Investigações revelam planejamento de golpistas
Presos e envolvidos em atos golpistas de 8 de janeiro tinham ações coordenadas e de desafio às autoridades
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Presos e envolvidos em atos golpistas de 8 de janeiro tinham ações coordenadas e de desafio às autoridades
O presidente Bolsonaro foi o principal responsável pelos erros de governo no enfrentamento à pandemia, diz Renan Calheiros
Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Folhapress
O senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo e membro da CPI da Covid, trabalhou com o gabinete paralelo que orientou o uso de medicamentos e políticas públicas inúteis contra a covid-19. Em uma longa reunião privada, classificada pelo empresário Carlos Wizard como um “encontro nacional” com médicos de “27 estados”, o senador foi apresentado como o “padrinho político” da iniciativa.
Uma gravação do encontro foi entregue agora ao Intercept por uma fonte que pediu para se manter anônima por medo de represálias. O material, com confissões até então inéditas, não faz parte dos documentos recolhidos pela CPI. Para preservar a identidade da fonte, o Intercept optou por não publicar a íntegra do vídeo, mas apenas trechos dele.
Numa fala de quase dez minutos, do Val afirmou que trabalhava para convencer autoridades para que adotassem o chamado kit covid, assim como para organizar a distribuição de fármacos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus. O senador mencionou tratativas dele com as Forças Armadas, governadores, prefeitos, o Ministério Público e a Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A reunião ocorreu em 28 de junho de 2020.
“Estou aqui não só como padrinho, mas como ponta de lança para entrar onde vocês vão ter dificuldade”, disse o senador no encontro. “Até peço: não entre na seara política, que é muito complicada. Pode contar comigo que vou estar na neutralidade, não quero e não vou fazer publicidade disso. Para mim, fazer publicidade disso é um crime”.
A confissão do senador – que meses depois mentiu a respeito, como mostram notas taquigráficas de sessão da CPI – foi feita em uma reunião fechada de duas horas do grupo, que se autodenomina “conselho científico independente”.
No mesmo encontro virtual, o médico Emmanuel Fortes, que é um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina, o CFM, e membro ativo do gabinete paralelo, confirma que a entidade trabalhou alinhada aos defensores do tratamento precoce para dar garantias a quem prescrevesse a medicação inútil a pacientes de covid-19.
Além disso, o vídeo confirma o papel central de Wizard no gabinete paralelo montado por Jair Bolsonaro para aconselhá-lo no combate à covid-19. Ao longo de mais de duas horas, é ele quem preside a reunião, distribui tarefas e faz pedidos aos médicos que participam do encontro virtual.
O coquetel de medicamentos, que contém cloroquina e ivermectina, é comprovadamente ineficaz contra o vírus que já matou quase 600 mil brasileiros, de acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde e da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Eu procurei Marcos do Val para que comentasse o vídeo. Em entrevista, o senador confirmou que trabalhou pela aquisição de cloroquina, mas negou que atuava para ajudar o presidente Jair Bolsonaro, principal interessado em vender a ideia de que a cloroquina significava a cura da covid-19 para incentivar que os brasileiros voltassem às atividades rotineiras e evitassem a retração econômica. Do Val disse, inclusive, que se revolta ao ver o presidente provocando aglomerações, e que nunca esteve em reuniões com ele para tratar de qualquer assunto.
“Não fazia parte de um gabinete ou nenhum conluio. Para mim isso não existia”, disse. O vídeo, contudo, o desmente. Do Val também argumentou que sua atitude foi correta à época, mas que, com o surgimento das vacinas e novas evidências da ineficácia das drogas do kit covid, ele reviu sua posição.
Na época da reunião, no entanto, o governo dos EUA já afirmava não ser “razoável” acreditar na eficácia da cloroquina. E um estudo conduzido pelo governo britânico não encontrou qualquer benefício no uso do medicamento. Ou seja: no mínimo, não havia qualquer informação científica que autorizasse a corrida para inundar o Brasil com comprimidos de cloroquina. Hoje, sabe-se que o uso da droga inclusive aumentou a mortalidade de pacientes de covid-19, segundo uma pesquisa publicada pela revista científica Nature.
Marcos do Val jamais revelou detalhes de sua atuação junto aos médicos, apesar do grupo ser um dos focos centrais da investigação de que ele mesmo faz parte. Pior: durante o depoimento de Wizard à CPI, em 30 de junho passado, do Val apenas disse que foi convidado para uma live com Wizard e que nunca lhe pediram nada.
“Não me foi pedido nada, apoio de nada, absolutamente nada. Então, eu queria deixar claro isto pra sociedade, pra todos que estão assistindo: como eu acabei te conhecendo, como eu acabei conhecendo a equipe de médicos e cientistas”, disse, na CPI.
O encontro secreto mostra outra fotografia. Um ano antes do depoimento prestado por Carlos Wizard, do Val disse que tinha proximidade com o empresário, com o presidente Jair Bolsonaro, e se cacifou como representante dos médicos que buscavam promover um medicamento sem eficácia contra o coronavírus.
O parlamentar revelou que por seus esforços conseguiu “fazer com que as Forças Armadas disponibilizassem oficialmente o Exército aqui no meu estado para armazenar a medicação e fazer a distribuição”. “Consegui recursos com o Ministério da Saúde para compra de mais de 200 mil kits para o meu estado, são 4 milhões de moradores”, orgulhou-se.
Adiante, ele repetiu a afirmação: “A gente está conseguindo fazer o movimento mesmo com o governador [do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB] ter sido contrário, do secretário de Saúde ser extremamente contrário a isso. Consegui [empurrar a distribuição da cloroquina] via Ministério Público, via CRM”, falou, referindo-se ao Conselho Regional de Medicina capixaba.
