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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

18
Set23

Boipeba: Vidas em jogo no patrimônio federal

Talis Andrade
Cercas se multiplicam e se achegam às praias na ilha de Boipeba. Foto: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil / O Eco

 

Boipeba: a luta do povos contra os “barões do litoral” que tudo matam (segunda parte)

Matriarca do samba de raíz em Boipeba, Jenice Santos pede muita cautela antes que moradores e autoridades públicas dêem sinal verde definitivo ao empreendimento. “Fica esperto, abre o olho e pare para analisar, que é para depois não chorar”, avisa.

“Eu sou nativa de Boipeba, vivi muitos anos pescando, tirando polvo, metendo o braço no buraco do caranguejo, pescando naquele rio do Catu. Então como é que hoje eu vou aceitar que as pessoas vêm de fora querer poluir um lugar tão bonito”, reclama. 

 

Cata de caranguejo e pesca de polvo (abaixo), duas atividades tradicionais da ilha de Boipeba. Fotos: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil/ O Eco

 

Patrimônio federal

A licença do governo baiano ao projeto Ponta dos Castelhanos foi abalada no início de abril, quando a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) suspendeu  a transferência de titularidade das terras federais à Mangaba Cultivo de Coco. O repasse ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, em abril de 2022.

O bloqueio vale por 90 dias. Até lá, a empresa não pode realizar “qualquer obra ou benfeitoria” no “resort”, determina o governo federal, e a SPU emitirá um parecer definitivo sobre o imóvel. Se for confirmado como patrimônio da União, a licença do Inema pode ser derrubada.

“A licença perde completamente a validade. A partir de estudos, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União já fizeram essa indicação. Infelizmente o Inema não seguiu essa orientação”, lamenta o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA).

Ao mesmo tempo, uma ação do MPF questiona os prejuízos do empreendimento às comunidades locais, que têm preferência no uso das terras da União. “A área não é propriedade particular, ela é pública. Ela é muito pública”, diz o procurador federal Ramiro Rockenbach. 

“Não podemos permitir neste país nenhum tipo de fraude, nenhum tipo de grilagem de terra pública. É proibido que se faça um regime de ocupação quando uma área tem interesse ambiental, quando uma área é ocupada por comunidades tradicionais”, salienta. 

Professor de Direito na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e membro do Conselho Gestor da APA Tinharé-Boipeba, Leonardo Fiusa denuncia que grandes empresas, latifundiários, especuladores de terras e até agentes de governos tomam terras públicas no litoral baiano. 

“É uma avalanche de empreendimentos, de cercamentos e de desmatamentos afetando o modo de vida das famílias tradicionais e o meio ambiente”, destaca o pesquisador, também membro do Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL).

 

Vidas em jogo

Ao mesmo tempo em que ameaça distribuir prejuízos socioambientais, o Ponta dos Castelhanos é visto como uma possibilidade de mudança de vida por moradores de Boipeba, negligenciados por políticas públicas para geração de empregos e renda, de saúde e de educação.

A esperança é mais forte no povoado de São Sebastião, ou Cova da Onça, rodeado pela fazenda onde pode ser implantado o projeto. “Muitos alunos desistem de estudar porque não tem perspectiva de futuro”, lamenta a pedagoga Taiane Magalhães.

“As dificuldades que a gente vem enfrentando fizeram a gente acordar e correr atrás do empreendimento, mas ao mesmo tempo em que queremos o desenvolvimento para nossas comunidades, queremos que [o projeto] ocorra de forma sustentável e com nossos direitos respeitados”, diz.

O avanço de empreendimentos privados no litoral sul baiano ocorre também num cenário de criminalidade crescente. Narcotraficantes já monitoram a circulação de pessoas e veículos nas vias de terra e areia nas ilhas de Tinharé e de Boipeba.

