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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

17
Abr23

Qual é o papel do jornalismo frente à barbárie?

Talis Andrade
 

Álisson Coelho /ObjETHOS

As cenas beiram o surrealismo para os padrões brasileiros. Em um país marcado por tantas violências, ataques em massa em escolas pareciam não fazer parte da nossa realidade. Mais do que isso, causava alguma estranheza ver, vindas dos Estados Unidos, imagens de episódios como o de Columbine, massacre escolar ocorrido em 20 de abril de 1999 e que, portanto, nesta semana completa 24 anos. Os últimos anos mostraram que, ao contrário do que supúnhamos, somos cada vez mais vulneráveis. Um cenário de medo que, não raro, recebe contribuições de uma imprensa que ainda não sabe como cobrir esses casos.

O papel do jornalismo na cobertura da barbárie, da intolerância e do radicalismo é tema de um tópico da newsletter publicada pelo ObjETHOS na semana passada. Essa, no entanto, é uma discussão que precisa necessariamente ser ampliada, especialmente em um momento no qual a sociedade brasileira habituou-se a utilizar a violência como reposta-base para muitos dos nossos problemas. Mesmo essa disposição à violência, vista como respondemos aos nossos problemas coletivos, traz consigo uma responsabilidade da qual a mídia brasileira não pode fugir. As novas e as “velhas” mídias.

Uma mãe ouve a confissão do assassino da filha ao vivo e quase desmaia. No canal seguinte, um homem é levado por uma enchente, enquanto se afoga ao vivo em rede nacional. Helicópteros sobrevoam as capitais do Brasil e o objetivo é sempre o mesmo: encontrar a violência e transmiti-la com a maior dose de sensacionalismo possível. Quanto mais barbárie, mais audiência, em um ciclo que se retroalimenta e torna apresentadores celebridades com salários milionários. Tudo ao vivo, em televisão aberta, durante boa parte das tardes da família brasileira.

Em um dos podcasts mais ouvidos do Brasil o apresentador defende ao vivo que o país tenha um partido nazista legalizado. No Twitter, adolescentes falam abertamente sobre atacar escolas. No Litoral do Rio Grande do Sul, a polícia encontra o quarto de um adolescente de 14 anos repleto de símbolos nazistas e fascistas, com bandeiras e fotos de Hitler e Mussolini. Ele também estaria preparando um ataque.

Todos esses casos parecem não ter uma relação direta, mas compõem um cenário no qual a violência vende e o extremismo gera conexões. O sensacionalismo dos programas televisivos normalizou a barbárie, e estabeleceu que a resposta a ela passa, necessariamente, por mais violência, as redes transformaram o extremismo em um negócio ainda mais lucrativo. Nada engaja mais do que a violência, o extremismo e um ambiente em que a oferta algoritmizada de conteúdo busca justamente engajar.

Em comum, a “velha” e a “nova” mídia tem a falta de regulação e a baixa responsabilização de seus proprietários. Juntas, contribuem decisivamente para esse cenário extremo vivenciado nos últimos meses. Agora, suas responsabilidades precisam ser revistas. Mais do que pensar nas práticas passadas, é preciso analisar o presente e o futuro. A radicalização não é um traço unicamente brasileiro, mas a repetição de casos de violência coloca a todos em alerta.

Mudanças de rumos

Após os recentes ataques em escolas, parte da imprensa brasileira tradicional mudou de posicionamento na cobertura dos casos. Nomes dos agressores, imagens dos ataques e outros detalhes deixarão de ser veiculados. A decisão já foi refletida nas reportagens sobre o ataque ocorrido em Blumenau, no último dia 5 de abril. Globo e Band, dois dos principais canais de TV aberta do país, são alguns dos veículos que adotaram a nova postura. O grupo O Estado de S. Paulo foi na mesma linha. Mas, ainda é pouco.