À época da reunião, o país vivia a primeira escalada de casos de covid-19 e somava cerca de 55 mil mortes. Bolsonaro já havia defendido a cloroquina e trabalhava para viabilizar a importação dos insumos. O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército produzia o medicamento em larga escala.
Mas todo esse esforço já não encontrava respaldo na Organização Mundial da Saúde, que estava revendo pesquisas com a droga por conta do risco do medicamento à saúde dos voluntários. Dias depois, em 4 de julho, a OMS encerraria definitivamente as pesquisas sobre a cloroquina.
Nada disso importava para quem participava daquela reunião virtual. O encantado Wizard contava que via do Val como um lobista do grupo – e da cloroquina – junto a órgãos públicos.
“Por que um grupo de médicos de 27 estados precisa do apoio de um senador que nem médico é? Quero dizer a todos vocês que em alguns momentos específicos, vamos precisar do apoio do senador do Val. Seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército, para dispensar os remédios no seu município, no seu estado, seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local. Seja muito bem-vindo, senador. Agradecemos e contamos com seu apoio”, aplaudiu o empresário.
As falas de Wizard e do Val foram acompanhadas por ao menos 16 pessoas de todas as regiões do país e que faziam lobby pelo uso do kit covid junto a estados e prefeituras.
‘A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo’.
No encontro esteve também o atual secretário-executivo adjunto do Ministério da Saúde, Alessandro Vasconcelos, que à época era assessor especial da Secretaria-Executiva, comandado pelo coronel Élcio Franco. As médicas Nise Yamaguchi, Luciana Cruz, e os médicos Guili Pech e Roberto Zeballos também participaram.
O senador é novato na política: foi eleito em 2018 na onda do bolsonarismo. Dono de uma empresa que dá treinamentos de segurança a policiais, do Val orientou os médicos cloroquiners a evitarem conflitos e processos judiciais enquanto batalhavam pelo tratamento precoce.
“A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo. Eu tô botando o nome porque eu me sinto à vontade para falar isso com vocês, para não ter melindre. Não adianta entrar em rota de colisão com a Globo, não adianta entrar em rota de colisão com governador que é contrário, a gente tem que criar estratégia e saber chegar ao resultado sem fazer vídeos batendo, sem fazer vídeos agredindo ninguém. Porque isso vai trazer um processo judicial que vai tirar o tempo de vocês”, explicou o senador.
Em vários momentos da reunião, os participantes relatam estratégias para driblar as políticas públicas de cidades contrárias ao tratamento precoce. Em um dos relatos, a médica Luciana Cruz, que integra grupos que promovem desinformação sobre a covid-19, disse ter convencido os gestores de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, a adotarem o tratamento precoce. Ela apresentou a notícia como uma forma de driblar a resistência ao ineficaz tratamento precoce que havia encontrado na capital do Mato Grosso.
Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina: ‘É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa [da cloroquina] que gerou o dano à saúde’. Foto: Divulgação/Facebook
Ainda que tenha falado menos do que o senador Marcos do Val, o médico Emmanuel Fortes, vice-presidente do CFM, é outra estrela da reunião.
“Eu sou o coordenador do Departamento de Fiscalização e da Propaganda e Publicidade Médica [no CFM]. E sou o responsável, fui o relator do parecer sobre uso off label do medicamento”, ele disse, em referência ao relatório de 2016 que autorizou a prática. “Então, tudo que está sendo feito agora [com a cloroquina] está amparado em uma nota técnica do CFM e no parecer sobre uso off label dos medicamentos”, vangloriou-se Fortes.
O uso off label é a indicação de um medicamento para fins não especificados na bula pelo fabricante nem reconhecidos pela Anvisa. Além do parecer de 2016, uma segunda nota técnica, publicada em 2020 pelo CFM, deu sustentação para que médicos alinhados a Bolsonaro pudessem prescrever cloroquina, ivermectina, azitromicina e outros remédios que não têm nenhum efeito contra a doença causada pelo novo coronavírus sem medo de sofrer punições por infringir a ética médica. O texto de 2020 distorceu o conceito de autonomia do médico para ajudar na disseminação do kit covid.
Assim como o senador, Fortes orienta os médicos a não confrontarem colegas de profissão contrários ao tratamento com cloroquina. Ele argumenta, sem explicar bem seu raciocínio, que os profissionais que desconfiaram – com razão – da cloroquina é que corriam riscos de ser processados por pacientes insatisfeitos.
“Se tiver problemas [derivados do uso da cloroquina], é necessário que haja uma relação de causa e efeito. É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa que gerou o dano”, falou, com frieza.
“Agora, [no caso de] quem não prescreve, aí a situação fica muito mais complexa. Basta ir no prontuário e ver que a pessoa não tomou providência preliminarmente e [isso] pode [resultar nela] ser acionada judicialmente. […] A gente tem que dizer àqueles que prescrevem [a cloroquina] que a salvaguarda deles é muito maior do que para quem não prescreve”, calculou Fortes.
Jair Bolsonaro e o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde que liberou o uso generalizado da cloroquina contra a covid-19: intenção era criar a impressão de que havia uma cura fácil para a doença. Foto: Andressa Anholete/Getty Images
Também participou da reunião virtual o então diretor do Departamento de Gestão do Trabalho em Saúde, Alessandro Vasconcelos. À época, ele era subordinado ao general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro interino da Saúde.
Após pedidos dos médicos que estavam na live, Alessandro se comprometeu a enviar documentos da Secretaria-Executiva (à época comandada pelo coronel Élcio Franco) que informassem a data em que os estados receberam cloroquina e a quantidade do medicamento enviado. O objetivo era ter em mãos documentos para pressionar os governadores a distribuir a droga aos municípios.
