A reportagem de Schirlei Alves resultou na sanção de um juiz e na aprovação de uma nova lei federal. Em vez de prêmios, ela recebeu pena de prisão por seu trabalho.
Temos duas notíciaspara compartilhar que são um forte soco no estômago de qualquer pessoa que se preocupe com os direitos das mulheres, a liberdade de imprensa e com um Judiciário que respeite a lei.
A primeira notícia é sobre uma grave injustiça: a corajosa jornalistaSchirlei Alvesfoi condenada em um tribunal deSanta Catarinaa um ano de prisão em regime aberto e R$ 400 mil em indenizações.
A perseguição à repórter Schirlei Alves
Schirlei é responsável por publicar noIntercept Brasiluma das reportagens mais importantes e impactantes de 2020, revelando a ultrajanterevitimização da influenciadora digitalMari Ferrerpelo advogado de defesa, promotor e juiz no julgamento do acusado de estupro. O réu foi absolvido apesar da alegação de Ferrer de que ela foi drogada e violada e das evidências que a corroboram.
Os mesmos homens, desde então, transformaram a vida da repórter que revelou tudo isso em um inferno. A rotina de Schirlei mudou, seu trabalho foi prejudicado, ela foi forçada a fechar seus perfis em redes sociais devido ao assédio sexista incessante e sua segurança física foi colocada em risco.
“Meu único desejo era expor a verdade e foi isso que fiz. Apesar do enorme custo pessoal e profissional, eu faria isso de novo hoje. Agora, espero que o sofrimento de Mari Ferrer e o meu possa levar a mudanças para que mais mulheres não tenham que passar por aquilo a que fomos submetidas. Nós merecemos o melhor”, afirma Schirlei Alves.
A intenção dos homens era inverter a narrativa sobre suas falhas profissionais, claramente demonstradas em um vídeo publicado pelo Intercept Brasil. Não faria mal para eles se também conseguissem intimidar jornalistas como Schirlei para que não fizessem mais reportagens.
A revelação causou um alvoroço nacional, protestos, processos disciplinares contra eles e naaprovação da Lei Mari Ferrer, que tem o objetivo de impedir que os absurdos do julgamento do caso se repitam em outros tribunais. Um impacto maior do que este para o jornalismo é difícil de alcançar.
A condenação de Schirlei proferida pela juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, lembra a época da ditadura e é totalmente infundada, repleta de falhas processuais e extremamente desproporcional. Studer foi a única juíza disposta a aceitar o caso apresentado por seus colegas na vara, depois que muitos outros se recusaram devido ao conflito aparente. Nossas moções para transferir o caso para um fórum neutro foram negadas.
A ”honra” de um promotor e de um juiz vale um total de R$ 400 mil e um ano de prisão em regime aberto. Especialistas jurídicos consultados pelo Intercept Brasil concordam unanimemente que essa decisão vingativa não tem precedentes.
De acordo com Rafael Fagundes, advogado do Intercept Brasil, “a sentença ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal. Além disso, a sentença cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema. Incapaz de esconder preocupações corporativistas, essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário.” (Continua)
O diretor-geral da PRF Silvinei Vasques é alvo de inquérito do MPF por interferir na eleição. Foto Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agencia Brasil
Investigado por facilitar bloqueios de estradas, Silvinei Vasques já foi alvo de processos por propina, ameaça de morte, espancamento, abuso de autoridade e prejuízo à União
Por Marcelo Menna Barreto / Extra Classe
O inspetor e diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques, coleciona polêmicas dentro da corporação na qual ele ingressou em 1995 e comanda desde abril de 2021.
Além dos crimes eleitorais – retenção de eleitores no Nordeste e a operação “corpo-mole” que favoreceu os bloqueios de estradas em todo o país desde segunda-feira, 1º –, Vasques já respondeu a oito processos disciplinares e teve uma condenação por agressão.
Na quarta-feira, 2, o MPF requisitou a instauração de inquérito policial para investigar as condutas adotadas pelo diretor-geral da PRF no dia da eleição de segundo turno, em 30 de outubro.
Devido à operação do órgão que parou ônibus com eleitores nas estradas, ele é investigado por “má conduta” na gestão da PRF e possível desvio de finalidade que teria visado “interferir no processo eleitoral”.
O ministro Alexandre de Moares, que ordenou a investigação, determinou multa de R$ 100 mil por hora e de caráter pessoal para Vasques a partir do dia 1º, além da possibilidade de afastamento e prisão em flagrante por crime de desobediência.
Silvinei também é alvo do STF por suspeita de “omissão e inércia” em relação aos bloqueios de rodovias que começaram na noite de domingo por grupos de extrema-direita inconformados com o resultado da eleição. A PRF não agiu para conter a desordem e pediu autorização ao judiciário para fazer uma operação que é de suas atribuições e autonomia.
Silvinei e o sigilo de cem anos
Antes disso, o policial rodoviário já tinha sua ficha corrida entre a série de documentos sob proteção de 100 anos de sigilo decretadas pelo governo que deixa o Palácio do Planalto em janeiro de 2023.
Próximo do filho01do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ), Vasques se tornou diretor-geral da PRF com a ascensão de Anderson Torres ao cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública.
Ele já chegou para o comando da PRF com oito processos disciplinares contra ele na instituição. Sob a proteção dos Bolsonaro, no entanto, nada aconteceu ao agente. Apenas um processo acabou em punição, o do espancamento de um frentista de posto de gasolina. A PRF decretou o sigilo dos casos em 2021.
Todas as solicitações de dados a respeito feitas via Lei de Acesso à Informação por veículos de imprensa foram rejeitadas por Anderson Torres.
Propina e ameaça: “tiro na testa”
Natural de Ivaiporã, Paraná, Silvinei Vasques, que entrou em 1995 na PRF, chegou a ser investigado em 1997, quando ainda cumpria o período de estágio probatório da carreira pública federal.