O ressurgimento global do autoritarismo apresenta desafios muito mais significativos para a imprensa. Mais do que um enquadramento voltado ao factual, é preciso contextualizar a sociedade brasileira em torno do problema. Na entrevista que deu ao podcast Pauta Pública, a jornalista Marie Declercq, que estuda fenômenos correlacionados em grupos na internet, chama a atenção para o debate raso visto na imprensa.

A maior parte dos grupos radicalizados sequer são amplamente conhecidos. Esse silenciamento em torno do funcionamento deles, em um contexto de plataformas que estimulam a oferta de conteúdo a partir do engajamento que ele gera, faz do extremismo um fenômeno extremamente espraiado em rede, mas pouco discutido pelos brasileiros. É preciso inverter essa lógica.

Como jornalistas, nossa colaboração possível neste cenário vem com a arma mais forte que temos: a informação. Aprofundar o debate é fundamental para que pais, professores e autoridades estejam atentos. Investigação jornalística de qualidade, ampliação das fontes que falam sobre esses temas – para além do aparato da segurança pública e o mapeamento do radicalismo em rede são contribuições práticas que o jornalismo pode e deve oferecer.

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26
Ago21

CPI, corrupção fardada e o papel da imprensa

Talis Andrade

morte covid ceifa.jpg

 

 

por Álisson Coelho /ObjETHOS

- - -

Desde 1979 o Brasil, enquanto nação, tem reafirmado uma decisão fundamental para entendermos o buraco em que nos metemos. Desde a Lei da Anistia temos renunciado coletivamente ao nosso direito de punir aqueles que representavam o Estado pelos muitos crimes cometidos pela ditadura militar (1964-1985). Acreditamos verdadeiramente que esquecer os nossos traumas era a melhor solução para recomeçarmos, algo que qualquer psicólogo diria que é uma péssima decisão. Não há como ler o Brasil de Bolsonaro sem ter esse ponto como premissa fundamental.

Vivemos os efeitos de traumas não superados, lembranças horríveis que vão se alterando até que tenhamos reescrito porcamente nossa história para, então, romantizarmos um período de barbárie. Dentre os muitos efeitos que essa decisão gerou na sociedade brasileira está um mito que começa a cair (ao menos um): o de que não há corrupção em governos militares.

O combate à corrupção foi uma das bandeiras do golpe de 1964 (parece familiar, não?). Demonstrações públicas de honestidade eram alardeadas pelos presidentes fardados, mas por trás das aparências, corruptores e representantes do governo aparelharam a roubalheira começando pelo jogo do bicho até as grandes obras governamentais, passando pelo crescimento vertiginoso das empreiteiras nacionais (ainda mais familiar). A Super tem um bom texto sobre o tema.

A corrupção no Ministério da Saúde veste farda

O monstrengo anticorrupção gestado no Brasil na última década, que de anticorrupção tem pouco, mas de conservador tem muito, aproveitou-se enormemente do mito da honestidade verde oliva. E foi assim que parimos um governo militar eleito pelo voto (em urnas eletrônicas, diga-se de passagem). Nos primeiros dois anos de governo da extrema-direita cada crise havia sido respondida com mais militares nos ministérios, e esses não são nem de longe o problema maior. Os escalões inferiores da máquina pública foram completamente ocupados por militares. São mais de 6 mil fardados ocupando cargos civis no governo Bolsonaro, em funções onde, de fato, as decisões cotidianas do governo são tomadas.

O que a CPI da Pandemia tem conseguido mostrar é que os militares não mudaram em nada desde que deixaram provisoriamente o poder. Ao ocupar a máquina pública tomaram para si os velhos esquemas operados por civis e inovaram, passaram a criar as suas próprias formas de roubar dinheiro público. A corrupção no Ministério da Saúde veste farda.