Vasconcelos se dispôs a interferir junto ao Conass, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que representa secretários estaduais, em busca de reuniões entre o gabinete paralelo e autoridades locais de municípios que tinham “bloqueios”, classificação no grupo para as cidades em que a cloroquina era barrada.
Diferentemente de quando depôs à CPI, onde se agarrou a uma decisão do Supremo Tribunal Federal e repetiu dezenas de vezes que não iria responder a pergunta alguma, Carlos Wizard parece à vontade ao longo da reunião virtual. Além de coordenar o encontro, ele estimulou que líderes do grupo dessem entrevistas a meios de comunicação para disseminar os efeitos (inexistentes) cloroquina contra a covid-19.
“Seja a doutora Luciana, o doutor Zeballos, a doutora Nise, o doutor Anthony, [ou] os demais membros do conselho. Entra pelo Skype, entra pelo Zoom. O que nós queremos é cada vez mais divulgar esse protocolo de tratamento precoce”, disse Wizard.
Marcos do Val com os colegas senadores Flávio Bolsonaro, do Republicanos do Rio, e Marcos Rogério, do DEM de Rondônia: contra a ciência, jogando a favor da cloroquina. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Na quarta-feira, 6 de outubro, à noite, enviei questionamentos à assessoria do senador Marcos do Val. Em seguida, ele mesmo pediu para dar uma entrevista por telefone sobre o caso. Em cerca de 1h20 de ligação, me explicou suas ações e contextualizou a época do vídeo. Depois, ainda me enviou vídeos de suas redes sociais e documentos que a seu ver legitimam sua atuação em prol da cloroquina.
Na mesma noite, Edvaldo Fernandes, da Advocacia do Senado Federal, me mandou mensagem, a pedido do senador, para emitir uma opinião sobre as atitudes dele.
“O senador Marcos do Val reportou o contato de vocês, enviou documentos e esclarecimentos. Pelos dados disponíveis, não identificamos nada de irregular, já que o senador sempre atuou sob o manto da imunidade parlamentar, fez sim defesa de tratamento precoce e preventivo no começo da pandemia, mas convergiu para a posição ortodoxa quando a ineficácia dessas abordagens se provaram cientificamente ineficientes”, escreveu Fernandes.
A advocacia do Senado serve aos senadores, mas é incomum jornalistas receberem posicionamentos desses servidores sem que o órgão seja procurado para esclarecimentos.
Na conversa comigo, Do Val fez questão de mostrar o ofício enviado ao Ministério da Defesa. Como já havia dito na reunião, ele reiterou que intermediou a doação de cloroquina de laboratórios a um hospital privado, que por sua vez repassaria os comprimidos para médicos os receitarem a pacientes em clínicas particulares.
“Não lembro a quantidade, lembro que nem tive acesso a esses remédios, nem vi, nem toquei [neles]. Só falei para os médicos: olha, está chegando [cloroquina] para o hospital [privado] aqui no estado, o MedSênior, eles que vão receber, porque têm toda liberação da Anvisa. E vocês vão pegar lá, cada médico, e botar sua identidade e tudo mais. Eles [os médicos] pegaram e dentro de suas clínicas particulares receitaram”, disse. O senador disse que a articulação foi comunicada ao Ministério Público do Espírito Santo.
Ele disse, ainda, que conseguiu “uma doação que foi feita diretamente de fábrica para hospital, que entregou para os médicos”. “Eram amostras grátis. Fui pedindo rebarba de remédios, que iriam vencer em seis meses, e até a entrega às farmácias estariam vencidos”, acrescentou. Para embasar o que falava, me mostrou um ofício da Eurofarma em que registram a doação em julho de 2020 para a empresa Samedil.
‘A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar a cloroquina’.
“Hoje, como integrante da CPI, eu vi, foram descortinadas coisas que eram feitas e que, se eu soubesse [na época], não teria participando dos grupos e movimentos”, disse.
Do Val admitiu que em nenhum momento foi cobrado ou trabalhou pela aquisição de respiradores ou insumos para leitos de UTI – duas alternativas reais para salvar vidas –, mas apenas pela entrega de cloroquina aos médicos.
O senador do Val disse que se interessou pela pauta da cloroquina quando teve covid, em maio de 2020. À época, foi procurado pelo médico Fábio Pimenta, membro suplente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo. No entanto, me relatou que sua atuação só ganhou força após os encontros com Wizard.
“[A live com Wizard] Era exatamente para dizer como a gente ia trabalhar para ajudar. Não era convencer [a sociedade], não, porque não sou médico. Era ajudar os médicos que eram favoráveis. A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar isso [a cloroquina]”, afirmou.
Ele contou que montou um grupo com 76 dos 78 secretários municipais do seu estado para discutir demandas, e que atuou diretamente com eles, sem procurar o Conasems, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, entidade responsável por tratar e definir políticas públicas junto ao Ministério da Saúde.
Sobre as críticas à Globo, disse que a empresa age politicamente e queria criticar os métodos do presidente. Já sobre sua fala na CPI de que não ofereceu ajuda, disse que ele foi mal interpretado.
“A minha fala de não pedir nada é [não pedir] nada ilícito. Digo que não me pediram nada, eu tenho que complementar com o ‘ilícito’? Eu não sou político de carreira, então tem que ter essa malícia, pode ser que nas próximas eu seja mais detalhista”, esquivou-se.
Após a publicação da reportagem, a Advocacia do Senado enviou uma nota em que repete as considerações ditas por Marcos do Val na entrevista. Ela pode ser lida na íntegra aqui.