A acusação: cobrança de propinas de uma empresa de guincho interessada em trabalhar nas rodovias federais da região de Joinville (SC) e ameaça de morte.
No inquérito, consta do relato de uma das vítimas a ameaçada de morte “com um tiro na testa”.
A investigação se arrastou por oito anos. O MPF ofereceu a denúncia em 2009. A Justiça Federal levou dois anos para se manifestar e só o fez em 2011, para informar que os crimes de Vasques estavam prescritos.
Lesão corporal e abuso de autoridade
No ano 2000, quando era apenas um agente rodoviário, Vasques respondeu a uma ação criminal por lesão corporal e abuso de autoridade na cidade de Cristalina, interior de Goiás.
No dia 17 de outubro daquele ano, Vasques estacionou a viatura da PRF em um posto de combustíveis para abastecer e mandou que o frentista lavasse o veículo.
O funcionário do posto de gasolina informou que o estabelecimento não trabalhava com lavagem de veículos. A negativa desencadeou um ataque de fúria do agente, que espancou o frentista Gabriel Rezende a socos e chutes.
Vasques foi processado e perdeu. O governo federal foi obrigado a pagar uma indenização de R$ 71 mil de indenização à vítima das agressões. A Corregedoria da PRF pediu a exclusão do agente do serviço público, mas o crime já estava prescrito.
Desde 2017, a Advocacia-Geral da União (AGU) tenta cobrar de Vasques o ressarcimento da indenização paga ao frentista agredido.
Os valores corrigidos somam R$ 99 mil. A cobrança tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), mas não avança desde 2019.
O Ministério da Justiça também pediu a expulsão do policial da corporação por causa do não pagamento, mas ele foi beneficiado pela prescrição e ainda ganhou um prêmio ao ser promovido a diretor-geral por indicação do senador Flávio Bolsonaro.
PRF tem extrapolado competências e violência
Em maio, agentes da PRE torturaram e mataram por asfixia, com gás lacrimogêneo, Genivaldo dos Santos, em Sergipe
A PRF é uma polícia ostensiva e não tem competência para investigação de crimes. Apesar disso, no governo Bolsonaro a corporação registrou investimento em inteligência com a compra de softwares de rastreamento, identificação e interceptação de números de celulares, ações que dependem de autorização judicial.
Entre 2019 e o último mês de junho, policiais rodoviários prenderam 1.226 pessoas em cidades onde não há estradas federais. Só este ano, já somam 52 mortes resultantes de violência policial em ações com participação direta ou indireta da PRF.
Em junho, uma operação conjunta da PRF com Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro naVila Cruzeiro, resultou na morte de 23 pessoas.
Em outubro de 2021, a PRF realizou uma operação contra uma quadrilha de assaltantes de banco em Varginha (MG). Ao final, 26 homens envolvidos acabaram mortos. Entre eles, vítimas desarmadas e outros que estavam dormindo.
A ação da PRF partiu de uma escuta clandestina no celular de um suspeito. Ao perceber as irregularidades promovidas, a própria superintendência da Polícia Federal (PF) em Minas Gerais decidiu abandonar a investigação. No entanto, os filhos do presidente Bolsonaro, Flávio e Eduardo (PL/SP) usaram suas redes sociais para parabenizar os policiais rodoviários e comemorar o trabalho.
Na gestão de Vasques, ainda foram registrados a morte de Gevanildo de Jesus Santos. Com problemas mentais, ele tentou resistir a uma abordagem da PRF em Umbaúba (SE) em maio passado e acabou morrendo após ter sido submetido à tortura. Os policiais imobilizaram a vítima com spray de pimenta e trancaram no porta-malas de uma viatura onde jogaram bombas de gás lacrimogêneo.
Crime de racismo. Abuso de poder. Atentado ao pudor. Falta de decoro parlamentar. Gíria miliciana. Ameaça de morte. Violência contra morador de rua negro, pobre e desarmado
247- A deputada federal reeleita por São Paulo Carla Zambelli, apoiadora de Jair Bolsonaro, sacou uma arma e apontou para um homem na rua na tarde deste sábado (29), véspera do segundo turno da eleição.
O episódio aconteceu na travessa da Joaquim Eugênio Lima com a Lorena, no bairro nobre Jardins, segundo Antonio Neto, do PDT, que divulgou um vídeo da cena no Twitter (veja abaixo).
No vídeo, ela segue o homem por uma distância, que foge e entra num bar. Ela entra atrás e ordena aos gritos: “Deita no chão! Deita no chão!”. “Quer me matar para quê, mano?”, pergunta o homem.
Segundo o jornal O Globo, Zambelli afirmou que "militantes de Lula" a "cercaram e agrediram quando saía do restaurante". As imagens, no entanto, não mostram agressão, e sim Zambelli correndo - e caindo enquanto corria - atrás de um homem negro. Outro vídeo mostra um homem que acompanha Zambelli também correr e atirar - não é possível identificar em qual direção.
Leandro Grass, candidato ao governo do Distrito Federal pelo PV, já anunciou que vai pedir a cassação do mandato da deputada. "Estou preparando o pedido de cassação da Zambelli. Assim que protocolar, enviarei aqui", postou no Twitter.
ДRiКА✜⁷
a fanfiqueira da carla zambelli caindo sozinha e depois botando os cães de guarda dela pra cima da pessoa
@drickaos
"um homem negro"
Quote Tweet
CHOQUEI
@choquei
AGORA: Bolsonarista Carla Zambelli se pronuncia após sacar a arma para petista: “Um homem negro veio pra cima de mim. Me machucaram. Me chamaram de vagabunda e de prostituta. #Eleições2022
Ignorância, brutalidade, covardia, Cabo Théo do Iscac agride cabo eleitoral. Reprodução de Vídeo
PM Leonardo Lúcio Morais registrado no TRE como Cabo Théo do Iscac foi flagrado pelas câmeras de segurança dando pontapés no garoto com uma arma na mão
O candidato bolsonarista a deputado estadual,Leonardo Lúcio Morais, registrado noTRE-MGcomoCabo Théo do Iscac(PTB), foi flagrado por uma câmera de segurança agredindo e ameaçando um adolescente que era seu cabo eleitoral com uma arma em punho, emSanta Luzia(MG).