O que muda

Se os militares mudaram pouco desde o fim da ditadura, é certo que o cenário é bem diferente hoje daquele visto entre 1964 e 1985. E nesse contexto a imprensa tem um papel fundamental. CPIs são, via de regra, shows midiáticos, palanques eleitorais, picadeiros em que senadores, deputados ou vereadores se aproveitam do espaço midiático para garantir alguns votos. No entanto, no meio da cacofonia, do negacionismo e dos silêncios vistos em muitas sessões, as investigações apresentaram um desfile militar ainda mais deprimente do que aquele realizado pela esquadrilha terrestre da fumaça no último dia 10 de agosto.

São sargentos, tenentes, coronéis (muitos coronéis, chega a ser confuso) e até um cabo da PM de Minas Gerais implicados nos escândalos. Sob o comando do general da ativa Eduardo Pazuello, o homem que não entendia a pressa das pessoas por vacinas, militares das mais diferentes forças e patentes negociaram vacinas e propinas com a tranquilidade de quem vê milhares de pessoas morrendo todos os dias. Pensando bem faz sentido, considerando que matar não é exatamente um tabu para os militares.

Até aqui a imprensa tem cumprido um papel importante em amplificar as descobertas da comissão. Sem a censura, que os acobertou durante a ditadura, os militares veem seus crimes estampados no horário nobre. É necessário, no entanto, que o jornalismo aprofunde os indícios que têm sido apresentados. Mais do que jornalismo de investigação, é necessário um jornalismo investigativo que amplie as luzes sobre os desvios de conduta de civis e militares durante a condução das políticas públicas relacionadas à pandemia.

A organização e a reorganização da narrativa

Contar a história da pandemia no Brasil não é e não será tarefa das mais fáceis. Quando iniciada a CPI da Pandemia, a impressão é de que ela serviria apenas para organizar a narrativa dos descaminhos do governo Bolsonaro na (não) condução do combate à Covid. A linha a ser seguida era bastante clara: mostrar o absurdo do investimento no chamado tratamento precoce, a aposta bolsonarista na imunidade de rebanho por contágio, a incompetência na compra de vacinas, a falta de um comando nacional na condução das políticas sanitárias e o descaso mesclado com incompetência do governo na crise de oxigênio em Manaus.

Organizada essa narrativa, tendo ela toda documentada, a CPI já teria cumprido uma missão extremamente importante. Com o passar do tempo, no entanto, a CPI acabou podendo prometer mais. Os indícios de corrupção no governo tiveram duplo efeito. Se por um lado a sociedade passou a dedicar ainda mais atenção às investigações, por outro os senadores parecem ter ficado confusos com a profusão de linhas de investigação.

Essa confusão tem feito com que cada vez menos pessoas falem e acompanhem a CPI nas redes, algo fundamental para dar visibilidade aos trabalhos. É certo que as liminares do Supremo Tribunal Federal que garantem aos depoentes a prerrogativa do silêncio não ajudam, mas é preciso que os senadores que comandam os trabalhos encontrem uma linha de condução mais eficiente.

Chegado o estágio final dos trabalhos da comissão é preciso reorganizar a narrativa, tarefa que compete tanto aos senadores quanto à imprensa. Primeiro, retomando a lista acima dos descaminhos claros e conhecidos, mas que precisam ser documentados e organizados de forma clara para a sociedade. Em seguida, desmembrando os diferentes casos de corrupção, apresentando as provas recolhidas e apontando responsabilidades. A reorganização de todas essas narrativas é fundamental ante o risco cada vez maior de que a sociedade perceba a CPI como perda de tempo e de recursos públicos, algo que já tem sido orquestrado pelas redes bolsonaristas.

Reorganizadas as diferentes narrativas que nos trouxeram até a calamidade em que vivemos, a partir dos dados já disponíveis, a bola volta a ser do jornalismo. É preciso aprofundar as investigações, ir além da função de divulgador de investigações já realizadas. Há farto material já coletado, mas é certo que há muito mais por ser descoberto e essa é uma tarefa também do jornalismo, especialmente em um governo que aparelhou as instituições de investigação do Estado. E que dessa vez nós, enquanto nação, tenhamos a sabedoria de não escolher o esquecimento. Sabemos que os custos de optar por esse caminho são altos demais.

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