Procurei o advogado de Carlos Wizard, Adelmo Emerenciano, e perguntei sobre a reunião, o contato com o senador e articulação do gabinete paralelo. Ele respondeu que, “tendo em vista que não acessou o material da reunião, Carlos Wizard não vai se manifestar”.
O Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina foram procurados por e-mail, mas não se manifestaram.
AO VIVO I CPI da Covid ouve Roberto Pereira Ramos Júnior, presidente do FIB Bankhttps://youtu.be/fThjzwvypQk
“Escabroso”, “contraditório”, “demolidor” foram alguns dos adjetivos usados pelos senadores para qualificar o depoimento desta quarta-feira (25) na CPI da Pandemia. O depoente foi Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor-presidente da FIB BanK — empresa apresentada como garantidora de crédito da Precisa Medicamentos na malograda compra da vacina indiana Covaxin. O depoente disse que a FIB BanK, apesar do nome, não é um banco, e apesar de ser uma pequena empresa, tem capital social de R$ 7,5 bilhões, na forma de terrenos em São Paulo e no Paraná.
Negociação teria acontecido durante viagem, conforme indica troca de emails revelada pela Revista IstoÉ.Flávio Bolsonaro estava nos EUA acompanhando o ministro das Comunicações entre os dias 7 e 10 de junho deste ano, onde cumpriram agenda em Nova York. https://www.brasildefato.com.br/2021/08/26/flavio-bolsonaro-teria-participado-de-negociacao-para-compra-de-vacina-nos-eua-diz-revista …
AO VIVO I CPI da Covid ouve José Ricardo Santana, ex-secretário de Medicamentos da Anvisa >> https://youtu.be/j2-3dL2VZac .
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou ter sido, “de longe, o depoimento mais contraditório desta comissão”. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator, qualificou o depoimento de “escabroso” e lembrou que o negócio foi paralisado graças à CPI. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) disse que nenhum outro depoimento foi “carregado de tantas irregularidades”. A senadora Simone Tebet (MDB-MS) enumerou as “artimanhas” e disse que o que Eduardo Pazuello, Elcio Franco e Roberto Dias têm de responder por assinarem pelo Ministério da Saúde um contrato sem as formalidade legais. O senador Jorginho Mello (PL-SC) qualificou a atuação da empresa de “golpe”, “tramoia” e “picaretagem”.
Apesar do nome, a FIB BanK não é banco ou instituição financeira. O questionamento da CPI concentrou-se na falta de credenciais da empresa para avalizar um negócio da ordem de R$ 1,6 bilhão com o Ministério da Saúde, diante de várias possíveis ilegalidades em sua constituição e operação. Também indagou-se sobre o papel do advogado Marcos Tolentino, apontado como verdadeiro dono da FIB BanK e ligado ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). O nome de Barros foi citado em negociações de vacinas com o governo brasileiro suspeitas de irregularidades.
— O pior é que coloca o nome de banco e nem banco é! A fake news começa aí! — indignou-se o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Em diversos momentos, Roberto Pereira afirmou desconhecer pessoas envolvidas nos negócios da FIB Bank (como Francisco Maximiano, dono da Precisa), ou não dispor dos documentos necessários para responder as perguntas do relator, encaminhando as solicitações aos departamentos comercial e jurídico de sua empresa. Ao lhe perguntarem sua remuneração na empresa, o depoente pediu para prestar a informação por escrito após a reunião.
Roberto Pereira reconheceu que a FIB Bank nasceu como shelf company. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) explicou que o termo em inglês (que significa “empresa de prateleira”) designa empresas constituídas em cartório, mas sem atividade, criadas apenas para serem revendidas a quem queira possuir uma pessoa jurídica sem enfrentar a burocracia de criação de uma empresa.
Acompanhe a CPI da Covid aqui com a gente!
Assista aqui: https://youtu.be/hkJvGLNOfDE
A senadora Simone Tebet fez uma detalhada exposição das aparentes fraudes nas atividades da FIB Bank ao longo dos anos, a começar pelo uso de “laranjas” como sócios. Um dos momentos mais surpreendentes da reunião foi a exibição de um vídeo de Geraldo Rodrigues Machado, morador do município alagoano de Pão de Açúcar. No vídeo, Araújo contou que, ao tentar financiar uma moto em 2015, descobriu que era sócio da empresa.
— O contrato da Covaxin era fraudulento. Faltavam partes, [havia] valores para serem pagos em paraíso fiscal por quem não fazia parte da assinatura do contrato, e garantia de um banco que não era banco — afirmou Simone. — O Ministério da Saúde é tão ou mais responsável por isso.
AO VIVO I CPI da Covid ouve Emanuel Catori, sócio da farmacêutica Belcher
https://youtu.be/3cXt-enkd2c
Convocação
Foi aprovado requerimento de Randolfe Rodrigues, convocando a depor Ivanildo Gonçalves da Silva, motoboy para a empresa VTCLog, empresa de logística que atende o Ministério da Saúde na distribuição de vacinas e insumos para todo o país. Desde 2018 Ivanildo fez saques em espécie para a VTCLog num total superior a R$ 4 milhões.
Efeitos da CPI
O relator Renan Calheiros fez um balanço dos quatro meses da CPI. Ressaltou que, desde o início das investigações, o governo federal mudou a postura em relação à pandemia de coronavírus.
