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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Set21

Um sonho que a repressão não destrói

Talis Andrade

 

juventude revolução urariano.jpg

 

Sonho de abnegação, igualdade, de liberdade, de justiça para todos, de desapego perante os bens materiais

 

por José Carlos Ruy

Um dia desses, conversando com minha filha, uma moça de 21 anos que estuda Letras, ela me falava, contrariada, de tantas moças e rapazes (e movimentos e artistas ‘jovens’) que parecem envelhecidos pela recusa a correr riscos, e pela vontade de ter todas as garantias e segurança que a sociedade oferece. São jovens na idade, mas não no coração, dizia ela.

Esta lembrança me ocorre no momento em que escrevo a ‘apresentação’ a este livro extraordinário a que Urariano Mota deu um título preciso: A mais longa duração da juventude. Um relato ficcional amplamente ancorado na memória dos jovens que, por volta de 1970, resistiam à ditadura no Recife, como tantos outros Brasil afora. E traziam inscrito em sua bandeira, com letras de um vermelho flamejante: ‘revolução e sexo’. Nesta ordem, adverte Urariano.

Urariano autógrafo.jpg

 


Rapazes e moças que, por volta de seus vinte anos, viviam às voltas com as agruras da luta política e revolucionária, e os ardores do sexo que despertava. Agruras e ardores narrados com a precisão de acontecimentos ‘de ontem’, que continuam presentes, quase meio século depois, com a mesma e intensa realidade do brilho das estrelas de que conhecemos somente a luz que cruzou milhares de anos-luz, estrelas que talvez nem existam mais no momento em que sua imagem nos alcança.

A luz dessas estrelas é semelhante ao sonho que, hoje, meio século mais tarde, aqueles jovens ainda sonham mesmo que seus corpos já não tenham a força dos vinte anos. Mas o viço e o vigor do sonho permanecem. E fazem mais longa a duração da juventude.

Urariano Mota sabe como poucos mesclar memória e ficção. E de tal maneira as confunde na textura da escrita que, nela, o real vira imaginado, e o imaginado assume as formas do real. E o tempo funde as duas pontas do relato, entre o passado e o presente. Fundidos por uma reflexão fina, ligada – para dizer como se dizia há quase meio século – pela análise concreta de situações concretas. Não é filosofia, quer Urariano. Mas é reflexão fina, humanamente fina e que tem o dom de trazer à vida, com seus matizes, os debates com que aqueles jovens de esquerda, revolucionários, desenhavam seu futuro, o futuro de todos, do país e da humanidade.

Sonho que levou o garoto de 1969 a comprar um disco de Ella Fitzgerald onde poderia ouvir I wonderwhy, se tivesse vitrola (palavra antiga para toca-discos, também antiquada no tempo dos igualmente em superação cdplayers). Não importa que não tivesse! Teria, um dia, e ouviria a cantora cuja voz amava. Sonho semelhante ao que tantos anos depois, quando já não existia a ameaça da repressão ditatorial, queria uma bandeira do Partido Comunista do Brasil para envolver o caixão do amigo morto.

Sonho de abnegação, igualdade, de liberdade, de justiça para todos, de desapego perante os bens materiais e construção de um mundo novo, socialista.

Sonho embargado pela memória cruel da sordidez da delação do infame Cabo Anselmo, que levou Soledad e tantos outros à morte na tortura ou pelas balas da repressão da ditadura.

Nesta permanência da juventude não há, como há em Goethe, nenhum pacto com o demônio, como aquele pelo qual o poeta buscou a garantia da juventude permanente.

‘Eu não sou um velho. Aliás, nós não somos velhos’, diz um diálogo neste livro maravilhoso. ‘Eu sei. O tesão de mudar o mundo continua’.

Este é um livro que une, com a arte da memória, 1970 e 2017 – se fosse possível fixar parâmetros tão fixos... É um livro que olha o passado não pelo retrovisor que encara o acontecido faz tanto tempo. É um livro que faz do passado os faróis que iluminam o caminho do futuro. E reduz a distância no tempo revivendo, tanto tempo depois, a mesma luta que uniu, e une, tanta gente.