Enquanto agredia o adolescente, o candidato gritava: “Pega minha bandeira, pega minha bandeira, coloca no lugar!”. O menino tenta se defender e grita: “Me desculpa, Me desculpa”, mas continua a ser agredido. As agressões prosseguem e já do lado de fora do bar, o candidato segue chutando o adolescente na frente de um carro e uma moto, enquanto a vítima se esquiva e caminha com a bandeira na mão.
O aposentado de 68 anos que aparece em um vídeo sendo agredido por um policial militar em Ribeirão Preto (SP) disse nesta quinta-feira (8) que se aproximou do agente para questionar a abordagem (tortura) contra um adolescente, detido por ser favelado, pobre e negro.
Eles podem pegar o menor e abordar ele, pôr na viatura e trazer para a delegacia, mas fazer o que eles estavam fazendo, batendo a cabeça na parede, eu acho que não é certo. Eu fui falar com o policial. Só que não deu nem tempo”, diz Luiz Custódio da Silva.
As imagens mostram Silva se aproximando do policial. O idoso fala alguma coisa. O agente empurra o morador, que encosta no braço dele e faz um gesto de defesa. Em seguida, o policial dá um violento murro no rosto do homem, que cai no asfalto e fica imóvel.
Eu não lembro disso [de ter discutido com o policial]. Não tenho lembrança de ter discutido com ninguém. A única coisa que eu lembro foi do braço. A hora que eu levantei o braço eu tomei o soco e já caí no chão”, afirma.
Após a queda no asfalto, Silva foi levado, desmaiado, a uma unidade de pronto atendimento (UPA). Ele recebeu pontos e sofreu hematomas, principalmente do lado direito da cabeça e do rosto. Essa agressão as autoridades policiais chamam de simples tapa no rosto. Que seja. Apanhar na cara é desonroso em qualquer idade. É mais degradante humilhação, quando o gesto do idoso foi de proteção, de fraternidade, de muita coragem por pedir ou reclamar de um brutal pm.
É mais um caso da covardia e da brutalidade da polícia. Da polícia que tortura e humilha idosos e adolescentes. Da polícia que mata nas chacinas quando sobe uma favela. Nas ruas do povo faz assim:
O idoso fez o certo, tentando socorrer um menino da fúria assassina da soldadesca de sempre.
O pedido de vistas – ou de adiar para “perder de vistas” – do ministro André Mendonça para o “pacote” de recursos com que Jair Bolsonaro e outros bolsonaristas acusados defakenews,abusos funcionais e atos antidemocráticos é só uma desnecessária prova de que não há qualquer possibilidade de um “acordão” para tentar pacificar as relações entre Executivo e Legislativo até a realização de eleições.
Salvo se – e ainda há ministros que não se convenceram de que é exatamente assim – o Judiciário abdicar de seus poderes e aceitar ficar como tutelado, verdadeiro “puxadinho” do Palácio do Planalto, é impossível entendimento com que faz do crime político o seu método de atuação.
Pelo STF, nada mais acontece até o dois de outubro, e não só porque os seus terrivelmente submissos indicados – André Mendonça e Kássio Nunes Marques são figuras sobre as quais, se alguma dúvida pairar, não será a de sobre seu comportamento obediente aos interesses presidenciais.
O foco, agora, é o Tribunal Superior Eleitoral, onde não se vislumbra uma situação em que algum ministro, ao menos abertamente, preste-se ao papel dewatch dogdo Planalto e onde os ritos, ao tratar-se de campanha eleitoral, são muito mais sumários.
É por isso que não se deve esperar qualquer moderação do bolsonarismo, entulhando o TSE de reclamações contra a campanha de Lula, como forma de inibir que a oposição possa haver-se livremente na campanha e usando a recusa de providência em tal ou qual ação como justificativa a que não se aja em outra, muito maior e evidentemente transgressora.
A única forma de minimamente conter o avanço das agressões bolsonaristas é, portanto, que a campanha de Lula se inicie com muita prudência em relação às críticas – portanto ninguém se espante se ela começar com as história de progresso de pessoas e comunidades nos governos do petista, para poder ir logo testando a disposição do Tribunal em conceder “direito de resposta” aos ataques que, apesar dos pedidos dos marqueteiros, virão logo nos programas inaugurais de Bolsonaro.
A conversa de que Bolsonaro estaria pretendendo “paz nas eleições” é fiada e mal fiada, porque já vai começar com um teatro de comoção da tropa, revivendo o episodio da facada em Juiz de Fora.
A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que a operação na Vila Cruzeiro tinha como objetivo capturar os líderes da organização criminosa Comando Vermelho.AP - Bruna Prado
A operação policial que deixou mais de 20 mortos na terça-feira (24) em uma favela do Rio de Janeiro repercutiu na imprensa internacional. Os jornais e sites de emissoras de televisão relatam a indignação da população após o episódio e chamam a atenção para a violência da polícia no Brasil.
A incursão policial contra o tráfico de drogas na Vila Cruzeiro foi destaque em vários países. Antes mesmo do saldo definitivo de vítimas fatais ter sido divulgado,o jornal britânicoThe Guardian informavaque “o número de mortos coloca o incidente entre as operações policiais mais mortíferas da história recente do Rio de Janeiro”. O diário também lembra que o episódio acontece um ano depois de outra operação letal, na favela do Jacarezinho, quando 28 pessoas foram mortas, “provocando denúncias de abuso e execuções sumárias”.
