o do ataque ao Capitólio, nos Estados Unidos, era possível. Tudo o que aconteceu desde o dia 12 de dezembro, com a diplomação de Lula e as violências por parte de bolsonaristas em Brasília, que não foram punidas pela Polícia Militar, a tentativa de atentado no aeroporto de Brasília, a movimentação dos bolsonaristas em direção da capital, os acampamentos diante dos quartéis do Exército, tudo isso mostrava uma agitação muito forte.

Além disso, sabíamos, com as eleições e a margem muito curta com o que o Lula ganhou, as eleições também no Congresso e nos governos estaduais, que o bolsonarismo estava bem instalado. Então, claro, não foi uma surpresa, mas uma consternação. Uma tristeza imensa também de ver tamanho ataque às instituições da República brasileira como as destruições feitas ao patrimônio brasileiro, obras de artes, prédios de arquitetos famosos. Consternação, tristeza e também certa angústia com os dias e os meses que virão.

 

Quais são as responsabilidades do ex-presidente Bolsonaro e de outras personalidades por esse crime anunciado contra a democracia?

JD: Faz mais de um ano que o Jair Bolsonaro anunciava como presidente que se ele não ganhasse as eleições, ele iria contestar o resultado; que se ele não ganhasse, era prova de fraude. Essa retórica ele manteve quase o tempo todo, até o segundo turno das eleições. Esse discurso, que também foi respaldado por outros políticos, outros responsáveis nas redes sociais, criou realmente a crença nos militantes bolsonaristas de que as eleições foram fraudadas, assim como o Trump fez nos Estados Unidos. A primeira responsabilidade é sim de Jair Bolsonaro que, como presidente, nunca legitimou as instituições democráticas. Mas também penso no procurador-geral da República, Augusto Aras, que também tem uma responsabilidade forte porque, como procurador-geral, nunca tomou as providências necessárias contra as violências por parte dos bolsonaristas. Responsabilidade também de personalidades como Sérgio Moro, agora senador da República, que no início dessa tarde de domingo, ainda dizia que o novo governo estava mais preocupado em fazer repressão aos oponentes que a governar. Dizendo repressão aos oponentes, ele coloca essas manifestações, esses acampamentos e essa truculência, como normais, como democráticas.

A segunda responsabilidade, a meu ver, é essa leniência, uma palavra que volta muito (a ser usada) desde ontem. O fato de considerar que ataques à democracia, que seja nas redes sociais, na rua ou no Congresso, por parte de políticos, é uma coisa que banaliza totalmente os ataques à democracia. Há a responsabilidade da Polícia Militar, do governo do Distrito Federal, do secretário da Segurança Pública do governo do Distrito Federal. Ou houve negligência ou houve cumplicidade. Os vídeos de policiais militares que fazem selfies e não impedem os manifestantes, ou melhor, os terroristas, de entrar na Praça dos Três Poderes são muito reveladores do problema que existe com a Polícia Militar no Brasil. E é um problema que não é de hoje. Não é simplesmente o resultado de quatro anos de bolsonarismo, mas de uma impunidade que data desde a redemocratização e a falta de processos de condenação das ações da Polícia Militar durante a ditadura militar. Então é toda uma cultura também democrática, que não existe entre a maioria dos policiais militares, que também está em jogo aqui.

Quando muitas personalidades dizem que não deve ter anistia e que o Brasil tem de parar com essa tradição da anistia, eu acho muito justo, muito importante, porque tem uma tradição sim, de anistia, de impunidade. O que mostra a invasão de Brasília ontem é que essa impunidade leva ao caos e a uma anomia. Não se pode falar de um golpe de Estado. Não é uma ação muito bem organizada para tomar o poder, mas uma estratégia de caos e de acabar com a legitimação dos poderes e das instituições da democracia brasileira.

A historiadora Juliette Dumont
A historiadora Juliette Dumont RFI

 

Com essa estratégia de caos, se apostava numa ação do Exército Brasileiro. Como você analisa a posição do Exército Brasileiro nesse momento?