Uma fonte que não será identificada para sua segurança confirmou a ((o))eco pressões crescentes de marginais sobre as populações tradicionais. “Isso já está acontecendo, já está muito forte, até impondo uma ‘lei do silêncio’ nas comunidades”, revela. A situação é assumida pelo poder público.

“Temos três polos empregatícios em Cairu. Primeiro é o turismo, graças ao Morro de São Paulo, segundo é a Prefeitura e o terceiro é o crime organizado”, reconheceu o vereador Vereador Diego Meireles (DEM), presidente da Câmara Municipal de Cairu, onde estão as ilhas.

 

Outro lado (dos grileiros, dos madeireiros)

Boipeba: a luta do povos contra os “barões do litoral” Projeto turístico-imobiliário José Marinho(globo) e Armínio Fraga(Gávea inv), q devastará paraíso baiano, pode ser apenas o começo. População denuncia q uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e
Image
 
 

As fontes desta reportagem foram ouvidas por ((o))eco, em parceria com Mongabay Brasil, em Boipeba e numa audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia, em 18 de abril. José Roberto Marinho e Armínio Fraga não se pronunciaram. A posição da Mangaba Cultivo de Coco foi recebida por email e pode ser conferida abaixo. 

O projeto atende a todos os requisitos legais e regulamentares, e o Inema definiu 59 condicionantes que buscam evitar qualquer inadequação ou prejuízo ambiental. Dentre elas, está previsto que, entre os 69 lotes do projeto, dois deles serão destinados à comunidade para a construção de um Centro de Cultura e Capacitação (CECC), campo de futebol, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos. Tais condicionantes garantem ainda o livre acesso para atividades extrativistas, respeitando o limite do manguezal. Além disso, a comunidade terá ganhos imediatos, como um projeto integrado de saneamento básico e infraestrutura pública comunitária, preservação de fauna e flora, programas de educação ambiental, implementação de um programa de gerenciamento dos resíduos da comunidade de Cova da Onça, que contará com coleta seletiva e uma usina de tratamento de lixo. Isso sem falar em um programa de capacitação e na geração de empregos diretos para uma parte da população que, ao longo dos anos, permanece em situação vulnerável. 

O projeto não prevê a construção de nenhum campo de golfe. As construções serão eventualmente realizadas em menos de 2% da área total, com supressão vegetal em apenas 0,17% (e sua devida compensação determinada pela Lei 11.428 de 2006) de 1.651 hectares adquiridos pelo grupo em 2008, o que garante a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba. Para além do cumprimento das condicionantes e medidas compensatórias, o projeto ocupará uma área menor do que determinam as regras de zoneamento da APA Tinharé Boipeba, oferecendo poucos lotes, entre 20 e 80 mil metros quadrados cada, para evitar um alto adensamento. Ressalte-se que esses terrenos previstos para a construção são compostos essencialmente por coqueirais. Ao contrário do que tem sido também divulgado, será garantido o acesso das comunidades a todos os caminhos relacionados com a pesca e coleta de mangaba e mariscos. Esses caminhos serão inclusive melhorados, para que fique ainda mais fácil, por exemplo, alcançar o Rio Catu,  os portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador.  Não haverá muros nem cercas.

Pelas nossas estimativas, considerando os ajustes realizados no projeto inicial, serão gerados aproximadamente 1500 empregos, na alta estação, e cerca de 700, na baixa estação.