A operação na Vila Cruzeiro “provocou indignação e protestos entre os moradores, que disseram se sentir aterrorizados e presos em sua comunidade, e levou a pedidos de uma investigação independente de organizações de direitos humanos e funcionários das Nações Unidas”,relata o canal de televisãoAl Jazeeraem seu site. A emissora lembra ainda que a Vila Cruzeiro já havia sido palco de confrontos violentos em fevereiro, quando a polícia matou oito pessoas.
Segundo a Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro, a operação, que durou cerca de 12 horas e provocou o fechamento de escolas e de outros serviços públicos, tinha como objetivo capturar os líderes da organização criminosa Comando Vermelho. “Os policiais militares, que frequentemente realizam esse tipo de operação matinal nas favelas do Rio contra traficantes de drogas, afirmam terem sido recebidos a tiros’”,relata o canal de televisão francêsBFMem seu site. Mas a emissora pondera essa informação, ressaltando que durante essas operações violentas realizadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, “moradores e ativistas costumam denunciar abusos e execuções extrajudiciais de suspeitos, em atos que, na maioria das vezes, ficam impunes”.
The Guardianlembra que, no início deste ano, a Suprema Corte do Brasil estabeleceu uma série de condições para a polícia realizar batidas nas favelas do Rio, “para reduzir assassinatos cometidos por policiais e violações de direitos humanos”. O diário britânico explica ainda que “o tribunal decidiu que a força letal deve ser usada apenas em situações em que todos os outros meios tenham sido esgotados e quando necessário para proteger a vida, e deu à polícia 180 dias para instalar dispositivos de gravação de áudio e vídeo em seus uniformes e veículos”.
Bolsonaro parabenizou a Polícia Rodoviária Federal pela chacina na Vila Cruzeiro, no antigo Quilombo da Penha. Chamou os homicidas de heróis, no Rio de Janeiro.
Quatro agentes da PRF torturaram e assassinaram Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba, Sergipe. Lula e Alckmin pediram justiça. Bolsonaro ficou calado.
Desgostosos por serem citados em reportagens, juízes e desembargadores contam com colegas para ganhar processos contra jornalistas e censurar a imprensa.Ilustração: Amanda Miranda para o Intercept Brasil
Levou menos de um mês para o desembargador Erivan Lopes, então presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, levar a melhor num acordo contra três jornalistas em 2016. Ele se irritou com uma reportagem que dizia que sua filha, servidora do Judiciário piauiense desde 2011, tinha sido favorecida com uma transferência para exercer cargo com gratificação no Tribunal de Justiça do Maranhão, antes de cumprir os três anos de estágio probatório.
O magistrado ganhou quase R$ 16 mil de indenização por difamação, e a reportagem foi excluída dos sites em que foi publicada. Alguns veículos que replicaram a matériatambém publicaram retratação. Já os jornalistas tiveram que pedir desculpas na audiência e publicar um texto admitindo que erraram como parte do acordo, embora não haja o reconhecimento judicial de que a difamação ocorreu de fato. O resultado da audiência também foi rapidamente anunciado no site do tribunal, sob o título “Jornalistas que difamaram presidente do TJ-PI vão pagar indenizações”. Profissionais da imprensa do estado que leram aquele texto entenderam o recado: não mexam com o desembargador Lopes.
Três anos depois, contudo, o jornalista Arimatéia Azevedo mexeu com o magistrado. Ele cobre a política e a polícia do Piauí há cinco décadas e, em julho de 2019, teve acesso a informações exclusivas sobre umadenúncia feita ao CNJpelo Ministério Público do Piauí. O desembargador Lopes havia sido acusado de comprar um terreno sem documentos e depois usar da sua influência para legalizar a terra – a tradicional grilagem. Azevedo publicou reportagens e notas sobre o caso no seu site, o Portal AZ, e em uma coluna que mantinha no Jornal O Dia, do Piauí. Não deu outra – o jornalista foi processado por Lopes. Embora não haja uma relação direta entre o que aconteceu nos anos seguintes, chama atenção que após contrariar o desembargador, Azevedo tenha passado a sofrer censura na sua atividade profissional e a enfrentar uma série de outras denúncias que culminaram em processos por estelionato e extorsão e em mandados de prisão em 2020, 2021 e 2022.
Em resposta aos questionamentos enviados ao desembargador, eleafirmaque tem “apreço e respeito à liberdade de imprensa”, e reconhece a sua importância para a democracia. Mas, “como qualquer outro direito protegido pela Constituição, a liberdade de expressão encontra limites, de modo a não ofender o direito à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem das pessoas”. O magistrado diz, ainda, que busca inibir os ataques contra a sua honra “com o amparo das normas legais”.
De norte a sul do país, magistrados têm interferido na liberdade de imprensa e ganhado um bom dinheiro com isso. Mapeei uma série de casos em que membros do judiciário seguiram o exemplo do desembargador Lopes: desgostosos com o que leem, apelam a colegas de profissão para calar jornalistas. Na maioria das situações, há também pedidos de indenização que chegam a milhares de reais, extrapolando os valores cobrados em ações do mesmo tipo, mas que não têm a imprensa como alvo. Com dívidas judiciais, a sobrevivência financeira – principalmente de profissionais independentes ou de pequenos veículos de comunicação – é dificultada.
Conseguir informações oficiais sobre esses processos não é tarefa fácil. Pedi a todos os estados brasileiros, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre ações de magistrados contra jornalistas porcalúnia,injúriaedifamaçãomovidas entre 2010 e 2020, mas só os fóruns do Amapá e de Roraima me responderam no prazo legal de 20 dias. Para chegar aos casos que cito nesta reportagem, contei com levantamentos feitos pela Associação Brasileira de Jurimetria, a ABJ, pela Associação Brasileira de Jornalismo, a Abraji, e pela ONG Repórteres Sem Fronteiras, além de notícias divulgadas pela imprensa.