JD: Uma posição muito ambígua. Primeiro, porque há acampamentos em frente a prédios do Exército desde o segundo turno, sabemos muito bem que muitas personalidades, muitas pessoas do exército se beneficiaram dos quatro anos de bolsonarismo e que alguns pregavam uma intervenção do Exército, que agiram contra a democracia e o jogo das instituições. Então tem uma investigação que tem de ser feita e responsabilidades também têm de ser identificadas no Exército. O silêncio dos principais responsáveis do Exército desde ontem revela essa ambiguidade. Então eu acho que vai ter que observar de maneira muito fina o que vai acontecer e como o governo, o Executivo, mas também o Legislativo e o Poder Judiciário podem agir com o Exército, mas também contra o Exército. E o que vemos é a dificuldade do novo governo, que só tem uma semana, de não se confrontar de maneira direta tanto ao Exército como os acampamentos de bolsonaristas, com medo de que isso seja visto como revanchismo ou com o medo que isso possa gerar uma tentativa de desestabilização por parte de certas pessoas do Exército face ao novo governo.

 

Você lembrou a invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021. Essa comparação com a invasão ontem em Brasília continua pertinente?

JD: Sim, mesmo se há diferenças importantes, continua pertinente. Primeiro porque o próprio Jair Bolsonaro, quando houve a invasão do Capitólio, parabenizou o Trump e os que invadiram o Capitólio dizendo que era o povo que estava se expressando para retomar seus direitos. Ele nunca escondeu que se ele perdesse um cenário como a invasão do Capitólio, seria possível. E vemos isso. E vemos também os manifestantes, vândalos, terroristas que estão com uma “raiva de destruição”. As cenas que assistimos ontem foi isso, as de destruição de todos os símbolos.

Agora as diferenças. Primeiro que no Capitólio, as forças de segurança de segurança realmente resistiram. Não houve essa benevolência, essa leniência, das forças de segurança que observamos com a Polícia Militar do governo do Distrito Federal. Nos Estados Unidos, só foi o Capitólio que foi que foi atacado e não os três poderes ao mesmo tempo. E, para voltar nesse papel da Polícia Militar e o que há de diferente com os Estados Unidos, é realmente essa história da segurança pública no Brasil desde a redemocratização. Esse pecado original da redemocratização, de não ter apurado o funcionamento e a cultura da Polícia Militar e de instituições do Estado que reprimem e violentam o próprio povo. Então isso, a meu ver, é uma diferença muito grande entre o que aconteceu nos Estados Unidos e o que aconteceu ontem no Brasil.

 

Você falou que está preocupada, inquieta com o futuro. Quais os desdobramentos você vê dessa crise brasileira?

JD: A questão é saber se o novo governo vai poder realmente ter uma margem de manobra. Já falei da questão do Exército. Como é que o Exército vai ou não vai cumprir as diretivas do novo governo do presidente Lula? Assistimos ontem a uma união sagrada dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. Quanto tempo essa união sagrada vai perdurar? Sabemos que o Congresso, tanto o Senado como a Câmara dos Deputados, hoje tem uma maioria de deputados de direita, de extrema direita, ligada ao bolsonarismo. Como esses deputados e senadores vão se empenhar para realmente defender e fortalecer a democracia? Como esses deputados e senadores vão contribuir para reconstruir as instituições do Estado brasileiro que realmente foram muito enfraquecidas durante esses quatro anos do Bolsonaro?

Outra questão também é a questão da mídia, da grande mídia, que teve um papel importante desde 2013 e, sobretudo, a partir de 2016 e do impeachment contra Dilma Rousseff. Eu lembro de uma capa da Veja,  em novembro de 2017, com uma foto do Lula e do Bolsonaro dizendo “os políticos que nos assombram”. Esse paralelo feito sempre entre extrema direita e esquerda, de criminalização da esquerda, é o discurso que permanece tanto nas palavras, por exemplo, do Jair Bolsonaro no Twitter ontem, ou do Silas Malafaia, ou de alguém como o Sérgio Moro, mas também na grande mídia, dizendo bom, houve ataques de bolsonaristas, mas, por exemplo, o MST tem práticas de vandalismo, de ocupação, etc... Eu assisti as lives da Folha, da GloboNews, da CNN Brasil, e o que me chamou a atenção foi o fato de os jornalistas passarem rapidamente a chamar as pessoas que invadiram a Praça dos Três Poderes de terroristas e vândalos. Eu realmente espero que esse choque seja forte o suficiente para parar com essa narrativa equidistante entre extrema direita e esquerda, que é uma banalização de uma certa maneira da retórica da extrema direita.