— Graças à luz colocada pela CPI, o governo cancelou o contrato fraudulento da Covaxin; demitiu servidores que pediam propinas; cancelou negociações com atravessadores; comprou vacinas; parou de alardear sobre a fraude do tratamento precoce; fez influenciadores e sites de fake news apagarem posts que agravaram a pandemia; e fez até o filho negacionista do presidente se vacinar e postar nas redes sociais! — afirmou, referindo-se ao senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
O relator anunciou que mais três depoentes passarão da condição de testemunhas para a de investigados pela CPI: Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde; Francisco Maximiano, dono da empresa Precisa Medicamentos; e Emanuel Catori, sócio da empresa Belcher Farmacêutica.
Renan confirmou ainda que deve entregar o relatório final na segunda quinzena de setembro.
Os militares são tipos autoritários: aplicam golpes políticos, envolvem-se em corrupção financeira e ameaçam a sociedade exigindo que lhes preste reverência
por Alexandre Aragão de Albuquerque /A Terra É Redonda
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A categoria “golpe” é consagrada na ciência política como o ato político de traição a alguém ou a alguma coisa. É um recurso extremo que a classe dominante lança mão visando a assegurar ou a recuperar privilégios assenhorados dentro de uma ordem social, injusta e desigual, construída ao longo da história de uma determinada sociedade.
Golpe não possui uma única forma de execução, pode assumir diversos formatos. Não há golpe ideal, mas sempre golpe possível. Não é um simples fato pontual de tomada de poder, mas um processo de ruptura e manutenção de uma nova ordem.
O saudoso cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em sua obra “A Democracia Impedida. O Brasil no Século XXI” (2017), atesta que o Golpe parlamentar de 2016 chega a ser pior do que o de 1964 por possuir um caráter antinacional e reacionário muito mais violento que o anterior, uma vez que naquele havia ao menos um compromisso com os interesses nacionais. O leque de forças militares e civis que derrubou a presidenta Dilma Rousseff tem declarados compromissos antinacionais, de subserviência aos Estados Unidos, e corporativos.
Seis anos atrás, em 31 de março de 2015, publicamos um artigo intitulado “A defesa da democracia”, como um sinal de advertência a partir de nossa percepção do processo golpista em curso, seja com a eleição de Eduardo Cunha (MDB – RJ) à presidência da Câmara Federal, como também pelo fato das manifestações de rua, organizadas por movimentos recém-criados, como MBL e Vem pra Rua, demonizando a política e pedindo o retorno do regime militar, numa evidente demonstração da guerra de espectro total colocada em movimento no Brasil, pelas mãos da CIA estadunidense, com ampla orquestração da Rede Globo e demais organizações da mídia corporativa.
Naquele nosso artigo rememoramos uma importante manifestação do general Alfredo Souto Malan, publicada no dia 31 de março de 1979, na Folha de São Paulo, por ocasião do décimo quinto ano do golpe de 64, fazendo uma avaliação crítica daquela ditadura militar.
Em seu pronunciamento em 1979, o general Malan reclamava impacientemente pelo fim do arbítrio uma vez que, passados 15 anos, o movimento golpista “não conseguiu acabar com a corrupção, muito pelo contrário; como também não conseguiu organizar a realidade administrativa do país, nem tampouco conseguiu melhorar as condições de vida do povo brasileiro”. Na conclusão de seu diagnóstico, o general denunciou que o “arbítrio só tem feito aumentar a área de miséria do povo e a concentração da renda nacional nas mãos de uns poucos”.
Eis que chegamos a 2021, com um governo amplamente militarizado, cujo núcleo palaciano de poder encontra-se nas mãos de três generais do exército à frente dos ministérios da Casa Civil (Eduardo Ramos), da Defesa (Braga Netto) e do GSI (Augusto Heleno), contando ainda com quase sete mil militares das Forças Armadas em postos de comando nos diversos escalões da administração federal. Como recorte ilustrativo, anota-se, entre estes, o presidente da Petrobrás, general Joaquim Silva e Luna; o diretor-geral da Itaipu Binacional, general João Francisco Ferreira; o ministro de Minas e Energia, almirante de esquadra Bento Albuquerque. O ministério da Saúde, em plena pandemia, era comandado até março deste ano por outro general, Eduardo Pazuello.
No Diário Oficial de 19 de maio de 2020, o general Pazuello nomeou diversos militares do Exército, um grupo de 10 (dez), para atuar em cargos-chaves no seu ministério. Entre estes estava o coronel Élcio Franco ocupando o posto de secretário-executivo, uma espécie de executor-imediato das ordens do general. É justamente o coronel Élcio Franco o pivô das negociatas das vacinas, centro das denúncias, conforme tem descoberto amplamente a CPI do Genocídio em seus trabalhos investigativos.
Ocorre que desde abril, após a demissão de Pazuello, o coronel Élcio Franco, estranhamente, foi deslocado do ministério da Saúde para o interior do palácio presidencial, despachando como assessor especial do ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, agora sob as ordens diretas do general Eduardo Ramos.
Na quinta-feira, 15/07, durante depoimento à CPI do Genocídio, o representante no Brasil da empresa Davati Medical Supply, Cristiano Carvalho, abriu a caixa de ferramentas elencando o nome de pelo menos sete coronéis envolvidos em supostas negociações superfaturadas de aquisição de imunizantes contra a Covid. Ante o exposto, o presidente da Comissão, senador Omar Aziz (PSD – AM), exigiu a exoneração do coronel Élcio Franco afirmando que “um elemento como ele não pode estar desfrutando da antessala do presidente da República”.
Este fato inusitado remonta ao ocorrido com o julgamento do Mensalão, quando o relator do processo, ministro do STF Joaquim Barbosa, aplicou de forma literal e com uma hermenêutica questionável a Teoria do Domínio do Fato visando a incriminar, sem provas, o então ministro da Casa Civil, deputado federal José Dirceu (PT-SP), pelo fato de se presumir que por ele estar na hierarquia superior, seria conhecedor dos fatos clandestinos que ocorriam na empresa estatal Petrobrás.