Todos os processos têm em comum o uso da justiça para censurar, intimidar e prejudicar financeiramente jornalistas ou veículos. Como são ações movidas por magistrados e julgadas entre colegas de tribunal, o corporativismo exerce forte influência nas decisões.
Nove anos de prisão
O inferno judicial vivido por Azevedo começou depois que o desembargador Lopes apresentou uma queixa-crime contra o jornalista em julho de 2019. Incomodado com as reportagens publicadas no Portal AZ sobre a denúncia de grilagem de terras, o magistrado concluiu que Azevedo tinha a intenção de ofendê-lo moralmente por meio de “sistemática campanha difamatória” e o acusou de calúnia, injúria e difamação. O desembargador também pediu uma indenização por danos morais, que deveria ser determinada pela justiça.
Por e-mail, Lopes me disse que o jornalista, “aproveitando-se da vulnerabilidade da minha imagem perante a opinião pública”, colocou em prática a sua “pistolagem digital” para o ofender agressivamente com “insultos e adjetivações degradantes até publicações mentirosas e caluniosas que abalaram minha honra e saúde” – diferentemente, a seu ver, dos demais jornalistas e órgãos de imprensa, que apenas noticiavam os fatos relacionados à reclamação disciplinar a que o magistrado respondia no CNJ.
O processo movido pelo magistrado ainda estava em andamento quando a denúncia contra ele no CNJfoi arquivada, em setembro de 2019, e o jornalista repercutiu a informação. Por e-mail, Lopes me disse que as reportagens reiteravam “as ofensas criminosas”. Por conta disso, alegando “fatos novos”, o desembargador fez pedidos mais extremos à justiça. Ele queria que Azevedo fosse proibido de escrever reportagens envolvendo seu nome e que fossem retiradas do Portal AZ todas as notícias que o citavam. Em caso de descumprimento, o magistrado pedia uma multa de R$ 50 mil por matéria e, “sendo necessário”, a prisão preventiva do jornalista.
Liberdade de expressão pode ser censurada quando há excessos e abusos’.
Foram necessários apenas dois meses para que o juiz Almir Abib Tajra Filho, da 8ª Vara Criminal de Teresina, considerasse que os pedidos de Lopes eram apropriados e concedesse uma liminar, em dezembro de 2019, que obrigava Azevedo a cumprir a ordem judicial em 24 horas, sob risco de ser preso. Para Tajra Filho, a “liberdade de expressão pode ser censurada quando há excessos e abusos”. Em março de 2021, o processo foi concluído em primeira instância, com a condenação do jornalista a três anos de prisão pelos três crimes de que foi acusado. Ele recorreu e ainda aguarda decisão em segunda instância. Tajra Filho não respondeu aos meus questionamentos sobre o caso.
Antes dessa sentença, Azevedo já tinha sido preso em junho de 2020, devido a uma denúncia de extorsão. Ele foi acusado de cobrar R$ 20 mil para retirar do ar uma reportagem sobre o erro médico de um cirurgião, que havia esquecido a gaze dentro de uma paciente. O inquérito sobre esse caso foi instaurado no dia 5 de junho pelo Grupo de Repressão ao Crime Organizado, o Greco, e andou rápido. No dia 11, policiais entraram na casa do jornalista para cumprir um mandado de prisão preventiva e apreender seus celulares. Curiosamente, algum tempo depois dessa operação, a imprensa passou a receber vazamentos de informações que só estavam nesses aparelhos, inclusive contatos da lista telefônica de Azevedo.
O mandado de prisão preventiva foi expedido pelo juiz Valdemir Ferreira Santos, da Central de Inquéritos. Ele também proibiu o jornalista de publicar matérias que citassem o médico, o Greco ou qualquer um dos policiais da unidade. Entre abril de 2020 e março deste ano, o magistrado exerceu uma função da confiança do desembargador Lopes, que era o corregedor do Tribunal Regional Eleitoral do Piauí – Santos foi seu juiz auxiliar.
Por e-mail, o magistradoalegouque, por lei, é proibido de se manifestar sobre processos em andamento, mas destacou que “em todos os referidos procedimentos, não se investiga o exercício constitucional do direito fundamental da liberdade de expressão, e sim a suposta prática de delitos graves de extorsão”.
Azevedo tem 69 anos e, à época, sequer conseguiu da justiça estadualo direito de cumprir prisão domiciliar, mesmo sem ter sido condenado nesse caso e com a recomendação do CNJ para que os magistradosreavaliassema situação dos idosos em prisão provisória por conta da pandemia. A decisão só foi revertida cinco meses depois, em novembro de 2020, por decisão unânime do STJ. Para a relatora do pedido de habeas corpus, ministra Laurita Vaz, não existiam motivos para prendê-lo, especialmente porque o crime não teria sido cometido com violência e não ficou comprovado que o jornalista oferecia algum perigo caso fosse solto. Para o ministro Rogério Schietti, a medida mais estranha e “desproporcional” foi a proibição do exercício da profissão. O caso segue em andamento e ainda não teve decisão.
Depois do habeas corpus do STJ, Azevedo voltou ao trabalho, mas foi novamente preso em outubro de 2021, por outra denúncia de extorsão. O mandado de prisão preventiva é do mesmo juiz Santos, que tem cargo de confiança do desembargador Lopes na Corregedoria do TRE do Piauí. Dessa vez, a prisão foi justificada por umainvestigação da Polícia Civil, que apontou que Azevedo e o advogado Rony Samuel estavam tentando tirar dinheiro do empresário Thiago Duarte, proprietário da empresa Saúde e Vida, por meio de notas publicadas no Portal AZ. Tendo o advogado como fonte, o jornalista publicou em sua coluna que o empresário tinha recebido do governo do Piauí pagamentos suspeitos por serviços que não foram comprovadamente oferecidos.