Outra coisa vai ser a como os inquéritos, os julgamentos, as prisões que o presidente Lula prometeu, que o Flávio Dino também prometeu, que o Arthur Lira chamou de necessários, o Alexandre de Moraes também, como isso vai ser possível num estado que realmente está enfraquecido e num estado onde os partidários do Bolsonaro ainda são muito numerosos? E como o Lula vai conciliar o seu discurso de unidade e de pacificação da sociedade brasileira com uma necessária resposta muito firme e punitiva diante do que aconteceu? Os atos que aconteceram são muito graves. Cabe ao presidente Lula, ao seu governo, mas também aos outros poderes, manterem essa linha muito firme de não perdoar e não fazer a anistia tanto contra as pessoas que estavam na Praça dos Três Poderes como os responsáveis pela invasão. Responsáveis tanto intelectuais, vamos dizer, políticos, como as pessoas que financiaram a possibilidade dessa invasão.

14
Dez21

“A situação do Brasil é um exemplo da incerteza da democracia”, analisa Alain Rouquié

Talis Andrade

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Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.


Alain Rouquié, presidente da Casa da América Latina.
 © A. Brandão/ RFI

Alain Rouquié é um dos mais reconhecidos especialistas da América Latina na França. Em um novo livro, “L’Appel des Amériques” (O apelo das Américas, em tradução literal) ele faz um relato dos mais de 50 anos de suas pesquisas sobre a região. “A situação atual do Brasil é um exemplo da incerteza da democracia”, diz o cientista político e diplomata.

Alain Rouquié, de 82 anos, começou a se interessar pela América Latina em meados dos anos 1960. O atual presidente da Casa da América latina de Paris foi embaixador da França em El Salvador, México e Brasil e tem mais de 20 de livros sobre o subcontinente, entre eles o Brasil do século 21, publicado em 2006.

No “L’Appel des Amériques”, publicado pela editora Seuil, ele tenta responder a uma pergunta que sempre lhe fazem: Por que e como escolheu dedicar toda a atividade profissional, como cientista político e embaixador, à região que chama de extremo ocidente? Mas ele ressalta que não fez uma autobiografia.

“Não é um livro de memórias. Não gosto de contar a minha vida porque não é interessante. É um relato de aprendizagem”, diz. “Muito cedo, descobri que as sociedades que me atraíam não eram as sociedades fechadas, homogêneas. Ao contrário! Eram os mundos plurais, com coexistência cultural e étnica, como na América Latina", conta.

A região continua sendo objeto das reflexões de Alain Rouquié que faz, na segunda parte do livro, um balanço da situação atual. A democracia e seu oposto, a ditadura militar, e o desenvolvimento são questões centrais na região e no trabalho do cientista político latino-americanista. Desde sua primeira viagem à Argentina, nos anos 60 quando vários golpes de estado ocorreram, ele viu que “o papel dos militares era muito importante” e se dedicou a estudar “por que eles intervinham”.

 
«L'appel des Amériques», d'Alain Rouquié.
«L'appel des Amériques», d'Alain Rouquié. Éditions du Seuil

 

Democracia faz parte da cultura política latino-americana

Na américa Latina, “havia democracia antes de ter povo”, aponta Rouquié, lembrando do processo de independência dos vários países da região. “A democracia faz parte da cultura política latino-americana. Até os ditadores falam de democracia, de melhorar, de aperfeiçoar a democracia”, salienta.

“Mas a democracia é uma coisa muito complicada, sobretudo para os que pensam que têm o direito de ser dirigentes. A democracia é uma incerteza. Uma eleição séria, sem resultado incerto, não é democrática. Isso significa uma grande fragilidade”, afirma.