Um sonho contra o qual a barbárie e a estupidez dos cabos anselmos da repressão da ditadura foi impotente. E não o destruiu. E que é a senha para a mais longa duração da juventude.

19
Jul20

Jornalista apenas reportou fatos

Talis Andrade

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Procurador do MPF denuncia novo reitor e chefe de gabinete da UFSC por não coibirem manifestação contrária aos abusos de poder, publica jornalistas livres

IV - Delegada Erika Marena perde em mais uma ação contra o BLOG de Marcelo Auler

por Marcelo Auler

- - -

Ao analisar a possibilidade do crime de injúria, Fernandes Luciano se mostrou convencido de que na reportagem publicada na Carta Capital, ainda que houvesse tom pejorativo, o jornalista não cometeu crime. Até porque os fatos narrados eram oficiais, por constarem em inquérito policial, jamais contestado pela delegada e seus defensores:

“Levando em consideração essas premissas, verifico que a redação apresentada na Revista Carta Capital sob o título “As marcas da Lava Jato” foi elaborada em tom pejorativo em relação a Delegada ERIKA MIALIK MARENA. Isso, por si só, não significa que o querelado tenha praticado algum ilícito, porque é necessário averiguar em que medida consistiria esse tom pejorativo”.

Adiante, a sentença explicou que a defesa do editor do BLOG não deixou de apresentar provas concretas do que foi narrado na reportagem:

“No presente caso, o querelado reportou que a querelante vazava informações sigilosas, porém, justiça seja feita, em nenhum momento a Defesa baseou seus argumentos simplesmente no direito à liberdade de informar. A Defesa asseverou que quando o querelado elaborou a reportagem, apenas quis se reportar a fatos de que tinha conhecimento. Justamente por isso teria constado na reportagem que “Segundo um colega, ela costuma compartilhar com jornalistas as “operações de vulto, que abranjam pessoas relevantes política e economicamente, inclusive, por meio de vazamento“. A Defesa também argumentou que o querelado “por ter consciência do seu compromisso enquanto jornalista, função que exerce com abnegação e responsabilidade, Marcelo Auler não faz da garantia do sigilo da fonte prevista no art. 5º, XIV, da CRFB, um escudo para excessos. Longe disso” (Evento 104 – OUT41 – fl. 17).

reitor-pela-apuração-dos-envolvidos.jpg

 

O juiz considerou o espaço de tempo decorrido entre a data do depoimento prestado em Inquérito Policial pelo delegado Paulo Renato Herrera e a publicação da reportagem. Com isso, mostrou haver nexo de que a fonte de informação do BLOG – que na reportagem não nomeou o delegado, uma vez que ele estava sob pressão psicológica – foi o Inquérito em questão.

Uma das reclamações da defesa da delegada é que o IPL 737/2015 estava sob segredo de justiça, mas isso sequer foi levado em conta pelo juiz, até porque jornalistas não são obrigados a respeitar tais segredos judiciais. Na decisão, o juiz fez constar a prova documental do que foi afirmado e contrariou a delegada:

“É digno de nota mencionar que a reportagem “As marcas da Lava Jato” foi publicada no dia 17 de fevereiro de 2016 (Evento 14 – OUT4) enquanto que o depoimento do Delegado Paulo Renato de Souza Herrera foi no dia 30 de novembro de 2015 (Evento 105 – OUT46). Com isso, há plausibilidade em se entender que o depoimento do Delegado realmente foi a fonte de informação da reportagem, e não que o jornalista tenha lançado palavras à própria sorte e depois tenha se socorrido de algo que lhe desse respaldo. Outro ponto digno de registro é que as declarações do Delegado Paulo Renato de Souza Herrera não foram frases jogadas ao vento. Essas afirmações partiram, conforme declarado, de conhecimento próprio e foram registradas em um Inquérito Policial.”

Respaldado em entendimento já firmado em diversos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, o juiz deixou claro o direito de o jornalista emitir opiniões críticas em cima de fatos reportados com base em documentos oficiai. Tal como o inquérito, do qual o depoimento do delegado Herrera foi extraído, ainda que esta informação tenha chegado ao jornalista à revelia do delegado que a deu na polícia.