O curioso nesse caso é queo advogado disse, em depoimento à polícia, que repassou as informações a Azevedo porque queria pressionar o empresário Duarte e que o jornalista não sabia das suas verdadeiras intenções. Por meio de lobby, Rony conseguiu que o governo quitasse um débito de quase R$ 500 mil com a empresa Saúde e Vida e ele esperava receber uma comissão por isso, o que não aconteceu. Mesmo assim, o advogado não foi preso, enquanto Azevedo ficou na cadeia por 48 dias, até conseguir um habeas corpus para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
A prisão mais recente do jornalista aconteceu em março de 2022, após sua condenação por estelionato a nove anos de cadeia em regime fechado. Em uma ação movida pelo Ministério Público do Piauí, o jornalista é acusado de falsificar certidões da Receita Federal para receber R$ 68 mil de um contrato com o governo estadual.
Embora três pessoas tenham sido processadas, apenas Azevedo foi condenado pelo juiz Ulysses Gonçalves da Silva Neto. A denúncia contra Maria Thereza Azevedo, que é citada no processo como dona do Portal AZ e é filha do jornalista, foi separada em outro processo que está em andamento. Já Welson Souza Costa, que tinha 1% do capital social do site, foi absolvido. O juiz entendeu que ele estava alheio às “questões gerenciais e diretivas” do veículo e que executava apenas “afazeres de menos importância”.
Para Azevedo, porém, a sentença foi a prisão, mesmo com a condenação apenas em primeira instância. Ele sequer poderia recorrer em liberdade, devido à sua “periculosidade social”, principalmente por causa do “fácil acesso que o réu tem à internet e a dispositivos que permitam continuar utilizando seu jornal, o Portal AZ, como forma de perpetrar crimes”. O jornalista ficou na cadeia pouco mais de um mês e conseguiu um novo habeas corpus. Atualmente, segue cumprindo prisão domiciliar, usando tornozeleira e impedido de exercer a profissão.
Por telefone, a filha do jornalista, Haidyne Azevedo, me disse que existe um “complô judicial” contra seu pai. “É uma articulação voltada a criminalizar o exercício da sua atividade jornalística para que ele perca a credibilidade, tenha honra, reputação e saúde atingidas”, acredita. Já o desembargador Lopes diz que essa “narrativa” de perseguição por parte de autoridades do Judiciário a um jornalista sério e respeitado é falsa. “O fato público e notório é que ele há muito tempo faz uso criminoso da profissão para caluniar e extorquir pessoas na busca de proveito financeiro”, diz Lopes.
Para Giuliano Galli, coordenador da área de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, a tentativa de censura e o assédio judicial a Azevedo se tornam mais evidentes quando se juntam todas as peças de como a justiça respondeu às denúncias contra ele e os termos usados na última condenação. “Falar que um jornalista representa periculosidade social para pedir a sua prisão é um absurdo”, afirmou. “Sem entrar no mérito da culpa, pois isso cabe à investigação, defendemos que os profissionais tenham direito a um sistema de justiça de forma ampla e que qualquer acusação seja investigada dentro da lei, não de uma forma abusiva, como está acontecendo nesse caso” (Continua)
O sequestro dos uruguaios, afinal revelado pela repentina aparição de dois repórteres de Veja no apartamento de Lilián, no momento em que era mantida prisioneira pelo comando binacional da Condor, quebrou o necessário sigilo da operação encoberta e jogou sobre ela os inesperados holofotes da imprensa e da Justiça. O sequestro frustrado de Porto Alegre é a única operação da Condor que fracassou no continente, já que impediu a tétrica rotina carcará que fazia suas vítimas serem capturadas, torturadas e mortas.
Ricardo Chaves
Seelig, Irno e Didi Pedalada : a repressão de 1964 senta pela primeira vez no banco dos réus
Graças à denúncia da imprensa, Universindo e Lilián deixaram de ser mortos, apesar de presos e torturados. Assim, pela primeira vez no Brasil, agentes do intocável aparato repressivo de 1964 tiveram que sentar no banco de réus, na Justiça Federal de Porto Alegre, para responder por seus crimes políticos. O delegado Pedro Seelig e seus dois agentes do DOPS, o inspetor João Augusto da Rosa, o ‘Irno’, e o escrivão Orandir Portassi Lucas, o ‘Didi Pedalada’ – que receberam com pistola na cabeça o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo João Baptista Scalco –, tiveram o inédito constrangimento de ouvir, como réus, os testemunhos sobre o crime transnacional praticado.
No seu voto corajoso, o juiz Moacir Danilo Rodrigues deu uma bofetada moral na ditadura, que sempre tratou o caso como mero ‘desaparecimento’, reconhecendo na sua decisão final que havia ocorrido, sim, um sequestro. Por limitações da lei, o magistrado teve que condenar ‘Irno’ e ‘Didi Pedalada’, os dois agentes de Seelig que receberam armados os jornalistas no apartamento de Lilián, ao crime menor de abuso de autoridade – com a pena de seis meses de detenção, beneficiada pela suspensão do sursis, e a proibição de trabalhar por dois anos na região de Porto Alegre. O criminoso maior, o delegado Seelig, executivo principal do sequestro, acabou não sendo condenado por “falta de provas”, apesar das maciças evidências contra ele.
Além da tecnicalidade da decisão, restava a certeza de que as provas que faltaram contra Seelig estavam naquele momento, julho de 1980, penduradas sob tortura nas masmorras de Montevidéu. Sequestrados em Porto Alegre, Universindo e Lilián foram condenados a cinco anos de cárcere pela servil Justiça Militar de seu país pelo falso crime de ‘invasão do Uruguai’. Foram libertados em 1983, para confirmar aos jornalistas o que todos sabiam: Pedro Seelig era o homem que os sequestrou e torturou na capital gaúcha.