Para Rouquié, outro fator que fragiliza a democracia no subcontinente é a desigualdade.

“A América Latina é uma das regiões mais desiguais do mundo, e o crescimento das desigualdades vai contra a estabilidade democrática. Isso eu aprendi na América Latina”, diz, ressaltando, no entanto, que "a democracia está retrocedendo no mundo inteiro”.

 

Brasil

Alain Rouquié conhece muito bem o Brasil, onde foi embaixador de 2000 a 2003. O país é tema de um de seus livros: “O Brasil no século 21”, publicado pela editora Fayard em 2006. Segundo ele, a situação brasileira hoje “é um exemplo da incerteza da democracia, da incerteza que é a base do sistema eleitoral”.

“O que aconteceu no Brasil foi uma cruzada contra o PT porque o PT podia ganhar outra vez” resume o presidente da Casa da América Latina, analisando que o sistema eleitoral brasileiro, que não admite partidos majoritários e favorece a corrupção, também fragiliza a democracia no país.

19
Nov21

Peça francesa "Condor" expõe sequelas da ditadura brasileira

Talis Andrade
 
 A peça Condor, de Frédéric Vossier, dirigida por Anne Théron, interpretada por Frédéric Leidgens e Mireille Herbstmeyer, fica em cartaz até 28 de novembro no MC93 de Bobigny, na periferia de Paris.
A peça Condor, de Frédéric Vossier, dirigida por Anne Théron, interpretada por Frédéric Leidgens e Mireille Herbstmeyer, fica em cartaz até 28 de novembro no MC93 de Bobigny, na periferia de Paris. © Jean Louis Fernandez

A peça "Condor", em cartaz no teatro MC93 de Bobigny, na periferia de Paris, faz referência à operação criada em 1975 pelas ditaduras da América Latina para reprimir os opositores aos regimes militares. A campanha de repressão foi promovida por seis países, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Brasil, mas no texto francês ela é simbolizada por um diálogo entre uma irmã e um irmão que escolheram campos opostos durante a ditadura brasileira.

"Condor", do francês Frédéric Vossier, é dirigida por Anne Théron. Em cena, apenas dois atores. Mireille Herbstmeyer interpreta Anna, a ex-revolucionária, torturada, que 40 anos depois procura o irmão, que ficou do lado dos militares. Paul, o torturador, é interpretado por Frédéric Leidgens. A peça é um confronto intenso entre quatro paredes que faz ressurgir, no espaço de uma noite, lembranças de uma juventude comum e de um traumatismo impossível de esquecer. Para a diretora Anne Théron, Condor fala da resiliência de uma mulher atormentada.

"O que me interessou foi o percurso de uma mulher, a pequena história na grande História. Desde a primeira vez que o li, disse que era um pesadelo psíquico e político. O que me interessou foi a complexidade, a tensão dessa história. Somos como ela, que pergunta o tempo todo para o irmão: mas quem é você? E ele responde sempre: por que você veio? O que me interessou também foi que eu pensava, como a maioria dos franceses, que a operação Condor era a Argentina e o Chile. E descobri que ela aconteceu também no Brasil, e eu ignorava. Foi um mergulho no horror", explica.

A peça "Condor" é interpretada por Mireille Herbstmeyer e Frédéric Leidgens.
A peça "Condor" é interpretada por Mireille Herbstmeyer e Frédéric Leidgens. © Jean Louis Fernandez

A história se passa no presente, mas mistura realidade, delírios e lembranças antigas. O texto é repleto de não-ditos. A trama se revela aos poucos, de maneira fragmentada, e um espectador pouco familiarizado com o desenrolar dos fatos na América Latina pode ficar um pouco perdido. Mas a montagem e direção de Anne Théron, que utiliza com perspicácia efeitos sonoros e de vídeo, recria a atmosfera opressora dessa "noite de horror". A diretora escolheu um cenário que simboliza a reclusão. O apartamento do irmão Paul é representado por um bunker semidestruído e enterrado na areia.

