Golpe de estado ameaça uma guerra civil. Tem listas estaduais de presos, e a sangreira de lideranças marcadas para morrer.
Todo golpe cousa de inimigos da claridade, de forças armadas contra a população civil, contra o povo em geral desarmado, vítima de ditadores sanguinários idólatras de - para citar os monstros do Século XX - Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar, Pinochet, Stroessner, Idi Amin e outros cavaleiros montados em suas bestas do Apocalipse.
Bolsonaro, o "mau militar", consultou as Forças Armadas sobre dar um golpe após a vitória de Lula, depois de derrotado nos dois turnos das eleições presidenciais de 2022. A Marinha aceitou. Mas sem o Exército, Bolsonaro recuou, escreve Cintia Alves:
Almirante Garnier, ex-comandante da Marinha, aceitou embarcar no plano de golpe de Jair Bolsonaro contra a posse de Lula, segundo informações de O Globo.
No final de 2022, após a vitória eleitoral de Lula, Jair Bolsonaro teria se reunido com a cúpula das Forças Armadas para discutir um plano de golpe, numa tentativa desesperada de permanecer no poder.
O Exército teria negado adesão ao golpe. Não se sabe qual teria sido a conduta da Força Aérea. Mas o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha (que tem cerca de 80 mil homens e mulheres em seu corpo), embarcou prontamente na empreitada golpista.
Os detalhes da reunião teriam sido narrados na delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O trecho sobre a proposta às Forças Armadas vazou à imprensa nesta quinta (21).
O ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio Monteiro, disse que o golpe“não interessou às Forças Armadas”.“Foram atitudes isoladas”, afirmou, reclamando ainda da “suspeição coletiva” em que se encontram os militares hoje.
Quem é Almir Garnier
Não é surpresa nenhuma que Garnier tenha aparecido na delação de Cid como um entusiasta do golpe. Em junho passado, oFinancial Timespublicou reportagem sobre a “discreta campanha” dos Estados Unidos para garantir a posse de Lula.
“Um alto funcionário brasileiro que esteve intimamente envolvido lembra que o ministro da Marinha de Bolsonaro, almirante Almir Garnier Santos, era o mais ‘difícil’ dos chefes militares. ‘Ele ficou realmente tentado por uma ação mais radical’, diz. ‘Então tivemos que fazer muito trabalho de dissuasão, o departamento de estado e o comando militar dos EUA disseram que iriam rasgar os acordos [militares] com o Brasil, desde treinamento até outros tipos de operações conjuntas'”, revelou oFT.
A lealdade a Bolsonaro e o desprezo pelo governo recém eleito já ficara patente quando Garnier decidiu não participar da passagem de bastão para seu substituto, o almirante Marcos Sampaio Olsen.
Em meio a uma transição tensa, duramente marcada pelo 8 de Janeiro, Olsen chegou com as seguintes falas:“Temos um Brasil polarizado, e os militares foram trazidos para esse contexto. Precisamos reforçar que é uma instituição de Estado. (…)É equívoco achar que as Forças Armadas podem ser um poder moderador.”
Em 15 de dezembro de 2022, quando a marcha golpista de Bolsonaro caminhava para o fracasso, Garnier participou da formatura de quase mil novos fuzileiros navais. Na despedida emocionada, fez um discurso dúbio.
“Nem sempre conseguimos fazer tudo que queremos. Muitas vezes queremos navegar em direção ao porto seguro em linha reta, mas a tempestade nos impede, e temos de navegar de acordo com o que aprendemos para contornar furacões, afim de não perder nosso barco e colocar em risco nossa tripulação. Mas saibam os senhores que a manobra de tempestade girará novamente o barco em direção ao porto seguro que queremos. E lá nós chegaremos, pode demorar um pouco mais, mas chegaremos. O importante é que estejamos unidos.”
Garnier disse também que a tropa estava em plena“condições de cumprir missões onde quer que o poder político nos demande.”E finalizou com um chamado:“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. Tenho tentado cumprir o meu. Cumpram o de vocês”.
A delação de Cid
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, revelou em delação premiada que presenciou o encontro do ex-presidente com a cúpula das Forças Armadas e aliados militares, para discutir a possibilidade de implementar uma minuta de intervenção militar no país.
O tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid. Foto: Agência Senado
De acordo com o jornalista Talento Aguirre, que ouviu fontes que acompanharam as negociações de delação, Cid narrou também os detalhes de um encontro anterior, no qual o ex-assessor especial Filipe Martins entregou a minuta de decreto golpista para Bolsonaro.
O documento previa caminhos para prender o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Morais, e suspender o resultado da eleição vencida por Lula.
Cid também teria presenciado o encontro com as Forças Armadas, quando Garnier teria garantido que sua tropa estaria pronta para aderir a um chamamento, enquanto o comando do Exército teria negado a proposta. Sem o Exército, Bolsonaro não deu seguimento ao plano.
O relato teria caído “como uma bomba entre os militares” e teria gerado uma grande tensão nas Forças, segundo Bela Megale, no O Globo.
No primeiro 7 de Setembro fora do poder, o inelegível Jair Bolsonaro não pregou golpe, não chamou Alexandre de Moraes de "canalha" e chorou e chorou...
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi a um culto na noite de 5ª feira (7.set.2023) na Igreja Catedral da Bênção, em Brasília, e também chorou, enquanto testemunhava para os fiéis sobre “perseguição” e “injustiça” que aqueles que “tem Cristo como senhor salvador” sofrem. Durante sua fala, esteve o tempo todo com uma bandeira do Brasil nas costas. A presidenta do PL Mulher fez uma longa fala ajoelhada no chão da catedral, ao lado de uma criança, sobre os “momentos difíceis” que passou a enfrentar. Estava acompanhada do marido e dos deputados Marco Feliciano (PL-SP) e Hélio Lopes (PL-RJ), e não usava nenhuma joia.