A ditadura no banco dos réus
O delegado torturador também só escapou da prisão porque não teve contra ele o testemunho devastador de Adélio Dias de Souza, 34 anos, o bilheteiro da empresa TTL na Rodoviária que viu o exato momento, naquele domingo, em que Seelig prendeu Lilián pelo braço. Como milhões de brasileiros, Adélio temia a ditadura – e, como gaúcho, temia ainda mais o afamado Seelig. Uma última tentativa de convencimento sobre Adélio foi na casa do promotor Dirceu Pinto, responsável pela acusação no caso do sequestro. O bilheteiro tinha razões maiores para temer: sua mulher, Carmen, estava grávida de seis meses do segundo filho. Quando o promotor lhe garantiu segurança e proteção para depor como testemunha de acusação, Adélio respondeu com uma pergunta certeira, que assombrava a cabeça de todo brasileiro sensato: – Proteção contra o DOPS, doutor?
O bilheteiro Adélio não gozava da proteção que amparava o delegado Seelig. Em meados de agosto, três semanas após a decisão do juiz reconhecendo o sequestro, o general Antônio Bandeira, comandante do III Exército, concedeu a Seelig a Ordem do Mérito Militar, no grau de Cavaleiro. No final de dezembro, o governador Amaral de Souza promoveu Seelig a delegado de quarta classe, o ponto mais alto da hierarquia policial. O delegado do DOPS atingira, enfim, o topo da carreira. Graças ao sequestro, contudo, caíra no fundo do poço de sua premiada e atribulada biografia na repressão brasileira.
Com o peito estufado de medalhas e a incômoda notoriedade de seu retumbante fracasso, Seelig submergiu no ocaso melancólico da ditadura, rumo ao silêncio da aposentadoria, na placidez da velhice e no conforto de sua eterna impunidade. Até morrer na terça-feira, 8 de março, aos 88 anos.
O fracasso do jornalismo
O que não morreu, porém, foi a crônica e cúmplice preguiça da imprensa no tratamento, agora, de uma personalidade tão complexa e devastadora. A grande imprensa nacional deu pouco espaço à sua biografia sangrenta e destacou apena o detalhe burocrático de que ele fazia parte da lista de 377 responsáveis por grave abusos de direitos humanos na ditadura, segundo a Comissão Nacional da Verdade. A imprensa nativa e cordial do Rio Grande do Sul fez ainda pior, com o agravante de saber, com mais precisão, do verdadeiro caráter da personagem que morria.
REPRODUÇÃO
O Correio do Povo gagueja na sua covardia: diz que foi a equipe de Seelig, não ele, que torturava
Os dois principais jornais do Rio Grande do Sul afundaram na mediocridade e na indolência que leva ao conluio, sinônimo de cumplicidade. A dimensão repressiva e a esteira de sangue que Seelig deixou para trás merecia o rigor jornalístico que o personagem exige, sob o perigo de se cometer um crime de lesa-memória. O Correio do Povo, hoje subjugado pelos pastores da Igreja Universal do governista bispo Edir Macedo, teve o cuidado de não ofender as convicções autoritárias do capitão-presidente Jair Bolsonaro, que defende a ditadura e os torturadores. Escreveu um obituário miserável, de 25 linhas e apenas 303 palavras, que deixaria até um pastor envergonhado pelo péssimo e omisso jornalismo.
O texto gagueja para não dizer que Seelig foi o maior torturador gaúcho, um dos principais do Brasil. Abusa das palavras ‘suspeito’ e ‘suposto’ para dizer que Seelig é apenas suspeito pelo sequestro dos uruguaios, um ‘suposto’ crime praticado pelas duas ditaduras. Em absolvição plenária, diz que o delegado é ‘suspeito’ de ser um dos nomes fundamentais da repressão de 1964 e informa que ele foi citado, em CPIs da Assembleia por ‘supostos’ crimes contra opositores do regime. E não deixa de fazer uma ressalva: Seelig comandava “uma equipe que foi acusada” (a equipe, não o delegado) de praticar e estimular a tortura.
Muito pior fez o principal jornal gaúcho, a Zero Hora¸ que capengou em um jornalismo relaxado e fundamentalmente comparsa. Não conseguiu fingir agilidade nem em sua decantada edição digital. Seelig morreu na terça-feira, 8, e a notícia já disparava pelas redes sociais, na manhã seguinte, 9. Apesar disso, o distraído portal da ZH só conseguiu dar a notícia da morte de um policial tão importante quase no final da noite de quarta-feira, às 22h07. O texto foi atualizado nove horas depois, já na manhã de quinta, 10, às 7h35, sem conseguir agregar nenhum detalhe ao texto insosso da noite anterior. A começar pelo título indulgente, simplório e apaniguado:
“Aos 87 anos, morre Pedro Seelig, ex-delegado da Polícia Civil”.
A Zero Hora e seu texto servil e desinformado: burocrático, simplório, revoltante
Deu a notícia enrolada em falsa neutralidade, com infame distanciamento, como se fosse a morte de um cidadão comum, da rotina do serviço público, não o mais controverso e contestado agente do aparato repressivo da ditadura no Sul, sempre relacionado à tortura. O texto da Zero Hora, de apenas 246 palavras e enxutas 21 linhas, mais abreviado do que o telegráfico registro do Correio do Povo, deixaria assombrado o mais modorrento redator do Diário Oficial.
Oficialista, o jornal cedeu um terço de seu desinformado espaço para a nota previsível e lamentosa da diretoria da Associação de Delegados, que Seelig integrou várias vezes. Depois, com o devido recato, registrou levianamente, sem detalhes, que o delegado foi ‘acusado’ de participar de casos de detenção ilegal e tortura, mas nunca foi condenado, por “falta de provas”. Não houve nenhum esforço, nem nos dias seguintes, para ouvir os inúmeros sobreviventes de dor e sofrimento espalhados por Porto Alegre que passaram pelos comprovados suplícios praticados no DOPS sob o comando de Seelig.