"Nada é exótico ou folclórico, mas fundamental. Isto é, a luta de uma mulher para superar um traumatismo. Um confronto sobre uma visão de mundo radicalmente diferente. Não acho que isso faça referência unicamente ao Brasil. Mesmo no texto da peça, a personagem diz Brasil, Brasil, mas poderia ser em outro lugar. É uma história de tortura, de duas visões de mundo que se enfrentam, e o que é mais violento é que isso acontece na mesma família", diz Anne Théron.

 
A diretora da peça "Condor", Anne Théron.
A diretora da peça "Condor", Anne Théron. © Adriana Brandão/RFI

Dilma Rousseff

A atriz Mireille Herbstmeyer relaciona a personagem de Anna com o percurso da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff: “Faço parte de uma geração que conheceu o fluxo de refugiados políticos latino-americanos na França. Sem conhecer os detalhes da história, vi vários documentários como a conferência de Dilma Rousseff sobre essa espécie de reconciliação. Pensei muito nela. Em um momento dado, ela para de falar, e sentimos que ela é imbuída por alguma coisa. Um instante de verdade magnifico.  Foi interessante ver o testemunho das vítimas e dos torturadores."

Na peça, o personagem do irmão Paul diz que não fez mal a ninguém, que só queria que o mundo fosse melhor. O ator Frédéric Leidgens faz um paralelo com a atitude de criminosos nazistas: “Li há pouco tempo uma biografia um pouco romanceada sobre a vida do nazista Mengele (o médico nazista Josef Mengele que morreu em São Paulo sem nunca ter sido capturado e julgado) na Argentina e no Brasil. Ele consegue escapar, é isso é atroz. É uma imagem bastante justa deste tipo de criminoso, como Paul, que no fundo não reconhece nunca seus atos. A confissão é impossível. Não é para desculpá-los, mas esse tipo de gente não poderia continuar vivendo se reconhecessem o que fizeram.”

Anne Théron (centro), com os atores Frédéric Leidgens e Mireille Herbstmeyer.
Anne Théron (centro), com os atores Frédéric Leidgens e Mireille Herbstmeyer. © Adriana Brandão/RFI

A história se repete

O tema da peça Condor, que fala da polarização da sociedade latino-americana de 40 anos atrás, volta com força a atualidade não só no Brasil, mas em vários outros países. Essa repetição da história impressiona a diretora Anne Théron:

"É assustador a que ponto a história se repete. Vou dizer uma coisa de uma grande banalidade: não aprendemos nada! Repetimos os mesmos erros. É impressionante quando me propuseram esta peça para dirigir, foi antes das eleições no Brasil e no momento que comecei a montagem Bolsonaro foi eleito. Não sei como explicar, foi como um pesadelo. Me disse: não é possível", lembra a diretora.

A peça Condor, de Frédéric Vossier, dirigida por Anne Théron, fica em cartaz até 28 de novembro no MC93 de Bobigny, na periferia de Paris.

 
14
Jun21

Poema holandês do início do século 20 sobre elite brasileira vira samba na Europa

Talis Andrade

A sambista carioca Maíra Freitas, filha de Martinho da Vila, também assina a tradução da letra de "Despreocupados" para o português.

A sambista carioca Maíra Freitas, filha de Martinho da Vila, também assina a tradução da letra de "Despreocupados" para o português. © Mario Rocha

A música “Despreocupados” é interpretada pela brasileira Maíra Freitas e pela belga Eléonor. A letra é baseada no poema “Passageiros de Barcos Brasileiros” (“Braziliaanse Kust Passagiers”), do holandês Slauerhoff, escrita no início do século 20 e que retrata o comportamento da elite brasileira em um navio.

A música em ritmo de samba “Geen Van Allen Zorgen” foi lançada inicialmente no ano passado, em holandês, na Bélgica e na Holanda pela cantora Eléonor e pelo produtor e músico Gerry De Mol. Como o poema foi escrito e falava do Brasil, surgiu a ideia de fazer a versão brasileira. Jolan Huygens, empresário e filho da cantora belga Eléonor, assistiu a um show de Maíra Freitas durante uma temporada no Rio de Janeiro em 2018 e propôs o nome da carioca para essa parceria.