A última vez que Bolsonaro foi a um templo faz quase um ano, e na campanha eleitoral, quando Michelle acusava Lula da Silva de inimigo dos evangélicos, e que eleito o petista "fecharia templos". Para Bolsonaro, Lula devia "apodrecer na cadeia".
A agência Reuters noticia que o líder do grupo neofascista Proud Boys (“Meninos Orgulhosos”), Enrique Tarrio, acaba de ser condenado a 22 anos de prisão por orquestrar a violenta invasão do Capitólio, sede do Congresso dos EUA, em janeiro de 2021. A ação golpista visou impedir a posse do presidente Joe Biden e foi insuflada pelo direitista derrotado Donald Trump, sob o falso argumento de que as eleições foram fraudadas. Dois anos depois, também em janeiro, os fascistas nativos tentaram repetir a dose em Brasília, invadindo e depredando as sedes dos Três Poderes. Os principais líderes dessa conspiração, porém, permanecem soltos. Só os bagrinhos golpistas foram detidos e boa parte já foi solta!
Segundo a Reuters, a pena de 22 anos para Enrique Tarrio é a maior dada até agora para os 1.100 acusados do ataque ao Capitólio, que teve um saldo trágico de cinco mortos e centenas de feridos. “Foi um ato calculado de terrorismo. Ele praticou e endossou o uso de desinformação”, afirmaram os procuradores, que pediram uma pena ainda maior, de 33 anos, para o líder neofascista, durante a audiência no tribunal do distrito de Columbia. “Tarrio era o principal líder daquela conspiração, o principal organizador”, sentenciou o juiz Timothy Kelly.
Grupo extremista prega ódio e violência
Para o FBI, a polícia federal ianque, o Proud Boys é uma organização “extremista com laços com o nacionalismo branco". O grupo foi criado em 2016 pelo empresário Gavin McInnes, cofundador da corporação Vice Media, e é conhecido por sua retórica inflamada de estímulo ao ódio e à violência. Em meados de 2020, durante debate da campanha eleitoral na televisão com Joe Biden, a seita de extrema-direita ganhou fama aos ser mencionada por Donald Trump – que hoje também é réu por quatro casos criminais na Justiça dos EUA.
Além de Enrique Tarrio, outros psicopatas do grupo neofascista já foram punidos. Na quinta-feira passada (31), Joseph Biggs e Zachary Rehl foram condenados a 17 e 15 anos de prisão, respectivamente, pela participação na invasão. Um dia depois, Ethan Nordean, considerado um dos chefões do Proud Boys, pegou 18 anos de cadeia, e Dominic Pezzola, responsável por quebrar janelas do Capitólio usando um escudo policial roubado, pegou 10 anos. Em maio já havia sido condenado a 18 anos de cadeia Stewart Rhodes, líder de outro grupo de extrema direita, o Oath Keepers (Guardiões do Juramento), que também organizou o ataque ao parlamento dos EUA.
(continuação) No Forte Apache, a sede do comando em Brasília, o mantra é de que“qualquer um que tenha mostrado desvio no comportamento de retidão e legalidade será punido”.
Oficiais dizem que o objetivo é mostrar que a instituição não vai “passar pano” para os ilícitos de ex-membros. Inclusive, eventualmente, de Lourena Cid, que já estava “aposentado” desde 2019.
O atual comandante, generalTomás Paiva, quer antes de mais nada “virar a página” dos problemas que Bolsonaro causou. Para isso, no dia 13, ogeneral publicou uma ordem interna estipulando que o Exército deve pautar suas ações pela “legalidade e legitimidade”.
No documento, ele reforça o caráter do Exército como “instituição de Estado, apartidária, coesa e integrada à sociedade”. Trata-se da ordem fragmentária nº 1, que procura, nas suas palavras, fortalecer a imagem e a reputação da corporação, evitando-se “a desinformação”.
Na sede da Força, o que se diz é que esse documento já estava em elaboração desde a gestão do generalJúlio César Arruda, que foi indicado no final do ano passado para o posto e acabou demitido por Lula em janeiro após os ataques de 8 de janeiro.
Mais do que isso, a demissão teria sido motivada pela insistência de Arruda em efetivar justamente Mauro Cid em um importante comando de tropas em Brasília, a chefia do 1º Batalhão de Ações de Comando do Exército em Goiânia.
Fato é queesse documento divulgado pelo novo comandante é mais uma tentativa de pacificar a caserna.Para isso, Paiva criou um grupo de trabalho, assim como uma associação nacional de Amigos do Exército.
Mas isso será suficiente para capturar corações e mentes das tropas, familiares e oficiais reformados?Um dos objetivosdo atual comando é aproximar a instituição dos veteranos, mas não será tarefa fácil despolitizar clubes militares e associações que embarcaram no radicalismo golpista de forma escancarada.
Outra estratégiado comandante é pacificar o público interno combenesses para a corporação, como: * reforço em salários, * assistência social, * sistema de saúde, * colégios militares * e moradias.
Essa foi uma das estratégias de Bolsonaro para atrair os oficiais de patentes inferiores.
Mas há dúvidas se a ofensiva corporativista será suficiente para debelar o encanto extremista. Uma forma mais eficiente seria provar que a Força está “cortando na carne” para apurar responsabilidades.
Mas o Inquérito Policial Militar que foi aberto para investigar os atos golpistas, concluído em julho,livrou as tropas de culpae apontou indícios de responsabilidade daSecretaria de Segurança e Coordenação Presidencial, que integra oGabinete de Segurança Institucional.