Para o juiz, o jornalista não pode ser responsabilizado pela veracidade da informação prestada pelo delegado no inquérito:

“Se o conteúdo da fonte de informação é correto ou não, não vejo como responsabilizar o jornalista que apenas reporta o fato, salvo se previamente sabia da falsidade da informação. Contudo, pressupor que o jornalista sabia que as declarações de Paulo Renato de Souza Herrera são verdadeiras ou falsas não passam de meras conjecturas, sem qualquer respaldo indiciário nos autos. Diante da seriedade do ato (depoimento no Inquérito Policial), não se pode exigir que o jornalista não reporte a informação se ele próprio entende conveniente divulgar.

É perceptível também que a reportagem seguiu a linha do que foi declarado pelo colega da querelante. A partir das informações obtidas, o jornalista emitiu opinião no trecho em que afirma “Quem aparentemente a adota de corpo e alma é a delegada Érika Malik Marena (…)”. Emitir juízo de valor diante de um fato que se tem conhecimento é consequência da carga axiológica que pode ser extraída desse mesmo fato” (g.o.).

Adiante ele registrou a inexistência do dolo de injuriar a delegada:

“Com efeito, agora com base na posse da fonte de informações do querelado, verifica-se que o livre exercício do jornalismo foi realizado sem a intenção de injuriar a querelante. A Defesa asseverou que “Em sua reportagem evidencia-se a preocupação meramente narrativa, inclusive respaldando a informação divulgada, o que se revela ao mencionar que “um colega” da delegada de Polícia Federal Érika Mialik Marena teria revelado tais fatos (…)” (Evento 104 – OUT41 – fl. 21).

Pelo fato de a fonte de informação ter sido prévia à reportagem, significa que os fatos retratados pelo jornalista não foram lançados sem ter um prévio conhecimento do assunto, fundado em uma fonte que não era ele próprio.”

Nessa linha de entendimento, o juiz não viu motivos de prosseguir a ação e ingressar na chamada fase de instrução na qual seriam ouvidas as testemunhas. Para ele, as provas documentais foram mais do que suficientes à absolvição do jornalista que, segundo disse, “exerceu o seu direito de expressão dentro da ampla liberdade que possui de reportar fatos que tem conhecimento”. Ele registrou ao final da sentença:

“A absolvição nesta fase processual se mostra imperativa, pois, da leitura da reportagem, com a fonte de informação apresentada, há claro exercício do direito de informar. Contudo, há mais alguns pontos dignos a se mencionar, caso se entenda que o encerramento do processo esteja sendo feito precocemente.

A parte querelante, quando instada a se manifestar, não tocou em uma vírgula sobre as declarações de Paulo Renato de Souza Herrera. Longe disso, a parte querelante não arrolou sequer uma pessoa para testemunhar, diferentemente da parte querelada.

Conforme dito alhures, se a fonte de informação é correta ou não, não vejo como responsabilizar o jornalista que apenas reporta o fato. Assim, ainda que a querelante pretendesse demonstrar que o referido Delegado teria faltado com a verdade, os reflexos pretendidos nesta ação penal seriam irrelevantes para impor um decreto condenatório ao querelado.

Evidentemente que uma situação foi o recebimento da denúncia, diante da reportagem apresentada; situação distinta é a leitura dessa mesma reportagem, com as explicações da Defesa e a juntada da fonte das informações.

Frise-se que a absolvição de MARCELO JOSÉ CRUZ AULER não significa endossar uma linha sequer de que a Delegada da Polícia Federal ÉRIKA MIALIK MARENA vazava informações sigilosas. Tratou-se apenas de averiguar se o querelado exerceu o seu direito de expressão dentro da ampla liberdade que possui de reportar fatos que tem conhecimento”. (Continua)

liga da justiça .jpg

Nos dias de terrorismo policial e assédio judicial da Liga da Justiça da Lava Jato, Gazeta do Povo publicou a foto acima com a seguinte legenda: "Agentes públicos que praticaram abuso de poder contra a UFSC e que levou ao suicídio do reitor” dizia cartaz que estampava fotos da delegada Erika Marena e da juíza Janaína Cassol em evento na UFSC

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