Agora no caso do esquema de corrupção das vacinas da Covid, os supostos delitos não ocorrem numa estatal, mas num ministério do governo federal. Algo de uma gravidade infinitamente maior, principalmente após a denúncia apresentada pelos irmãos Miranda em depoimento na CPI no dia 28 de junho. Indaga-se: em caso de ser apresentada denúncia, usará o STF do mesmo critério para julgar e condenar os ministros superiores do coronel Élcio Franco nas pastas da Saúde e da Casa Civil?
Mas o depoimento de Cristiano Carvalho vai mais além ao fornecer lentes potentes, permitindo alcançar outros fatos, ajudando-nos a entendê-los um pouco melhor.
Em primeiro lugar, destaca-se episódio ocorrido em 27 de maio de 2021, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, quando o presidente Jair, após 30 dias de funcionamento da CPI do Genocídio, em sua costumeira live disparou, em mais um dos seus numerosos atos falhos: “Omar Aziz, pelo amor de Deus, encerra logo essa CPI”. O que preocupava tanto o presidente Jair, a ponto de enviar esse apelo desesperado? E por que a partir desta data, ele com seus filhos zeros partiram para um flagrante ataque aos três senadores coordenadores dos trabalhos da CPI? Estaria Jair prevendo os riscos de a Comissão alcançar essas podres revelações envolvendo o seu governo e os seus generais?
O segundo acontecimento volta-se para os malfeitos perpetrados por Pazuello e sua equipe de militares à frente da política sanitária desenvolvida no ministério da Saúde. Mesmo após sua demissão, Pazuello foi alocado na Secretaria de Assuntos Estratégicos, ligada diretamente à Presidência da República. Por que será?
Como agravante, em 16 de julho, o jornal Folha de São Paulo publicou reportagem documentada por um vídeo denunciando uma negociação, fora de sua agenda oficial, no dia 11 de março, do então ministro da Saúde, general Pazuello, com um grupo de atravessadores na compra de 30 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac por preço 03 (três) vezes superior (US$28) ao já negociado com o brasileiro Instituto Butantan (US$10). Importante registrar que em 19 de maio, quando de seu depoimento à CPI do Genocídio, o general Pazuello disse que “nunca liderou negociações com a Pfizer porque um ministro jamais deve negociar com uma empresa”, debochando do relator da Comissão.
Por fim, importante observar que demitido em quinze de março deste ano, o general Pazuello participou logo em seguida de uma manifestação político-partidária em apoio ao presidente Jair, descumprindo o regulamento militar. Mas, além de não haver sido punido por este ato público de indisciplina, o Comandante do Exército, general Paulo Sérgio, impôs a ocultação por 100 (cem) anos a todo o processo envolvendo Pazuello, Bolsonaro e o Exército nestas questões. O que de tão grave é preciso manter-se escondido por um século?
Portanto, o depoimento de Cristiano Carvalho ajuda-nos a perceber muitas contradições, entre as quais o quanto os militares são tipos autoritários: aplicam golpes políticos, envolvem-se em corrupção financeira e, ao mesmo tempo, ameaçam a sociedade exigindo que lhes preste reverência, apesar de seus comportamentos delituosos. Promovem uma autoimagem ideologicamente construída como se eles fossem santidades incorruptíveis, como se suas fardas fossem batinas clericais. Quanta hipocrisia!
por Cristina Serra
Num vídeo que registrou a troca de comando no ministério da Saúde, em março, o ministro que estava de saída, general Eduardo Pazuello, aparece dizendo que não recebeu empresários nem lobistas enquanto esteve no cargo. Segundo ele, a atitude teria contrariado prática corrente no ministério e contribuído para sua queda.
Quando esteve na CPI, cobrado pela falta de empenho em responder à oferta de vacinas da Pfizer, o general disse que, como “decisor”, não cabia a ele negociar com a farmacêutica. “O ministro não pode receber as empresas (…) não pode fazer negociações com empresa”, respondeu.
O esforço para construir imagem de gestor probo se liquefaz com o vídeo, revelado por esta Folha, em que Pazuello, ainda ministro, se mostra muito à vontade com representantes de uma empresa que prometia intermediar a compra de 30 milhões de doses da Coronavac. O preço era quase o triplo do cobrado pelo Instituto Butantan, vinculado ao governo de São Paulo, pela mesma vacina.
Quem conhece um pouco das formalidades que regem a burocracia de Brasília sabe que a versão de Pazuello para o vídeo não é minimamente crível. Em flagrante contradição com o que afirmou nas ocasiões anteriores, o general diz, agora, que fora cumprimentar os representantes da empresa. O detalhe é que isso ocorreu fora da agenda e no gabinete de um subordinado, no caso, o onipresente secretário-executivo de Pazuello, coronel Élcio Franco.
A CPI já tem evidências suficientes de que o governo Bolsonaro só demonstrou interesse nas vacinas mais caras e/ou oferecidas por espertalhões em esquemas suspeitos. Era o “rachadão” da vacina. Tudo operado por uma corriola de coronéis na gestão do general.