Ou seja, atribuiu ao próprio governo Lula, no oitavo dia de gestão, a responsabilidade por falhas em prevenir atos de insurreição.
Porta dos fundos
O constrangimento recente não foi apenas com o clã Mauro Cid. Em depoimento à PF, o hackerWalter Delgattidisse que participou de reuniões no Ministério da Defesa em tentativas de desacreditar as urnas.
Ele teria entrado cinco vezes pela porta dos fundos do Ministério para que sua presença não fosse registrada. Pior:afirmou que “orientou” o conteúdo do relatório do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas entregue ao TSE em novembro de 2022.
Nessa ocasião, o Ministério era chefiado pelo generalPaulo Sérgio Nogueira. Delgatti, que está preso, evidentemente é uma testemunha suspeita. Acaba de ser condenado a 20 anos de prisão no caso da Vaza Jato. Mas suas afirmações trouxeram grande preocupação ao comando do Exército.
O ministro da Defesa,José Múcio, pediu à PF a lista de militares que teriam se encontrado com Delgatti. A PF não liberou, alegando que o inquérito é sigiloso, mas o ministro espera liberar essa informação com o STF. É uma boa forma de se conhecer os membros da corporação que teriam agido contra a Justiça Eleitoral.
Na prática, com o depoimento de Delgatti, os militares passaram a ser mais visados. E a situação pode se complicar ainda mais após a apreensão dos celulares do general Lourena Cid e do advogadoFrederick Wassef, cujas senhas já foram quebradas e que estão sob análise da PF.
Um dos aparelhos de Wassef era usado exclusivamente para a comunicação com Bolsonaro. E oseu celular já teria indicado que o ex-presidente tinha conhecimento das negociatas com joias.
7 de setembro
Enquanto os militares tentam pacificar a família castrense e pisam em ovos com as revelações que ainda surgirão, o governo vive o dilema de como agir com os militares.
Se Lula atuar de forma persecutória, arrisca-se a colocar a instituição contra o governo. Se não agir com firmeza, o ovo da serpente se desenvolve.
Com a elevação da temperatura nos inquéritos da PF e a aproximação das comemorações do 7 de setembro, o presidente resolveu agir.
Chamou os três comandantes militares para o Palácio da Alvorada fora da agenda no sábado, dia 19. O ministro da Defesa,José Múcio, levou os comandantes doExército, daMarinhae daAeronáutica.
Oficialmente, trataram dos investimentos na Defesa anunciados no lançamento do Novo PAC, de nada menos que R$ 52,8 bilhões.
Na prática, o petista cobrou rigor contra os comportamentos desviantes.A ideia é que nenhum fardado seja perseguido, mas que nenhum também deixe de ser punido se for comprovada sua participação em ilícitos.
Lula deseja se aproximar da categoria e diminuir a tensão. A estratégia, aparentemente, é conquistar a caserna com recursos e benefícios sociais, enquanto se cobra disciplina e o respeito à Constituição.
O presidente Lula recebeu comandantes do Exército, Marinha, Aeronáutica e cobrou penas devidas aos militares envolvidos em ilegalidades (Crédito:Ricardo Stuckert)
Trata-se de um equilíbrio delicado em meio a uma relação ainda conturbada. No Congresso, houve um aperitivo da dificuldade. Uma sessão daComissão de Constituição e Justiça (CCJ)da Câmara voltou a debater o papel dos militares e o artigo 142 da Constituição, que foi indevidamente invocado por Bolsonaro e seus seguidores como se ele estabelecesse um “poder moderador” das Forças Armadas.
A tese de alterar esse dispositivo constitucional é abraçada especialmente porparlamentares petistas, o que promete jogargasolina da fogueirada insatisfação das alas mais conservadoras dos quartéis.
Enquanto a esquerda quer aproveitar o acerto de contas com as atitudes golpistas, o comando tem a difícil missão de despolitizar e profissionalizar as forças.
As principais bolhas da internet – a da esquerda e a da direita – se uniram para criticar a Força.Enquanto a esquerda critica a ação antidemocrática, os radicais bolsonaristas atacam os “generais melancia” (verdes por fora, vermelhos por dentro), que teriam “aderido” ao governo.
O Exército, por exemplo, não sabe se mantém os seus canais nas redes sociais abertos para comentários ou não, já que as críticas vêm dos dois lados.
Sigilos desfeitos
Depois do depoimento do hacker, a CPMI passou a ser o maior foco de preocupação para os militares. A relatora, senadoraEliziane Gama(PSD), quer aprovar a quebra de sigilo telefônico e telemático do generalPaulo Sergio Nogueira, ex-comandante do Exército e ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, para depois avaliar sua convocação.
Nogueira foi acusado por Delgatti de ter se encontrado com ele para falar sobre urnas eletrônicas. Isso ampliaria a tensão no Alto-Comando.
Mas o presidente da comissão,Arthur Maia, sinalizou que vai aliviar a pressão para os militares.Na manhã de quarta-feira, 23, ele teve um encontro com a cúpula do Exército e em seguida blindou os generais ao definir a pauta da comissão.
Com o isso, não foram marcados os depoimentos deAugusto Heleno(ex-chefe do GSI) e deGustavo Henrique Dutra de Menezes(ex-chefe do Comando Militar do Planalto).
ApenasG.Dias(ex-ministro do GSI de Lula, que foi demitido em abril após aparecer em um vídeo circulando entre os vândalos no dia 8 de janeiro) será ouvido na próxima quinta-feira.