A área está localizada em terreno de Marinha, que são considerados bens da União (Art. 20, VII, CRFB/88). Foi pleiteado, em 2007, pelo antigo proprietário, o aforamento gratuito, conforme Artigo 64 do Decreto-lei número 9760/1946, que trata as questões de transferência de domínio útil. Há, inclusive,  documentação que considera essa área privada. Existe farto registro de sua cadeia sucessória. Compramos o terreno em 2008 e, como legítimos proprietários, ocupamos legalmente essa área e continuamos pagando a taxa de ocupação (Artigo 127 do Decreto-lei 9760/1946), que já vinha sendo paga regularmente há muitos anos. Diversos documentos asseguram a posse do imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos pelos sócios da Mangaba Cultivo de Coco LTDA. Inicialmente, adquiriu-se direito de ocupação do antigo titular ainda em 2008, conforme escritura pública de compra e venda devidamente registrada em Cartório de Registro de Imóveis de Taperoá (BA). Além disso, há, ainda, a adequada Certidão de Autorização para Transferência (CAT), documento expedido pela própria SPU. Acrescente-se que o pedido de transferência teve todos os seus trâmites administrativos encerrados em 2022, quando passou a constar como titular um dos sócios. 

Constatamos, por meio de diálogos e escutas junto às comunidades locais,  que uma ampla maioria da população da Ilha de Boipeba é favorável ao desenvolvimento sustentável da região. Essa posição foi inclusive referendada por uma abaixo assinado realizado pela comunidade de Cova da Onça em 2019, com mais de 300 assinaturas. O projeto vai promover uma importante transformação social, com melhoria da qualidade de vida em comunidades com as quais foi estabelecido um diálogo intenso. Desde o início das tratativas com o Inema, em 2010, a Mangaba participou de diversas audiências públicas com essas comunidades, visando esclarecer as informações do projeto e os impactos socioambientais positivos para a região, bem como assegurar a mitigação e a devida ação compensatória relativa a quaisquer intervenções no território, para implementação do projeto.  Antes de ser aprovado pelo Inema, o projeto foi submetido à manifestação de diversos órgãos, como o  IPHAN, Fundação Palmares,  Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Prefeitura de Cairu e Ministério Público estadual. Além de todas as audiências públicas realizadas ao longo dos anos,  ocorreram em 2014, por exemplo, sete reuniões com as comunidades: Barra dos Carvalhos (9/9); Fazenda Cova da Onça (10/9); Sede do município de Cairu (10/9, uma reunião; e em 16/9 outras duas reuniões); Cova da Onça (17/9); Barra dos Carvalhos (23/9).

A empresa Mangaba Cultivo de Coco sempre primou pelo cumprimento irrestrito da legislação e do devido processo legal em relação ao projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos. Com base nessas diretrizes a empresa buscará fazer os esclarecimentos necessários e demonstrar a regularidade da ocupação da área pela Mangaba, esperando que tudo seja resolvido o mais rápido possível, em observância ao direito de todos. Vamos aguardar o trâmite legal, fazendo todos os esclarecimentos necessários em audiências públicas, bem como aos órgãos fiscalizadores, às comunidades e aos poderes institucionais do governo federal, estadual e do município de Cairu.

15
Set23

Boipeba: a luta do povos contra os “barões do litoral” que tudo matam

Talis Andrade
Foto: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil / O Eco

 

Projeto turístico-imobiliário José Marinho e Armínio Fraga, que devastará paraíso baiano, pode ser apenas o início. População denuncia que uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e territórios originários

25
Out22

Mais de dois bilhões de árvores mortas em quatro anos. O legado amazônico do ‘Presidente da Morte’

Talis Andrade

Conheça a árvore rainha da Amazônia, a gigantesca sagrada, Sumaúma - Portal  AmazôniaConheça a árvore rainha da Amazônia, a gigantesca sagrada, Sumaúma - Portal  AmazôniaSumaúma

 

 

O número de mortos do mandato de Bolsonaro também deve incluir um holocausto de vidas não humanas

 

 

porJONATHAN WATTS

Pense bem nisso. Mais de 2 bilhões de árvores foram mortas na floresta amazônica desde que Jair Bolsonaro se tornou presidente do Brasil.

Um massacre dessa dimensão é quase impossível de conceber. Então, vamos percorrer juntos essa escalada. Pense nas duas árvores favoritas de sua vida: talvez aquelas com as quais você cresceu e que lembra sua família, ou as belezas outonais de um jardim ou parque favoritos, ou aquelas que na sua rua dão um sopro de cor e de vida quando você passa por elas no seu caminho para fazer compras, ou as árvores enormes que lhe deram sombra no sol ou abrigo na chuva.