Este senhor já deveria ter sido julgado pela justiça comum e preso. No Brasil anômalo em que estamos vivendo, ele segue acobertado e muito bem protegido em um gabinete no valhacouto do Planalto depois de ter ajudado a mandar 542.000 brasileiros para o cemitério.
por Jorge Gregory
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Não fosse trágico, o caso Davati serviria como um excelente roteiro para uma comédia pastelão. Um bando de pilantras bolsonaristas, daquele tipo de malandro especialista em aplicar o conto do vigário em rodoviária de cidade do interior, envolve do mais baixo escalão até o Secretário Executivo do Ministério da Saúde em um golpe revestido de um primarismo absolutamente inacreditável. No centro desta piada de mau gosto estão Cristiano Carvalho, o tipo de malandro que não acerta uma, um cabo da Polícia Militar e um pastor evangélico.
Para termos uma ideia de quem é Cristiano Carvalho, logo no início do depoimento, o senador Eduardo Braga revelou que o suposto profissional de vendas havia requerido o auxílio emergencial no ano passado. Por mais que a crise sanitária tenha imposto dificuldades a profissionais de vendas, difícil acreditar que alguém qualificado a assumir a representação de uma empresa internacional no Brasil tenha tido necessidade de apelar a tal recurso de sobrevivência. Ocorre que não só Cristiano não era o que ele vendia, como também não passa de um larapiozinho. Conforme revelou o Poder 360, o currículo de Carvalho é recheado de cargos que nunca exerceu, em empresas pelas quais nunca passou. Em síntese, um estelionatário.
Quanto à empresa que ele representava, a Davati, esta abriu há apenas um ano e pertence a Hernán Cardenas. Um cubano empresário nos Estados Unidos. É obviamente um exilado e negócios de exilados cubanos normalmente não são dos mais recomendáveis. Quanto à empresa, há evidências de que já tenha aplicado golpe envolvendo vacinas no Canadá e claramente pretendia também aplicar no Brasil. É absolutamente inacreditável que Cardenas pudesse obter a representação de qualquer laboratório, especialmente do AstraZeneca ou Jansen. O mais interessante desse enredo é que Cardenas não encontrou Carvalho ao acaso ou por um processo de seleção de executivos.
A ligação entre Cardenas e Carvalho se estabeleceu por meio do coronel reformado da Aeronáutica, Gláucio Otaviano Guerra. Coincidentemente, um coronel que, segundo apurou o blog DCM, vive nos Estados Unidos, onde tem uma empresa de consultoria. Coincidentemente também, muito coincidentemente, o irmão mais velho de Guerra é ex-policial federal acusado de pertencer às milícias do Rio de Janeiro e ter ligações muito próximas a Queiroz, aquele mesmo das rachadinhas de Flávio Bolsonaro.
Carvalho tentou fazer crer em seu depoimento que conheceu Dominguetti em janeiro deste ano e que o cabo o procurou pois tinha uma demanda de vacina. Dominguetti, cabo da Polícia Militar de Minas, mesmo Estado de Carvalho, segundo se pode apurar nas suas redes sociais e de seus familiares, também é, coincidentemente, um fanático bolsonarista. Dominguetti teria vindo a Brasília passear e, também por coincidência, teria se encontrado com um tal coronel Odilon, que o apresentou ao pastor Amilton e ao coronel Blanco. Amilton e Blanco, também assumidamente bolsonaristas.
E aqui já temos mais dois coronéis na jogada, Odilon e Blanco. Papo vai, papo vem, Dominguetti deve ter lembrado que ouviu falar que um determinado sujeito, em Minas Gerais, representava uma empresa americana que tinha vacinas para vender e descobriu, sabe-se lá como, o telefone do tal Carvalho. Ou talvez Dominguetti tenha consultado no Google “oferta de vacinas Covid” e descoberto o Carvalho. Me enganem que eu gosto.
Estabelecida a conexão da seção bolsonarista mineira com a seção brasiliense, o trio definiu suas estratégias. O coronel Blanco, que havia trabalhado como adjunto do diretor de importação, Roberto Ferreira Dias, abriria, por intermédio deste, as portas do Ministério da Saúde. O pastor, por meio dos canais bolsonaristas neopentecostais, tentaria chegar diretamente em Bolsonaro ou Michele. Nesse meio tempo, Blanco conseguiu um encontro dele e Dominguetti com Dias em um restaurante onde negociaram a divisão do butim. Já o pastor descobriu que tinha menos cacife do que imaginava e, por meio das redes bolsonaristas, estabeleceu um novo caminho, contatando o coronel Hélcio Bruno, presidente de uma organização envolvida com o Gabinete do Ódio. Mais um coronel entrou na jogada.
Por meio do coronel Hélcio Bruno, a dupla Carvalho e Dominguetti conseguiu audiência com o secretário executivo do Ministério da Saúde, coronel Élcio Franco. Na reunião estavam presentes, além de Élcio Franco, os coronéis Boechat e Lima. A reunião decidu pela absurda indicação do pastor Amilton como representante do governo junto à Davati, assim como pelo encaminhamento de proposta ao Ministério de fornecimento de vacinas da Jansen. O contrato seria assinado entre a ONG do pastor e o Ministério. Obviamente o esquema não foi para frente, pois a tal ONG certamente não tem nenhuma qualificação para firmar tal contrato, mas o fato é que, nessa história toda, saiu coronel pelo ladrão.
No caso Covaxin, a mutreta foi mais sofisticada. Ao que tudo indica, foi montada pelo Centrão, mais especificamente pelo esquema do deputado Ricardo Barros. Utilizando-se de uma empresa da cidade do parlamentar como representante da fabricante, a assinatura do contrato logrou êxito e o que mais chamava a atenção, embora não constasse no contrato, era a insistência de que os pagamentos fossem efetuados antecipadamente e a uma empresa offshore, sediada em um paraíso fiscal. Em que pesem as suspeitas sobre a integridade da Precisa, seria natural que a fabricante a remunerasse pela representação. Porém, uma vez que os pagamentos seriam remetidos a empresas situadas em paraíso fiscal, certamente a representante brasileira não seria a única a ser remunerada. Se o esquema era do Centrão, não se pode desconhecer o envolvimento de Élcio Franco e Pazuello, pois o contrato foi negociado e assinado por eles.