Isso irritou a relatora, senadora Eliziane Gama, que desejava fechar o cerco ao oficiais.“O coronel Mauro Cid tinha armazenado no seu celular um roteiro de um golpe, uma minuta de GLO, e várias conversas de militares que chegavam a ele na tentativa de levar ao presidente um estímulo para a intervenção militar, ao mesmo tempo em que fazia movimentações financeiras muito significativas. Há uma necessidade de ampliar essa investigação. Ver a participação do pai, o general Lourena Cid, do advogado Wassef. Não dá para considerar o caso das joias como um caso isolado. Não vamos investigar o caminho das joias, isso é trabalho para a PF. Mas queremos saber se houve trânsito desse dinheiro para o 8 de janeiro”, diz Eliziane.
Mas tudo indica, até o momento, que os generais terão vida dura apenas nos inquéritos da PF.
O ministro da Defesa, José Múcio (à esq.), quer saber pelo STF quais militares encontraram o hacker Walter Delgatti durante campanha (Crédito:Antônio Oliveira)
Enquanto os militares tentam driblar o crivo pela eventual participação em malfeitos,a confiança dos brasileiros nas Forças Armadas registrou queda desde o fim do ano passado, segundopesquisa Genial/Quaestdivulgada no dia 21.
Em dezembro de 2023, 43% dos entrevistados diziam “confiar muito” nas Forças Armadas. Esse índice teve queda de 10 pontos percentuais e chegou a 33% em agosto deste ano.
Parte dessa queda se deve aos eleitores de Bolsonaro, que se sentiram “traídos” pela não adesão ao golpe. Mas o resultado mostra odilema da caserna.
Como diz o dito popular, quando a política entra nos quartéis por uma porta, a disciplina sai pela outra. Por trás da crise está o papel hipertrofiado e indevido conquistado pelos militares no governo Bolsonaro.
Resta ao governo Lula o dever (e a habilidade) de recolocar as Forças Armadas no trilho institucional, no respeito à democracia e na profissionalização no seu papel de Defesa, como estabelece a Constituição.
Os militares que são tão ciosos com o respeito às regras deveriam ser os primeiros interessados em acertar contas com a sociedade.
Os Cid: pai e filho protagonizam novela que envolve a alta cúpula do Exército e compromete a credibilidade das Forças Armadas sobre participação em ilicitudes políticas como poucas vezes na história (Crédito:Fátima Meira/Futura Press/Folhapress; Fernando Souza/AFP) Tal pai, tal filhote que chama Bolsonaro de tio
Marechal de contracheque embolsa salário de contrabandista de joia, de latifundiário grileiro de terras, de empresário minerador de ouro e pedras preciosas na Amazônia, de militar chefe de embaixada nos Estados Unidos e Europa, e de leiloeiro de empresas estatais do Brasil sem lei. Publica Istoé:
É até surpreendente a facilidade com que o capitãoJair Bolsonaroconseguiu cooptar setores militares para seu movimento golpista. Ele precisou demitir a cúpula das Forças Armadas em março de 2021 na maior crise na caserna desde a redemocratização, mas em seguida conseguiu um comando mais dócil noMinistério da Defesa, que inclusive o ajudou a questionar a integridade das urnas eletrônicas. O festival de acampamentos golpistas em frente aos quartéis até janeiro mostrou que a adesão não era limitada e nem silenciosa.
Os ataques de 8 de janeiro colocaram em xeque a adesão dos fardados ao golpe. Oito meses depois, porém, a despolitização da caserna ainda é um sonho distante e asrevelações da PF comprometem cada vez mais militares na miríade de ilicitudes do ex-presidente.
O mais recente constrangimentocaiu como uma bomba no Alto-Comando do Exército:a revelação de que o general reformado Mauro Lourena Cid participou da venda nos EUA de joias recebidas por Bolsonaro.
Antigo colega de Bolsonaro naAcademia Militar das Agulhas Negras, Lourena Cid foi escolhido pelo então presidente para chefiar o escritório daApexem Miami. Seu filho, o tenente-coronel Mauro Cid, é o notório ex-ajudante de ordens do capitão.
Essa família castrense mergulhou a instituição numa crise que parece não ter fim.
Lourena Cid não era um general qualquer. Quatro estrelas, integrou o Alto-Comando do Exército. Nos últimos meses, vinha exercendo sua influência em uma peregrinação junto a integrantes da cúpula do Exército para interceder pelo filho preso.
O fato de ele próprio ter sido enredado no escândalo (com foto e tudo dele segurando um kit de joias para ser negociado) escandalizou os colegas e trouxe inquietação.
Um militar ligado ao Alto-Comando diz que o sentimento é detraição.
“Ele era recebido e ouvido sempre que nos procurava. Mas o fato de ter omitido que tinha emprestado a conta bancária lhe fechou as portas. O sentimento é de quebra de confiança. Pior: já não sabemos mais o que esperar. Pode ser que ele esteja ainda mais envolvido do que sabemos até o momento”, afirmou.
E acrescentou: “Estamos com opé atrás. Seguimos respeitando o posto do general Lourena Cid. Isso não dá para deixar de ter.Mas ele está sozinho”.
Esse oficial defende o “expurgo” para quem fere a “honra militar” e diz queé dado como certo que Mauro Cid deve perder a patente após a condenação na Justiça. “A probabilidade é gigantesca”, afirma.
Mesmo encarcerado, o tenente-coronel mantém corrida e exercícios diários, sempre sob vigilância de policial do Exército (Crédito:Cristiano Mariz)
Encarcerados civis amontoados sem banho de sol e sem banho de lua e sem banho de chuva e chuveiro
Mauro Cidestá preso no Batalhão de Polícia do Exército de Brasília desde o dia 3 de maio, onde segue uma rotina de exercícios físicos diários e leituras, inclusive dosseis inquéritos em que é investigado.