Multiplique essas duas árvores primeiro por dez, depois por cem, em seguida por mil. Por um instante vista a pele dessa árvore, enfie-se dentro de seu tronco e imagine a vitalidade ali contida. Pássaros, insetos, musgos, liquens, pequenos animais, riachos gotejantes. Pegue então essas duas mil árvores e multiplique-as por mil e pense quantas horas levaria para você caminhar por essa floresta de dois milhões de árvores que você criou. Ainda não é tudo. Finalmente pegue essa floresta inteira e mais uma vez multiplique-a por mil. Aí, sim, pare e espante-se diante da imensidão da existência de 2 bilhões de árvores.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. Em geral, quando a gente fala de desmatamento, ignoramos números como esse, número de vidas. Em vez disso, falamos de hectares, ou quilômetros quadrados, ou campos de futebol, ou comparamos com o tamanho de Manhattan ou o País de Gales. Também é assim que eu tenho escrito por mais de dez anos. Mas a derrubada da Amazônia não deve ser medida somente em termos imobiliários. Essa terra é viva. Mais viva do que qualquer outra no planeta. É densa de plantas, repleta de insetos, preenchida por cantos de pássaros, sapos e macacos. Quando nós falamos tranquilamente sobre a abertura de clareiras devemos ter consciência de que isso significa o assassinato da vida, o massacre da natureza.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. Em média, isso é mais de um milhão por dia, 57 mil por hora, 950 por minuto ou 15 por segundo. Não tem como isso ser feito com machados ou motosserras ou mesmo tratores. Não é por acaso que grileiros e fazendeiros usam o fogo. Sua ação produz uma névoa no céu durante a época de queimadas mesmo quando não dá para ver as chamas. Pilotos de avião sofrem para sobrevoar a fumaça. Às vezes, jogos de futebol precisam ser cancelados por causa da pouca visibilidade. Quando me preparava para escrever este artigo, nós tivemos uma névoa dessas aqui em Altamira. No mês passado, vimos um incêndio no horizonte tão intenso que gerou seus próprios relâmpagos.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos significa que as queimadas se tornaram comuns. Há muito menos risco de punição agora que o presidente eviscerou os órgãos de proteção ambiental e deu sinal verde para madeireiros, garimpeiros e grileiros. Sob Bolsonaro, o desmatamento é agora 86% maior do que nos oito anos anteriores. Para aqueles que prosperam pelas chamas e fumaça, esta tem sido uma era dourada, mas eles explicitamente temem que ela esteja chegando ao fim. Com Bolsonaro em segundo lugar nas pesquisas e o risco de a maioria dos eleitores escolherem um presidente com menos gosto para incêndios criminosos, há uma corrida para queimar a floresta enquanto é tempo. Como SUMAÚMA documentou em sua primeira edição, o último mês viu 33.116 incêndios na Amazônia – pior número desde que Bolsonaro assumiu. O mês de setembro pode ser ainda mais devastador, com 22.487 queimadas apenas nos primeiros dez dias.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. Conforme o fogo avança, o quanto de vida não expira? SUMAÚMA pediu para o renomado instituto de pesquisa Imazon uma estimativa do impacto na floresta amazônica. Segundo Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon, o número de árvores com pelo menos dez centímetros de diâmetro que provavelmente foram destruídas ou afetadas pelo fogo e derrubadas desde agosto de 2018 está entre 2,2 e 2,6 bilhões. O número de macacos mortos, machucados ou impactados está entre 1,6 milhão e 3,8 milhões, enquanto que o número de pássaros que perderam seus ninhos, habitats ou vidas está entre 78,1 e 89,1 milhões.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. Essas estimativas são calculadas usando uma avaliação do número médio desses grupos em um único hectare da Amazônia, e então esse valor é multiplicado por 4.709.511, que é o número de hectares que queimaram ou foram derrubados nos últimos quatro anos. Para fazer uma dupla verificação, perguntei a outro pesquisador de renome internacional, Tasso Azevedo, do Map Biomas, qual era sua própria avaliação de danos. A resposta é bastante semelhante: 2,3 bilhões de árvores destruídas de 2019 até hoje.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. O número de mortos de outras espécies é quase impossível de avaliar. Cientistas acreditam que identificaram menos da metade das espécies na floresta. Noemia Ishikawa, a principal micologista da Amazônia, me contou que há tantos tipos novos de fungos sendo descobertos que é difícil saber quantos mais existem por aí, o que faz com que a perda deles seja impossível de calcular. A situação para insetos, orquídeas, liquens, minhocas e bactérias é ainda mais obscura.