Reprodução
A morte oculta de Seelig na ZH: obituário sem foto, entre motorista de cervejaria e treinador irlandês
No obituário complacente da edição impressa, na quinta-feira, o mesmo texto imprestável da digital foi reproduzido, sem uma vírgula de atualização. Em vez de uma reportagem ampla, dois dias após a morte, detalhando o que foi a vida e a obra sanguinária de Seelig, a notícia protocolar de sua morte foi confinada à rebaixada página do Obituário, naquele dia dedicado a três mortos: o irlandês Frank O’Farrel, um desconhecido treinador de futebol que comandou craques dos anos 1960 no Manchester United, e o gaúcho Victor Wartchow, um ex-motorista de caminhão de 82 anos. Um e outro com foto.
No centro, no espaço confinado de uma coluna, a nota insossa e repetida da morte de Pedro Seelig, sem fotos. O texto da ZH encerra com um primor de desinformação e desatino histórico. Diz que Lilián e Universindo, depois de sequestrados para o Uruguai, “lá foram libertados graças a uma denúncia em reportagem feita por jornalistas da revista Veja”. Falso. Os jornalistas denunciaram o sequestro, que é o que lhes cabia. Os uruguaios sequestrados e torturados foram condenados e cumpriram cinco anos de pena por “invasão” do Uruguai, até serem libertados pelos militares – e não pela imprensa – em 1983.
Se fosse menos leniente, a redação do jornal poderia fazer um jornalismo elementar, sem maiores esforços, apenas consultando o seu próprio arquivo. Lá encontraria, na edição de 22 de novembro de 1993, a fulgurante primeira página do jornal, anunciando um caderno especial de oito páginas que Zero Hora fez, com destaque, sob um título inspirador: ”EXCLUSIVO – 15 anos do sequestro dos uruguaios – O fim dos segredos”.
Reprodução Arquivo Zero Hora
Vexame jornalístico: o caderno especial e o ‘furo’ que Zero Hora esqueceu no seu arquivo
É uma reportagem apurada e assinada em 1993 pelo mesmo repórter que fez a denúncia na Veja em 1978, Luiz Cláudio Cunha, então chefe da sucursal da Zero Hora em Brasília – e agora autor deste texto no OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA.
Uma das revelações relevantes e inéditas do caderno de ZH era a identidade do bilheteiro Adélio, da Rodoviária, denunciando pela primeira vez o momento exato da prisão de Lilián pelo próprio Seelig, sem as bobas condicionantes e ressalvas que o jornal faz agora para absolver o delegado morto.
Por incrível que pareça, ZH esqueceu o seu próprio ‘furo’!
Mais lamentável do que a morte de Seelig, um notório torturador que sucumbiu sem contar nada do que sabia e sem pagar nada pelo que cometeu, é constatar a escassez de repórteres nas ruas e a falta de coragem política no comando das redações para exercer um jornalismo de qualidade e de relevo, essenciais para manter o leitor informado.
O desprezível desempenho da imprensa, agora, no episódio da morte de um dos principais torturadores do país deveria ser tema de estudo intenso e aceso debate nas redações e nas escolas de jornalismo.
Tudo isso é fundamental para cumprir o mesmo e perene compromisso que todo cidadão tem – especialmente nós, jornalistas e executivos de redação – para denunciar sempre a tortura e a ditadura.
Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Assisti aos minutos finais do julgamento do Superior Tribunal de Justiça que determinou que Deltan Dallagnol indenizasse o ex-presidente Lula pela entrevista, ilustrado com o famigeradoPowerPoint, em que o apresenta como chefe de uma quadrilha criminosa, de uma “propinocracia”.
Só pude sentir vergonha.
O relator achou muito alto o pedido de indenização pedido por Lula em função dos danos morais sofridos por ele ao ser exposto daquela maneira. Bastaria ver o preço dos espaços que a foto ocupou nas páginas dos jornais e nas edições dos telejornais para ver que o valor de R$ 1 milhão pedida pelo ex-presidente não pagaria um centésimo do valor daqueles espaços.
Aliás, infinitamente maiores que os hoje dados à notícia da decisão de indenizar Lula.
Fez-se uma “conta de chegar” para reduzir o valor de R$ 100 mil proposto pelo relator, como se fossem poucas as posses de um servidor que recebe, fora penduricalhos e frequentes “extras” mais de 30 mil reais por mês, além das centenas de milhares que recebeu com as tais palestras que opowerpointlhe rendeu. Nem o senso comum permite achar que alguém deixa fartos vencimentos e vantagens sem ter com que manter ostatus quo.
Pode-se argumentar que não importa a Lula – sobretudo a ele mesmo – a eventual reparação material do dano moral que sofreu. Mas não é só a isso que se destina a indenização, mas a sinalizar que não se pode proceder irresponsavelmente, ainda mais como agente público, com a honra das pessoas e é por isso, mais que tudo, que foi insuficiente a sentença na forma em que foi decidida. Não é exemplar, não é didática, não é inibitória de atos semelhantes.
Falta ainda punir outro dano irreparável, tanto ou mais que à honra do ex-presidente, o que se causou à sua liberdade por longos 580 dias.
Deltan também é personagem desta farsa, mas o protagonista é Sergio Moro, o homem que se valeu da prisão de Lula para ascender à fama, ao ministério e, agora, quer dela fazer trampolim para a própria Presidência.
Se a sentença que Lula cumpriu é inválida, sua prisão é um dano moral que nada pode justificar. E que – e só em parte – só o mais alto tribunal da República pode reparar.
Não é o STF, como hoje, não é o STF, como há meses atrás, ao reconhecer a suspeição de Sérgio Moro.
É o tribunal das urnas, a decisão de todo o povo brasileiro, que virá em outubro.
A reparação a Lula será maior do que aqueles R$ 75 mil, ridículos frente ao dano que supõem indenizar. E a condenação a Moro, igual, será mais bem pesada do que esta que será de uns trocados ao rico ex-procurador.