A primeira dor de cabeça do tenente-coronel veio com sua participação na divulgação ilegal de uma investigação sigilosa da PF sobre um ataque hacker ao TSE.Bolsonarousou os documentos em uma live para tentar desacreditar as urnas.
O inquérito vazado havia sido divulgado em um site bolsonarista por outro membro do clã, o irmão de Mauro,Daniel Cid. Daniel atua na área de segurança digital na Califórnia, onde comprou uma mansão avaliada em mais de R$ 8,5 milhões.
A família tem uma empresa registrada no país, aCid Family Trust. ACPMI dos Atos Golpistas já aprovou requerimentos para investigar quais empresas o pai e os dois filhos têm no exterior.
Mas essa pista ainda está travada. O presidente da comissão,Arthur Maia, não permitiu a votação do requerimento que estenderia essa apuração àmulher de Mauro Cid,Gabriela Santiago Ribeiro Cid, além de outros membros da família.
Sobre as volumosas movimentações bancárias de Mauro Cid depois de sua prisão, elas teriam sido realizadas por Gabriela, pois trata-se decontas conjuntas.
Walter Delgatti teve o sigilo quebrado a pedido da CPI dos Atos Golpistas, que em ato contínuo reconvocou Mauro Cid (Crédito:Mateus Bonomi )
Visitas
O dia a dia de Mauro Cid no Batalhão não é exatamente espartano. Tem um quarto com TV e frigobar. Chegou a receber 73 visitas até junho, boa parte de apoiadores do ex-presidente, como os generaisEduardo PazuelloeHamilton Mourão.
Mas os negócios com joias e Rolex complicaram tudo. Ele agora só pode receber parentes.O pai, general Mauro Lourena Cid, perdeu o direito de visitar o filho.
Esse último desdobramento também fez Mauro Cid trocar o defensor. Seu novo advogado,Cezar Bitencourt, chegou a sugerir que o cliente iria fazer uma confissão e apontar Bolsonaro como mandante do esquema de venda de joias. Depois, se desdisse e passou a dar versões contraditórias.
Agora, planeja uma audiência com o ministroAlexandre de Moraes, relator dos inquéritos no STF, para tentar melhorar a situação do cliente.
À ISTOÉ, ele disse que só tinha tido duas conversas com o cliente até a última segunda-feira, em que sequer o tema da confissão foi tratado.
Também afirmou que fará a defesa do pai de Mauro Cid, caso seja aberto alguma ação contra ele.
Militares apontam que o general Lourena Cid pode até mesmo ter sua aposentadoria cassada pelo Superior Tribunal Militar (STM). E a mesma corte pode cassar o posto e a patente de Mauro Cid.
Mas, para os militares, essapenalização na esfera militardepende primeiro da condenação naJustiça criminal.
O generalCarlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, diz que nunca trabalhou diretamente com Lourena Cid, mas elogia o companheiro de farda. “Sempre foi um militar com boa performance profissional. Em processos de merecimento e escolha percorreu todos os postos da carreira.”
Já o filho, para ele, “é um rapaz de conduta profissional de destaque. Como Ajudante de Ordens, sempre se mostrou um rapaz educado, atencioso.”
Sobre o argumento de que Mauro Cid teria apenas cumprido ordens, Santos Cruz, um dos fardados que romperam com Bolsonaro, é bastante crítico.“Acho os fatos lamentáveis. Se o presidente sabia ou não das iniciativas dos seus subordinados diretos, é necessário uma conclusão das investigações. Mesmo que se considere difícil ou improvável um subordinado tomar certas iniciativas sem o conhecimento do seu chefe, isso precisa ser esclarecido e comprovado”, afirma.
Como os colegas, ele tentaseparar a instituição dos elementos que mancharam a Força. “É importante separar as coisas. Os fatos são de responsabilidade individual e não de responsabilidade institucional.”
Outro oficial que atua com o Alto-Comando cerra fileiras com o mesmo argumento:“Ordem ilegal ou absurda não se cumpre”.
Para esse militar, “a forma como Mauro Cid agiu na Ajudância de Ordens não é adequada,aquela subserviência toda não é papel de militar, não nos serve.” (continua)
Montagem com a capa do recém-lançado livro ''O que fazer com o militar – anotações para uma nova defesa nacional'', do professor Manuel Domingos Neto. Foto: Divulgação
31. Vendo-se herdeiro do colonizador, o militar repele Tiradentes porque participou de seu martírio. Proclamando-se pacificador da sociedade escravocrata, declina do papel de defensor da nacionalidade. Quem ama o colonizador odeia a pátria e semeia a desavença porque dela se abastece. Quem ama o povo brasileiro quer a inclusão de todos.
Passo decisivo da reforma militar é a reverência aos heróis brasileiros. A exaltação da brutalidade do Estado contra a sociedade expõe as Forças Armadas ao desapreço. Não faz sentido o militar glorificar a repressão enquanto a sociedade reverencia suas vítimas.
Tiradentes deve ser o farol da reforma militar. Quando o enfileirado sentir-se um vingador do mártir, a base estruturante das mudanças corporativas estará constituída. O transtorno de personalidade funcional do militar estará sendo vencido.
O Brasil não logrará desenvolvimento econômico sustentável sem abraçar os vizinhos. Não conseguirá controle sanitário nem proteção ambiental. A proteção da Amazônia será uma quimera. As ilicitudes nas fronteiras persistirão. A Defesa brasileira será dispendiosa e frágil. O subcontinente patinará na busca de futuro promissor.
32. A coesão dos brasileiros, sendo a viga mestra da Defesa Nacional, a amizade com os vizinhos representa sua primeira grande escora. O militar brasileiro evita a integração sul-americana para não desagradar Washington.