“O ritmo é um samba e pensamos que seria legal fazer alguma coisa junto com artistas brasileiros. Fiquei muito impressionado quando ouvi a Maíra pela primeira vez. Ela estava grávida, tinha uma energia incrível, cantou e tocou piano. Uma cantora maravilhosa. Achei que ela seria uma boa parceira e ela topou fazer a tradução do poema e cantar”, lembra o jovem belga, em um português afiado.

A versão brasileira, criada este ano para celebrar o Dia Internacional da Diversidade e do Diálogo Cultural (21 de maio), está disponível nas plataformas digitais desde o final de maio. O autor do poema original, Jan Jacob Slauerhoff (1898-1936), é um dos poetas holandeses mais importantes do início do século 20. Ele era médico a bordo de navios, admirador de Camões, e fez várias poesias sobre o Brasil, que ele conheceu. Apesar de ter sido escrito há quase um século, “Passageiros de Barcos Brasileiros” é muito atual.

Mesma elite há 500 anos

“O poema fala muito da aristocracia, da burguesia brasileira. É muito atual porque não evoluímos muito nesse sentido de branquitude. A elite hoje não é muito diferente, no século 19, 20. É a mesma há 500 anos, infelizmente”, avalia Maíra Freitas.

Ao fazer a tradução, a carioca fez algumas adaptações para tornar a letra de “Despreocupados” mais contemporânea e canta “esses senhores são ministros/ sempre os mesmos/ velhos golpistas/ tem gente de alta patente/ não tem quem se preocupe com nossa história”.

“Teve uma certa liberdade, claro. É poesia. Eles estão falando de senhores, de ministros — tinha essa palavra no original, e eu coloquei essa coisa dos golpistas que estão aqui até hoje. (...) Fazendo o que querem, ganhando seus dinheiros, arrancando nossas riquezas. Totalmente ‘despreocupados’ (risos) com nossa história, com quem trabalha, com os brasileiros que têm essa história incrível, miscigenada, que não é uma miscigenação boa, mas forçada”, explica. Ela garante que foi um desafio falar “dessa história complexa” justamente para que as pessoas parem e pensem sobre “esse caminho histórico”.

Filha de Martinho da Vila

Pianista de formação clássica, Maíra Freitas tem o samba no sangue. A filha de Martinho da Vila, já cantou e tocou com grandes nomes da música brasileira e agora participa dessa parceira com a belga Eléonor. A gravação foi feita à distância por causa da pandemia.  “Despreocupados” é um samba “fusion” que agrada à jovem cantora.

“Não vou dizer que um samba genuíno brasileiro. O samba é isso, um pouquinho de cada um. Ficou super gostoso de ouvir, de cantar, a melodia, o swing e colocar os instrumentos daqui. Colocaram o nosso tempero. É também o olhar belga, holandês do Brasil, da paisagem sonora brasileira. Tem um pouco da Bélgica/Holanda no ritmo, na melodia. Tem um pouco de brasileiro na melodia, na letra. Essa é a mágica, a beleza da canção”, acredita a sambista.

A percussão de “Despreocupados” é assinada pelos brasileiros Pedro Amparo e Pablo Carvalho. O single já integra algumas listas nas plataformas musicais e a receptividade, tanto na Bélgica quanto no Brasil, está sendo boa. Maíra Freitas e Jolan Huyhens não veem a hora da pandemia ser controlada no Brasil e as fronteiras da Europa reabrirem para viajantes brasileiros, para poder reunir no palco as cantoras carioca e belga interpretando a música.

 

07
Abr21

Anistia Internacional denuncia alta da violência policial no Brasil em meio à pandemia de Covid-19

Talis Andrade

A ONG Anistia Internacional publicou nesta quarta-feira, 7 de abril de 2021, seu relatório anual sobre a situação dos direitos humanos em 149 países.