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos e esta é uma estimativa conservadora baseada unicamente em terras totalmente devastadas na Amazônia. Ela não leva em conta a parte da floresta parcialmente degradada, que é enorme. Nem inclui outros vastos biomas do Brasil, como a Mata Atlântica, o Pantanal e o Cerrado. Como podemos avaliar a perda dessa complexa rede de interações? Certamente não em termos de mercado, que tendem a valorizar mais as árvores mortas do que vivas. Economistas tentaram repetidamente medir os “serviços ambientais” fornecidos por uma floresta viva em termos de sequestro de carbono, purificação da água, produção de comida, benefícios de saúde, fornecimento de habitats e regeneração de solo. Suas contagens em dólar possuem uma impressionante quantidade de zeros, mas não chega nem perto do que está sendo realmente perdido. Como é que se pode precificar um clima estável, ciclos globais de água, bem-estar espiritual, interdependência? Ou como precificar o impacto de saber que suas crianças vão herdar um mundo degradado no qual a maior floresta tropical está sendo incinerada até o ponto de não retorno?

Dois bilhões de árvores em menos de quatro anos. Meu amigo e colega Dom Phillips descreveu Bolsonaro como “o presidente da morte” em uma mensagem de WhatsApp que me mandou em 2021. Ele estava falando principalmente da resposta assassina e desdenhosa que o líder do Brasil deu à pandemia de covid-19, que até agora resultou na morte de mais de 685 mil brasileiros, uma das piores contagens nacionais do mundo. Mas Dom também reportou e temeu a piora da destruição da Amazônia, o relaxamento das leis de armas, os níveis crescentes de fome, o aumento da confortável impunidade de criminosos, além de casos de violência contra os defensores da floresta e os ambientalistas. Essas são todas manifestações de uma cultura da morte. Dom também foi vítima de uma cultura do assassinato, quando, em junho deste ano, ele e o indigenista Bruno Pereira foram executados e enterrados no Vale do Javari. Dom foi morto quando fazia suas pesquisas para um livro chamado “Como Salvar a Amazônia”.

Dois bilhões em menos de quatros anos. O ex-capitão que se tornou presidente se gaba de sua disposição para tirar vidas. “Eu sou um capitão do Exército”, disse ele antes de assumir o poder. “Minha especialidade é matar.” Junto com pessoas e a natureza, essa bandidagem crua provocou outra baixa: a reputação global do Brasil. Dez anos atrás, o Brasil era admirado mundo afora como uma democracia multiétnica que crescia saudavelmente e que estava enfrentando a desigualdade e a destruição ambiental. Hoje, o país tornou-se um pária internacional graças às grosserias de seu líder. Apenas uma rápida olhada na onda de manchetes negativas desde que ele assumiu o poder e torna-se explícito que o presidente da morte está matando também a reputação do Brasil. É mais um legado que se soma a um número de vítimas fatais de covid equivalente à população de algumas capitais e a um holocausto florestal de 2 bilhões de árvores.