33. Não obstante Lula ser favorável à integração sul-americana, a Política Nacional de Defesa em análise no Congresso prioriza alianças estratégicas com potências imperialistas. Os Estados Unidos não largam mão do controle do material de guerra produzido no Ocidente. A busca de cooperação com “nações mais avançadas” revela os fundamentos arcaicos da Defesa Nacional.
34. O Brasil é um dos poucos países em condições de dissuadir potenciais agressores a partir da construção de um sólido bloco capaz de impor respeito no tabuleiro internacional. O Brasil precisa liderar a integração sul-americana.
35. O militar foge da discussão sobre a Defesa Nacional. Pede mais recursos públicos com argumentos inconsistentes. As dimensões territoriais do país, o tamanho de sua população e de seu PIB não são motivos para engrossar fileiras: a capacidade de uma corporação militar pode ser inversa ao seu tamanho. Diante de mísseis hipersônicos e drones furtivos, pouco valem homens preparados para a luta corpo-a-corpo.
36. As premissas do planejamento do Exército brasileiro, “agilidade”, “força” e “presença” são insustentáveis e contrárias a uma Defesa Nacional consistente. Precisam ser revisadas.
37. A “agilidade”, pressupõe o monitoramento de potenciais ofensores, o uso da aviação de combate e de mísseis de grande alcance e velocidade. O deslocamento rápido de tropas faria sentido diante de uma ocupação territorial difícil de imaginar, por supérflua e desarrazoada.
38. Caso a ocupação de parte do território brasileiro seja tentada, seria inviabilizada pela interrupção de transporte aéreo e marítimo do invasor. O combatente da “selva” formado pelo Exército passa ao contribuinte a impressão de capacidade para defender a Amazônia, mas serve essencialmente para combater brasileiros insatisfeitos e alimentar propaganda enganosa.
39. A premissa “força” é negada pelo emprego dos recursos destinados a Defesa. Se as Forças Armadas pretendessem demonstrar “força”, reduziriam seus gastos com pessoal em benefício da produção autônoma de armas e equipamentos avançados.
40. A premissa “força” é negada pelo emprego dos recursos destinados a Defesa. Se as Forças Armadas pretendessem demonstrar “força”, reduziriam seus gastos com pessoal em benefício da produção autônoma de armas e equipamentos avançados.
41. Quanto à terceira premissa, “presença”, muitos quartéis e extensas fileiras não dissuadem agressor estrangeiro. O militar precisa chegar em qualquer lugar e a qualquer hora, mas para isso precisa priorizar a Força Aérea.
42. Por deter grande território e extenso mar, o Estado brasileiro deveria ter menos soldados e grande capacidade aeronaval. A supremacia da Força Terrestre serve para o combate ao “inimigo interno”, não para dissuadir estrangeiro hostil.
Espero que meu livro O QUE FAZER COM O MILITAR estimule um debate que não pode ser postergado.
Figuras graduadas do Exército citam caso da prisão de integrantes da PM (golpistas, terroristas e corruptos) do DF e apontam que há limite a partir do qual seria difícil acalmar oficialato e militares abaixo da linha de comando.
Monica Gugliano, usando o velho Estadão como meio, dá o recado anônimo e covarde dos marechais de contracheque do capitão Jair Bolsonaro:
É uma corda bastante fina essa que a Justiça está esticando com as prisões de militares, como as que a Procuradoria-Geral da República (PGR) determinou nesta sexta-feira, 18, e que atingiram os integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, entre eles o atual comandante Klepter Rosa Gonçalves. A opinião generalizada entre militares graduados do Exército é de que essas prisões estão criando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas. Alguns oficiais chegam a dizer que a PGR estaria “tripudiando” e que essas ações têm um limite, a partir do qual não seria fácil acalmar nem o oficialato e nem tampouco os militares abaixo da linha de comando.”
Entre os militares, existe a percepção é de que há exagero e descontrole nessas prisões de pessoas que não estariam dando sinais de que tentarem atrapalhar investigações ou de que teriam realmente participado ou feito corpo mole diante da tentativa de um golpe no dia 8 de janeiro. Elas seguiriam um estilo lavajatista que forçaria delações e confissões, muitas das quais não se sustentaram com o passar do tempo.
Para o Exército está muito claro que a Força não embarcou em nenhuma tentativa de golpe ou suposto golpe. Pelo contrário, o Alto Comando tem reafirmado que assumiu uma forte posição em defesa da democracia e da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Portanto, não existiriam razões para a Força continuar sendo envolvida em supostos ilícitos praticados por alguns do seus integrantes.
Mas existe um clamor popular para que aconteçam punições, especialmente no caso do ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, Mauro César Cid, e agora do seu pai, o general de Exército na reserva, Mauro César Lourena Cid. O Exército é uma instituição e, como tal, esses oficiais têm dito que a instituição não pode agir movido pelo clamor das ruas. Mas precisa seguir a legalidade.
Isto é, quando Cid for julgado, se condenado, certamente será expulso da Força. O caso do pai dele é mais complicado por se tratar de um general da reserva, e cuja participação do caso das joias ainda está sendo digerida. Mesmo seus mais próximos amigos estão desconcertados com as revelações do possível envolvimento dele. Alguns que têm procurado falar com ele, pararam de tentar. Lourena Cid, dizem essas pessoas, está terrivelmente abalado, chora e não consegue conversar.
Quem critica um discurso como o de Barroso tem moral para condenar a agressão ao ministro Moraes?
por Pepe Damasco
Dias atrás o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, passou praticamente uma tarde inteira nos estúdios da GloboNews, em Brasília, sendo entrevistado.