O último caso de maracutaia que tomamos conhecimento é o da World Brands, uma empresa de Itajaí, Santa Catarina, cuja atividade principal, segundo pude apurar, é o comércio atacadista. Talvez até importe bugigangas para lojinhas de R$ 1,99, mas vacinas e produtos farmacêuticos, seria muitíssimo pouco provável. Segundo ficou evidente com o vídeo divulgado na semana que passou, esta absurda negociação foi conduzida diretamente por Pazuello. Ainda está por ser revelado quem intermediou a reunião que resultou no vídeo.
Nos casos da dupla Carvalho e Dominguetti e da World Brands, é impossível que a cúpula do Ministério, totalmente militarizado por Pazuello, não tivesse consciência de que a AstraZeneca e a Sinovac, cuja representação está legalmente delegada à Fiocruz e ao Butantã, respectivamente, jamais designariam outros representantes para negociar seus imunizantes no Brasil. Ou seja, Pazuello e Franco tinham absoluta clareza de que as vacinas oferecidas pelos intermediários com quem negociaram com pagamento antecipado nunca seriam entregues e de que negociações diretamente com os representantes legais ocorreriam a um custo bem menor. Em outras palavras, o que fica absolutamente evidente nesses três casos é que tanto a ala militar do Ministério como a ala representante do Centrão estavam atrás de treta, de maracutaia, e não de vacinas. Isso que apenas estes três casos vieram à tona até agora.
Diante de tais fatos, reagir como reagiu Braga Netto à manifestação de Omar Aziz – que apontou a existência de uma banda podre das Forças Armadas –, é vestir a carapuça. Braga Netto e toda a turma de generais ligados a Villas Boas sabiam muito bem com quem estavam se associando e que estavam carregando as Forças Armadas junto. Não era segredo para ninguém a ligação de Bolsonaro com as milícias cariocas e muito menos suas práticas de rachadinha. Sabiam, esses generais, que estavam se juntando a um bando de pastores charlatões e empresários picaretas, que vão desde os “veios da Havan” com seus negócios escusos a golpistas de rodoviária como Cristiano Carvalho. Não serão ameaças de “não nos investiguem que reagiremos” que irão absolvê-los por terem colocado as instituições militares nesse lamaçal de corrupção e bandidagem. Serão julgados pela história por sua associação com o genocídio e com a corrupção. Esperamos que a banda sadia, se houver, comece a reagir e a extirpar de suas fileiras essa banda podre que só faz manchar ainda mais a imagem das Forças Armadas.
por Altamiro Borges
Depois do fujão Carlos Wizard e do "Véio da Havan", mais um empresário bolsonarista está na mira da CPI do Genocídio. O site Metrópoles informa que a comissão deseja investigar o Instituto Força Brasil, uma sinistra entidade que tem como vice-presidente o picareta Otávio Fakhoury, acusado de financiar disparos de fake news em plena pandemia da Covid-19.
A proposta de apurar as sujeiras da ONG foi apresentada pelo vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Esse Instituto Força Brasil tem feito campanhas negacionistas em relação à pandemia, em relação às vacinas, e intermediou um negócio para uma vacina fake. Um golpe". A entidade teve as portas abertas no laranjal bolsonariano.
O sinistro Instituto Força Brasil
É necessário virar de vez o “jogo ideológico” e impor um “fim ao bolsonarismo, do militarismo, da hipocrisia religiosa”
247 - O jurista e professor da Universidade de São Paulo Alysson Mascaro, em entrevista à TV 247, avaliou que, para que as manifestações populares pelo “Fora Bolsonaro” ganhem ainda mais força, é preciso ir além e demandar um verdadeiro projeto de País.
Mascaro comentou sobre o Brasil ter ultrapassado a marca dos 530 mil mortos pela Covid-19. O jurista atribuiu a queda de Jair Bolsonaro nas pesquisas eleitorais à percepção de que o presidente é o grande responsável pela situação da pandemia.
Para ele, as estatísticas são essenciais para demonstrar a gravidade da situação, mas é necessário ir além e projetar “o que queremos dessa realidade”. “Qual será o movimento de resistência, de luta e de chamado progressismo e transformação social do Brasil? É um momento exemplar no qual eventualmente o opressor levou uma certa pancada e está bambeando. Agora é o momento de percebermos se o povo brasileiro, se trabalhadoras e trabalhadores vão assistir a esse bambeamento ou vão aproveitar para dar um soco na cara”, disse o jurista.
Ele destaca que, para virar “o jogo ideologicamente”, ativistas devem pautar temas como o poder indevido dos militares e a hipocrisia religiosa do governo Bolsonaro: “A grande questão é que as manifestações daqui a uma semana e outras mais não podem ser só pelo ‘Fora Bolsonaro’. Esse é o primeiro momento no qual precisamos jogar a pauta do que queremos para os próximos anos. Efetivamente, isto é tirar da esfera pública o moralismo, acabar com a percepção de que militares têm que governar e com a dimensão de que a pauta política tem que ser feita por religiosos. Pela primeira vez, está na hora de faturar em cima desta gente moralista que não tem moral. Portanto, a pauta política de agora é o fim do Bolsonaro e mais uma série de pautas que devem vir juntas... Militares no quartel, chega de hipocrisia religiosa. Precisamos virar o jogo ideologicamente e começar a pautar simbólica e imaginariamente a luta do Brasil a partir desse momento”.
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