A ONG Anistia Internacional publicou nesta quarta-feira, 7 de abril de 2021, seu relatório anual sobre a situação dos direitos humanos em 149 países

O relatório anual da Anistia Internacional publicando nesta quarta-feira (7), destaca as consequências da crise sanitária e das medidas adotadas pelos governos contra a pandemia para os direitos fundamentais. A situação brasileira, onde a atitude "negacionista" do presidente Jair Bolsonaro “só agravou” a crise, é denunciada pela ONG internacional de Direitos Humanos.

A gestão da pandemia foi um desafio para todos os países do mundo, mas a crise no Brasil “foi exacerbada pelas tensões persistentes entre Brasília e os governo estaduais, a ausência de um programa de ação claro e baseado em informações científicas sérias e falta de transparência das políticas públicas”, escreve a Anistia na abertura do capítulo dedicado à situação brasileira.

O Brasil se transformou em um dos epicentros da epidemia e a Covid-19 ampliou as desigualdades “históricas, estruturais e persistentes no país, agravando as crises econômica, política, sanitária e de saúde pública”. Entre os mais atingidos, estão as populações marginalizadas: moradores de favelas, povos indígenas, quilombolas, mulheres e pessoas LGBTI, ressalta relatório. Nem todos puderam se beneficiar a ajuda emergencial do governo, que se revelou “insuficiente e mal concebida”.

Os profissionais de saúde não receberam, segundo a ONG, a assistência necessária, e trabalharam “em condições difíceis e com contratos precários de trabalho”. Nas prisões, que vivem uma superpopulação sistémica, os presos não tiveram o direito à saúde garantido, e os estabelecimentos de vários estados registraram uma explosão de casos de Covid.

Uma das consequências indiretas das medidas restritivas adotadas para frear a propagação da epidemia foi o aumento da violência doméstica em vários países e o Brasil é um deles. Nos primeiros meses de 2020, os feminicídios tiveram alta em 14 dos 26 estados brasileiros em relação ao mesmo período de 2019, com destaque para o Acre, que registrou 400% a mais de crimes contra as mulheres.

 

Violência policial

A violência policial se intensificou no Brasil durante a pandemia de Covid-19, denuncia a Anistia. Ao menos 3.181 pessoas foram mortas no país entre janeiro e junho do ano passado por policiais, o que significa uma média de 17 pessoas por dia. Isso representa um aumento de 7,1% em relação ao mesmo período de 2019.

“Enquanto a população seguia a orientação de ficar em casa, as forças de ordem continuavam suas operações nas favelas, matando várias pessoas”, majoritariamente negras, informa o texto. “Muitos desses homicídios não foram investigados”. No Rio de Janeiro, essa violência policial atingiu um nível sem precedentes, com 741 assassinatos. Muitos governantes brasileiros continuam defendendo publicamente que “bandido bom, é bandido morto”, aponta o relatório.

Liberdade de expressão

Os ataques contra jornalistas e a mídia reduziram a liberdade de expressão no país. Entre janeiro e setembro do ano passado, 449 declarações contra o trabalho da imprensa foram feitas por integrantes do governo federal. “Esses ataques contribuem para intimidar e deslegitimar o trabalho jornalístico.

A hostilidade do governo, que visa também movimentos sociais e ONGs, reduz a participação da sociedade civil no debate público sobre políticas governamentais. O discurso do presidente Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, acusando “as instituições internacionais de fazerem uma campanha de desinformação sobre as queimadas na Amazônia”, é considerado um exemplo emblemático dessa atitude.

Por fim, o texto lembra a perigosa situação dos ativistas no Brasil, que está na terceira posição da lista dos países com o maior número de assassinatos de defensores do meio ambiente e dos direitos humanos. Entre outros casos, a Anistia aponta o assassinato há dois anos de Marielle Franco, até hoje não elucidado.

Pandemia instrumentalizada

O relatório 2021 da Anistia Internacional, que analisa a situação em 149 países, indica que em várias partes do mundo a Covid-19 foi instrumentalizada pelos dirigentes para intensificar a repressão dos direitos humanos.

A nova secretária-geral da ONG lançou um apelo para que “os sistemas que falharam sejam repensados e ajustados” para combater as desigualdades sistémicas vividas pelas minorias mundiais e reveladas pela pandemia.

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