Não que eu tenha acompanhado a sabatina por todo esse tempo, afinal, meu ouvido não é penico, mas vez por outra sintonizava o canal de notícias só para ter uma noção do latifúndio de tempo oferecido a uma das figuras mais deploráveis da política brasileira.
Há gosto para tudo e a Globo entrevista quem quiser, pelo tempo que julgar conveniente, mesmo que seja para ouvir empulhações e mentiras em profusão. Mas o episódio serve para ilustrar como o jornalismo global prejudica a democracia ao tentar conferir um padrão de normalidade democrática aos movimentos políticos dos representantes do bolsonarismo.
Embora não se diga bolsonarista raiz, Waldemar é presidente do partido que abriga boa parte dos fascistas nativos e paga R$ 41 mil reais mensais a Bolsonaro, como presidente de honra da sigla. Se sua defesa do estado democrático de direito fosse genuína, a Globo pensaria duas vezes antes de dar palanque para o líder do partido oficial dos golpistas de 8 de janeiro.
Em matéria assinada pelo jornalista Chico Alves, no Portal UOL, publicada em 16 de julho, o professor de literatura comparada da UERJ, João Cesar de Castro Rocha, fala de seu último livro, “Bolsonarismo – da guerra cultural ao terrorismo doméstico.”
Tomando como exemplo mais recente a agressão sofrida pelo ministro Alexandre de Moraes e seu filho, o professor chama atenção de que a agressividade dos bolsonaristas está passando do discurso para o enfrentamento físico.
“O bolsonarismo passou do limite da possibilidade de convivência na pólis. Ou nós reagimos agora, ou as consequências para o futuro serão funestas”, alerta.
Chico Alves destaca na reportagem que "a tese que o pesquisador defende no livro é que a extrema-direita liderada por Jair Bolsonaro deixou de lado a narrativa de guerra cultural e passou ao confronto real, que acontece de várias formas, como, por exemplo, a agressão ao ministro Moraes.”
João Cesar de Castro Rocha dá alguns puxões de orelha pertinentes na classe política e na imprensa comercial:
“Ou nós tomamos uma atitude em relação a deputados como Gustavo Gayer, André Fernandes, Abílio Brunini, Nikolas Ferreira e Carla Zambelli, ou o parlamento perderá totalmente a legitimidade.”
“E nós precisamos começar a dizer: não é tenente-coronel Mauro Cid, é tenente-coronel golpista Mauro Cid. Não é general Braga Netto, é general golpista Braga Netto. Não é general Augusto Heleno, é general golpista Augusto Heleno.”
Outro acontecimento recente – o discurso do ministro Barroso, no congresso da UNE, criticando o bolsonarismo - dá bem a medida da visão míope e contraditória da mídia em relação ao golpismo. Em geral, os analistas globais se somaram à direita e à extrema-direita na condenação à fala de Barroso.
O ministro, cujas posições no golpe contra Dilma Rousseff e na caçada e prisão ilegal de Lula mostram que ele não é flor que se cheire em termos de rigor democrático, apenas realçou a importância da derrota do extremismo golpista. Ou seja, não fez mais do que sua obrigação como integrante de um dos poderes da República.
Então, a pergunta que fica é: quem critica um discurso como o de Barroso tem moral para condenar a agressão ao ministro Moraes?
O grupo bolsonarista autodenominado "300 do Brasil" fez ontem em 31 de maio de 2020 um protesto em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) , depois de sua principal porta-voz, Sara Winter, ter sido alvo de mandado de busca e apreensão relacionado ao inquérito das fake news
Imagens inéditas revelam invasão e depredação do STF em 8 de janeiro. Folha de S. Paulo divulga imagens do circuito interno do STF (Supremo Tribunal Federal) do momento dos ataques golpistas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no último dia 8, que mostram a Polícia Militar do Distrito Federal cedendo à passagem de manifestantes que invadiram a sede da corte. A invasão começou por volta das 15h30. Muitos estavam com máscaras e luvas e ignoraram as bombas de gás e de pimenta lançados pela Polícia Judicial.
Golpistas durante invasão e destruição do STF: extrema direita pintou o Judiciário como inimigo
Durante anos, o ecossistema de desinformação alimentou teorias que estimularam a ação dos golpistas
Como mostrado nos capítulos anteriores, os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro estavam convencidos de que a eleição de 2022 foi fraudada pelo próprio Judiciário e, ainda mais absurdo, que seria possível um golpe militar sem ferir a Constituição.
Mas como tantos brasileiros passaram a acreditar nesse delírio que não encontra nenhuma relação com a realidade? Hoje, quando se analisa o discurso construído pela extrema direita nos últimos anos, percebe-se que o 8 de Janeiro foi resultado de quatro narrativas mentirosas.
O próprio Jair Bolsonaro começou sua ofensiva antes de ser eleito. E, depois de se tornar presidente, não parou de criar conflitos e tensões com o STF e outros tribunais superiores. Em 2019, primeiro ano de mandato, disse várias vezes que o Supremo estava “legislando” e “errando demais”.
Ao mesmo tempo, bolsonaristas construíram uma imagem do STF como um inimigo das pautas conservadoras, divulgando amplamente decisões como a do direito de interrupção da gestação em caso de feto anencéfalo e a criminalização da homofobia e da transfobia.
As críticas viraram ataques. Influenciadores bolsonaristas passaram a pedir a prisão de ministros do STF e chegaram a realizar protesto em que fogos de artifício foram lançados sobre o tribunal. Ao reagir e passar a investigar atos antidemocráticos como esses, o Supremo passou a ser descrito, então, como um poder “de esquerda”, que busca censurar e perseguir a direita.