Tradução: Thiago LealImage

 

07
Jan21

Uma campanha para plantar árvores e esperança

Talis Andrade

Bosques da Memória | Reserva Ecológica de Guapiaçu

 

por Cristina Serra

Uma árvore para cada pessoa que morreu de covid-19 no Brasil. Esse é o objetivo dos “Bosques da Memória”, que estão sendo plantados em áreas de Mata Atlântica nos estados brasileiros com a presença do bioma. A campanha foi criada por três redes de ongs para homenagear as vítimas da pandemia e, ao mesmo tempo, estimular a restauração da floresta. A meta é plantar pelo menos 200 mil árvores em seis meses.

Os “Bosques da Memória” serão plantados em áreas que precisam recuperar o vigor da vegetação e o habitat para a fauna. As ongs criaram uma plataforma (www.bosquesdamemoria.com) para que os plantios sejam registrados num banco de dados: a localização, a quantidade de árvores, as espécies e fotos para monitorar seu crescimento. “Vamos manter os bosques vivos. Esse é um compromisso com as famílias”, explica Ludmila Pugliese, coordenadora do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, uma das redes na organização da campanha.

As outras duas são a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e a Rede de Ongs da Mata Atlântica, que reúne 280 organizações que trabalham com conservação. É esta capilaridade e a experiência de décadas que permitiu estabelecer a meta de plantio num dos ecossistemas mais degradados do Brasil, hoje reduzido a 11,73% da vegetação original.

Os plantios podem ser feitos por empresas, instituições públicas, governos e outras entidades. Vinte bosques já foram plantados. Um deles fica num assentamento de reforma agrária, em Presidente Epitácio, oeste de São Paulo, e receberá duas mil mudas. O plantio está sendo feito pela ong Apoena (Associação em Defesa do rio Paraná, Afluentes e Mata Ciliar), com espécies nobres da Mata Atlântica como: aroeira, jequitibá, jatobá, peroba rosa e os ipês amarelo, branco e roxo. “A ideia é fazer com que cada pessoa que morreu possa, de certa forma, renascer numa árvore”, explica Djalma Weffort, presidente da Apoena.

Em alguns plantios, as mudas recebem uma placa com o nome da pessoa homenageada. Foi assim que uma goiabeira branca – espécie não nativa, mas já incorporada à Mata Atlântica –  passou a se chamar Aldir Blanc, no bosque plantado pela Associação Mico-Leão-Dourado, em Silva Jardim (RJ).

A homenagem ao compositor, morto em maio, aos 73 anos, teve a presença da viúva, Mary Sá Freire. Ela escolheu a goiabeira branca porque a espécie foi personagem da infância de Aldir Blanc. “Cada árvore a ser reproduzida será nossa forma de dizer que as pessoas arrancadas da vida pela Covid se transformarão em símbolos de esperança”, afirmou Mary. A goiabeira era tão importante para o compositor que aparece em crônicas como “A árvore da vida”, texto, de certa forma, premonitório: “Sair de Vila Isabel foi muito parecido com morrer e me ocorre que ao escrever o presente texto, me aproximo, de forma cada vez mais rápida da árvore, transformada, agora sim, na goiabeira branca, que me recolherá definitivamente em seus galhos”.

A campanha coincide com os preparativos da Organização das Nações Unidas (ONU), para o lançamento da Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). É um esforço da ONU, com aprovação dos países membros, para criar um movimento global de recuperação, reverter a perda de espécies e ajudar no cumprimento de metas de redução de emissões de carbono. 

Por se encaixar no espírito dessa ação, a campanha brasileira foi reconhecida pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e será divulgada para outros países. “Os bosques mostram as múltiplas dimensões da restauração. A restauração cura a nossa relação com a natureza e ao mesmo tempo é uma experiência de cura para nós mesmos”, disse Tim Christophersen, da divisão de Ecossistemas do PNUMA, em Nairobi, Quênia.

 

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