Suspeitas sobre as eleições
Paralelamente à campanha anti-Judiciário, Bolsonaro e seus cúmplices sempre tentaram desacreditar o processo eleitoral. O ex-presidente chegou a dizer, ainda em 2018, que só não venceria as eleições se houvesse fraude.
Ataque semelhante foi feito às urnas eletrônicas. Após declarações esporádicas sobre a falta de confiabilidade dos equipamentos, Bolsonaro e sua tropa passaram a defender o voto impresso como única forma de garantir eleições limpas. A ponto de, em agosto de 2021, tentarem aprovar uma emenda à Constituição implementando o voto impresso.
Mal-sucedidos nessa tentativa, os bolsonaristas passaram a reforçar o discurso de que a derrota de Bolsonaro em 2022 só ocorreria com fraudes. Ele chegou a convocar embaixadores para dizer que as urnas e o TSE não seriam confiáveis e repetiu, por diversas vezes, que só aceitaria o resultado de eleições confiáveis. Isso era o mesmo que se recusar a aceitar a derrota, já que, na narrativa criada, apenas o voto em papel seria confiável.
Essa escalada chegou ao limite do golpismo em 7 de setembro de 2022, quando Jair Bolsonaro sequestrou uma festa cívica nacional para sua agenda antidemocrática. Reuniu seus apoiadores tanto na Avenida Paulista, em São Paulo, quando na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. E chegou a dizer que poderia desrespeitar decisões da Corte.
O clima de animosidade e instabilidade era tão grande que muitos de seus apoiadores lamentaram o fato de Bolsonaro não ter dado a ordem para que o STF fosse invadido aquele dia.
A crise e o “poder moderador”
As versões da Justiça como inimiga e da desconfiança a respeito do processo eleitoral ajudaram a alimentar outra importante narrativa da extrema direita: a da crise entre os poderes.
Crise, é importante ressaltar, alimentada pelo próprio Bolsonaro. O ex-capitão não perdeu uma só chance de criar conflitos entre as instituições. Na pandemia, por exemplo, abriu guerra contra o Supremo, o Congresso Nacional e os governadores, simplesmente porque eles tentavam adotar medidas para proteger a população da Covid-19.
No emaranhado de desinformação, a solução para a crise apresentada aos seguidores de Bolsonaro era a das Forças Armadas como poder moderador. Essa foi a quarta narrativa que alimentou o 8 de Janeiro após ser propagada por anos. Para se ter ideia, Ives Gandra Martins, o jurista chamado para falar na infame audiência no Senado de 30 de novembro de 2022, vinha publicando artigos sobre o tema desde 2016.
A tese “inovadora” de Martins nesses textos é a de que o artigo 142 da Constituição permite que qualquer um dos Três Poderes, caso se sinta “atropelado por outro”, peça que as Forças Armadas “ajam como poder moderador”, em caso de “conflito entre os Poderes”.
Embora fortemente contestada por especialistas em direito, essa tese se tornou verdade no ecossistema de desinformação bolsonarista. E, a ela, somou-se a lembrança de experiências do uso das Forças Armadas para “conter crises” — Garantia da Lei e da Ordem (GLO) adotada em Brasília, após protestos em maio de 2017; e a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro, no ano seguinte, ambos no governo de Michel Temer.
Assim, o ecossistema de desinformação conseguiu convencer milhares de brasileiros que, no fim, um plano ardiloso do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impediu a realização de eleições confiáveis para eleger Lula. Também os convenceu de que as Forças Armadas poderiam dar um golpe sem ferir a Constituição. E ainda que, ao provocarem uma grave crise em 8 de janeiro, a decretação da GLO seria inevitável, o que ajudaria ainda mais a intervenção militar.
Ora, quem difundiu essa narrativa foi, claramente, Jair Bolsonaro e seus cúmplices. Logo, é evidente que são eles os responsáveis pelo que ocorreu. E que Jair Bolsonaro é, sim, o capitão do golpe. Impossível negar.
Bolsonaro acreditou que a economia iria pelos ares e, com ela, seu governo, se combatesse a pandemia como Mandetta pedia. Então, preferiu associar-se à morte. Foram mais de 700 mil.
Se desejasse apenas se reeleger, não partiria para o confronto sangrento com a Justiça. O ápice foi no 7 de setembro de 2021, em comício na Avenida Paulista, quando ele explodiu:
“Acabou o tempo dele. Alexandre de Moraes: deixa de ser canalha. Eu quero dizer que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente nunca mais cumprirá. A paciência do nosso povo se esgotou. Ele tem tempo ainda de pedir seu boné e cuidar de sua vida. Ele para nós não existe mais.”
Em live nas redes sociais, desafiou o ministro:
“Tu está (sic) pensando o quê da vida, que você pode tudo? E tudo bem? Você um dia vai dar uma canetada e me prender? É isso que passa pela tua cabeça?”
Quem quer pegar galinha não diz xô. A galinha dos ovos de ouro de Bolsonaro não era a reeleição, mas o golpe. Em legítima defesa do país e dela mesma, a Justiça decretou: “Chega! Basta! Fora!”
E Noblat finaliza:
O imexível e imbrochável capitão de fancaria acabou castrado, tornando-se também inelegível. Falta a canetada. Que não será uma canetada, mas um julgamento que obedeça aos ritos da lei.
É assim nas democracias que não são relativas, mas de verdade.
O que se pretendia com a invasao e a quebradeira de 8 janeiro em Brasilia senao uma resposta sangrenta da policia estadual do DF e das policias federais e das Forças Armadas. Bastaria uma morte para ser a bandeira do confronto, da guerra civil, pretendida na noite de vandalismo do dia 12, ou a explosao de uma bomba no Aeroporto de Brasilia com milhares e milhares de morte. (continua)